RECURSO ESPECIAL Nº 1.798.939 - SP (2018/0125600-8)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
CIVIL E CONSUMIDOR. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS.
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERE PEDIDO DE EXPEDIÇÃO DE
OFÍCIO A TERCEIRO PARA APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS EM SEU
PODER. RECORRIBILIDADE IMEDIATA POR AGRAVO DE INSTRUMENTO COM
BASE NO ART. 1.015, VI, DO CPC/15. POSSIBILIDADE. EXIBIÇÃO DE
DOCUMENTO QUE TEM POR FINALIDADE PERMITIR QUE A PARTE SE
DESINCUMBA DO ÔNUS PROBATÓRIO. INCLUSÃO NO PROCESSO JUDICIAL DE
DOCUMENTOS EM PODER DA OUTRA PARTE OU DE TERCEIRO QUE PERMITE
O CUMPRIMENTO DO ENCARGO. HIPÓTESE DE CABIMENTO QUE ABRANGE
A DECISÃO QUE RESOLVE A EXIBIÇÃO NA MODALIDADE DE INCIDENTE,
AÇÃO INCIDENTAL OU MERO REQUERIMENTO NO PRÓPRIO PROCESSO.
IRRELEVÂNCIA DO MEIO UTILIZADO PARA SE BUSCAR A EXIBIÇÃO.
PREPONDERÂNCIA DO CONTEÚDO DECISÓRIO.
1- Ação proposta em 12/05/2014. Recurso especial interposto em
26/07/2017 e atribuído à Relatora em 06/06/2018.
2- O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que indeferiu a
expedição de ofício para agente financeiro que é terceiro, a partir do qual
se buscava a apresentação de documentos comprobatórios de vínculo entre
os autores e o sistema financeiro de habitação e os riscos cobertos pela
apólice de seguro, versa sobre exibição de documento e, assim, se é cabível
agravo de instrumento com fundamento no art. 1.015, VI, do CPC/15.
3- O art. 1.015 do CPC/15, que regula o cabimento do recurso de agravo de
instrumento em suas hipóteses típicas, é bastante amplo e dotado de
diversos conceitos jurídicos indeterminados, de modo que o Superior
Tribunal de Justiça ainda será frequentemente instado a se pronunciar sobre
cada uma das hipóteses de cabimento listadas no referido dispositivo legal.
4- A regra do art. 1.015, VI, do CPC/15, tem por finalidade permitir que a parte a quem a lei ou o juiz atribuiu o ônus de provar possa dele se
desincumbir integralmente, inclusive mediante a inclusão, no processo
judicial, de documentos ou de coisas que sirvam de elementos de convicção
sobre o referido fato probandi e que não possam ser voluntariamente por
ela apresentados.
5- Partindo dessa premissa, a referida hipótese de cabimento abrange a
decisão que resolve o incidente processual de exibição instaurado em face
de parte, a decisão que resolve a ação incidental de exibição instaurada em
face de terceiro e, ainda, a decisão interlocutória que versou sobre a
exibição ou a posse de documento ou coisa, ainda que fora do modelo
procedimental delineado pelos arts. 396 e 404 do CPC/15, ou seja, deferindo
ou indeferindo a exibição por simples requerimento de expedição de ofício
feito pela parte no próprio processo, sem a instauração de incidente
processual ou de ação incidental.
6- Hipótese em que o requerimento da seguradora era a expedição de ofício
para agente financeiro, que é terceiro, para que ele apresente documentos
comprobatórios do vínculo dos autores com o sistema financeiro de
habitação e dos riscos cobertos pela apólice que poderiam, em tese,
acarretar a exclusão do dever de indenizar ou a atribuição do dever de
indenizar a outra seguradora, e que foi liminarmente indeferido pelo
magistrado de 1º grau em decisão interlocutória que versou sobre a
exibição do documento.
7- Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e dar provimento ao
recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de
Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro
votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 12 de novembro de 2019(Data do Julgamento)
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Cuida-se de recurso especial interposto por SUL AMERICA
COMPANHIA NACIONAL DE SEGUROS, com base na alínea “a” do permissivo
constitucional, em face de acórdão do TJ/SP que, por unanimidade, conheceu em
parte do agravo de instrumento interposto pela recorrente e, nessa extensão,
negou-lhe provimento.
Recurso especial interposto e m: 26/07/2017.
Atribuído ao gabinete e m: 06/06/2018.
Ação: de reparação de danos, em que os recorridos pleiteiam
indenização securitária em decorrência de danos ocorridos em imóveis ao
fundamento de vício de construção.
Decisão interlocutória: indeferiu requerimento formulado pela
recorrente, a fim de que fosse expedido ofício ao agente financeiro Caixa
Econômica Federal para que fornecesse documentos comprobatórios da existência
de vínculo entre os recorridos e o sistema financeiro da habitação e os riscos cobertos pela apólice (fls. 125/131, e-STJ).
Acórdão: por unanimidade, conheceu em parte do agravo de
instrumento interposto pela recorrente e, nessa extensão, negou-lhe provimento,
nos termos da seguinte ementa:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO INTERPOSTO CONTRA
DOIS TÓPICOS DA DECISÃO – INDEFERIMENTO DE EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO À CEF – DECISÃO IRRECORRÍVEL – RECURSO NÃO CONHECIDO NESTA PARTE – INVERSÃO
DO ÔNUS PROBATÓRIO, EM FAVOR DOS MUTUÁRIOS DO SFH – ÔNUS
PROBATÓRIO CARREADO À SEGURADORA – ADMISSIBILIDADE.
A decisão que indefere expedição de ofício à CEF não desafia
agravo de instrumento, por não se tratar de incidente de exibição de documento
ou coisa – Em ação de indenização securitária, a decisão que inverte o ônus
probatório em desfavor da seguradora, com base no CDC e no CPC, não
comporta reforma – Precedentes. - Decisão mantida – NÃO CONHECERAM DE PARTE DO
RECURSO E NEGARAM PROVIMENTO NA PARTE CONHECIDA. (fls.
269/275, e-STJ).
Embargos de declaração: opostos pela recorrente, foram rejeitados
por unanimidade (fls. 316/318, e-STJ).
Recurso especial: alega-se violação ao art. 1.015, VI, do CPC/15, ao
fundamento de que a decisão interlocutória que indeferiu a expedição de ofício ao
agente financeiro Caixa Econômica Federal, que não é parte do processo, versa
sobre exibição de documento (fls. 278/286, e-STJ).
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que indeferiu
a expedição de ofício para agente financeiro que é terceiro, a partir do qual se
buscava a apresentação de documentos comprobatórios de vínculo entre os
autores e o sistema financeiro de habitação e os riscos cobertos pela apólice de
seguro, versa sobre exibição de documento e, assim, se é cabível agravo de
instrumento com fundamento no art. 1.015, VI, do CPC/15.
1. DA IRRECORRIBILIDADE DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
QUE INDEFERE A EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO AO AGENTE FINANCEIRO QUE É
TERCEIRO ESTRANHO À LIDE. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 1.015, VI, DO
CPC/15.
Em primeiro lugar, anote-se que a hipótese em exame diz respeito a
um simples requerimento de expedição de ofício formulado pela recorrente, por
meio do qual se pretende que um terceiro, o agente financeiro Caixa Econômica Federal, apresente em juízo determinados documentos que permitiriam
comprovar a existência de vínculo entre os recorridos e o sistema financeiro da
habitação e os riscos cobertos pela apólice de seguro.
Na hipótese, não houve a instauração de um incidente processual ou
uma ação incidental de exibição ou posse de documento ou coisa, nos moldes
delineados nos arts. 396 a 404 do CPC/15, que, como se sabe, exigem rito e
procedimento próprios (com intimação da parte ou citação do terceiro, amplo
contraditório, exame das escusas de exibir ofertadas pela parte ou terceiro,
produção de provas sobre a obrigação de exibir ou sobre a posse do documento ou
coisa e decisão final).
A questão vertida no recurso especial consiste em definir se o art.
1.015, VI, do CPC/15, diria respeito somente às decisões interlocutórias proferidas
no incidente processual e na ação incidental a que se referem os arts. 396 e 404
do CPC/15 ou se a hipótese de recorribilidade acima mencionada seria mais ampla,
abrangendo quaisquer decisões que digam respeito à exibição ou posse de
documento ou coisa.
Para melhor exame da questão, confira-se o conteúdo do dispositivo
legal alegadamente violado:
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões
interlocutórias que versarem sobre:
(...)
VI – exibição ou posse de documento ou coisa;
De início, é preciso relembrar, uma vez mais e a exemplo do que já se
destacou em diversas outras oportunidades (como, por exemplo, no julgamento do
REsp 1.752.049/PR, 3ª Turma, DJe 15/03/2019 e do REsp 1.729.110/CE, 3ª Turma,
DJe 04/04/2019), que o art. 1.015 do CPC/15, que regula o cabimento do recurso de agravo de instrumento, em suas hipóteses típicas, é bastante amplo e dotado
de diversos conceitos jurídicos indeterminados, de modo que esta Corte
será frequentemente instada a se pronunciar sobre cada uma das
hipóteses de cabimento listadas no referido dispositivo legal.
O debate sobre o sentido que deve ser dado ao art. 1.015, VI, do
CPC/15, também se insere nesse contexto, exigindo-se a indispensável
conformação entre o texto de lei e o seu respectivo conteúdo
normativo, a fim de que se possa dizer, exatamente, o significado de “decisão
interlocutória que versa sobre exibição ou posse de documento ou coisa”.
Nesse sentido, não há dúvida de que a decisão que resolve o incidente
processual de exibição instaurado em face de parte e a decisão que resolve a ação
incidental de exibição instaurada em face de terceiro estão abrangidas pela
hipótese de cabimento do art. 1.015, VI, do CPC/15.
Contudo, não se identifica na doutrina quem tenha examinado a
hipótese em que a decisão interlocutória versou sobre a exibição ou a posse de
documento ou coisa fora do modelo procedimental delineado pelos arts. 396 e 404
do CPC/15, ou seja, deferindo ou indeferindo a exibição por simples
requerimento de expedição de ofício feito pela parte no próprio
processo, sem a instauração de incidente processual ou de ação
incidental, o que, aliás, ocorre muito frequentemente na praxe forense.
Com efeito, a pretensão do réu que requer a expedição de ofício para
agente financeiro, que é terceiro, para que ele apresente documentos
comprobatórios do vínculo dos autores com o sistema financeiro de habitação e
dos riscos cobertos pela apólice, reveste-se de típica natureza de exibição de
um documento que se encontra em poder de quem não é parte.
A esse respeito, confira-se a lição de Elaine Harzheim Macedo:
O direito pátrio sempre reconheceu que a pretensão à exibição
possa ser deduzida contra terceiro. Aqui, é preciso fixar um denominador
comum: o terceiro aqui referido não é o terceiro juridicamente
interessado e que interveio no processo, como é o caso do assistente, do
denunciado à lide ou do chamado no processo. O terceiro passível de sofrer
uma exibitória é uma pessoa, natural ou jurídica, estranha ao
processo em curso, mas que devido a certas circunstâncias é a
detentora do documento ou coisa a ser exibido como meio de prova. (MACEDO, Elaine Harzheim. Exibitória de documento ou coisa no novo CPC: arts.
396 a 404 in Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 5: direito probatório.
Coord.: Fredie Didier Jr. et. al. 3ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2018. p. 921).
Na hipótese, pleiteou-se que o agente financeiro Caixa Econômica
Federal, que não é parte, exibisse determinados documentos que, em
sintonia com a tese de defesa deduzida pela recorrente, poderiam, em tese,
acarretar a exclusão do dever de indenizar ou a atribuição de eventual
dever de reparar danos a outra seguradora.
Nesse contexto, pouco importa, para fins de cabimento do recurso de
agravo de instrumento com base no art. 1.015, VI, do CPC/15, que a decisão que
indeferiu o pedido de exibição tenha se dado na resolução de um incidente
processual, de uma ação incidental ou de um mero requerimento formulado no
próprio processo.
Com efeito, o veículo processual é irrelevante face ao conteúdo
decisório que efetivamente versou sobre a exibição de documento em
posse de terceiro, ainda que não tenha sido observado o procedimento
previsto no CPC/15 porque o julgador, liminarmente, indeferiu o pedido de
cunho exibitório formulado pela recorrente de forma expedita.
Em sentido semelhante, lecionam Teresa Arruda Alvim, Maria
Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro
Torres de Mello:
7. Exibição ou posse de documento ou coisa – inciso VI.
A decisão que determina que certo documento seja entregue, ou seja, exibido,
quer em relação à própria parte, quer em relação a terceiro, é agravável de
instrumento, bem como a decisão que indefere pedido neste sentido. (ARRUDA
ALVIM, Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva;
MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de
Processo Civil: artigo por artigo. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p.
1.616).
Também em sentido análogo, ensina Daniel Amorim Assumpção
Neves:
8. Decisão que versar sobre exibição e posse de
documento ou coisa.
O inciso VI do art. 1.015 prevê a recorribilidade por agravo de
instrumento da decisão interlocutória que versa sobre exibição ou posse de
documento ou coisa. Nesse caso, tanto a decisão de indeferimento, como de
deferimento do pedido, bem como a determinação de exibição de ofício, devem
ser consideradas. (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo
Civil Comentado. 4ª Ed. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 1.819).
Em suma, a regra do art. 1.015, VI, do CPC/15, tem por finalidade
permitir que a parte a quem a lei ou o juiz atribuiu o ônus de provar possa dele se
desincumbir integralmente, inclusive mediante a inclusão, no processo judicial, de
documentos ou de coisas que sirvam de elementos de convicção sobre o referido
fato probandi e que não possam ser voluntariamente por ela apresentados.
Essa finalidade apenas será perfeitamente atingida se se compreender
que a decisão interlocutória que versa sobre a exibição do documento possa
ocorrer em um incidente processual, em uma ação incidental ou, ainda, em mero
requerimento formulado no bojo do próprio processo.
Conclui-se, pois, que o acórdão recorrido violou o art. 1.015, VI, do
CPC/15.
2. CONCLUSÕES.
Forte nessas razões, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso
especial, determinando o retorno do processo ao TJ/SP para que, afastado o óbice
do cabimento, examine a alegação de plausibilidade do requerimento exibitório
formulado.