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8 de agosto de 2021

Cabe ao juízo estatal julgar a ação de despejo, ainda que exista cláusula compromissória no contrato de locação

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/07/info-699-stj.pdf


ARBITRAGEM - Cabe ao juízo estatal julgar a ação de despejo, ainda que exista cláusula compromissória no contrato de locação 

Compete ao juízo estatal julgar a pretensão de despejo por falta de pagamento, mesmo existindo cláusula compromissória. A cláusula arbitral, uma vez contratada pelas partes, goza de força vinculante e caráter obrigatório, definindo ao juízo arbitral eleito a competência para dirimir os litígios relativos aos direitos patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor, derrogando-se a jurisdição estatal. No entanto, apesar da referida convenção arbitral excluir a apreciação do juízo estatal, tal restrição não se aplica aos processos de execução forçada, haja vista que os árbitros não são investidos do poder de império estatal à prática de atos executivos, não sendo detentores de poder coercitivo direto. No caso de ação de despejo por falta de pagamento e imissão de posse, o juízo arbitral não poderá decidir a causa porque se busca uma ordem para restituir o imóvel com o desalojamento do ocupante. Logo, há uma peculiaridade procedimental e uma natureza executiva ínsita, exigindo a atuação do juízo estatal. STJ. 4ª Turma. REsp 1.481.644-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 01/06/2021 (Info 699). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

“Morena Modas” celebrou contrato com a administradora do shopping center “Iguateré” para locação de espaço para funcionamento de loja. No contrato de locação, havia uma cláusula compromissória, nos seguintes termos: “Fica ajustado pelas Partes que qualquer controvérsia ou reivindicação decorrente ou relativa a este Contrato será dirimida por arbitragem.” A empresa locatária deixou de pagar os aluguéis, razão pela qual a administradora do shopping ajuizou, na Justiça estadual, ação de despejo por falta de pagamento. A ação foi distribuída para a 5ª Vara Cível da Capital. A loja contestou a demanda afirmando que a jurisdição estatal seria incompetente em razão da existência de cláusula compromissória. 

O argumento da loja locatária deve ser acolhido? NÃO. Vejamos. 

O que é uma cláusula compromissória? 

A cláusula compromissória, também chamada de cláusula arbitral, é... 

- uma cláusula existente no contrato (ou outro instrumento), 

- e que determina, de forma prévia e abstrata, 

- que qualquer conflito futuro relacionado àquele contrato 

- será resolvido por arbitragem (e não pela via jurisdicional estatal). 

A cláusula compromissória possui força vinculante e caráter obrigatório 

A pactuação válida de cláusula compromissória possui força vinculante e caráter obrigatório. Assim, o juízo arbitral é quem possui competência para dirimir os litígios relativos aos direitos patrimoniais disponíveis envolvendo as partes da relação contratual. Com isso, fica afastada (derrogada) a jurisdição estatal. Nesse sentido: 

A pactuação válida de cláusula compromissória possui força vinculante, obrigando as partes da relação contratual a respeitar, para a resolução dos conflitos daí decorrentes, a competência atribuída ao árbitro. Como regra, diz-se, então, que a celebração de cláusula compromissória implica a derrogação da jurisdição estatal, impondo ao árbitro o poder-dever de decidir as questões decorrentes do contrato e, inclusive, decidir acerca da própria existência, validade e eficácia da cláusula compromissória (princípio da Kompetenz-Kompetenz). (...) Pela cláusula compromissória entabulada, as partes expressamente elegeram Juízo Arbitral para dirimir qualquer pendência decorrente do instrumento contratual, motivo pela qual inviável que o presente processo prossiga sob a jurisdição estatal. STJ. 3ª Turma. REsp 1.694.826/GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 07/11/2017. 

Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 122): 

Tese 1: A convenção de arbitragem, tanto na modalidade de compromisso arbitral quanto na modalidade de cláusula compromissória, uma vez contratada pelas partes, goza de força vinculante e de caráter obrigatório, definindo ao juízo arbitral eleito a competência para dirimir os litígios relativos aos direitos patrimoniais disponíveis, derrogando-se a jurisdição estatal. 

Não se aplica a arbitragem quando se exige execução forçada 

Vimos acima que a convenção arbitral exclui a apreciação do juízo estatal. Essa restrição, contudo, não se aplica aos processos de execução forçada. Isso porque os árbitros não são investidos do poder de império estatal à prática de atos executivos, não sendo detentores de poder coercitivo direto. 

A cláusula compromissória (ou cláusula arbitral) se aplica ao juízo estatal, exceto nos processos de execução forçada 

A cláusula compromissória não se aplica aos processos de execução forçada, pois os árbitros não são investidos do poder de império estatal à prática de atos executivos, vale dizer, não são detentores de poder coercitivo direto. O STJ já se debruçou sobre o tema e assim decidiu: 

No processo de execução, a convenção arbitral não exclui a apreciação do magistrado togado, haja vista que os árbitros não são investidos do poder de império estatal à prática de atos executivos, não tendo poder coercitivo direto. STJ. 4ª Turma. REsp 1465535/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/06/2016. 

Nos processos de execução forçada, é possível o juízo estatal rever controvérsias que digam respeito ao mérito? 

REGRA: NÃO. Na execução lastreada em contrato com cláusula arbitral, haverá limitação material do seu objeto de apreciação pelo magistrado: o Juízo estatal não deterá competência para resolver as controvérsias que digam respeito ao mérito dos embargos, às questões atinentes ao título ou às obrigações ali consignadas(existência, constituição ou extinção do crédito) e às matérias que foram eleitas para serem solucionadas pela instância arbitral (kompetenz e kompetenz), que deverão ser dirimidas pela via arbitral. Isso é conhecido como aplicação do princípio da kompetenz-kompetenz (competência-competência) considerando que compete ao próprio árbitro dizer se ele é ou não competente para conhecer aquele conflito. 

Confira o que a doutrina explica a respeito do princípio da kompetenz-kompetenz: 

“Tem, pois o árbitro competência para estatuir sobre sua própria competência (KompetenzKompetenz) e, assim, interpretar o contrato e a convenção de arbitragem. As partes, ao optarem pela arbitragem, estão dispostas a submeter toda e qualquer controvérsia que resulte do contrato ao juízo privado, do que inclui as controvérsias sobre a própria eficácia ou validade daquele instrumento" (MARTINS, Pedro Batista. Cláusula Compromissória in Aspectos Fundamentais da Lei de Arbitragem, Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 219). 

Veja as palavras da Ministra Nancy Andrighi sobre o tema: 

“A kompetenz-kompetenz (competência-competência) é um dos princípios basilares da arbitragem, que confere ao árbitro o poder de decidir sobre a sua própria competência, sendo condenável qualquer tentativa, das partes ou do juiz estatal, no sentido de alterar essa realidade. Em outras palavras, no embate com as autoridades judiciais, deterá o árbitro preferência na análise da questão, sendo dele o benefício da dúvida. Dessa forma, a resolução de questões litigiosas fica a cargo do árbitro e, para isso, não exige a lei que o ato jurídico seja válido ou imune a nulidades ou causas supervenientes de ineficácia, como se defende na espécie. Ao contrário, a questão litigiosa pode ser justamente a ineficácia do ato jurídico. Nessas circunstâncias, a jurisdição arbitral não se desloca, pois legalmente é o árbitro quem detém competência para dirimir essas matérias assim como para decidir sobre sua própria competência. Essa prioridade não apenas se perfila com os princípios que circundam o instituto da arbitragem e com a sistemática introduzida pela Lei nº 9.307/96, que se censuram atos de protelação ou afastamento do rito arbitral, como também assegura a proposta de tornar o procedimento, uma vez eleito pelas partes, uma alternativa segura e incontornável de resolução de conflitos, limitando a atuação do Poder Judiciário à execução da sentença arbitral." (MC 14.295/SP, DJe 13/06/2008). 

EXCEÇÃO: o STJ relativizou esta regra e decidiu que se a nulidade da cláusula compromissória for muito evidente, será possível ao Poder Judiciário declarar a sua invalidade mesmo sem que este pedido tenha sido formulado, em primeiro lugar, ao próprio árbitro, abrindo espaço para análise do mérito pelo juízo estatal. Veja trecho da ementa e fique atento para a expressão "compromisso arbitral patológico", que poderá ser cobrada em sua prova: 

O Poder Judiciário pode, nos casos em que prima facie é identificado um compromisso arbitral "patológico", isto é, claramente ilegal, declarar a nulidade dessa cláusula, independentemente do estado em que se encontre o procedimento arbitral. STJ. 3ª Turma. REsp 1.602.076-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/9/2016 (Info 591). 

Trata-se de exceção à regra geral de prioridade do Juízo arbitral. Esta exceção é também admitida por alguns doutrinadores: 

“A doutrina, de qualquer forma, ainda não tem posicionamento firme no sentido de identificar com exatidão quais os limites dos poderes investigativos do juiz acerca da invalidade da convenção de arbitragem. Emmanuel Gaillard sugere que o juiz só possa declarar a invalidade da convenção arbitral quando o vício for reconhecível prima facie, ou seja, de pronto, sem necessidade de maior exame. Parece que o ilustre professor parisiense tem razão, já que a limitação da cognição do juiz apenas a aspectos que desde logo pode detectar, sem maiores indagações (cognição sumária, portanto), harmoniza-se com o princípio da Kompetenz-Kompetenz adotado pela Lei. Se assim for, poderia o juiz togado reconhecer a invalidade de um compromisso arbitral a que falte qualquer de seus requisitos essenciais, ou a impossibilidade de fazer valer uma convenção arbitral que diga respeito a uma questão de direito indisponível; mas não poderia determinar o prosseguimento da instrução probatória para verificar o alcance da convenção arbitral ou para aferir se algum dos contratantes teria sido forçado ou induzido a celebrar o convênio arbitral” (CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 177). 

Voltando ao caso concreto: 

O caso concreto não tratava especificamente de execução de contrato de locação, mas sim de ação de despejo por falta de pagamento. Mesmo assim, deve ser aplicado o mesmo raciocínio da execução. No caso de ação de despejo por falta de pagamento e imissão de posse, o juízo arbitral não poderá decidir a causa porque se busca uma ordem para restituir o imóvel com o desalojamento do ocupante. Logo, há uma peculiaridade procedimental e uma natureza executiva ínsita, exigindo a atuação do juízo estatal. 

Resumindo 

Compete ao juízo estatal julgar a pretensão de despejo por falta de pagamento, mesmo existindo cláusula compromissória. A cláusula arbitral, uma vez contratada pelas partes, goza de força vinculante e caráter obrigatório, definindo ao juízo arbitral eleito a competência para dirimir os litígios relativos aos direitos patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor, derrogando-se a jurisdição estatal. No entanto, apesar da referida convenção arbitral excluir a apreciação do juízo estatal, tal restrição não se aplica aos processos de execução forçada, haja vista que os árbitros não são investidos do poder de império estatal à prática de atos executivos, não sendo detentores de poder coercitivo direto. No caso de ação de despejo por falta de pagamento e imissão de posse, o juízo arbitral não poderá decidir a causa porque se busca uma ordem para restituir o imóvel com o desalojamento do ocupante. Logo, há uma peculiaridade procedimental e uma natureza executiva ínsita, exigindo a atuação do juízo estatal. STJ. 4ª Turma. REsp 1.481.644-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 01/06/2021 (Info 699)