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5 de abril de 2022

O excesso no exercício do direito de informar é capaz de gerar dano moral ao denunciado quando o membro do Ministério Público comete abusos ao divulgar, na mídia, o oferecimento da denúncia criminal

Processo

REsp 1.842.613-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por maioria, julgado em 22/03/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Oferecimento de denúncia. Divulgação de termos da denúncia. Excesso no exercício do direito de informar. Agir midiático. Abuso cometido por membro do Ministério Público. Indenização por dano moral. Possibilidade.

 

DESTAQUE

O excesso no exercício do direito de informar é capaz de gerar dano moral ao denunciado quando o membro do Ministério Público comete abusos ao divulgar, na mídia, o oferecimento da denúncia criminal.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a determinar se houve excesso por membro do Ministério Público por ocasião da entrevista coletiva por meio da qual, na qualidade de Procurador da República, divulgava os termos da denúncia ofertada em desfavor do então denunciado.

Importa avaliar se houve o 'agir midiático' por parte do réu e abuso na divulgação da denúncia, capaz de gerar dano moral ao autor, porém, em nenhuma hipótese, o questionamento acerca do oferecimento, em si, da denúncia criminal ou os termos em que a peça fora elaborada ou os tipos penais que dela fazem parte.

É indispensável à solução do caso que seja examinada a configuração do alegado excesso no exercício do direito de informar, de divulgar o oferecimento da denúncia criminal, a partir dos parâmetros traçados pela responsabilidade extracontratual.

Com efeito, Código Civil orienta que "o abuso de direito consiste em um ato jurídico de objeto lícito, mas cujo exercício, levado a efeito sem a devida regularidade, acarreta um resultado que se considera ilícito" e a exclusão deste ilícito, apta a afastar a responsabilidade civil, deve estar associada ao regular exercício de um direito, cuja prática não tolera excessos

Destarte, de maneira objetiva, abusar do direito é extravasar os seus limites quando de seu exercício. Assim, configurado estará o abuso de direito, quando o agente, atuando dentro das prerrogativas que o ordenamento jurídico lhe confere, não observa a função social do direito subjetivo e, ao exercitá-lo, desconsideradamente, ocasiona prejuízo a outrem.

Na circunstância em análise, para verificação da ocorrência da subsunção dos fatos à cláusula geral do abuso do direito, em virtude da realização de coletiva de imprensa transmitida em rede nacional, cujo pretexto era informar a apresentação de denúncia criminal contra denunciado, o Procurador da República utilizou-se de expressões e qualificações desabonadoras da honra, imagem e não técnicas.

Nessa ordem ideias, o processo é o alicerce sobre o qual se materializa a tutela jurisdicional. Sendo o direito penal a última ratio, o processo penal se revela como plataforma capaz de garantir segurança jurídica na apuração de um tipo criminal, apto à concretização das garantias e direitos fundamentais de estatura constitucional.

A partir desse entendimento, não há espaço para dúvidas de que todos os agentes envolvidos nas bem delimitadas etapas da persecução penal devem cuidar para que o procedimento não se desvie de fundamentos éticos, assim como trabalhar pela preponderância intensificada dos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.

É imprescindível, para a eficiente custódia dos direitos fundamentais, que a divulgação do oferecimento de denúncia criminal se faça de forma precisa, coerente e fundamentada. Assim como a peça acusatória deve ser o espelho das investigações nas quais se alicerça, sua divulgação deve ser o espelho de seu estrito teor, balizada pelos fatos que a acusação lhe imputou, sob pena de não apenas vilipendiar-se direitos subjetivos, mas, também, e com igual gravidade, desacreditar o sistema jurídico.

Na linha desse raciocínio, no caso em exame, revela-se inadequada, evidenciando o abuso de direito, a conduta do membro do Ministério Público ao caracterizar o denunciado de forma pejorativa, assim como ao anunciar a imputação de fatos que não constavam do objeto da denúncia que se conferia publicidade por meio da coletiva convocada.

Se na peça de acusação não foram incluídas adjetivações "atécnicas", evidente que a sua anunciação também deveria reguardar-se daquelas qualificadores, que enviesam a notícia e a afasta da impessoalidade necessária, retirando o tom informativo (princípio da publicidade) e a coloca, indesejavelmente, como narrativa do narrador, por isso que, gerando dano moral a vítima, é passível de sancionamento civil.



18 de abril de 2021

A prática de sham litigation (litigância simulada) configura ato ilícito de abuso do direito de ação, podendo gerar indenização por danos morais e materiais

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://www.dizerodireito.com.br/2019/12/a-pratica-de-sham-litigation-litigancia.html 


Imagine a seguinte situação hipotética:

João e Pedro disputam, há cerca de 39 anos, uma grande Fazenda.
Nesse período, Pedro já propôs quase 10 ações judiciais contra João questionando a posse e propriedade do imóvel.
Todas as ações foram julgadas improcedentes e restou demonstrado que as demandas eram desprovidas de fundamentação idônea.
Depois disso, João ajuizou ação de reparação de danos materiais e morais contra Pedro, alegando que o réu praticou contra ele “atos de assédio processual” que teriam, por consequência, privado o autor, por décadas, de usar, dispor e fruir da propriedade familiar de que é herdeiro.

O pedido de João encontra amparo no ordenamento jurídico? É possível, em tese, reconhecer a prática de ato ilícito em um caso semelhante a esse?
SIM. O abuso do direito de ação ou do direito de defesa pode configurar o chamado “assédio processual”, configurando ato ilícito.
Vamos entender.

Abuso de direito
A figura do abuso de direito é mais conhecida e estudada no Brasil sob a perspectiva do direito material e, sobretudo, no âmbito do direito privado. O instituto é definido pelo art. 187 do Código Civil:
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Vale ressaltar, no entanto, que, embora não seja da tradição do direito processual civil brasileiro, é admissível o reconhecimento da existência do ato ilícito de abuso processual, tais como o abuso do direito fundamental de ação ou de defesa, não apenas em hipóteses previamente tipificadas na legislação, mas também quando configurada a má utilização dos direitos fundamentais processuais.

Nem todo abuso do direito de ação está tipificado nos arts. 77 a 81 do CPC/2015
Quando se fala em punição por ato abusivo no processo judicial, imediatamente se pensa nos arts. 77 a 81 do CPC/2015, que tratam sobre os deveres e as responsabilidades das partes por dano processual.
Ocorre que não se pode afirmar que todas as descomposturas, chicanas e tramoias processuais estão apenas ali elencadas.

Sham litigation
É no direito anglo-saxão, mais especificamente nos precedentes formados nos Estados Unidos da América, que encontramos fundamentos sólidos para se coibir o abusivo exercício do direito de peticionar e de demandar. Trata-se da proibição daquilo que se convencionou chamar de sham litigation.

Mas o que é o sham litigation?
“Prática conhecida nos Estados Unidos, a expressão Sham Litigation pode ser compreendida como ‘litigância simulada’. Trata-se de ação ou conjunto de ações promovidas junto ao Poder Judiciário, que não possuem embasamento sólido, fundamentado e potencialidade de sucesso, com o objetivo central e disfarçado de prejudicar algum concorrente direto do impetrante, causando-lhe danos e dificuldades de ordem financeira, estrutural e reputacional.” (CORRÊA, Rogério. Você sabe o que é Sham Litigation? Disponível em: https://sollicita.com.br/Noticia/?p_idNoticia=13665&n=voc%C3%AA-sabe-o-que-%C3%A9-sham-litigation? Acesso em 04/12/2019)

Na jurisprudência da Suprema Corte norte-americana, podemos encontrar precedentes dizendo que se a parte ingressa com inúmeros processos infundados e repetitivos, isso é um forte indício de abuso de direito, razão pela qual essa conduta não está albergada pela imunidade constitucional ao direito de peticionar (California Motor Transport Co. v. Trucking Unlimited, 404 U.S. 508, 1972).
Vale ressaltar que a doutrina da sham litigation se formou e consolidou com mais força no âmbito do direito concorrencial. A despeito disso, o raciocínio ali construído pode ser utilizado para se reconhecer e se reprimir também o abuso do direito de ação.

Abuso do direito de ação é excepcional
É importante, ressaltar, contudo, que o reconhecimento do eventual abuso do direito ação deve ser sempre excepcional. Isso porque o acesso à justiça é um direito fundamental intimamente ligado ao Estado Democrático de Direito.
Logo, esse abuso deve ser reconhecido apenas quando isso estiver caracterizado estreme de dúvidas, ou seja, de forma muito explícita, sem contradições.

Em suma:

O ajuizamento de sucessivas ações judiciais, desprovidas de fundamentação idônea e intentadas com propósito doloso, pode configurar ato ilícito de abuso do direito de ação ou de defesa, o denominado assédio processual.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.817.845-MS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/10/2019 (Info 658).

17 de abril de 2021

RECURSO ESPECIAL Nº 1.817.845 - MS (2016/0147826-7) 

RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO 

R.P/ACÓRDÃO : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. OMISSÃO E OBSCURIDADE. INOCORRÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. QUESTÃO DECIDIDA. ABUSO DO DIREITO DE AÇÃO E DE DEFESA. RECONHECIMENTO COMO ATO ILÍCITO. POSSIBILIDADE. PRÉVIA TIPIFICAÇÃO LEGAL DAS CONDUTAS. DESNECESSIDADE. AJUIZAMENTO SUCESSIVO E REPETITIVO DE AÇÕES TEMERÁRIAS, DESPROVIDAS DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA E INTENTADAS COM PROPÓSITO DOLOSO. MÁ UTILIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE AÇÃO E DEFESA. POSSIBILIDADE. USURPAÇÃO DE TERRAS AGRÍCOLAS PRODUTIVAS MEDIANTE PROCURAÇÃO FALSA POR QUASE 40 ANOS. DESAPOSSAMENTO INDEVIDO DOS LEGÍTIMOS PROPRIETÁRIOS E HERDEIROS E MANUTENÇÃO DE POSSE INJUSTA SOBRE O BEM MEDIANTE USO DE QUASE 10 AÇÕES OU PROCEDIMENTOS SEM FUNDAMENTAÇÃO PLAUSÍVEL, SENDO 04 DELAS NO CURTO LAPSO TEMPORAL CORRESPONDENTE À ÉPOCA DA ORDEM JUDICIAL DE RESTITUIÇÃO DA ÁREA E IMISSÃO NA POSSE DOS HERDEIROS, OCORRIDA EM 2011. PROPRIEDADE DOS HERDEIROS QUE HAVIA SIDO DECLARADA EM 1ª FASE DE AÇÃO DIVISÓRIA EM 1995. ABUSO PROCESSUAL A PARTIR DO QUAL FOI POSSÍVEL USURPAR, COM EXPERIMENTO DE LUCRO, AMPLA ÁREA AGRÍCOLA. DANOS MATERIAIS CONFIGURADOS, A SEREM LIQUIDADOS POR ARBITRAMENTO. PRIVAÇÃO DA ÁREA DE PROPRIEDADE DA ENTIDADE FAMILIAR, FORMADA INCLUSIVE POR MENORES DE TENRA IDADE. LONGO E EXCESSIVO PERÍODO DE PRIVAÇÃO, PROTRAÍDO NO TEMPO POR ATOS DOLOSOS E ABUSIVOS DE QUEM SABIA NÃO SER PROPRIETÁRIO DA ÁREA. ABALO DE NATUREZA MORAL CONFIGURADO. MODIFICAÇÃO DO TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO. NECESSIDADE, NA HIPÓTESE, DE EXAME DE CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICO-PROBATÓRIAS NÃO DELINEADAS NO ACÓRDÃO. SÚMULA 7/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. 

1- Ação ajuizada em 08/11/2011. Recursos especiais interpostos em 15/08/2014 e 19/08/2014. 

2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se houve omissão ou obscuridade relevante no acórdão recorrido; (ii) se o ajuizamento de sucessivas ações judiciais pode configurar o ato ilícito de abuso do direito de ação ou de defesa; (iii) se o abuso processual pode acarretar danos de natureza patrimonial ou moral; (iv) o termo inicial do prazo prescricional da ação de reparação de danos fundada em abuso processual. 

3- Ausente omissão ou obscuridade no acórdão recorrido que se pronuncia, ainda que sucintamente, sobre as questões suscitadas pela parte, tornando prequestionada a matéria que se pretende ver examinada no recurso especial, não há que se falar em violação ao art. 535, I e II, do CPC/73. 

4- Embora não seja da tradição do direito processual civil brasileiro, é admissível o reconhecimento da existência do ato ilícito de abuso processual, tais como o abuso do direito fundamental de ação ou de defesa, não apenas em hipóteses previamente tipificadas na legislação, mas também quando configurada a má utilização dos direitos fundamentais processuais. 

5- O ardil, não raro, é camuflado e obscuro, de modo a embaralhar as vistas de quem precisa encontrá-lo. O chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas. O abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde. Por esses motivos, é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo, mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo ao nobre albergue do direito fundamental de acesso à justiça.

6- Hipótese em que, nos quase 39 anos de litígio envolvendo as terras que haviam sido herdadas pelos autores e de cujo uso e fruição foram privados por intermédio de procuração falsa datada do ano de 1970, foram ajuizadas, a pretexto de defender uma propriedade sabidamente inexistente, quase 10 ações ou procedimentos administrativos desprovidos de fundamentação minimamente plausível, sendo que 04 destas ações foram ajuizadas em um ínfimo espaço de tempo - 03 meses, entre setembro e novembro de 2011 -, justamente à época da ordem judicial que determinou a restituição da área e a imissão na posse aos autores. 

7- O uso exclusivo da área alheia para o cultivo agrícola pelos 14 anos subsequentes ao trânsito em julgado da sentença proferida na primeira fase da ação divisória não pode ser qualificado como lícito e de boa-fé nesse contexto, de modo que é correto afirmar que, a partir da coisa julgada formada na primeira fase, os usurpadores assumiram o risco de reparar os danos causados pela demora na efetivação da tutela específica de imissão na posse dos legítimos proprietários. 

8- Dado que a área usurpada por quem se valeu do abuso processual para retardar a imissão na posse dos legítimos proprietários era de natureza agrícola e considerando que o plantio ocorrido na referida área evidentemente gerou lucros aos réus, deve ser reconhecido o dever de reparar os danos de natureza patrimonial, a serem liquidados por arbitramento, observado o período dos 03 últimos anos anteriores ao ajuizamento da presente ação, excluídas da condenação a pretensão de recomposição pela alegada retirada ilegal de madeira e pela recomposição de supostos danos ambientais, que não foram suficientemente comprovados. 

9- Considerando a relação familiar existente entre os proprietários originários das terras usurpadas e os autores da ação, o longo período de que foram privados do bem que sempre lhes pertenceu, inclusive durante tenra idade, mediante o uso desenfreado de sucessivos estratagemas processuais fundados na má-fé, no dolo e na fraude, configura-se igualmente a existência do dever de reparar os danos de natureza extrapatrimonial que do ato ilícito de abuso processual decorrem, restabelecendo-se, quanto ao ponto, a sentença de procedência. 

10- É inadmissível o exame da questão relacionada ao termo inicial da prescrição da pretensão reparatória quando, para a sua modificação, houver a necessidade de reexame de elementos fático-probatórios não descritos no acórdão recorrido, como, por exemplo, o exame da data em que cada um dos muitos herdeiros atingiu a maioridade civil. 

11- Não se conhece do recurso especial fundado na divergência quando ausente o cotejo analítico entre o acórdão recorrido e o paradigma invocado, sobretudo quando se verifica, da simples leitura da ementa, a notória dessemelhança fática entre os julgados alegadamente conflitantes. 

12- Recursos especiais conhecidos e parcialmente providos. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, divergindo do voto do Sr. Ministro Relator, por maioria, conhecer e dar parcial provimento aos recursos especiais, nos termos do voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi, que lavrará o acórdão. Vencido o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Votaram com a Sra. Ministra Nancy Andrighi os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro. 

Brasília (DF), 10 de outubro de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator): Versam os autos acerca de recursos especiais interpostos por ALBERTO JORGE MUNIZ E OUTROS e MAURÍCIO JORGE MUNIZ, ambos com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição da República contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Estado do Mato Grosso do Sul (fls. 336/338): 

APELAÇÃO CÍVEL DOS AUTORES – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS DECORRENTES DE ATO ILÍCITO E ASSÉDIO PROCESSUAL – RECURSO DOS AUTORES – PRESCRIÇÃO PARCIAL – TERMO INICIAL DO CÔMPUTO – TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA PROFERIDA NA PRIMEIRA FASE DA AÇÃO DE DIVISÃO – DANOS MATERIAIS – CAUSA DE PEDIR RESTRITA AOS TRÊS ANOS ANTERIORES AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO - SENTENÇA QUE DEVE SER MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS E JURÍDICOS FUNDAMENTOS – AUSÊNCIA DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DOS RÉUS – RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I - Considerando o marco inicial da pretensão autoral a data de 20/03/1995, bem como a regra de transição prevista no art. 2.028 do CC, levando-se em conta que a ação foi ajuizada já sob a égide do atual CC, eventual pleito indenizatório só poderá assentar-se em causa de pedir atinente a fatos ocorridos nos três anos que antecederam a propositura da ação, vez que aplicável o disposto no inc. V do §3º do art. 206 do CC. Não tendo os demandados ultrapassado os limites do direito de litigar, demasiado cogitar-se de má lide, razão pela qual não prospera o requerimento formulado pelos autores em impugnação à contestação e devolvido à apreciação deste colegiado. APELAÇÃO CÍVEL DOS RÉUS – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS DECORRENTES DE ATO ILÍCITO E ASSÉDIO PROCESSUAL – PRELIMINARES: CERCEAMENTO AO DIREITO DE DEFESA – INOCORRÊNCIA – SENTENÇA EXTRA, ULTRA E CITRA PETITA – VÍCIOS INEXISTENTES – FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO – JUIZ NÃO ESTÁ OBRIGADO A REBATER, UMA POR UMA, AS TESES APRESENTADAS PELA DEFESA – JULGAMENTO CONJUNTO COM AÇÃO DE USUCAPIÃO ANTERIORMENTE AJUIZADA – DESNECESSIDADE – PREFACIAIS REJEITADAS – MÉRITO RECURSAL – INEXISTÊNCIA DE ABUSO NO DIREITO DE LITIGAR A JUSTIFICAR A PRETENSÃO DE RECEBIMENTO DE INDENIZAÇÃO A TÍTULO DE DANO MATERIAL E MORAL – RECURSO CONHECIDO E NO MÉRITO PROVIDO. I - “Em atendimento ao Princípio do Livre Convencimento Motivado do Juiz, o magistrado pode denegar pedido de produção de provas que considera prescindível para o julgamento da lide, sem que tal procedimento configure cerceamento de defesa” (STJ – AgRg no AREsp 295.472/RS. Rel. Min. CASTRO MEIRA. Segunda Turma. Julg. 21.05.2013). II - O pedido feito com a instauração da demanda emana de interpretação lógico-sistemática da petição inicial, não podendo ser restringido somente ao capítulo especial que contenha a denominação “dos pedidos”, devendo, pois, ser levados em consideração todos os requerimentos feitos ao longo da peça inaugural, ainda que implícitos. III - A jurisprudência do Superior Tribunal de justiça, em harmonia com a orientação já sufragada pelo Supremo Tribunal Federal, pacificou o entendimento de que o julgador não está obrigado a refutar expressamente todas as teses aventadas pela defesa, desde que pela motivação apresentada seja possível aferir as razões pelas quais acolheu ou rejeitou as pretensões deduzidas. IV - Sobressai clarividente a desnecessidade de análise prévia da indigitada ação de usucapião, pois ainda que reconhecida, a prescrição aquisitiva em favor dos recorrentes não influenciará no resultado desta demanda, que se encontrada calcada no pretenso abuso de direito praticado pelos apelantes. V - O art. 5º da Constituição Federal, que consagra o rol dos direitos fundamentais, dispõe acerca do direito de acesso à justiça, ao dispor que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Assim, o acesso à justiça possui estreita relação com o Estado Democrático de Direito, devendo ser encarado como um sistema pelo qual as pessoas tem a liberdade de reivindicar seus direitos e/ou resolver litígios. VI - O abuso do direito, para configurar-se ensejador de indenização àquele que eventualmente cause prejuízo, deve advir de atos que violem normas supralegais, que extrapole a razoabilidade imposta pela lei. VII - O princípio da boa-fé, positivado no vigente CC, fundamenta-se na confiança que envolve os sujeitos da relação jurídica, sendo uma regra de conduta, inclusive aos litigantes, balisadora da sociedade, construída com base nos padrões de honestidade e lisura, atrelando-se, ainda, aos significados de confiança, lealdade e fidelidade. VIII - A genérica alegação de que os réus protelam com o intuito malicioso o andamento da ação de divisão, mediante instrumentos processuais na defesa de sua alegada posse, no intuito de causar prejuízos aos autores, não tem, por si só, o condão de sustentar o pleito autoral. 

Consta dos autos que ALBERTO JORGE MUNIZ, ANA MARTA MUNIZ ESPÍNDOLA, ELPÍDIO ESPÍNDOLA JÚNIOR, ESTÁCIO MUNIZ NETO, ESTÁCIO MUNIZ NETO, EVERTON VITORIO DIAS, JORGE MANOEL GAZAL NETO, LÚCIA MARIA ALVES VIEIRA, MARIA AUXILIADORA MUNIZ DIAS, MAURÍCIO JORGE MUNIZ E MAURÍCIO MUNIZ, ajuizaram ação indenizatória por danos materiais e morais em desfavor de ALZIRA NICOLI ROTTILI, ANA VIRGINIA DA MOTA ROTILLI, CAETANO ROTILI, CELSO IZIDORO ROTTILI, MARIA CARMELITA ROTILLI E MIGUEL ROTTILI, em razão da utilização indevida de imóvel rural. 

O juízo de primeiro grau julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na exordial para: a) condenar os requeridos ao pagamento de indenização por dano moral decorrente da usurpação do direito de utilização da área discutida nos autos nos três anos anteriores ao ajuizamento da demanda no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para cada autor corrigido pelo IGPM e juros de mora de 12% (doze por cento) ao ano, ambos a contar da data da sentença; b) condenar os requeridos ao pagamento de indenização pelos danos materiais pelo não uso do bem imóvel nos três anos anteriores ao ajuizamento da demanda cujo valor deverá ser apurado em liquidação por arbitramento, com incidência de juros moratórios de 12% (doze por cento) ao ano, a partir da citação, sendo que a correção monetária só incidirá a partir da liquidação e; c) condenar os requeridos ao pagamento das custas e honorários advocatícios a favor do patrono dos autores que fixo em 10% (dez por cento) do valor de toda condenação. 

Irresignadas, ambas as partes interpuseram recurso de apelação. 

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul afastou as preliminares suscitadas e a prejudicial de prescrição e, no mérito, negou provimento ao recurso dos autores e deu provimento ao apelo dos requeridos para julgar improcedentes os pedidos formulados na petição inicial de reparação de danos materiais e morais conforme a ementa acima transcrita. 

Opostos embargos de declaração, por ambas as partes, estes restaram rejeitados conforme a seguinte ementa (fl. 392): 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL - REDISCUSSÃO DA MATÉRIA DECIDIDA - VEDAÇÃO - PREQUESTIONAMENTO - EMBARGOS REJEITADOS. I - Os embargos de declaração não se prestam à rediscussão de questão decidida, mormente porque o órgão julgador não está obrigado a responder cada um dos argumentos da parte. II - O prequestionamento pressupõe debate e decisão quanto à matéria, de sorte que a manifestação expressa sobre normativo é prescindível. 

Opostos embargos infringentes por MAURÍCIO JORGE MUNIZ (autor), estes foram rejeitados conforme a seguinte ementa (fl. 667): 

EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS DECORRENTES DE ATO ILÍCITO E ASSÉDIO PROCESSUAL - ABUSO DE DIREITO - AJUIZAMENTO DE DIVERSAS AÇÕES E UTILIZAÇÃO DO SISTEMA RECURSAL - NÃO CARACTERIZAÇÃO - RECURSO DESPROVIDO. Não caracteriza abuso, mas sim exercício regular de direito, a conduta dos requeridos que ajuizam diversas ações ou procedimento administrativo para proteção de direito que entendam existentes. 

ALBERTO JORGE MUNIZ E OUTROS e MAURÍCIO JORGE MUNIZ opuseram novos embargos de declaração. Os primeiros aclaratórios foram rejeitados e os segundos foram acolhidos, em parte, apenas para sanar os erros materiais indicados, sem qualquer modificação do julgado, a teor da seguinte ementa (fl. 832): 

EMBARGOS OPOSTOS POR EVERTON VITORIO DIAS, MÔNICA GAZAL MUNIZ, MAURÍCIO MUNIZ, JORGE MANOEL GAZAL NETO, MAURÍCIO JORGE MUNIZ, MARIA AUXILIADORA MUNIZ DIAS, LÚCIA MARIA ALVES VIEIRA, ESTÁCIO MUNIZ NETO, ELPÍDIO ESPÍNDOLA JÚNIOR, ANA MARTA MUNIZ ESPÍNDOLA, ALBERTO JORGE MUNIZ. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ALEGADA OMISSÃO, OBSCURIDADE E CONTRADIÇÃO - INEXISTENTE. EMBARGOS REJEITADOS. Os embargos de declaração se prestam a aperfeiçoar o julgado e afastar os vícios de omissão, contradição ou obscuridade porventura existentes no julgado, o que não se verifica na espécie. 

EMBARGOS OPOSTOS POR MAURÍCIO JORGE MUNIZ EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ERRO MATERIAL CORREÇÃO - CONCLUSÃO DO JULGADO MANTIDA. ALEGADA OMISSÃO, OBSCURIDADE E CONTRADIÇÃO - INEXISTENTE. CONTRADIÇÃO EXTERNA. EMBARGOS ACOLHIDOS EM PARTE, SEM MODIFICAÇÃO DO JULGADO. Os embargos de declaração se prestam a aperfeiçoar o julgado e afastar os vícios de omissão, contradição ou obscuridade porventura existentes, o que não se verifica na espécie. Suprida a omissão e não existindo fundamento apto a alterar a conclusão do acórdão, os embargos devem ser acolhidos sem modificação do julgado. 'Eventual dissenso pretoriano, ainda que ocorrido entre julgados, por representar circunstância externa ao corpo do acórdão embargado, também denominado "contradição externa", não autoriza o acolhimento do recurso integrativo, pois sua motivação denota objetivo exclusivamente infringente' (cf. EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 1390882/SP, Rei. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe 07/12/2011)." (EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp 474.901/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/09/2014, DJe 24/09/2014) 

Em sede de recurso especial, os demandantes ALBERTO JORGE MUNIZ E OUTROS alegaram violação ao art. 535, inciso II, do Código de Processo Civil/73, ao argumento de que houve negativa de prestação jurisdicional. Aduziram contrariedade aos arts. 159, do Código Civil/1916; 166; 186; 187; 927; 942; 943; 944; 952; 1.201; 1.202 e 1.203, todos do Código Civil/2002. Acenaram pela ocorrência de dissídio jurisprudencial. Requereram, por fim, o provimento do recurso especial. 

O recurso especial fora ratificado às fls. 489/493. 

Houve apresentação de contrarrazões às fls. 768/776. 

Em sede de recurso especial, o demandante MAURÍCIO JORGE MUNIZ apontou, preliminarmente, ofensa aos arts. 535, incisos I e II, do Código de Processo Civil/73 e 93, inciso IX, da Constituição Federal, ao argumento de que houve negativa de prestação jurisdicional, posto que o Tribunal de Justiça a quo restou silente quanto às matérias suscitadas em sede de embargos de declaração. Alegou violação ao art. 1.319, do Código Civil/2002, sob o fundamento de que cada condômino responde pelo frutos percebidos indevidamente e pelo dano que eventualmente causou, sob pena do enriquecimento sem causa. Asseverou contrariedade ao art. 177, do Código Civil/1916, sob o fundamento de que aplicável a prescrição vintenária ao caso concreto. Aduziu malferimento aos arts. 186; 187; 927 e 952, todos do Código Civil/2002, em razão da necessidade de fixação de indenização por danos ambientais e a obrigação de recomposição da reserva legal. Acenou pela ocorrência de dissídio jurisprudencial. Requereu, por fim, o provimento do recurso especial. 

Houve apresentação de contrarrazões às fls. 967/972 e 974/978. 

A decisão de fls. 1.243/1.246, não conheceu do agravo em recurso especial interposto por ALZIRA NICOLI ROTTILI E OUTROS. 

Os julgados monocráticos de fls. 1.247/1.259 e 1.260/1.270, conheceram dos agravos para negar provimento aos recursos especiais interpostos por por MAURÍCIO JORGE DINIZ e ALBERTO JORGE MUNIZ E OUTROS. 

Opostos embargos de declaração por MAURÍCIO JORGE DINIZ, estes restaram rejeitados conforme a decisão monocrática de fls. 1.291/1.294. 

Inconformados, ALBERTO JORGE MUNIZ E OUTROS e ALBERTO JORGE MUNIZ E OUTROS interpuseram recurso de agravo interno. 

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na sessão realizada no dia 04.06.2019, por unanimidade, deu provimento aos agravos internos para converter os agravos em recursos especiais independentemente de publicação de acórdão. 

Juízo de admissibilidade realizado com base nas normas do CPC/1973 e com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. (cf. Enunciado Administrativo n. 2/STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator): Eminentes colegas. A controvérsia central travada nos recursos especiais interpostos pelos demandantes situa-se em se estabelecer a ocorrência de abuso do direito de litigar dos demandados, ora recorridos, a justificar a pretensão dos dos autores de obter a reparação dos danos materiais e morais sofridos, especialmente em razão do despojamento no uso de área rural e a demora na sua restituição após decisão judicial. 

A moldura fática dos presentes recursos especiais foi bem delineada no voto do Des. Odemilson Roberto Castro Fassa, em sede de embargos infringentes, perante a Primeira Seção Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul (fls. 684/695): 

Em apertada síntese, percebe-se que a causa de pedir dos requerentes, ora embargantes, é fundada na propriedade de área rural de 1.541,6359 ha, no imóvel Campo Alegre, originada de uma área maior de 13.890,537 ha, que foi objeto de ação divisória. Afirmam que os requeridos Miguel Rotilli e outros efetuaram ilegal compra e venda da área objeto da presente demanda junto Eduardo Monteiro e então, em 15/09/1972, sustentando que os recorridos tinha ciência de que o negócio jurídico era ilegal, tendo agido de má-fé. Os autores, ora embargantes, ajuizaram ação de divisão, em 17/11/1988, objetivando extremar os limites de sua propriedade, existindo provimento jurisdicional em 28/04/1992 deliberando acerca da partilha e homologação da divisão e em 20/03/1995, transitou em julgado referido pronunciamento judicial, com a declaração de absoluta invalidade das transferências concretizadas por instrumento particular, com base na procuração lavrada em 15.09.1970, que gerou a transferência em favor dos requeridos, ora embargados. Apesar dessa decisão judicial, os autores asseveram que os requeridos, valeram-se de assédio processual, dolo, má-fé, obstruções e procrastinaçòes indevidas através do ajuizamento de diversas ações, dentre as quais, uma ação de usucapião em 1981, embargos de terceiro possuidores em 1989, ação ordinária, de obrigação de fazer em 1990, além de processo administrativo junto ao TERRASUL. Mencionam ainda que os requeridos se utilizaram de todos os expedientes possíveis para procrastinar ao máximo a ação divisória mencionada. Nesse contexto fático, os requerentes, ora embargantes, aduzem fazer jus a receber reparação por danos materiais e morais, notadamente porque a área de 1.541,6359ha somente lhes foi restituída em 21/10/2011, de maneira que foram privados do uso, gozo e fruição da propriedade por mais 30 (trinta) anos em razão da utilização dolosa e de má-fé dos requeridos/embargados, que praticaram abuso de direito, mormente com o ajuizamento de várias ações e sempre se utilizando de todo o aparato processual para procrastinar ao máximo a entrega do bem aos requerentes. (...) Na hipótese, como visto, a causa de pedir dos requerentes/embargantes é lastreada na alegação de abuso de direito dos requeridos, que teriam se utilizado de assédio processual, dolo, má-fé, obstruções e procrastinações indevidas através do ajuizamento de diversas ações, impedindo que adentrassem na posse do imóvel, o que lhe causou danos materiais, pelo impedimento da exploração da atividade produtiva da propriedade, e morais. 

Em seu voto, o Desembargador esclarece a marcha processual até o acórdão proferido nos embargos infringentes, que é objeto dos recursos especiais: 

Trata-se de recurso de Embargos Infringentes opostos por Alberto Jorge Muniz e outros objetivando a reforma do acórdão proferido pelos membros da 3 a Câmara Cível deste Tribunal de Justiça que, por maioria, deram provimento ao recurso de apelação interposto por Miguel Rottili e outros, reformando integralmente a sentença, para que prevaleça o voto vencido proferido pelo e. Des. Fernando Mauro Moreira Marinho, negou provimento ao apelo e manteve a sentença que julgou procedentes os pedidos formulados na ação de reparação por danos materiais e morais. (...) Quando do julgamento do recurso de apelação, observa-se a existência de divergência entre os membros componentes da 4 a Câmara Cível, cujas conclusões de seus votos foram assim exaradas: (...) Portanto, foi negado provimento ao apelo interposto pelos requerentes, ora embargantes, Alberto Jorge Muniz e outros, que se insurgiam contra a parte da sentença que acolheu a prejudicial de prescrição. Ao recurso de apelação interposto pelos requeridos, ora embargados, Miguel Rottili e outros, foi dado provimento, por maioria, para reformar a sentença e julgar inteiramente improcedentes os pedidos formulados na ação de reparação por danos materiais e morais. Contra o acórdão acima, Alberto Jorge Muniz e outros opuseram os presentes embargos infringentes em apelação cível, requerendo que prevaleça o voto proferido pelo e. Des. Fernando Mauro Moreira Marinho, que manteve a sentença que julgou procedentes os pedidos formulados na inicial. 

Em seu recurso especial, os demandantes ALBERTO JORGE MUNIZ E OUTROS, além de alegaram violação ao art. 535, inciso II, do Código de Processo Civil/73, ao argumento de que houve negativa de prestação jurisdicional, aduziram afronta aos arts. 159, do Código Civil/1916; 166; 186; 187; 927; 942; 943; 944; 952; 1.201; 1.202 e 1.203, todos do Código Civil/2002, acenando, ainda, com a ocorrência de dissídio jurisprudencial. 

Em sede de recurso especial, o demandante MAURÍCIO JORGE MUNIZ, após apontar, também, ofensa aos arts. 535, incisos I e II, do Código de Processo Civil/73 e 93, inciso IX, da Constituição Federal, ao argumento de que houve negativa de prestação jurisdicional, posto que o Tribunal de Justiça a quo restou silente quanto às matérias suscitadas em sede de embargos de declaração, alegou violação ao art. 1.319, do Código Civil/2002, sob o fundamento de que cada condômino responde pelo frutos percebidos indevidamente e pelo dano eventualmente causado, sob pena do enriquecimento sem causa. Asseverou contrariedade ao art. 177, do Código Civil/1916, sob o fundamento de que aplicável a prescrição vintenária ao caso concreto. Aduziu malferimento aos arts. 186; 187; 927 e 952, todos do Código Civil/2002, em razão da necessidade de fixação de indenização por danos ambientais e a obrigação de recomposição da reserva legal, acenando também pela ocorrência de dissídio jurisprudencial. 

Passo à análise dos recursos especiais dos demandantes recorrentes. 

I - Recurso especial interposto por ALBERTO JORGE MUNIZ e outros: 

1. Em relação à suposta violação ao art. 535, incisos I e II, do CPC/73: 

Em suas razões os recorrentes alegaram que o acórdão recorrido restou omisso e obscuro quanto à pontos relevantes para o deslinde da controvérsia posta nos presentes autos. 

No entanto, ao contrário do asseverado pelos recorrentes, verifica-se que as questões submetidas ao Tribunal a quo foram suficiente e adequadamente apreciadas, com abordagem integral dos temas e fundamentação compatível. Destarte, não há se falar em negativa de prestação jurisdicional. 

A propósito: 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. REVISÃO DE BENEFÍCIO. MATÉRIA QUE DEMANDA REEXAME DE FATOS E PROVAS. SUMULA 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Não se viabiliza o recurso especial pela indicada violação do artigo 1022 do Código de Processo Civil de 2015. Isso porque, embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte recorrente. Não há falar, no caso, em negativa de prestação jurisdicional. A Câmara Julgadora apreciou as questões deduzidas, decidindo de forma clara e conforme sua convicção com base nos elementos de prova que entendeu pertinentes. No entanto, se a decisão não corresponde à expectativa da parte, não deve por isso ser imputado vicio ao julgado. (...) 3. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp 1233390/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 17/04/2018, DJe 20/04/2018) 

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS. RESERVA DE NUMERÁRIO. DISCORDÂNCIA ENTRE AS PARTES. NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO AUTÔNOMA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. CONCLUSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO QUE SE DEU APÓS ANÁLISE DAS PROVAS E DO CONTRATO. SÚMULAS N. 5 E 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Todas as questões suscitadas pelas partes foram devidamente apreciadas pela Corte estadual, não havendo que se falar em negativa de prestação jurisdicional. (...) 4. Agravo interno desprovido. (AgInt nos EDcl no AREsp 1059771/GO, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe 16/04/2018) 

2. No que tange aos demais dispositivos legais supostamente violados: 

O recurso especial não merece conhecimento. Com efeito, a despeito da extensa fundamentação do recurso especial, verifica-se que os dispositivos legais não foram prequestionados, atraindo o óbice previsto no Enunciado n.º 211, da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. A propósito: 

AGRAVO INTERNO. ALIENAÇÃO JUDICIAL E EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 165 e 458, II, do CPC/1973 (arts. 11 e 489, II, e § 1º, IV, do CPC/2015) NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. (...) 4. Os insurgentes alegaram violação dos arts. 259, 246, III, 349 e 397 do Código Civil. No entanto, os referidos dispositivos legais, em que pese a oposição de embargos de declaração, não foram objeto de debate na origem, o que atraiu o óbice da Súmula 211/STJ ao vertente caso, ante a falta do necessário prequestionamento da matéria. 5. Conforme prevê a jurisprudência desta Corte, "Nos termos do art. 1.025 do CPC/2015, não há falar em prequestionamento ficto se a alegada matéria não foi discutida na origem e não foi verificada nesta Corte a existência de erro, omissão ou obscuridade" (AgInt no AREsp 1.218.379/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 24/4/2018, DJe 30/4/2018). 6. Agravo Interno não provido. (AgInt no AREsp 1266085/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe 29/06/2018) 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 165 E 458, II, 535, II, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. QUITAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS E INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INADMISSIBILIDADE. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROTELATÓRIOS. MULTA AFASTADA. (...) 5. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, não obstante a oposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial. 6. Afasta-se a multa do parágrafo único do art. 538 do CPC/73 quando não se caracteriza o intento protelatório na interposição dos embargos de declaração. 7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido em parte. (REsp 1705964/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 25/06/2018) 

Ademais, extrai-se que o acórdão recorrido resolveu a matéria posta a julgamento sob o enfoque de que não houve abuso de direito na conduta dos requeridos pela utilização dos meios legais disponíveis para proteção de direito que entendiam existente mediante o ajuizamento de diversas ações ou de procedimento administrativo. 

Nesse contexto, elidir a conclusão firmada pelo Tribunal de Justiça de origem, reconhecendo a ocorrência de excesso no exercício do direito de litigar, demandaria o revolvimento do quadrante fático-probatório dos autos, providência vedada nesta sede especial, a teor do Enunciado n.º 7/STJ. 

A propósito: 

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. EMBARGOS DO DEVEDOR. LEGITIMIDADE PASSIVA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA N. 7 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula n. 7 do STJ. 2. No caso concreto, o Tribunal de origem, a partir do exame dos elementos de prova, concluiu pela legitimidade passiva da empresa agravante e pela existência de má-fé processual. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 323.330/RS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 07/11/2017, DJe 13/11/2017) 

A contrario sensu: 

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA (COBRANÇA DE COTAS CONDOMINIAIS) AJUIZADA ORIGINARIAMENTE EM FACE DE ALEGADO POSSUIDOR, COM A INCLUSÃO POSTERIOR AO POLO PASSIVO DA DEMANDA DO ARREMATANTE DO IMÓVEL, EM HASTA PÚBLICA, DECORRENTE DO PROCESSO FALIMENTAR DA CONSTRUTORA PROPRIETÁRIA, NO QUAL EXPRESSAMENTE CONSIGNADO NO EDITAL DA PRAÇA QUE O BEM SERIA VENDIDO LIVRE DE QUAISQUER ÔNUS - TRIBUNAL DE ORIGEM QUE, AO REFORMAR A SENTENÇA, JULGA IMPROCEDENTE O PEDIDO EM RELAÇÃO AOS DOIS RÉUS E COMINA MULTA PRO LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - INSURGÊNCIA RECURSAL DO CONDOMÍNIO AUTOR. (...) 6. Dentro da sistemática do processo civil moderno as partes são livres para escolher os meios mais idôneos à consecução de seus objetivos, porém há clara diretriz no sentido de que tais procedimentos sejam eficazes e probos, na medida em que o próprio legislador ordinário, ao prever penas por litigância de má-fé tem o objetivo de impedir que as partes abusem do seu direito de petição. Apesar de ser garantia constitucional o pleno acesso ao Judiciário (art. 5º, incisos XXXIV a XXXV e LV da Constituição Federal) não se afigura correta a banalização do princípio e da conduta das partes, porquanto devem agir com prudência, lealdade e boa fé, sempre no espírito de cooperação, que inclusive fora expressamente encartado no novel diploma processual (art. 6º do NCPC). É vedado a este Superior Tribunal de Justiça a revisão da penalidade de litigância de má-fé, em observância ao óbice da Súmula 7/STJ, que veda o reexame de provas e reconstituição judicial de fatos na estreita via do recurso especial, instrumento processual de assento constitucional, destinado à apreciação de questões eminentemente jurídicas. 7. Recurso especial desprovido. (REsp 1197824/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe 28/10/2016) 

3. No que diz respeito ao dissídio jurisprudencial: 

Conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ao interpor o recurso especial, com fundamento na letra "c" do permissivo constitucional, o recorrente assume o ônus de comprovar a similitude fática entre os arestos confrontados, cotejando as conclusões jurídicas tiradas dos julgados comparados para demonstrar que, diante do mesmo quadro fático, soluções jurídicas diversas foram adotas. 

Dessa forma, na esteira dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça, a mera transcrição de ementas de acórdão, como realizado pelo recorrente, não caracteriza o cotejo analítico, inviabilizando-se, por conseqüência, a abertura da via especial, pelo dissídio jurisprudencial. 

A propósito: 

AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 718 e 720 DO, CÓDIGO CIVIL DE 2002; E 27, "J", 34 E 42, § 3º, DA LEI 4.886/65. NÃO DEMONSTRAÇÃO. ENUNCIADO 284 DA SÚMULA DO STF. AFRONTA AOS ARTS. 718 E 720 DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. OMISSÃO. NÃO INTERPOSIÇÃO DE OFENSA AO ART. 1.022 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/2015 (535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/1973). ENUNCIADO 211 DA SÚMULA DO STJ. CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO. INDENIZAÇÃO. NÃO CABIMENTO. AVISO PRÉVIO. CUMPRIMENTO. REVISÃO. INVIABILIDADE. REEXAME CONTRATUAL E FÁTICO-PROBATÓRIO. ENUNCIADOS 5 E 7 DA SÚMULA DO STJ. FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO. NÃO IMPUGNAÇÃO. INCIDÊNCIA DO VERBETE 283 DA SÚMULA/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO COMPROVAÇÃO. NÃO PROVIMENTO. (...) 5. Não se pode conhecer de recurso especial interposto com fundamento no art. 105, III, "c", da Constituição Federal se, como no caso dos autos, não estiver comprovado nos moldes dos arts. 541, parágrafo único, do CPC, e 255, parágrafos 1º e 2º, do RISTJ. 6. Agravo interno a que se nega provimento. (AgRg no Ag 1168918/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 16/10/2018, DJe 24/10/2018) 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. NOVO CPC. PREQUESTIONAMENTO FICTO. NECESSIDADE DE INDICAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ART. 1.022 DO CPC/2015. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NECESSIDADE DE PREQUESTIONAMENTO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO A SÚMULA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 518/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (...) 2. Para que se conheça do apelo nobre pela alínea c do permissivo constitucional, também se faz necessário o prequestionamento dos temas vinculados aos artigos objeto da arguição de divergência jurisprudencial. Precedente. (...) 4. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp 1308881/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/2018, DJe 26/10/2018) 

II - Recurso especial interposto por MAURÍCIO JORGE MUNIZ: 

1. Em relação à suposta violação ao art. 535, incisos I e II, do CPC/73: 

Em suas razões, o recorrente alegou que o acórdão recorrido restou omisso posto que não enfrentou as matérias constantes dos arts. 1.319 e 884, do Código Civil e 16, do Código de Processo Civil, nem tampouco se pronunciou quanto à alegação de divergência jurisprudencial. 

No entanto, o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, ao julgar os embargos de declaração, destacou o seguinte (fls. 840/844):

 (...) Embargos de Declaração oposto por Maurício Jorge Muniz (...) Em que pese as alegações do embargante, não se encontra presente, na decisão recorrida, omissão, contradição ou obscuridade, razão por que os embargos declaratórios devem ser rejeitados.  Sobre a matéria, tratou suficientemente a decisão recorrida, fundamentando que não estão presentes os requisitos autorizadores do dever de indenizar e que não há falar em ofensa à coisa julgada, pois as ações mencionadas pelos embargantes não tiveram o mesmo objeto da presente demanda. (...) Assim, nada há a integrar nestes embargos de declaração, como quer fazer crer os embargantes, e ainda que não concorde com o seu conteúdo, não é este o meio processual adequado para provocar a modificação do julgado. A rigor, percebe-se que os embargantes pretendem a rediscussão da matéria na via dos embargos de declaração, o que é inadmissível. (...) Prosseguindo, a argumentação contradição do acórdão embargado com outras decisões denomina-se contradição externa. Contudo, é firme o entendimento de que os embargos de declaração somente são passíveis em face de contradição interna, e não de contradição externa, conforme julgados no STJ. (g.n.). 

Dessa forma, verifica-se que as questões submetidas ao Tribunal a quo foram suficiente e adequadamente apreciadas, com abordagem integral dos temas e fundamentação compatível. Destarte, não há se falar em negativa de prestação jurisdicional. 

A propósito: 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. REVISÃO DE BENEFÍCIO. MATÉRIA QUE DEMANDA REEXAME DE FATOS E PROVAS. SUMULA 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Não se viabiliza o recurso especial pela indicada violação do artigo 1022 do Código de Processo Civil de 2015. Isso porque, embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte recorrente. Não há falar, no caso, em negativa de prestação jurisdicional. A Câmara Julgadora apreciou as questões deduzidas, decidindo de forma clara e conforme sua convicção com base nos elementos de prova que entendeu pertinentes. No entanto, se a decisão não corresponde à expectativa da parte, não deve por isso ser imputado vicio ao julgado. (...) 3. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp 1233390/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 17/04/2018, DJe 20/04/2018) 

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS. RESERVA DE NUMERÁRIO. DISCORDÂNCIA ENTRE AS PARTES. NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO AUTÔNOMA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. CONCLUSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO QUE SE DEU APÓS ANÁLISE DAS PROVAS E DO CONTRATO. SÚMULAS N. 5 E 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Todas as questões suscitadas pelas partes foram devidamente apreciadas pela Corte estadual, não havendo que se falar em negativa de prestação jurisdicional. (...) 4. Agravo interno desprovido. (AgInt nos EDcl no AREsp 1059771/GO, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe 16/04/2018) 

Ademais, consoante a jurisprudência do STJ, o julgador não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos invocados pelas partes, quando tenha encontrado motivação satisfatória para dirimir o litígio. 

A propósito: 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DEFERIMENTO DO PEDIDO LIMINAR. POSSE VELHA. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. CABIMENTO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Não configura ofensa ao art. 1.022, I e II, do Código de Processo Civil de 2015 o fato de o Tribunal de origem, embora sem examinar individualmente cada um dos argumentos suscitados, adotar fundamentação contrária à pretensão da parte recorrente, suficiente para decidir integralmente a controvérsia. 2. Inexiste afronta ao art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015 quando o órgão julgador se pronuncia de forma clara e suficiente acerca das questões suscitadas nos autos, não havendo necessidade de se construir textos longos e individualizados para rebater uma a uma cada argumentação, quando é possível aferir, sem esforço, que a fundamentação não é genérica. 3. Não há falar em erro de julgamento se a decisão de primeiro grau aplica indevidamente o art. 927 do CPC/73, e o Tribunal de origem enquadra o fato em dispositivo legal diverso, confirmando a liminar de reintegração de posse, porque preenchidos os requisitos do art. 273 do CPC/73. (...) 6. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp 1089677/AM, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 08/02/2018, DJe 16/02/2018) 

2. No que concerne ao dever de indenizar: 

Em suas razões, o recorrente alegou violação ao art. 1.319, do Código Civil/2002, sob o fundamento de que cada condômino responde pelo frutos percebidos indevidamente e pelo dano que eventualmente causou, sob pena do enriquecimento sem causa. 

Conforme destacado pelo Tribunal de Justiça de origem, a controvérsia versada nestes autos cinge-se em se estabelecer se houve abuso do direito de litigar dos requeridos a justificar a pretensão dos autores de auferir indenização por dano moral e material, especialmente em razão do despojamento no uso de área rural. 

Em sede de embargos infringentes, a Primeira Seção Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, acompanhando o voto do Des. Odemilson Roberto Castro Fassa, entendeu por manter o acórdão proferido em sede de recurso de apelação sob os seguintes fundamentos (fls. 684/695): 

(...) Trata-se de recurso de Embargos Infringentes opostos por Alberto Jorge Muniz e outros objetivando a reforma do acórdão proferido pelos membros da 3 a Câmara Cível deste Tribunal de Justiça que, por maioria, deram provimento ao recurso de apelação interposto por Miguel Rottili e outros, reformando integralmente a sentença, para que prevaleça o voto vencido proferido pelo e. Des. Fernando Mauro Moreira Marinho, negou provimento ao apelo e manteve a sentença que julgou procedentes os pedidos formulados na ação de reparação por danos materiais e morais. (...) Quando do julgamento do recurso de apelação, observa-se a existência de divergência entre os membros componentes da 4 a Câmara Cível, cujas conclusões de seus votos foram assim exaradas: (...) Portanto, foi negado provimento ao apelo interposto pelos requerentes, ora embargantes, Alberto Jorge Muniz e outros, que se insurgiam contra a parte da sentença que acolheu a prejudicial de prescrição. Ao recurso de apelação interposto pelos requeridos, ora embargados, Miguel Rottili e outros, foi dado provimento, por maioria, para reformar a sentença e julgar inteiramente improcedentes os pedidos formulados na ação de reparação por danos materiais e morais. Contra o acórdão acima, Alberto Jorge Muniz e outros opuseram os presentes embargos infringentes em apelação cível, requerendo que prevaleça o voto proferido pelo e. Des. Fernando Mauro Moreira Marinho, que manteve a sentença que julgou procedentes os pedidos formulados na inicial. O cerne da questão posta a apreciação, portanto, limita-se a examinar se devem ser julgados procedentes (conclusão do voto minoritário) ou improcedentes (conclusão do voto majoritário) os pedidos de reparação por danos materiais e morais. (...) Em apertada síntese, percebe-se que a causa de pedir dos requerentes, ora embargantes, é fundada na propriedade de área rural de 1.541,6359 ha, no imóvel Campo Alegre, originada de uma área maior de 13.890,537 ha, que foi objeto de ação divisória. Afirmam que os requeridos Miguel Rotilli e outros efetuaram ilegal compra e venda da área objeto da presente demanda junto Eduardo Monteiro e então, em 15/09/1972, sustentando que os recorridos tinha ciência de que o negócio jurídico era ilegal, tendo agido de má-fé. Os autores, ora embargantes, ajuizaram ação de divisão, em 17/11/1988, objetivando extremar os limites de sua propriedade, existindo provimento jurisdicional em 28/04/1992 deliberando acerca da partilha e homologação da divisão e em 20/03/1995, transitou em julgado referido pronunciamento judicial, com a declaração de absoluta invalidade das transferências concretizadas por instrumento particular, com base na procuração lavrada em 15.09.1970, que gerou a transferência em favor dos requeridos, ora embargados. Apesar dessa decisão judicial, os autores asseveram que os requeridos, valeram-se de assédio processual, dolo, má-fé, obstruções e procrastinaçòes indevidas através do ajuizamento de diversas ações, dentre as quais, uma ação de usucapião em 1981, embargos de terceiro possuidores em 1989, ação ordinária, de obrigação de fazer em 1990, além de processo administrativo junto ao TERRASUL. Mencionam ainda que os requeridos se utilizaram de todos os expedientes possíveis para procrastinar ao máximo a ação divisória mencionada. Nesse contexto fático, os requerentes, ora embargantes, aduzem fazer jus a receber reparação por danos materiais e morais, notadamente porque a área de 1.541,6359ha somente lhes foi restituída em 21/10/2011, de maneira que foram privados do uso, gozo e fruição da propriedade por mais 30 (trinta) anos em razão da utilização dolosa e de má-fé dos requeridos/embargados, que praticaram abuso de direito, mormente com o ajuizamento de várias ações e sempre se utilizando de todo o aparato processual para procrastinar ao máximo a entrega do bem aos requerentes. (...) Na hipótese, como visto, a causa de pedir dos requerentes/embargantes é lastreada na alegação de abuso de direito dos requeridos, que teriam se utilizado de assédio processual, dolo, má-fé, obstruções e procrastinações indevidas através do ajuizamento de diversas ações, impedindo que adentrassem na posse do imóvel, o que lhe causou danos materiais, pelo impedimento da exploração da atividade produtiva da propriedade, e morais. Compulsando os autos, peço vênia ao nobre Des. Relator para dele divergir. Com efeito, não visualizo abuso de direito na conduta dos requeridos pela utilização dos meios legais disponíveis para proteção de direito que entendam existentes, através do ajuizamento de diversas ações ou procedimento administrativo. Tamanha é a importância do direito de ação, que o legislador constituinte originário o incluiu no rol de direitos fundamentais: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; Cabível destacar que o a evolução do processo civil já há algum tempo traz como característica do direito de ação a abstração, pela qual o direito de provocar o Estado-juiz independe da existência do direito material deduzido, não se revelando abusivo, por si só, o ajuizamento de várias ações, ainda que todas elas tenham como resultado a improcedência do pedido. De outro tanto, entendo que a alegação, discussão e comprovação de assédio processual, dolo, má-fé, obstruções e procrastinações indevidas deveria ter sido alegada e apreciada no bojo das referidas ações e não em ação autônoma de reparação de danos. Existindo o trânsito em julgado daquelas ações, sem qualquer registro, seja das partes ou do magistrado, sobre abuso processual, má-fé ou dolo, na utilização do processo, não cabe a outro julgador o exame dos referidos atos. Não fosse o bastante, comungo do entendimento exposto pelo Des. Marco André Nogueira Hanson, segundo o qual a despeito das inúmeras controvérsias das partes, mediante ânimos exaltados por intermédio de disputas judiciais que perduram no tempo, o alegado abuso do direito, não restou evidenciado. O simples fato de as faculdades processuais que o ordenamento jurídico oferece terem sido utilizadas várias vezes pelos réus não os qualifica como ímprobos ou mesmo revela intenção maliciosa a evidenciar o abuso alegado, que, por conseqüência, sustenta o presente pleito indenizatório. Frise-se que a genérica alegação de que os réus protelam com o intuito malicioso o andamento da ação de divisão, mediante instrumentos processuais na defesa de sua alegada posse, no intuito de causar prejuízos aos autores, não tem, por si só, o condão de sustentar o pleito autoral, (f. 356-357) Não é demasiado observar que também não há falar em ilicitude quando o indivíduo pratica conduta no exercício regular de direito, nos termos do inciso 1 do artigo 188 do Código Civil: Não constituem atos ilícitos: 1 - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido ". (...) A conduta adotada pelos requeridos/embargados, de ajuizar ações ou utilizar-se de procedimentos administrativos, não extrapolou o direito de acesso à jurisdição e direito de petição, constitucionalmente garantidos aos litigantes, não havendo ilicitude em sua conduta, apta a ensejar responsabilidade civil." Nesse contexto, considerando a não comprovação de abuso de direito ou de qualquer ato ilícito praticado pelos requeridos/embargados, a improcedência do pedido de condenação em danos materiais e morais decorrentes de assédio processual é a medida que se impõe (g.n.). 

Nesse contexto, conforme antes destacado, elidir a conclusão firmada pelo Tribunal de Justiça de origem, reconhecendo a ocorrência de abuso no direito de litigar, demandaria o revolvimento do quadrante fático-probatório dos autos, providência vedada nesta sede especial, a teor do Enunciado n.º 7/STJ. 

A propósito: 

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. EMBARGOS DO DEVEDOR. LEGITIMIDADE PASSIVA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA N. 7 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula n. 7 do STJ. 2. No caso concreto, o Tribunal de origem, a partir do exame dos elementos de prova, concluiu pela legitimidade passiva da empresa agravante e pela existência de má-fé processual. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 323.330/RS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 07/11/2017, DJe 13/11/2017) 

A contrario sensu: 

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA (COBRANÇA DE COTAS CONDOMINIAIS) AJUIZADA ORIGINARIAMENTE EM FACE DE ALEGADO POSSUIDOR, COM A INCLUSÃO POSTERIOR AO POLO PASSIVO DA DEMANDA DO ARREMATANTE DO IMÓVEL, EM HASTA PÚBLICA, DECORRENTE DO PROCESSO FALIMENTAR DA CONSTRUTORA PROPRIETÁRIA, NO QUAL EXPRESSAMENTE CONSIGNADO NO EDITAL DA PRAÇA QUE O BEM SERIA VENDIDO LIVRE DE QUAISQUER ÔNUS - TRIBUNAL DE ORIGEM QUE, AO REFORMAR A SENTENÇA, JULGA IMPROCEDENTE O PEDIDO EM RELAÇÃO AOS DOIS RÉUS E COMINA MULTA PRO LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - INSURGÊNCIA RECURSAL DO CONDOMÍNIO AUTOR. (...) 6. Dentro da sistemática do processo civil moderno as partes são livres para escolher os meios mais idôneos à consecução de seus objetivos, porém há clara diretriz no sentido de que tais procedimentos sejam eficazes e probos, na medida em que o próprio legislador ordinário, ao prever penas por litigância de má-fé tem o objetivo de impedir que as partes abusem do seu direito de petição. Apesar de ser garantia constitucional o pleno acesso ao Judiciário (art. 5º, incisos XXXIV a XXXV e LV da Constituição Federal) não se afigura correta a banalização do princípio e da conduta das partes, porquanto devem agir com prudência, lealdade e boa fé, sempre no espírito de cooperação, que inclusive fora expressamente encartado no novel diploma processual (art. 6º do NCPC). É vedado a este Superior Tribunal de Justiça a revisão da penalidade de litigância de má-fé, em observância ao óbice da Súmula 7/STJ, que veda o reexame de provas e reconstituição judicial de fatos na estreita via do recurso especial, instrumento processual de assento constitucional, destinado à apreciação de questões eminentemente jurídicas. 7. Recurso especial desprovido. (REsp 1197824/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe 28/10/2016) 

Ademais, havendo fundamento constitucional suficiente à manutenção do acórdão, contra o qual não foi interposto recurso extraordinário, é inadmissível o recurso especial. 

Tal entendimento restou cristalizado no Enunciado n.º 126, da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 

A propósito: 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. RESTITUIÇÃO DE VALORES. LEGISLAÇÃO CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL. SÚMULA Nº 126/STJ. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Aplicável a Súmula nº 126 do Superior Tribunal de Justiça quando, no acórdão recorrido, há fundamento constitucional não atacado por recurso extraordinário. 3. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp 1189102/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/05/2019, DJe 29/05/2019) 

3. No que concerne à prescrição vintenária: 

Em suas razões, o recorrente asseverou contrariedade ao art. 177, do Código Civil/1916, sob o fundamento de que aplicável a prescrição vintenária ao caso concreto. 

No que pertine à controvérsia em questão, ao julgar o recurso de apelação, o Tribunal de Justiça rejeitou, por unanimidade, a alegação de prescrição vintenária a teor do seguinte fragmento (fls. 336/360): 

(...) O Sr. Des. Fernando Mauro Moreira Marinho. (Relator) (...) 2.1) Com efeito, no que se refere ao prazo prescricional, assim obtemperou o julgador singular: '(...) nos termos do art. 177 do Código Civil de 1916, o prazo prescricional para as ações pessoais era de 20 (vinte) anos e, iniciando a contagem a partir de 20 de março de 1995 (data do trânsito em julgado da ação divisória que reconheceu o condomínio e a necessidade de divisão da área) tem-se que na data da entrada em vigor do novo Código Civil (11/01/2003) não havia decorrido mais da metade do prazo de 20 anos, ou seja, mais de 10 anos. Assim, ao caso em apreço tem aplicação o prazo prescricional de 03 anos, previsto no 206, §3º, do Código Civil de 2002. Assim, considerando como termo inicial o dia 11/01/2003 (data da entrada em vigor do Novo Código Civil), a pretensão dos requerentes foi atingida pela prescrição, quanto ao período que se refere aos três anos anteriores ao ingresso da presente ação'. (...) O Sr. Des. Marco André Nogueira Hanson ( REVISOR ) (...) II - Prejudicial de mérito (prescrição) O juízo a quo acolheu parcialmente a prejudicial de mérito arguida pelos réus (f. 80-82) e assentou que 'eventual direito à indenização só poderá se dar em relação ao não uso da terra nos últimos três anos anteriores ao ajuizamento da demanda, pois, a partir do trânsito em julgado da ação de divisão já poderiam os autores ter ingressado com a presente demanda reparatória' (f. 137). Os autores insistem em afirmar que sua pretensão tem como marco inicial 20/09/1973, especialmente diante do ajuizamento da ação de divisão em 17/11/1988, que deve ser considerado como marco interruptivo do prazo prescricional. De acordo com a narrativa da inicial, a pretensão autoral fundamentase no despojamento e usurpação concretizados por atos praticados pelos requeridos supostamente eivados de ilicitude, concretizadas em transferências particulares de imóvel de propriedade dos autores, integrante da Fazenda "Campo Alegre", mediante abuso do direito de litigar. Os demandantes argumentam que no processo de divisão (feito nº 167/1988) obtiveram reconhecimento judicial de validade e lisura de sua titulação dominial e, por corolário, o direito à promoção divisória, em que supostamente decorreram não só a identificação e a extinção condominial da área dividenda, como também a comprovação do ilícito de usurpação e despojamento perpetrados pelos demandados. Diante disso, infere-se ser irretocável o desfecho exarado pelo juízo a quo, porque eventual direito à indenização surgiu exatamente do trânsito em julgado da sentença proferida na primeira fase da ação divisão (atual nº 0000223-39.1999.8.12.0046), em que supostamente restou reconhecido o título de domínio dos autores. Ademais, persiste a manutenção da sentença quanto à prescrição, vez que os próprios demandantes reconhecem que eventual direito à indenização adveio do trânsito em julgado da sentença proferida na primeira fase da ação de divisão quando afirmam na inicial: seja pelos termos da sentença da 1ª. fase divisória, que desconstituiu e nulificou a aquisição dos requeridos, seja pelas resultantes periciais subseqüentes, aflora que a usurpação materializada na totalidade da área de 1.541,6359, de lídimo domínio dos requerentes, extravasa conhecimento e consciência antecedentes do ilícito absoluto, açambarcamento, intencionalidade, dolo e fraude (f. 12). Logo, considerando o marco inicial da pretensão autoral a data de 20/03/1995, bem como a regra de transição prevista no art. 2.028 do CC, levando-se em conta que a ação foi ajuizada já sob a égide do atual CC, eventual pleito indenizatório só poderá assentar-se em causa de pedir atinente a fatos ocorridos nos três anos que antecederam a propositura da ação, vez que aplicável o disposto no inc. V do §3º do art. 206 do CC. (...) Neste aspecto, portanto, nego provimento ao apelo dos autores e mantenho a sentença recorrida." (e-STJ fls. 336/360, grifei). 

Nesse contexto, rever a conclusão do Tribunal de Justiça acerca do marco inicial de contagem da prescrição demandaria novamente o revolvimento do quadrante fático-probatório da causa, providência vedada a teor do Enunciado n.º 7/STJ. 

A propósito: 

AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRETENSÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL DE CONTAGEM DO PRAZO. DATA DA LESÃO. PRECEDENTES. REVISÃO. INVIABILIDADE. ENUNCIADO 7 DA SÚMULA DO STJ. 1. O termo inicial da prescrição da pretensão de repetição de indébito é a data da lesão. Precedentes. 2. A revisão da consumação da prescrição é inviável, em recurso especial, por demandar reexame de matéria fático-probatória (Súmula n. 7/STJ). 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1416034/MS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 28/05/2019, DJe 31/05/2019) 

4. No que concerne à indenização por danos ambientais: 

O recorrente aduziu malferimento aos arts. 186; 187; 927 e 952, todos do Código Civil/2002, em razão da necessidade de fixação de indenização por danos ambientais e a obrigação de recomposição da reserva legal. 

No entanto, verifica-se que o recurso especial não merece conhecimento. 

Com efeito, a despeito da extensa fundamentação do recurso especial, verifica-se que o Tribunal de Justiça de origem não analisou a matéria exposta pelo recorrente, razão pela qual mostra-se ausente o requisito do prequestionamento, atraindo o óbice previsto no Enunciado n.º 211, da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 

A propósito: 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA. CÉDULA DE PRODUTO RURAL. DOCUMENTO APTO A INSTRUIR A MONITÓRIA. PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. REEXAME DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7 DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. EXAME PREJUDICADO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Para que se configure o prequestionamento, é necessário que o Tribunal a quo se pronuncie especificamente sobre a matéria articulada pelo recorrente, emitindo juízo de valor em relação aos dispositivos legais indicados e examinando a sua aplicação ou não ao caso concreto. Desatendido o requisito do prequestionamento, incide, o óbice da Súmula 211/STJ. 2. A jurisprudência desta Casa possui entendimento no sentido de que para a admissibilidade da ação monitória, não é necessário que o autor instrua a ação com prova robusta, estreme de dúvida, podendo ser aparelhada por documento idôneo, ainda que emitido pelo próprio credor, contanto que, por meio do prudente exame do magistrado, exsurja juízo de probabilidade acerca do direito afirmado pelo autor. 3. "Uma das características marcantes da ação monitória é o baixo formalismo predominante na aceitação dos mais pitorescos meios documentais, inclusive daqueles que seriam naturalmente descartados em outros procedimentos. O que interessa, na monitória, é a possibilidade de formação da convicção do julgador a respeito de um crédito, e não a adequação formal da prova apresentada a um modelo pré-definido, modelo este muitas vezes adotado mais pela tradição judiciária do que por exigência legal." (REsp 1025377/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/03/2009, DJe 04/08/2009) 4. O Tribunal de origem, amparado nas premissas fáticas dos autos, consignou que a documentação que instruiu a demanda atendeu os requisitos eleitos para a propositura da monitória. De forma que o acolhimento da pretensão recursal exigiria a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão recorrido, com o revolvimento das provas carreadas aos autos, atraindo o óbice da Súmula 7 do STJ. 5. A análise do dissídio jurisprudencial fica prejudicada em razão da aplicação do enunciado da Súmula 7/STJ, porquanto não é possível encontrar similitude fática entre o aresto recorrido e os arestos paradigmas, uma vez que as suas conclusões díspares ocorreram, não em razão de entendimentos diversos sobre uma mesma questão legal, mas, sim, em razão de fundamentações baseadas em fatos, provas e circunstâncias específicas de cada processo. 6. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp 1313801/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 30/05/2019, DJe 04/06/2019) 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 165 E 458, II, 535, II, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. QUITAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS E INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INADMISSIBILIDADE. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROTELATÓRIOS. MULTA AFASTADA. (...) 5. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, não obstante a oposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial. 6. Afasta-se a multa do parágrafo único do art. 538 do CPC/73 quando não se caracteriza o intento protelatório na interposição dos embargos de declaração. 7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido em parte. (REsp 1705964/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 25/06/2018) 

Ante o exposto, com base no art. 932, incisos III e IV, do CPC/15 c.c. o Enunciado n.º 568/STJ, conheço parcialmente dos recursos especiais e, nesta extensão, nego-lhes provimento. 

É o voto. 

VOTO-VISTA 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI: 

Cuida-se de recursos especiais tirados de acórdão que negou provimento aos embargos infringentes interpostos pelo recorrente MAURÍCIO JORGE MUNIZ, mantendo-se o acórdão que deu provimento à apelação interposta pelos recorridos para julgar improcedente a ação de reparação de danos materiais e morais ajuizada pelos recorrentes. 

Voto do e. Relator, Min. Paulo de Tarso Sanseverino: conheceu em parte dos recursos especiais e, nessa extensão, negou-lhes provimento. 

No que se refere ao recurso especial interposto por ALBERTO JORGE MUNIZ e OUTROS (fls. 427/473, e-STJ), entendeu o e. Relator: (i) que inexistiria violação ao art. 535, I e II, do CPC/73, eis que ausente omissão ou obscuridade no acórdão recorrido; (ii) quanto aos dispositivos legais que sustentam a pretensão de reparação de danos pelo denominado assédio processual (arts. 159 do CC/1916, arts. 166, 186, 187, 927, 942, 943, 944, caput, 952, 1.201, caput, 1.202 e 1.203, todos do CC/2002), que não teria havido o enfrentamento da questão no acórdão recorrido, de modo que estaria ausente o requisito do prequestionamento; (iii) quanto ao dissenso jurisprudencial, que não teria havido o cotejo analítico entre o acórdão recorrido e os paradigmas invocados. 

Quanto ao recurso especial interposto por MAURÍCIO JORGE MUNIZ (fls. 848/882, e-STJ), entendeu o e. Relator: (i) que igualmente inexistiria violação ao art. 535, I e II, do CPC/73, eis que ausente omissão ou obscuridade no acórdão recorrido; (ii) quanto aos dispositivos legais que sustentam a pretensão de reparação de danos pelo denominado assédio processual (arts. 186, 884 e 1.319, todos do CC/2002), que as conclusões a que chegou o acórdão recorrido estariam assentadas em determinadas premissas fático-probatórias, de modo que infirmá-las exigiria nova incursão nesse acervo, expediente vedado pela Súmula 7/STJ; (iii) que, no tocante à prescrição da pretensão reparatória (se trienal ou se vintenária), igualmente seria necessário o reexame do acervo de fatos e provas, atraindo a incidência da Súmula 7/STJ; (iv) finalmente, que, no que tange a reparação de danos ambientais, que não teria havido o enfrentamento da questão no acórdão recorrido, de modo que estaria ausente o requisito do prequestionamento. 

Tendo em vista a multiplicidade de matérias em debate e o aparente ineditismo da pretensão rotulada como assédio processual, pedi vista na sessão de julgamento ocorrida em 17/09/2019 para melhor exame da controvérsia. 

Revisados os fatos, decide-se. 

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A CONTROVÉRSIA. 

De início, é importante delimitar precisamente o objeto da presente controvérsia à luz das causas de pedir deduzidas na petição inicial e daquilo que foi efetivamente decidido no acórdão recorrido. 

A presente ação indenizatória tem, em uma de suas matrizes, uma ação de divisão de terras particulares ajuizada pelos recorrentes em face dos recorridos no ano de 1988, mas que tem como elemento causal uma procuração incontroversamente falsa, datada de 1970, que fora utilizada para sucessivas e ilícitas cessões da área de mais de 1.500 hectares denominada Fazenda Campo Alegre (no próprio ano de 1970, para Ayrton Teixeira Gomes; no ano de 1972, para Eduardo Monteiro e, finalmente, em 1974, para os recorridos). 

A referida ação divisória, a propósito, continua em tramitação até o presente momento. Em se tratando de ação de procedimento especial submetida a procedimento bifásico, no qual a sentença proferida em 1ª fase reconhece o direito de dividir o imóvel comum e extingue o condomínio e a sentença proferida em 2ª fase efetiva o quinhão de cada parte e a própria linha divisória, é fato incontroverso que apenas a sentença proferida na 1ª fase, de procedência do pedido formulado pelos recorrentes, efetivamente transitou em julgado no ano de 1995. 

É digno de registro, pois, que não foi proferida até o momento – e estamos no ano de 2019 – a sentença homologatória que encerra a 2ª fase da referida ação. 

Desde o surgimento da controvérsia entre as partes, no ano de 1970, há mais de 39 (trinta e nove) anos, computam-se quase 10 (dez) ações judiciais ou processos administrativos, ajuizados pelos recorridos. 

Embora a ação divisória, que foi proposta pelos recorrentes, tenha sido ajuizada apenas em 1988, nota-se ter havido ação de usucapião proposta pelos recorridos já no ano de 1981. 

Após a propositura da ação divisória, sobrevieram embargos de terceiro (em 1989), ação de obrigação de fazer (em 1990 e com trânsito em julgado em 2006) e procedimento administrativo em 1994. 

Anote-se que, conquanto a área de mais de 1.500 hectares denominada Fazenda Campo Alegre tenha sido objeto de sentença divisória proferida em 1ª fase (reconhecimento do direito de dividir e extinção do condomínio) no ano de 1995, é fato incontroverso que a área apenas foi restituída aos recorrentes em Outubro de 2011. 

Nesse particular, é preciso fazer um importante registro. Além das multicitadas ações ajuizadas pelos recorridos antes ou durante a ação divisória, verifica-se que, contemporaneamente à ordem judicial de restituição da área e imissão na posse dos recorrentes, os recorridos propuseram, quase simultaneamente: (i) ação declaratória e embargos de terceiro em Setembro de 2011; (ii) medida cautelar em Outubro de 2011; e (iii) mandado de segurança em Novembro de 2011. 

É nesse contexto que se desenvolve a presente ação de reparação de danos materiais e morais, ajuizada justamente em Novembro de 2011, que tem como causa de pedir a prática de atos de assédio processual dos recorridos que teriam, por consequência, privado os recorrentes, por décadas, de usar, dispor e fruir da propriedade familiar de que são herdeiros. 

2. DAS CONVERGÊNCIAS COM O VOTO DO E. RELATOR. 

Realizada essa necessária contextualização preliminar, antecipa-se desde logo a concordância com o voto do e. Relator no que se refere a inexistência de omissão ou de obscuridade no acórdão recorrido que justifique a tese de violação ao art. 535, I e II, do CPC/73, suscitada por todos os recorrentes, adotando-se, pois, como razão de decidir nesse particular, os fundamentos expendidos no voto de S.Exa. 

De igual modo, conclui-se ser inadmissível o recurso especial interposto por ALBERTO JORGE MUNIZ e OUTROS sob a perspectiva da alínea “c” do permissivo constitucional, seja pela ausência de cotejo analítico entre o acórdão recorrido e os paradigmas invocados, seja porque da leitura apenas das ementas dos paradigmas indicados se conclui, desde logo, que aqueles julgados versaram sobre questões absolutamente distintas daquelas que estão em debate neste recurso especial. 

Quanto a controvérsia relacionada ao termo inicial e ao prazo prescricional aplicável à espécie, anote-se que o voto do e. Relator rejeita enfrentar a questão ao fundamento de que o seu reexame exigiria nova incursão no acervo fático-probatório, o que atrairia a incidência da Súmula 7/STJ. 

Nesse particular, verifica-se que a tese deduzida no recurso especial é de que o ajuizamento da ação divisória em 1988 teria o condão de interromper a prescrição da pretensão reparatória que teria nascido com a privação do bem ocorrida em 1973, especialmente diante da alegada incapacidade de herdeiros menores que teriam nascido em 1961 e em relação aos quais não fluiria a prescrição. 

Ocorre que, além de essa tese especificamente não ter sido examinada no acórdão recorrido (o que atrairia a incidência da Súmula 211/STJ), verifica-se que os elementos de fato trazidos pelos recorrentes no recurso especial e que poderiam, em tese, modificar o lapso prescricional, foram examinados no acórdão recorrido sob perspectiva e premissas fático-probatórias diversas, de modo que infirmar as conclusões obtidas pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul quanto ao ponto exigiria, realmente, uma nova incursão no acervo de fatos e de provas, que encontra óbice na Súmula 7/STJ. 

3. DA DIVERGÊNCIAS COM O VOTO DO E. RELATOR. REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS EM VIRTUDE DO DENOMINADO ASSÉDIO PROCESSUAL. 

Tendo em vista a regra do art. 1.005 do CPC/15, segundo a qual “o recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses” e considerando que os recorrentes, embora tenham interposto dois recursos especiais por diferentes patronos, ajuizaram a ação de reparação de danos em litisconsórcio ativo, passa-se ao exame conjunto da questão coincidente que fora objeto de impugnação em ambos os recursos especiais. 

Quanto ao ponto, anote-se, em primeiro lugar, que o e. Relator não conheceu do recurso especial interposto por ALBERTO JORGE MUNIZ e OUTROS ao fundamento de que a matéria não teria sido enfrentada pelo acórdão recorrido (atraindo a incidência da Súmula 211/STJ) e, em relação ao mesmo tema, não conheceu do recurso especial interposto por MAURÍCIO JORGE MUNIZ ao fundamento de que a conclusão do acórdão de que não houve danos decorreria de premissas fático-probatórias irretorquíveis (atraindo a incidência da Súmula 7/STJ). 

Respeitosamente, deve ser desde logo afastado o óbice da Súmula 211/STJ, na medida em que o acórdão recorrido se pronunciou expressamente sobre a questão em debate. 

Com efeito, embora alguns dos dispositivos legais invocados pelos recorrentes não tenham sido objeto de exame na fundamentação do acórdão recorrido (em especial o art. 159 do CC/1916 e os arts. 166, 884, 942, 943, 944, caput, 1.201, caput, 1.202, 1.203 e 1.319, todos do CC/2002), não há a mínima dúvida de que a pretensão de reparação dos danos foi efetivamente decidida e rejeitada pelo acórdão recorrido, inclusive com expressa referência aos arts. 186 e 187 do CC/2002 (igualmente tidos por violados pelos recorrentes). 

As razões de decidir adotadas pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, aliás, foram duas: (i) de que o simples ajuizamento de sucessivas ações judiciais pelos recorridos não constituiria ato ilícito e, consequentemente, sequer se deveria cogitar a ocorrência de fato danoso; (ii) que os eventuais excessos, protelações e abusos não seriam cognoscíveis em ação autônoma, mas, ao revés, deveriam ter sido examinados em cada uma das ações judiciais manejados pelos recorridos em face dos recorrentes.

De outro lado, também é perfeitamente possível, data venia, a superação do óbice da Súmula 7/STJ, seja porque os fatos necessários à tipificação das condutas dos recorridos estão suficientemente descritos no acórdão recorrido, seja ainda porque certos fatos sequer foram objeto de controvérsia pelos recorridos, como, por exemplo, quando reconheceram eles o manejo de um conjunto de ações judiciais sucessivas e, em razão disso, arguiram litispendência em relação à pretensão aqui deduzida. 

Superados os óbices apontados no voto do e. Relator e passando-se ao exame do mérito da pretensão recursal, percebe-se, em primeiro lugar, que embora a tese veiculado no recurso especial – assédio processual – aparente algum ineditismo, tem-se, a partir do exame da causa de pedir e do que foi efetivamente decidido nas instâncias de origem, que a questão em debate é entre nós conhecida: a causa é de alegado abuso processual. 

A figura do abuso de direito é entre nós conhecida e estudada essencialmente na perspectiva do direito material e, sobretudo, no âmbito do direito privado, em razão do que dispõe o art. 187 do CC/2002, segundo o qual “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. 

Isso porque, em virtude das nossas raízes romano-germânicas e de civil law, parece ser sempre necessário que a lei reconheça, prévia e expressamente, a ilicitude do ato abusivo e a possibilidade de puni-lo para que se cogite de examiná-lo nos conflitos que diariamente são submetidos ao Poder Judiciário, como se os deveres da boa-fé, da ética e da probidade não estivessem presentes no tecido social e, consequentemente, como se não fossem ínsitos ao direito. 

Essa característica fica ainda mais evidente no âmbito do processo judicial. Quando se pensa em um apenamento por conduta que possa se assemelhar ao ato abusivo, imediatamente se remete o intérprete, sem escalas, aos arts. 14 a 18 do CPC/73 (atuais arts. 77 a 81 do CPC/15), como se todas as descomposturas, chicanas e tramoias processuais estivessem ali elencadas ou pudessem ser previstas com antecipação pelo legislador. 

Ocorre que o ardil, não raro, é camuflado e obscuro, de modo a embaralhar as vistas de quem precisa encontrá-lo. O chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas. O abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde. 

É por isso que é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo, mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo. 

Em uma das pouquíssimas obras brasileiras que trataram especificamente da figura do abusador no âmbito do processo judicial, José Olímpio de Castro Filho, após destacar os deveres de lealdade e de probidade exigidos das partes na Itália, de se portar conforme a verdade na Alemanha, da singular indenização a quem ocultar o paradeiro do adverso na Áustria e das multas comumente aplicadas ao litigante de má-fé em Portugal e no México (e que, nitidamente, inspiraram o modelo brasileiro), destaca que os países de origem anglo-saxônica, embora apontados como refratários à repressão do abuso de direito por privilegiar as prerrogativas individuais, possuem também mecanismos bastante eficazes de combate a essa conduta nociva. 

Diz ele, com base na experiência inglesa: 

Deixando sempre de parte o instituto no direito substantivo, é certo, como nota Tito Arantes, que foi precisamente na Inglaterra que, em matéria de lide temerária, a teoria do abuso do direito “recebeu uma consagração legal mais enérgica do que em qualquer outro país do continente”. “Na verdade, pelo Vexations Actions Act, de 1896, aqueles que duma forma habitual e persistente intentem processos sem motivos legítimos, podem ser proibidos pelo Alto Tribunal de Londres, a pedido do Attorney General, de intentar mais ações, a não ser que o Tribunal onde elas vão correr as autorize, depois de sumariamente examinar que não se trata de um novo abuso do autor”. (CASTRO FILHO, José Olímpio. Abuso do direito no processo civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 67/68). 

Não por acaso é no direito anglo-saxão, mais especificamente dos precedentes formados nos Estados Unidos da América, que se extrai fundamentação substancial para coibir o abusivo exercício do direito de peticionar e de demandar, isto é, para a proibição do que se convencionou chamar de sham litigation. 

Dentre os inúmeros precedentes da Suprema Corte que balizaram o exercício do direito de petição, destaque-se o caso California Motor vs. Trucking, em que se consignou, pela primeira vez, que o surgimento de um padrão de processos infundados e repetitivos é forte indicador de abuso com aptidão para produção de resultados ilegais, razão pela qual essa conduta não está albergada pela imunidade constitucional ao direito de peticionar (California Motor Transport Co. v. Trucking Unlimited, 404 U.S. 508, 1972). 

A despeito de a doutrina da sham litigation ter se formado e consolidado enfaticamente no âmbito do direito concorrencial, absolutamente nada impede que se extraia, da ratio decidendi daqueles precedentes que a formaram, um mesmo padrão decisório a ser aplicado na repressão aos abusos de direito material e processual, em que o exercício desenfreado, repetitivo e desprovido de fundamentação séria e idônea pode, ainda que em caráter excepcional, configurar abuso do direito de ação. 

A excepcionalidade de se reconhecer eventual abuso do direito de acesso à justiça deve ser sempre ressaltada porque, em última análise, trata-se um direito fundamental estruturante do Estado Democrático de Direito e uma garantia de amplíssimo espectro, de modo que há uma natural renitência em cogitar da possibilidade de reconhecê-lo em virtude da tensão e da tenuidade com o próprio exercício regular desse direito fundamental. 

Respeitosamente, esse não é um argumento suficiente para que não se reprima o abuso de um direito fundamental processual, como é o direito de ação. Ao contrário, o exercício abusivo de direitos de natureza fundamental, quando configurado, deve ser rechaçado com o vigor correspondente à relevância que essa garantia possui no ordenamento jurídico, exigindo-se, contudo e somente, ainda mais prudência do julgador na certificação de que o abuso ocorreu estreme de dúvidas. 

Nesse sentido, leciona Michele Taruffo, que no texto se refere ao abuso de direito processual pela sigla ADP, afasta, em longa fundamentação, a ideia de que haveria contradição no reconhecimento do abuso de um direito processual fundamental: 

Alguém pode dizer que quando a questão refere-se à implementação de uma garantia fundamental, não há espaço deixado para o ADP. Uma vez que os modernos desenvolvimentos das garantias constitucionais são no sentido de alargar o seu significado e reforçar seu impacto sobre um crescente número de aspectos processuais, a consequência deveria ser a de excluir a possibilidade do ADP em muitas áreas do processo civil. Poderia até mesmo ser dito, tomando-se este argumento em uma forma de certo modo extrema, que a ideia de “abuso de direitos processuais” é contraditória em si, justamente porque se falamos de direitos processuais, no sentido forte de direitos processuais garantidos, então não deveríamos falar de abuso. Em perspectiva ainda diferente, Geoffrey Hazard afirma que as garantias são “imagens refletidas” do ADP, enfatizando que as garantias são destinadas justamente a evitar ou prevenir abusos. Ademais, há também uma preocupação generalizada acerca da possibilidade de conflitos entre a implementação de direitos processuais e o problema do ADP. Esse interesse deriva do fato de que em muitos sistemas a realização das garantias constitucionais está ainda “em progresso”, e em alguns casos há dúvidas e incertezas sobre seus reais significado e objetivo. Alguém pode temer que o conceito de ADP seja usado como um meio de limitar ou prevenir o completo desenvolvimento de tais garantias. Por assim dizer, deve-se prestar atenção para não entravar o desenvolvimento das garantias processuais enfatizando-se excessivamente a possibilidade de serem elas objeto de abuso. Tais preocupações são relevantes e merecem atenção. Todavia, não parece que devam elas obstar que se tome em séria conta os problemas do ADP, somente porque o abuso pode ser cometido sob o rótulo de um “direito fundamental processual” e a aplicação de tais direitos não deva ser indevidamente limitada. Por um lado, pode-se dizer que não há contradição necessária em se falar de abuso de direitos. Um direito pode ser exercido em muitos modos diferentes e com diferentes propósitos. Por isso, há também a possibilidade de distinguir condutas processuais “justas” e “corretas” daquelas “injustas” e “abusivas”. Por exemplo, que eu esteja investido do direito fundamental de acesso à justiça não significa que eu esteja autorizado a propor qualquer demanda sem nenhum interesse legal (i.e., para perseguir alegações frívolas: ver Hazard), apenas com o intuito de perturbar outra pessoa. Em um caso tal, seria provavelmente dito que eu abuso de meu direito de acesso à justiça. Similarmente: eu estou investido com o direito de defesa em todos os seus aspectos, mas se eu requeiro dezenas de preliminares frívolas e infundadas apenas a fim de provocar atrasos e custos, ou para impedir a corte de tomar o caso em consideração, pode ser dito que estou abusando do direito de defesa (ver, e.g., o caso dos repetitivos pedidos de habeas corpus referido por Hazard). Estes argumentos conduzem à conclusão de que não há contradição inerente entre garantias processuais e ADP. Direitos garantidos podem ser usados de formas incorretas e com propósitos inadequados e, portanto, eles podem ser objeto de abuso (ver, e.g., Oteiza). Por outro lado, garantias processuais não protegem e não legitimam práticas abusivas. Elas visam a proteger direitos, não a legitimar condutas injustas e nocivas. De certo modo, então, o discurso concernente à interpretação e aplicação das garantias constitucionais e o discurso sobre o ADP pertencem a diferentes contextos e – ao menos teoricamente – não devem nem se sobrepor nem conflitar um com o outro. Por assim dizer, a garantia termina quando o abuso começa (e vice-versa). É claro, entretanto, que o relacionamento entre o ADP e as garantias fundamentais é multifacetado. Garantias devem prevenir abusos processuais, mas elas mesmas podem ser objeto de abuso: a afirmação de uma garantia não é suficiente, infelizmente, para prevenir abusos. Por outro lado, abusos devem ser prevenidos justamente a fim de tornar efetivas as garantias, haja vista que procedimentos em que ocorrem abusos não correspondem aos padrões de lealdade e devido processo. Assim: garantias e ADP não se excluem. A questão é muito mais complexa e lida com o grau de realização de garantias e o grau de prevenção de abusos em diversos sistemas legais. Um problema diferente diz respeito à possibilidade de o risco de abusos ser usado como um argumento contra o completo desenvolvimento das garantias constitucionais. Em alguns casos, isto pode representar um perigo real, mas é um problema de tática (se não de política). Este problema surge quando alguma pessoa está tentando bloquear ou limitar a realização de garantias constitucionais e ela está em busca de argumentos para sustentar tal prática. Mas se o perigo do ADP é utilizado “contra” a completa implementação das garantias, este é um argumento errado e ruim: utilizá-lo pode ser definido como um “abuso do argumento”. Uma análise cuidadosa das garantias e do ADP deve ajudar evitando o uso incorreto do perigo do ADP como um obstáculo para a aplicação das garantias processuais. (TARUFFO, Michele. Abuso de direitos processuais: padrões comparativos de lealdade processual (relatório geral) in Revista de Processo: RePro, vol. 34, nº 177, São Paulo: Revista dos Tribunais, nov. 2009, p. 164/166). 

Estabelecidas essas premissas, passa-se ao enfrentamento da questão de fundo vertida no presente recurso especial. 

Em primeiro lugar, o fato de sustentar, em juízo e fora dele, desde a década de 7 0, a licitude da transferência da propriedade da Fazenda Campo Alegre fundada em procuração falsa e na pendência de inventário que possuía herdeiros menores – fatos absolutamente incontroversos –, por si só, já revela uma dose significativa de temeridade na litigância empreendida pelos recorridos, apta a, pelo menos, deslocar o foco de atenção do julgador do ato/fato isoladamente considerado para o contexto em que ele se insere. 

Isso porque, como destaca Sergio Chiarloni, apenas a litigância temerária não serve à configuração do abuso do direito processual: 

Agir ou resistir temerariamente não significa ser desleal ou improbo. Significa simplesmente correr o risco de pagar uma aposta maior pela perda do jogo processual. Nesse sentido, será suficiente considerar que, além de agir ou resistir com a consciência lúcida de sua própria imprudência, o legislador prevê, atribuindo consequências idênticas, agir ou resistir sem pôr em prática a diligência mínima que lhe permitiria, fácil e imediatamente, tomar consciência da falta de fundamentação da sua posição processual (presença de “culpa grave”).... (CHIARLONI, Sergio. Etica, formalismo processuale, abuso del processo in Revista de Processo: RePro, vol. 40, nº 239, São Paulo: Revista dos Tribunais, jan. 2015, p. 108). 

A despeito de a posse sobre a área ter sido objeto de formal reclamação dos recorrentes apenas em 1988, ano em que ajuizada a ação divisória que até hoje – ano de 2019 – não transitou em julgado em segunda fase, fato é que antes disso já havia litigância entre as partes, eis que os recorridos haviam ajuizado precedentemente uma ação de usucapião em 1981. 

Até esse momento, ainda se poderia cogitar de uma mera discussão judicial sobre a posse e a propriedade dos mais de 1.500 hectares da Fazenda Campo Alegre, que traduziria, nessa ótica, tão somente o lícito ato de deduzir pretensões perante o Poder Judiciário. 

A tese de exercício lícito do direito de ação começa a derruir, entretanto, quando se verifica que, após o ajuizamento das referidas ações, sobrevieram embargos de terceiro (em 1989), ação de obrigação de fazer (em 1990 e com trânsito em julgado em 2006) e procedimento administrativo em 1994, bem como – e sobretudo – com o trânsito em julgado, em 1995, da sentença proferida na 1ª fase da ação divisória, em que se declarou o direito de dividir o imóvel e a propriedade dos recorrentes sobre os mencionados 1.500 hectares de terra. 

A partir desse momento, a privação de uso da propriedade rural pelos recorrentes ganha outros e mais sérios contornos, tendo em vista a existência de uma decisão judicial definitiva que, conquanto pendente de concretização no plano fático mediante a efetivação da linha divisória, delimitou a propriedade dos recorrentes. 

Nesse contexto, o uso exclusivo da área alheia para o cultivo agrícola pelos 16 anos subsequentes – de 1995 a 2011, ano em que a área foi efetivamente restituída aos recorrentes –, não mais pode ser qualificado como lícito e de boa-fé no contexto anteriormente delineado, de modo que é correto afirmar que, a partir de 1995, os recorridos assumiram o risco de reparar os danos causados pela demora na efetivação da tutela específica de imissão na posse dos recorrentes. 

É interessante observar, aliás, que o autor que usufrui de uma tutela de urgência responderá objetivamente pelos prejuízos que a efetivação da medida causou à parte adversa se a futura sentença de mérito lhe for desfavorável (art. 811, I, do CPC/73; art. 302, I, do CPC/15), de modo que, com muito mais razão, a parte que usufrui de um bem que sabidamente não lhe pertence por força de decisão de mérito definitiva quanto à propriedade deverá reparar os prejuízos decorrentes dessa iniciativa. 

Ademais, merece especial destaque e atenção o fato de que os recorridos, exatamente às vésperas da tardia restituição de área e imissão na posse dos recorrentes ocorrida em Outubro de 2011, não titubearam em, sem qualquer pejo, ajuizar sucessivamente 04 novas ações judiciais, todas no período entre Setembro de 2011 e Novembro de 2011, todas elas sem qualquer fundamento relevante e todas manejadas quando já estava consolidada, há mais de 16 anos, a propriedade dos recorrentes. 

Esse conjunto de fatos no contexto em que se desenvolveu o litígio havido entre as partes não deixa dúvidas, data maxima venia, de que os recorridos efetivamente abusaram do direito de ação e de defesa e, mais do que isso, que desses abusos processuais sobrevieram danos materiais e morais que precisam ser reparados. 

Quanto ao dever de reparar, são de Chiovenda duas clássicas lições de que não se pode esquecer nesse momento: a primeira, que “a necessidade de se valer do processo não deve trazer dano aqueles que são forçados a agir ou defender-se em juízo”; a segunda, que “o processo deve dar, o quanto seja possível praticamente, a quem tem um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que teria direito a conseguir”. 

A partir desses ensinamentos se conclui que deve ser acolhida a pretensão de ressarcimento material que se funda na privação de uso da propriedade em decorrência de abuso processual, especialmente porque é fato incontroverso que os recorridos efetivamente se utilizaram da referida área de 1.500 hectares, ocupada com base em procuração falsa, para o desenvolvimento de cultura agrícola, em flagrante prejuízos aos proprietários, por longas décadas, valendo-se, para atingir esse objetivo, de sucessivas e reiteradas ações judiciais desprovidas de fundamentação idônea. 

Não se pode, pois, dar guarida à simulacros de processo ao nobre albergue do direito fundamental de acesso à justiça. 

Nesse particular, a pretensão recursal deve ser acolhida quanto ao ponto para, reconhecido o an debeatur, relegar a apreciação do efetivo valor devido pelos recorridos aos recorrentes – quantum debeatur – para a fase de liquidação por arbitramento, nos moldes do pedido formulado na petição inicial, tendo em vista a impossibilidade de fixação do valor na fase de conhecimento. 

No que se refere ao pedido de tutela ressarcitória fundado na suposta retirada ilegal de madeira e recomposição de danos ambientais, sublinhe-se que o e. Relator afastou o exame da pretensão sob essa perspectiva ao fundamento de que a matéria não estaria prequestionada, atraindo a incidência da Súmula 211/STJ. 

Colhe-se do acórdão que deu provimento à apelação dos recorridos, reformando a sentença de parcial procedência, que essa tese ficou prejudicada, na sentença e no voto-vencido da apelação, em razão de os fatos terem ocorrido antes do ano de 2008 (termo inicial da prescrição definido pelas instâncias ordinárias). 

Contudo, anote-se que esses mesmos fatos, independentemente do lapso prescricional, foram reputados como não comprovados pelos votos vencedores da apelação e dos embargos infringentes, que expressamente se pronunciaram no sentido de que a “suposta extração de madeiras e custos para recomposição do meio ambiente não restaram demonstrados”, de modo que não se pode condenar os recorridos com base na mera presunção de que teria havido desmatamento na área da Fazenda Campo Grande e que desse desmate teria resultado dano ambiental. 

Nesse particular, é inviável o exame da pretensão de reparação material deduzida pelos recorrentes, pois, embora a questão tenha sido efetivamente decidida pelo acórdão recorrido, o reexame da matéria encontra inafastável óbice na Súmula 7/STJ. 

É ainda preciso examinar a pretensão de reparação de danos morais formulada pelos recorrentes. 

No ponto, deve-se acrescentar ao contexto e ao conjunto de fatos acima expostos, que por si só são muito graves e merecedores de severa reprimenda do Poder Judiciário, que os recorrentes são herdeiros (filhos e parentes próximos) dos proprietários originários da área que fora clandestinamente usurpada pelos recorridos e que, desde tenra idade, foram privados do uso das terras que indiscutivelmente são suas. 

A longa batalha enfrentada pelos herdeiros até a efetiva retomada das suas terras teve inicio há décadas e perdurou por longos anos, com todos os entraves possíveis e com o uso abusivo do direito de acesso à justiça pelos recorridos. 

O evidente desgaste provocado pela privação de uso do bem que sempre lhes pertenceu não pode, data maxima venia, ser reputado como um dano de cunho meramente patrimonial, que se traduza em mero dissabor do cotidiano. 

A transgressão sistemática da lei, da ética e da boa-fé processual, nesse contexto de privação que enfrentaram os recorrentes, não causa apenas um simples desconforto, mas, sim, gera angústia severa, descrédito nas instituições, repulsa generalizada e abalos dos mais variados matizes. 

Daí porque, respeitosamente, também é devida a reparação dos danos extrapatrimoniais experimentados pelos recorrentes, restabelecendo-se quanto ao ponto a sentença de procedência do referido pedido (R$ 100.000,00, para cada autor, a contar do arbitramento). 

Finalmente, não se sustenta, respeitosamente, o fundamento adotado pelo acórdão recorrido, no sentido de que o abuso processual, a má-fé ou o dolo deveriam ser individualmente verificados em cada uma das ações ajuizadas pelos recorridos em face dos recorrentes. 

A regra segundo a qual a responsabilização por dano processual se apura no próprio processo (art. 18, §2º, do CPC/73; art. 81, §3º, do CPC/15) é obviamente aplicável quando o abuso de direito de que resulta o dano for suscetível de caracterização, ou disser respeito, apenas aos atos endoprocessuais nele praticados. 

A hipótese em exame, todavia, é bastante distinta. 

Com efeito, o abuso do direito fundamental de acesso à justiça em que incorreram os recorridos não se materializou em cada um dos atos processuais individualmente considerados, mas, ao revés, concretizou-se em uma série de atos concertados, em sucessivas pretensões desprovidas de fundamentação e em quase uma dezena de demandas frívolas e temerárias, razão pela qual é o conjunto desta obra verdadeiramente mal-acabada que configura o dever de indenizar. 

Em suma, não se pode esquecer da sábia lição de Ada Pellegrini Grinover, que há quase 20 anos vaticinava: “Mais do que nunca, o processo deve ser informado por princípios éticos. A relação jurídica processual, estabelecida entre as partes e o juiz, rege-se por normas jurídicas e por normas de conduta. De há muito, o processo deixou de ser visto como instrumento meramente técnico, para assumir a dimensão de instrumento ético voltado a pacificar com justiça”. (GRINOVER, Ada Pellegrini. Ética, abuso do processo e resistência às ordens judiciárias: o contempt of court in Revista de Processo: RePro, vol. 26, nº 102, São Paulo: Revista dos Tribunais, abr./jun. 2001, p. 219).

 É por esses motivos que se conclui, rogando venias ao e. Relator, que o acórdão recorrido violou os arts. 186 e 187 do CC/2002. 

4. CONCLUSÃO. 

Forte nessas razões, CONHEÇO e DOU PARCIAL PROVIMENTO aos recursos especiais, restabelecendo-se integralmente a sentença quanto ao acolhimento da pretensão indenizatória material (a ser liquidada por arbitramento, observados os últimos 03 anos contados retroativamente do ajuizamento da ação), da pretensão indenizatória de natureza moral (R$ 100.000,00 para cada autor, contados do arbitramento) e quanto à sucumbência (10% sobre o valor total da condenação).