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5 de abril de 2022

A atribuição dinâmica do ônus probatório acerca da realização de acessões/benfeitorias em imóvel de propriedade do cônjuge varão, objeto de eventual partilha em ação de divórcio, pode afastar a presunção do art. 1.253 do Código Civil de 2002

Processo

Processo sob segredo judicial, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 29/03/2022, DJe 31/03/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Bem imóvel. Presunção legal juris tantum de realização acessões/benfeitorias pelo cônjuge varão. Interrupção da união conjugal. Comunhão parcial de bens. Deslocamento do ônus probatório. Teoria da carga dinâmica.

 

DESTAQUE

A atribuição dinâmica do ônus probatório acerca da realização de acessões/benfeitorias em imóvel de propriedade do cônjuge varão, objeto de eventual partilha em ação de divórcio, pode afastar a presunção do art. 1.253 do Código Civil de 2002.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a definir se a atribuição dinâmica do ônus probatório acerca da realização de acessões/benfeitorias em imóvel de propriedade do cônjuge varão, objeto de eventual partilha em ação de divórcio, pode afastar a presunção do art. 1.253 do Código Civil de 2002.

Referida presunção pertence à categoria de presunções relativas (juris tantum) e, por isso, pode ser elidida por prova em contrário, sobretudo diante da relevância da dimensão temporal da prova relativa para a análise do caso concreto. Assim, é fundamental definir se as acessões/benfeitorias são realizadas em períodos coincidentes com a relação matrimonial, hipótese em que esses bens deveriam ser partilhados. Ademais, a presunção presente no direito das coisas deve ceder lugar a outra presunção legal muito cara ao direito de família, constante do art. 1.660, I e IV, do CC/2002, segundo a qual se presume o esforço comum dos cônjuges na aquisição dos bens realizada na constância da relação matrimonial sob o regime da comunhão parcial, situação em que os respectivos bens devem ser partilhados.

Para dar concretude ao princípio da persuasão racional do juiz, insculpido no art. 371 do CPC/2015, aliado aos postulados de boa-fé, de cooperação, de lealdade e de paridade de armas previstos no novo diploma processual civil (arts. 5º, 6º, 7º, 77, I e II, e 378 do CPC/2015), com vistas a proporcionar uma decisão de mérito justa e efetiva, que foi introduzida a faculdade de o juiz, no exercício dos poderes instrutórios que lhe competem (art. 370 do CPC/2015), atribuir o ônus da prova de modo diverso entre os sujeitos do processo quando diante de situações peculiares (art. 371, § 1º, do CPC/2015). A instrumentalização dessa faculdade foi denominada pela doutrina processual teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova ou teoria da carga dinâmica do ônus da prova.

Desse modo, é indiferente procurar saber simplesmente quem teria realizado as construções ou edificações no imóvel objeto do litígio, mas é imprescindível definir em que momento elas teriam sido realizadas, se na constância ou não da união conjugal, mostrando-se mais adequado carrear a produção dessa prova para quem é o (co)proprietário do imóvel.

Em conclusão, a participação do cônjuge varão como coproprietário do imóvel em cujas acessões/benfeitorias foram realizadas faz presumir também o esforço comum do cônjuge virago na sua realização (art. 1.660, I e IV, do CC/2002), além de que ocorreram interrupções no vínculo matrimonial, são peculiaridades que autorizam a dinamização do ônus probatório para o recorrente (art. 371, § 1º, do CPC/2015). Definir se elas foram realizadas na constância do vínculo conjugal ou não vai proporcionar ao magistrado a segurança jurídica necessária para deliberar se devem compor ou não o acervo patrimonial a ser partilhado na ação de divórcio.



7 de maio de 2021

ART. 373, § 1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. POSSIBILIDADE. PROVA PERICIAL. RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.807.831 - RO (2019/0096978-3) 

RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN 

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. RECONVENÇÃO. POSSIBILIDADE DE LITISCONSÓRCIO. FUNDAMENTO NÃO ATACADO. SÚMULA 283/STF. CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICA. DANO AMBIENTAL. ART. 373, § 1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. POSSIBILIDADE. PROVA PERICIAL. RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS. 

1. Cuida-se, na origem, de Ação de Reintegração de Posse movida pela recorrente contra os recorridos. Processada a demanda, houve ajuizamento de Reconvenção, cujo objeto é a reparação por danos materiais e morais decorrentes da ocupação da área em disputa, tendo havido decisão judicial de inversão do ônus da prova e determinação de que os honorários periciais recaiam sobre a empresa, ora recorrente. 

2. Acerca da inversão do ônus da prova, nenhum reparo merece o acórdão recorrido. Em perfeita sintonia com a Constituição de 1988, o art. 373, § 1º, do Código de Processo Civil reproduz, na relação processual, a transição da isonomia formal para a isonomia material, mutação profunda do paradigma dos direitos retóricos para o paradigma dos direitos operativos, pilar do Estado Social de Direito. Não se trata, contudo, de prerrogativa judicial irrestrita, pois depende ora de previsão legal (direta ou indireta, p. ex., como consectário do princípio da precaução), ora, na sua falta, de peculiaridades da causa, associadas quer à impossibilidade ou a excessivo custo ou complexidade de cumprimento do encargo probante, quer à maior capacidade de obtenção da prova pela parte contrária. Naquela hipótese, em reação à natureza espinhosa da produção probatória, a inversão foca em dificuldade do beneficiário da inversão; nesta, prestigia a maior facilidade, para tanto, do detentor da prova do fato contrário. Qualquer elemento probatório, pontualmente – ou todos eles conjuntamente –, pode ser objeto da decretação de inversão, desde que haja adequada fundamentação judicial. 

3. A alteração ope legis ou ope judicis da sistemática probatória ordinária leva consigo o custeio da carga invertida, não como dever, mas como simples faculdade. Logo, não equivale a compelir a parte gravada a pagar ou a antecipar pagamento pelo que remanescer de ônus do beneficiário. Modificada a atribuição, desaparece a necessidade de a parte favorecida provar aquilo que, daí em diante, integrar o âmbito da inversão. Ilógico e supérfluo, portanto, requisitar produza o réu prova de seu exclusivo interesse disponível, já que a omissão em nada prejudicará o favorecido ou o andamento processual. Ou seja, a inversão não implica transferência ao réu de custas de perícia requerida pelo autor da demanda, pois de duas, uma: ou tal prova continua com o autor e somente a ele incumbe, ou a ele comumente cabia e foi deslocada para o réu, titular da opção de, por sua conta e risco, cumpri-la ou não. Claro, se o sujeito titular do ônus invertido preferir não antecipar honorários periciais referentes a seu encargo probatório, presumir-se-ão verdadeiras as alegações da outra parte. 5. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: ""A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso e, nessa parte, negou-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator." 

Brasília, 07 de novembro de 2019(data do julgamento). 

RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se de Recurso Especial (art. 105, III, "a", da CF) interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia cuja ementa é a seguinte (fls. 128-129, e-STJ): 

Agravo de instrumento. Admissão de terceiros em reconvenção. Nulidade da decisão. Ausência de fundamentação. Decisão sucinta. Preliminar afastada. Hidrelétrica. Dano ambiental. Inversão do ônus probatório. A reconvenção pode ser proposta pelo réu em litisconsórcio com terceiro. Com efeito, todas as decisões judiciais devem estar devidamente fundamentadas, ainda que de forma sucinta, conforme dispõe o art. 93, inc. IX, CF/88, sob pena de nulidade. Contudo, não se confunde decisão sucinta com decisão sem fundamentação. A decisão sucinta, mas que indica os motivos desta é válida, sendo incabível a declaração de nulidade. Havendo a constatação de eventual dano ao meio ambiente, é possível a inversão do ônus da prova para atribuir à empresa o dever de demonstrar que a sua atividade não é a sua causadora. 

A recorrente, nas razões do Recurso Especial, sustenta que ocorreu violação dos arts. 20 do Decreto-Lei 3.365/1941, 95 e 373, I, do CPC/2015. Aduz, em suma: "A insurgência da recorrente se dá contra este ponto transcrito, ou seja, que manteve a intervenção de terceiros, e a inversão o ônus da prova, impondo a sua produção à recorrente." (fl. 154, e-STJ). 

Contrarrazões apresentadas às fls. 203-211, e-STJ. 

O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do Recurso Especial, in verbis (fl. 231, e-STJ): 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. RESPONSABILIDADE POR DANO AMBIENTAL. RECONVENÇÃO. INCLUSÃO DE TERCEIROS. POSSIBILIDADE. INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO. CRITÉRIO DO JUIZ DESTINATÁRIO DA PROVA. REVISÃO. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. PELO NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. 

É o relatório. 

VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Cuida-se, na origem, de Ação de Reintegração de Posse ajuizada pela recorrente contra os recorridos. Processada a demanda, houve ajuizamento de Reconvenção, cujo objeto é a reparação por danos materiais e morais decorrentes da ocupação da área em disputa, tendo havido decreto judicial de inversão do ônus da prova e determinação de que os honorários periciais recaiam sobre o autor reconvindo, ora recorrente. 

Ao dirimir a controvérsia com relação ao objeto da Reconvenção e à possibilidade de formação de litisconsórcio, o Tribunal de origem se manifestou nos seguintes termos (fl. 125, e-STJ): 

Inicialmente, a agravante insurge-se quanto à intervenção de terceiros alegando ser incabível porque a reconvenção trata de matéria de desapropriação em que não se pode discutir outros direitos além dos previstos no Decreto-lei n. 3365/41, devendo ser discutidas demais questões em ação direta. O juiz de origem entendeu que a reconvenção questiona os direitos das pessoas a serem reparadas por danos materiais e morais, já que ocupantes da área e consequentemente afetadas pela desapropriação, sendo pertinente sua inclusão no polo ativo da reconvenção. Não merece reforma a decisão do juízo, segundo o art. 322, §2°, do CPC/2015 a interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé. A interpretação lógico-sistemática da petição inicial permite identificar que, embora haja pedido de justa indenização, a reconvenção não se confunde com a ação de desapropriação indireta prevista no Decreto-lei n. 3365/41, promovida pelo expropriante, de modo que não se submete às limitações da referida norma. Aplica-se ao caso a regra do art. 343, §4°, do CPC, segundo o qual a reconvenção pode ser proposta pelo réu em litisconsórcio com terceiro. 

Verifico, inicialmente, que nas razões do Recurso Especial não houve a impugnação particularizada de fundamento que ampara o acórdão hostilizado, ou seja, o de que a norma do art. 20 do Decreto-Lei 3.365/1941 não se aplica ao caso para restringir o objeto da Reconvenção, pois "a interpretação lógico-sistemática da petição inicial permite identificar que, embora haja pedido de justa indenização, a reconvenção não se confunde com a ação de desapropriação indireta prevista no Decreto-lei n. 3365/41, promovida pelo expropriante, de modo que não se submete às limitações da referida norma" (fl. 125, e-STJ). Logo, o conhecimento do apelo nessa parte esbarra, por analogia, no obstáculo da Súmula 283/STF, que assim dispõe: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles." 

Dessa maneira, como a fundamentação supra é apta, por si só, para manter o decisum combatido e não houve contraposição recursal a ela, aplica-se na espécie, por analogia, o óbice da Súmula 283/STF. 

Já no que concerne à inversão do ônus da prova, no acórdão recorrido ficou consignado (fl. 126, e-STJ): 

O § 1° do art. 373 prevê a possibilidade do juiz modificar a atribuição dos ônus probatórios, por decisão fundamentada, nos casos em que haja previsão legal ou "diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo" probatório que, em regra, lhe caberia, "ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário". (...) Extrai-se, dessa maneira, que a análise deve ser pontual, em relação a cada ponto controvertido, não de forma irrestrita. O juízo de origem decidiu que a reconvenção demanda especificamente a repercussão da construção das usinas hidrelétricas no modo de subsistência dos requerentes, já que se discute o valor indenizatório pago pela desapropriação, além de lesões de ordem moral pelas alterações na forma de vida, repercussões essas decorrentes de alteração ambiental, o que, associado à hipossuficiência técnica e financeira dos requerentes, induz à aplicabilidade do princípio da precaução para determinar a inversão do ônus da prova. Nada obstante, estabeleceu como ônus dos agravados provar a que título residem na área, se exerciam atividade laborativa no local, sua fonte de renda e modo de subsistência, assim como a lesão moral que indicam ter sofrido. No que se refere à demonstração da conduta da agravante em relação à construção da Usina Hidrelétrica, como eventual causadora da alteração do meio ambiente, bem como à correção do valor indenizatório, a produção das provas lhe é de mais fácil acesso, razão pela qual mostra-se correta a inversão sobre esse prisma, devendo ser mantido o ônus, conforme previsão do art. 373, §1°, do CPC. 

Nesse ponto, nenhum reparo merece o acórdão recorrido. Em perfeita sintonia com a Constituição de 1988, o art. 373, § 1º, do Código de Processo Civil reproduz, na relação processual, a transição da isonomia formal para a isonomia material, mutação profunda do paradigma dos direitos retóricos para o paradigma dos direitos operativos, pilar do Estado Social de Direito. Não se trata, contudo, de prerrogativa judicial irrestrita, pois depende ora de previsão legal (direta ou indireta, p. ex., como consectário do princípio da precaução), ora, na sua falta, de peculiaridades da causa, associadas quer à impossibilidade ou a excessivo custo ou complexidade de cumprimento do encargo probante, quer à maior capacidade de obtenção da prova pela parte contrária. Naquela hipótese, em reação à natureza espinhosa da produção probatória, a inversão foca em dificuldade do beneficiário da inversão; nesta, prestigia a maior facilidade, para tanto, do detentor da prova do fato contrário. Qualquer elemento probatório, pontualmente – ou todos eles conjuntamente –, pode ser objeto da decretação de inversão, desde que haja adequada fundamentação judicial. 

Confiram-se alguns precedentes do STJ sobre a matéria: 

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. POSSÍVEL NA ESPÉCIE. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. Os princípios poluidor-pagador, reparação in integrum e prioridade da reparação in natura e do favor debilis são, por si sós, razões suficientes para legitimar a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental. (...) (AgInt no AREsp 620.488/PR, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 11/9/2018). 

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DO MEIO AMBIENTE. RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL. ALEGADA OFENSA AO ART. 535 DO CPC/73. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284/STF. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. POSSIBILIDADE. CONTROVÉRSIA RESOLVIDA, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO, NA VIA ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. RESPONSABILIDADE DE NATUREZA OBJETIVA. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO STJ. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. INAPLICABILIDADE DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. (...) IV. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de que "o princípio da precaução pressupõe a inversão do ônus probatório (AgRg no AREsp 183.202/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 10/11/2015, DJe 13/11/2015)" (STJ, AgInt no AREsp 779.250/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/12/2016). (...) VI. Consoante a jurisprudência do STJ, "a responsabilidade civil pelo dano ambiental, qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura e do favor debilis, este último a legitimar uma série de técnicas de facilitação do acesso à justiça, entre as quais se inclui a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental" (STJ, REsp 1.454.281/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 09/09/2016). Assim, estando o acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência sedimentada nesta Corte, merece ser mantida a decisão ora agravada, em face do disposto no enunciado da Súmula 568 do STJ. (...) IX. Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp 1.100.789/SP, Rel. Min. Assuste Magalhães, Segunda Turma, DJe 15/12/2017) 

No que tange aos honorários periciais, o acórdão recorrido consignou que, "após redistribuído o ônus probatório, é a agravante a maior interessada na realização da perícia" (fl. 128, e-STJ), razão pela qual recai sobre a recorrente o ônus de arcar com os referidos honorários. Também a esse respeito, dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento deste Tribunal Superior, motivo por que não merece prosperar a irresignação. 

A alteração ope legis ou ope judicis da sistemática probatória ordinária leva consigo o custeio da carga invertida, não como dever, mas como simples faculdade. Logo, não equivale a compelir a parte gravada a pagar ou a antecipar pagamento pelo que remanescer de ônus do beneficiário. Modificada a atribuição, desaparece a necessidade de a parte favorecida provar aquilo que, daí em diante, integrar o âmbito da inversão. Ilógico e supérfluo, portanto, requisitar produza o réu prova de seu exclusivo interesse disponível, já que a omissão em nada prejudicará o favorecido ou o andamento processual. Ou seja, a inversão não implica transferência ao réu de custas de perícia requerida pelo autor da demanda, pois de duas, uma: ou tal prova continua com o autor e somente a ele incumbe, ou a ele comumente cabia e foi deslocada para o réu, titular da opção de, por sua conta e risco, cumpri-la ou não. Claro, se o sujeito titular do ônus invertido preferir não antecipar honorários periciais referentes a seu encargo probatório, presumir-se-ão verdadeiras as alegações da outra parte. 

Nessa esteira: 

PROCESSUAL CIVIL – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – EXTENSÃO – HONORÁRIOS PERICIAIS – PAGAMENTO – PERÍCIA DETERMINADA DE OFÍCIO – AUTOR BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. 1. Cinge-se a controvérsia em saber se a questão de inversão do ônus da prova acarreta a transferência ao réu do dever de antecipar as despesas que o autor não pôde suportar. 2. A inversão do ônus da prova, nos termos de precedentes desta Corte, não implica impor à parte contrária a responsabilidade de arcar com os custos da perícia solicitada pelo consumidor, mas meramente estabelecer que, do ponto de vista processual, o consumidor não tem o ônus de produzir essa prova. (...) Agravo regimental parcialmente provido. (AgRg no REsp 1.042.919/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJ 31/3/2009) 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. EXTENSÃO. HONORÁRIOS PERICIAIS. PAGAMENTO. PERÍCIA DETERMINADA DE OFÍCIO. AUTOR BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. (...) 2. Esta Corte já decidiu que a "regra probatória, quando a demanda versa sobre relação de consumo, é a da inversão do respectivo ônus. Daí não se segue que o réu esteja obrigado a antecipar os honorários do perito; efetivamente não está, mas, se não o fizer, presumir-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor" (REsp nº 466.604/RJ, Relator o Ministro Ari Pargendler, DJ de 2/6/03). No mesmo sentido, o REsp nº 443.208/RJ, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJ de 17/3/03, destacou que a "inversão do ônus da prova não tem o efeito de obrigar a parte contrária a arcar com as custas da prova requerida pelo consumidor. No entanto, sofre as conseqüências processuais advindas de sua não produção". Igualmente, assim se decidiu no REsp nº 579.944/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 17/12/04, no REsp nº 435.155/MG, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 10/3/03 e no REsp n° 402.399/RJ, Rel. o Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 18/4/05. (...) (REsp 843963/RJ, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, DJ 16/10/2006, p. 323) 

Consumidor. Recurso especial. Inversão do ônus da prova. Responsabilidade pelo custeio das despesas decorrentes de sua produção. - A inversão do ônus da prova não tem o efeito de obrigar a parte contrária a arcar com as custas da prova requerida pelo consumidor. No entanto, sofre as conseqüências processuais advindas de sua não produção. (REsp 443.208/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJ 17/3/2003 p. 226) 

No mais, o entendimento do Juízo a quo está em consonância com a orientação do Superior Tribunal de Justiça de que a responsabilidade civil pelo dano ambiental, qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura e do favor debilis, este último a legitimar uma série de técnicas de facilitação do acesso à justiça, entre as quais se inclui, precisamente, a inversão do ônus da prova em prol da vítima ambiental. 

Por tudo isso, conheço parcialmente do Recurso Especial e, nessa parte, nego-lhe provimento. 

É como voto. 

30 de abril de 2021

Filigrana Doutrinária: redistribuição do ônus da prova - Fernando da Fonseca Gajardoni

 “3.4. A possibilidade de redistribuição do ônus da prova não importa na inversão mecânica das regras estipuladas no art. 373, para, exemplificativamente, repassar ao autor a prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo do seu direito ou, mesmo, para atribuir ao réu a prova do fato constitutivo. Tal se dá, por exemplo, nas situações relativas à inversão do ônus da prova no Código de Defesa e Proteção do Consumidor (art. 6º, VIII). Diversamente, na dinamização prevista no preceptivo, a redistribuição do ônus da prova pode recair sobre determinado fato, sem que isso envolva necessariamente a atribuição para o onerado de toda uma classe de fatos (v.g., fatos constitutivos). Noutras palavras, o juiz poderá, em demanda indenizatória, atribuir ao réu a demonstração da ausência de nexo causal, permanecendo com o autor o encargo da comprovação da ação culposa e dos danos. Logo, o juiz pode modular o ônus das provas de acordo com as peculiaridades da causa, atribuindo a cada parte a comprovação de determinados fatos, tudo objetivando a formação de um melhor módulo probatório.” 

GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016. p. 271.

29 de abril de 2021

Filigrana Doutrinária: Teoria das cargas probatórias dinâmicas - Eduardo Cambi

 “Pela teoria das cargas probatórias dinâmicas, a facilitação da prova para a tutela do bem jurídico não exige a prévia apreciação do magistrado (ope judicis) de critérios preestabelecidos de inversão do onus probandi, como se dá no art. 6º, inc. VIII, do CDC (verossimilhança da alegação ou hipossuficiência do consumidor). Com efeito, na distribuição dinâmica do ônus da prova, não há uma verdadeira inversão, porque só se poderia falar em inversão caso o ônus fosse estabelecido prévia e abstratamente. Não é o que acontece com a técnica da distribuição dinâmica que se dá no caso concreto. O magistrado continua sendo o gestor da prova, agora com poderes ainda maiores, porquanto, ao invés de partir do modelo clássico (CPC-73, art. 333) para depois inverter o onus probandi (CDC, art. 6º, inc. VIII), cabe verificar, no caso concreto, quem está em melhores condições de produzir a prova e, destarte, distribuir este ônus entre as partes (NCPC, art. 373, §1º).” 

CAMBI, Eduardo. Teoria das cargas probatórias dinâmicas (distribuição dinâmica do onus da prova) in Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 5: direito probatório. Coord.: Fredie Didier Jr. et. al. 3ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2018. p. 332/333. 

25 de abril de 2021

AGRAVO DE INSTRUMENTO - É cabível agravo de instrumento contra decisão interlocutória que defere ou indefere a distribuição dinâmica do ônus da prova ou quaisquer outras atribuições do ônus da prova distinta da regra geral

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2019/06/info-645-stj-1.pdf


AGRAVO DE INSTRUMENTO - É cabível agravo de instrumento contra decisão interlocutória que defere ou indefere a distribuição dinâmica do ônus da prova ou quaisquer outras atribuições do ônus da prova distinta da regra geral

O CPC/2015 prevê que: 

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º; 

Esse inciso XI abrange também as decisões interlocutórias que determinem a inversão da prova com base no art. 6º, VIII, do CDC? SIM. O art. 373, §1º, do CPC/2015, contempla duas regras jurídicas distintas, ambas criadas para excepcionar a regra geral do caput do art. 373, sendo que a primeira diz respeito à atribuição do ônus da prova, pelo juiz, em hipóteses previstas em lei, de que é exemplo a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, e a segunda diz respeito à teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, incidente a partir de peculiaridades da causa que se relacionem com a impossibilidade ou com a excessiva dificuldade de se desvencilhar do ônus estaticamente distribuído ou, ainda, com a maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário. 

Em outras palavras, a hipótese do art. 6º, VIII, do CDC está sim tratada no § 1º do art. 373 do CPC uma vez que esse dispositivo dispõe também a inversão do ônus da prova nos casos previstos em lei. Para o STJ, a hipótese do inciso XI do art. 1.015 do CPC deve ser lida em sentido amplo de sorte que: 

É cabível agravo de instrumento contra decisão interlocutória que defere ou indefere a distribuição dinâmica do ônus da prova ou quaisquer outras atribuições do ônus da prova distinta da regra geral, desde que se operem ope judicis e mediante autorização legal. 

STJ. 3ª Turma. REsp 1.729.110-CE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/04/2019 (Info 645). 

NOÇÕES GERAIS SOBRE O ÔNUS DA PROVA 

Se, ao final do processo, o juiz entender que os fatos alegados não foram provados, o que ele deverá fazer? Qual deve ser a sua decisão neste caso? 

O juiz terá que analisar qual das partes tinha o ônus de provar esse fato. A parte que tinha esse ônus e que não conseguiu provar o fato irá suportar as consequências negativas. Em outras palavras, a parte que tinha o ônus e não provou, será “prejudicada” no resultado do processo. Daí a importância de se estudar e analisar o ônus da prova. 

Ônus da prova 

Ônus da prova é a regra que atribui a uma das partes o ônus de suportar a falta de prova de um determinado fato. 

Ônus x obrigação 

Repare que, em nenhum momento eu disse que a parte tem a “obrigação” ou o “dever” de produzir a prova. Eu falei em “ônus”. Quais as diferenças? 

DEVER 

- É a necessidade de observar um comportamento imposto, de forma geral, pelo ordenamento jurídico.

- É possível exigir que a parte cumpra o dever. 

- Ex: dever de expor os fatos em juízo conforme a verdade (art. 77, I, do CPC).


OBRIGAÇÃO 

- É um dever jurídico específico e individualizado de prestação (dar, fazer, não fazer). A obrigação é uma atividade que a pessoa faz em benefício de outrem.

- É possível exigir que a parte cumpra a obrigação.

- Ex: em um contrato de compra e venda, o vendedor tem a obrigação de pagar o preço.


ÔNUS 

- É a necessidade de adotar determinada conduta para defender um interesse próprio. Se a pessoa não adotar essa conduta, não há uma sanção contra ela. No entanto, deixará de ter uma vantagem. 

- Não é possível exigir que a parte cumpra o ônus. 

- Ex: o autor tem o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito (art. 373, I, do CPC). 


Ônus imperfeito 

Vimos acima que, se a parte tinha um ônus e deixou de adotar a providência necessária, ela terá uma desvantagem, perderá alguma coisa. No caso do ônus da prova, contudo, a doutrina afirma que se trata de um ônus imperfeito. Isso porque, se a parte não se desincumbir do seu ônus (se a parte não conseguir trazer aos autos a prova que deveria), existe a mera possibilidade (mas não certeza) de que ocorra uma situação de desvantagem para ela. Dessa forma, mesmo que a parte não consiga ela própria, provar suas alegações, ainda assim esse fato pode ser provado por outros meios e a parte pode vencer a demanda. Ex: o autor não faz prova de suas alegações; o réu, no entanto, por descuido, juntou determinado documento que prova as afirmações do requerente. Nesse caso, mesmo o autor não tendo feito a prova, ele não sofrerá nenhuma desvantagem e vencerá a demanda. Essa realidade existe em razão do princípio da comunhão das provas: a prova produzida é prova do processo, não interessando quem produziu. 

Aspectos subjetivo e objetivo 

O ônus da prova pode ser analisado sob dois prismas: 

a) Aspecto subjetivo: Consiste em analisar o instituto sob o ângulo de quem é o responsável pela produção da prova (regra de conduta das partes). Trata-se de informar as partes quem será prejudicado com a não produção da prova: autor ou réu. Ex: o art. 373, I, do CPC prevê que o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito. A lei já está avisando que o autor será prejudicado caso não demonstre o fato constitutivo de seu direito. 

b) Aspecto objetivo: Quando se fala em o ônus da prova sob o aspecto objetivo, o que se está dizendo é que se trata de uma regra de julgamento, ou seja, o ônus da prova é uma regra que o juiz deverá verificar no momento da prolação da sentença. 

 Ao decidir, o magistrado irá analisar se as partes juntaram aos autos provas que sirvam para elucidar os fatos controvertidos (ex: o autor alega que o réu bateu na traseira de seu veículo; o requerido argumenta que o autor deu marcha à ré). Caso não tenham sido produzidas provas suficientes e não seja possível elucidar a controvérsia por outros meios (presunções, máximas de experiências etc.), o juiz deverá aplicar as regras do ônus da prova e verificar quem tinha o ônus de provar o fato não demonstrado. A parte que tinha esse ônus sofrerá as consequências negativas e perderá a demanda neste ponto. Os dois aspectos estão umbilicalmente ligados e se trata de uma classificação doutrinária, mas que não tem tanta relevância na prática forense essa distinção. 

Aplicação subsidiária 

As regras do ônus da prova são regras de aplicação subsidiária. Só podem ser aplicadas se não houver mais como produzir prova e o juiz ainda estiver em estado de dúvida. A razão de existir das regras do ônus da prova é “evitar o non liquet, ou seja, a falta de resolução da crise de direito material”, de modo que “as regras sobre o ônus da prova constituem a ‘última saída para o juiz’, que não pode deixar de decidir”. Assim, as regras do ônus da prova “são necessárias, mas devem ser tratadas como exceção, pois o que se pretende com a atividade jurisdicional é que os provimentos dela emanados retratem a realidade, não meras ficções”. (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 6ª ed. São Paulo: RT, 2011, p. 127-130). Em outras palavras, o juiz deve sempre tentar decidir com as provas que foram produzidas e com outros elementos de convicção. Somente se não conseguir mesmo, deverá se valer das regras do art. 373 do CPC e decidir em sentido contrário a quem não atendeu o ônus da prova. 

Prova diabólica 

Um tema intimamente ligado ao que estamos estudando diz respeito à prova diabólica. Prova diabólica é aquela impossível ou excessivamente difícil de ser produzida. Ex: o autor alega, na petição inicial, que o réu nunca lhe enviou a notificação extrajudicial. O autor não tem como comprovar isso. Seria exigir uma prova diabólica. Outro bom exemplo “é a do autor da ação de usucapião especial, que teria de fazer prova do fato de não ser proprietário de nenhum outro imóvel (pressuposto para essa espécie de usucapião). É prova impossível de ser feita, pois o autor teria de juntar certidões negativas de todos os cartórios de registro de imóvel do mundo.” (DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 137). Ainda segundo as lições de Didier, Braga e Oliveira, a prova diabólica pode ser de duas espécies: 

Prova unilateralmente diabólica 

- Ocorre quando a prova é diabólica para a parte que tinha o ônus de produzi-la (segundo as regras do art. 373 do CPC), no entanto, é uma prova possível de ser juntada pela outra parte.

- Neste caso, o juiz poderá inverter o ônus, determinando que a prova seja produzida pela outra parte que não tinha inicialmente o ônus de juntá-la. Isso está previsto no § 1º do art. 373.

- § 1º (...) diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput (...) poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso (...)


Prova bilateralmente diabólica 

- Ocorre quando a prova é diabólica para ambas as partes, ou seja, é impossível ou muito difícil para ambas as partes. 

- Neste caso, não haverá inversão do ônus por conta da prova diabólica. Não se pode simplesmente transferir a prova diabólica de uma parte para a outra. 

- § 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil. 

Distribuição estática do ônus da prova 

As regras gerais de distribuição do ônus da prova estão previstas no art. 373 do CPC: 

Art. 373. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. 

O sistema processual brasileiro adotou, como regra, a teoria da distribuição estática do ônus da prova, segundo a qual cabe ao autor provar o fato constitutivo do direito e ao réu cabe provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Na distribuição estática do ônus da prova a lei atribui a uma determinada parte, de modo apriorístico, quais são os fatos específicos que deverão ser por ela provados, dando-lhe ciência prévia sobre como se desenvolverá a atividade instrutória, e o fato de que o ônus da prova, nessa perspectiva – estática – é uma regra de julgamento, motivo pelo qual não deve o juiz com ela se preocupar no curso da atividade probatória, mas somente ao final, e somente se porventura da instrução resultar algum fato relevante não esclarecido. 

Inversão do ônus da prova 

O cotidiano forense demonstrou, ao longo dos anos, que as regras de distribuição estática do ônus da prova previamente estabelecidas em lei não eram suficientes ou adequadas para solucionar todas as situações fáticas. Diante disso, chegou-se à conclusão de que seria necessária a criação de algumas regras de distribuição do ônus da prova diferentes daquelas pré-determinadas pela lei. Surgiu, assim, o consenso de que, em determinados casos, haveria a necessidade de modificar (redistribuir, inverter) as regras gerais do ônus da prova. O CPC denomina isso de “distribuição diversa do ônus da prova”. Na prática, é mais comum falarmos em inversão do ônus da prova. A inversão do ônus da prova consiste, portanto, em modificar, em determinados casos excepcionais, as regras gerais do ônus da prova, que são previstas nos incisos do art. 373 do CPC. Essa distribuição diversa pode ser decorrente de acordo entre as partes, da lei ou de decisão judicial. Assim, temos três espécies de inversão do ônus da prova: a) Convencional; b) Legal; c) Judicial. 

Inversão convencional do ônus da prova 

Ocorre quando as partes combinam entre si que não seguirão as regras gerais dos incisos do art. 373, adotando um outro arranjo. É um exemplo de negócio jurídico processual. Trata-se de hipótese de difícil ocorrência na prática, mas que é prevista no § 3º do art. 373 do CPC: Em regra, a lei admite a distribuição diversa do ônus da prova por convenção das partes. Existem, contudo, três exceções. Assim, não cabe a inversão convencional do ônus da prova quando: a) recair sobre direito indisponível da parte; b) tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. c) a inversão for estabelecida em detrimento do consumidor (art. 51, VI, do CDC). 

Inversão legal do ônus da prova 

Também chamada de inversão ope legis do ônus da prova. Ocorre quando a lei determina que, em certas situações, haverá uma regra de ônus da prova diferente do art. 373 do CPC. São, portanto, exceções criadas pelo legislador à regra geral do art. 373 do CPC. Na inversão legal do ônus da prova, a lei cria uma presunção relativa de determinado fato. É o que acontece no art. 12, § 3º, no art. 14, § 3º e no art. 38, todos do CDC: 

Art. 12 (...) § 3º - O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I - que não colocou o produto no mercado; II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. 

Art. 14 (...) § 3º - O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. 

Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina. 

Inversão judicial do ônus da prova (distribuição do ônus da prova feita pelo juiz) 

Ocorre quando o juiz, diante das peculiaridades do caso concreto, altera a regra geral prevista nos incisos do art. 373 do CPC. A redistribuição judicial do ônus da prova pode ser feita a requerimento da parte ou até mesmo de ofício. 

Inversão judicial do ônus da prova no CPC/2015 

Encontra-se disciplinada nos §§ 1º e 2º do art. 373. Vejamos, de forma organizada, o que dizem esses dois dispositivos. O juiz poderá atribuir o ônus da prova de modo diferente da regra geral prevista no caput do art. 373 em três situações: 

1) nos casos previstos em lei. Ex: art. 6º, VIII, do CDC. 

2) quando for impossível ou extremamente difícil cumprir o encargo previsto no caput do art. 373. Trata-se da inversão do ônus da prova para evitar que a parte tenha que produzir uma prova unilateralmente diabólica. Em outras palavras, quando a regra geral do caput do art. 373 exigir que a parte faça uma prova diabólica, o juiz deverá inverter o ônus. Obs: a decisão de inversão não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil. Em outras palavras, a inversão não pode gerar para a parte que recebeu esse ônus a tarefa de produzir uma prova diabólica. Não se pode simplesmente transferir a prova diabólica de uma parte para a outra. Não se admite a inversão do ônus em caso de prova duplamente diabólica (§ 2º do art. 373 do CPC). 

3) quando a inversão gerar maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário. Ex: o autor alega determinado fato; pela regra geral, caberia a ele o ônus de provar esse fato; no entanto, as peculiaridades do caso concreto revelam que é muito mais fácil para o réu trazer essa prova. Nesta hipótese seria possível a inversão. A lei exige que essa inversão seja feita por decisão fundamentada do magistrado. Além disso, a decisão que determina a inversão deve ser proferida antes da sentença, em um momento processual no qual se permita que a parte possa se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. Pela sua importância, vale a pena ler os dispositivos do CPC: 

Art. 373 (...) § 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. 

§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil. 

Obs: este § 1º do art. 373 do CPC/2015 adotou a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova. Assim, o caput traz a teoria estática e o § 1º a teoria dinâmica. 

Obs2: a doutrina afirma que o § 2º do art. 373 do CPC traz a proibição de a redistribuição implicar prova diabólica reversa, ou seja, a inversão do ônus da prova “não pode implicar uma situação que torne impossível ou excessivamente oneroso à parte arcar com o encargo que acabou de receber”. (DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 148). 

Inversão judicial do ônus da prova no CDC 

O art. 6º, VIII, do CDC permite a inversão judicial do ônus da prova em duas hipóteses: a) quando for verossímil a alegação do consumidor; ou b) quando o consumidor for hipossuficiente. 

Algumas observações sobre o tema: 

• as duas situações acima são alternativas, ou seja, a inversão ocorrerá quando a alegação do consumidor for verossímil ou quando o consumidor for hipossuficiente; 

• trata-se de inversão ope iudicis (a critério do juiz), ou seja, não se trata de inversão automática por força de lei (ope legis); 

• pode ser concedida de ofício ou a requerimento da parte; 

• a inversão sempre ocorre em benefício do consumidor, isto é, nunca pode ser contrária a ele. 

• a inversão do ônus da prova de que trata o art. 6º, VIII, do CDC é regra de instrução, devendo a decisão judicial que determiná-la ser proferida preferencialmente na fase de saneamento do processo ou, pelo menos, assegurar à parte a quem não incumbia inicialmente o encargo a reabertura de oportunidade para manifestar-se nos autos (STJ. 2ª Seção. EREsp 422778-SP, Rel. para o acórdão Min. Maria Isabel Gallotti julgado em 29/2/2012). 

Aprofundando. Inversão do ônus da prova x distribuição dinâmica do ônus da prova 

É comum falarmos em inversão do ônus da prova e distribuição dinâmica do ônus da prova como sendo expressões sinônimas. No entanto, aprofundando o estudo do tema iremos encontrar alguns doutrinadores fazendo a distinção entre os institutos. 

Inversão do ônus da prova 

- É uma mudança prévia e abstrata das regras de ônus da prova.

- O juiz não tem ampla liberdade na distribuição do ônus da prova. Não existe a possibilidade de se inverter o ônus de apenas um fato, por exemplo.

- Ex: art. 6º, VIII, do CDC.


Distribuição dinâmica do ônus da prova 

- É uma mudança das regras de ônus da prova que se dá no caso concreto, com base na análise de quem está em melhores condições de produzir a prova. 

- Há uma ingerência mais ampla do juiz na distribuição do ônus da prova entre as partes que permitirá, inclusive, o exame e a distribuição de cada fato específico isoladamente. 

- Ex: hipóteses 2 e 3 do § 1º do art. 373 do CPC (veja novamente acima). 

Como leciona Eduardo Cambi: 

“Pela teoria das cargas probatórias dinâmicas, a facilitação da prova para a tutela do bem jurídico não exige a prévia apreciação do magistrado (ope judicis) de critérios preestabelecidos de inversão do onus probandi, como se dá no art. 6º, inc. VIII, do CDC (verossimilhança da alegação ou hipossuficiência do consumidor). Com efeito, na distribuição dinâmica do ônus da prova, não há uma verdadeira inversão, porque só se poderia falar em inversão caso o ônus fosse estabelecido prévia e abstratamente. Não é o que acontece com a técnica da distribuição dinâmica que se dá no caso concreto. O magistrado continua sendo o gestor da prova, agora com poderes ainda maiores, porquanto, ao invés de partir do modelo clássico (CPC-73, art. 333) para depois inverter o onus probandi (CDC, art. 6º, inc. VIII), cabe verificar, no caso concreto, quem está em melhores condições de produzir a prova e, destarte, distribuir este ônus entre as partes (NCPC, art. 373, §1º).” (CAMBI, Eduardo. Teoria das cargas probatórias dinâmicas (distribuição dinâmica do onus da prova) in Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 5: direito probatório. Coord.: Fredie Didier Jr. et. al. 3ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2018. p. 332/333). 

Destaca a doutrina, ainda, que a distribuição dinâmica do ônus da prova se diferencia da inversão do ônus da prova porque, naquela (distribuição), haverá uma mais ampla ingerência do juiz na distribuição do ônus da prova entre as partes que permitirá, inclusive, o exame e a distribuição de cada fato específico isoladamente: 

“3.4. A possibilidade de redistribuição do ônus da prova não importa na inversão mecânica das regras estipuladas no art. 373, para, exemplificativamente, repassar ao autor a prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo do seu direito ou, mesmo, para atribuir ao réu a prova do fato constitutivo. Tal se dá, por exemplo, nas situações relativas à inversão do ônus da prova no Código de Defesa e Proteção do Consumidor (art. 6º, VIII). Diversamente, na dinamização prevista no preceptivo, a redistribuição do ônus da prova pode recair sobre determinado fato, sem que isso envolva necessariamente a atribuição para o onerado de toda uma classe de fatos (v.g., fatos constitutivos). Noutras palavras, o juiz poderá, em demanda indenizatória, atribuir ao réu a demonstração da ausência de nexo causal, permanecendo com o autor o encargo da comprovação da ação culposa e dos danos. Logo, o juiz pode modular o ônus das provas de acordo com as peculiaridades da causa, atribuindo a cada parte a comprovação de determinados fatos, tudo objetivando a formação de um melhor módulo probatório.” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016. p. 271) 

Segundo a Min. Nancy Andrighi, “embora ontologicamente distintas, a distribuição dinâmica e a inversão do ônus têm em comum o fato de excepcionarem a regra geral do art. 373, I e II, do CPC/15, de terem sido criadas para superar dificuldades de natureza econômica ou técnica e para buscar a maior justiça possível na decisão de mérito e de se tratarem de regras de instrução que devem ser implementadas antes da sentença, a fim de que não haja surpresa à parte que recebe o ônus no curso do processo e também para que possa a parte se desincumbir do ônus recebido”. Vale ressaltar, no entanto, que você encontrará diversos outros doutrinadores (talvez a maioria) afirmando que a hipótese do § 1º do art. 373 do CPC é inversão do ônus da prova. 

RECURSO CONTRA A DECISÃO QUE DELIBERA SOBRE A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA 

Imagine a seguinte situação hipotética: João ajuizou ação de indenização contra a Volvo do Brasil Veículos Ltda., alegando que adquiriu um veículo 0km dessa marca e que, no entanto, o automóvel apresentou inúmeros vícios de qualidade (“defeitos”) que não foram consertados pela concessionária autorizada. O juiz proferiu decisão interlocutória determinando a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC: 

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência; 

Assim, o magistrado determinou que a Volvo provasse que o vício (“defeito”) não existia e que o carro estava funcionando perfeitamente. A Volvo não se conformou com a decisão e interpôs agravo de instrumento afirmando que esse recurso seria cabível com base no inciso XI do art. 1.015 do CPC/2015: 

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: (...) XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º; 

João apresentou contrarrazões afirmando que não cabe agravo de instrumento nesta hipótese. Isso porque a decisão proferida pelo juiz inverteu o ônus da prova com fundamento no CDC e não com base no instituto da redistribuição dinâmica do ônus da prova previsto no § 1º do art. 373 do CPC/2015. Assim, para João, não se pode aplicar o art. 1.015, XI, do CPC, que é específico para impugnar a decisão que trata sobre a redistribuição dinâmica do ônus prova do art. 373, § 1º do CPC. 

O recurso será conhecido? Cabe agravo de instrumento nesta hipótese? 

SIM. É cabível a impugnação imediata (é cabível agravo de instrumento) da decisão interlocutória que tenha tratado sobre quaisquer das exceções mencionadas no § 1º do art. 373 do CPC/2015. Assim, o agravo de instrumento deve ser admitido não apenas na hipótese de decisão interlocutória que defere ou que indefere a distribuição dinâmica do ônus da prova, mas, igualmente, na hipótese de decisão interlocutória que defere ou que indefere quaisquer outras atribuições do ônus da prova distintas da regra geral. Conforme vimos acima, o art. 373, §1º, do CPC/2015, contempla duas regras jurídicas distintas, ambas criadas para excepcionar a regra geral do caput do art. 373, sendo que a primeira diz respeito à atribuição do ônus da prova, pelo juiz, em hipóteses previstas em lei, de que é exemplo a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, e a segunda diz respeito à teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, incidente a partir de peculiaridades da causa que se relacionem com a impossibilidade ou com a excessiva dificuldade de se desvencilhar do ônus estaticamente distribuído ou, ainda, com a maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário. Em outras palavras, a hipótese do art. 6º, VIII, do CDC está sim tratada no § 1º do art. 373 do CPC uma vez que esse dispositivo dispõe também a inversão do ônus da prova nos casos previstos em lei: 

Art. 373 (...) § 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade (....) 

Em suma, decidiu o STJ que: É cabível agravo de instrumento contra decisão interlocutória que defere ou indefere a distribuição dinâmica do ônus da prova ou quaisquer outras atribuições do ônus da prova distinta da regra geral, desde que se operem ope judicis e mediante autorização legal. STJ. 3ª Turma. REsp 1.729.110-CE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/04/2019 (Info 645)