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21 de agosto de 2021

O beneficiário de expurgos inflacionários pode promover o cumprimento individual de sentença coletiva para cobrança exclusiva de juros remuneratórios não contemplados em ACP diversa, também objeto de execução individual pelo mesmo beneficiário

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/08/info-700-stj.pdf

 

PROCESSO COLETIVO - O beneficiário de expurgos inflacionários pode promover o cumprimento individual de sentença coletiva para cobrança exclusiva de juros remuneratórios não contemplados em ACP diversa, também objeto de execução individual pelo mesmo beneficiário 

Exemplo: a associação de defesa dos consumidores ajuizou ACP pedindo que a CEF fosse condenada a pagar expurgos inflacionários decorrentes de planos econômicos. Em 2001, o juiz julgou o pedido procedente, determinando o pagamento dos expurgos inflacionários em favor dos consumidores. Vale ressaltar que essa sentença determinou o pagamento apenas do valor principal, sem falar em juros remuneratórios, tendo em vista que não houve pedido expresso nesse sentido. Houve o trânsito em julgado. Em 2004, João, um dos consumidores que se enquadrava nessa situação, ingressou com pedido de cumprimento individual de sentença. Ocorre que tramitava outra ACP, proposta por outra associação, pedindo o pagamento dos expurgos inflacionários e também dos juros remuneratórios. Em 2007, outro juiz julgou o pedido procedente, condenando os bancos a pagarem os expurgos inflacionários acrescidos dos juros remuneratórios. Em 2008, João, sabendo disso, ingressou com nova execução individual pedindo, agora, o pagamento exclusivamente dos juros remuneratórios não contemplados na primeira ACP.Isso é possível, não havendo que se falar em violação à coisa julgada. 

STJ. 4ª Turma. REsp 1.934.637-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 08/06/2021 (Info 700). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

IBDCI, associação de defesa dos consumidores, ajuizou ação civil pública pedindo que a Caixa Econômica Federal fosse condenada a pagar expurgos inflacionários decorrentes de planos econômicos. Vamos chamar esse processo de ACP 1. Em 2001, o juiz julgou o pedido procedente, determinando o pagamento dos expurgos inflacionários em favor dos consumidores. Vale ressaltar que essa sentença determinou o pagamento apenas do valor principal, sem falar em juros remuneratórios, tendo em vista que não houve pedido expresso nesse sentido. Houve o trânsito em julgado. Em 2004, João, um dos consumidores que se enquadrava nessa situação, ingressou com pedido de cumprimento de sentença. Ocorre que tramitava outra ACP, proposta pela Pro-Just (associação de defesa dos consumidores), pedindo o pagamento dos expurgos inflacionários e também dos juros remuneratórios. Vamos chamar esse processo de ACP 2. Em 2007, outro juiz julgou o pedido procedente, condenando os bancos a pagarem os expurgos inflacionários acrescidos dos juros remuneratórios. Em 2008, João, sabendo disso, ingressou com nova execução individual pedindo, agora, o pagamento exclusivamente dos juros remuneratórios não contemplados na primeira ACP. O juízo de primeiro grau extinguiu essa segunda execução individual (de 2008), sob o argumento de que haveria “existência de coisa julgada material quanto à reparação dos danos”, em razão daquela primeira execução individual de 2004. Interposto recurso de apelação, João ressaltou que, naquela execução individual de 2004, não houve pedido ou deliberação em matéria relativa a juros remuneratórios e, portanto, não impediria nova execução baseada em sentença coletiva diversa, na qual houve pedido expresso contemplado sobre “juros remuneratórios”. Ainda assim, o tribunal manteve a sentença. O caso chegou ao STJ. 

O pedido de João foi acolhido pelo STJ? Ele pode promover esse segundo cumprimento individual de sentença? SIM. 

O beneficiário de expurgos inflacionários pode promover o cumprimento individual de sentença coletiva para cobrança exclusiva de juros remuneratórios não contemplados em ação civil pública diversa, também objeto de execução individual pelo mesmo beneficiário. 

STJ. 4ª Turma. REsp 1.934.637-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 08/06/2021 (Info 700). 

Vamos entender com calma. 

O que são juros? 

Os juros podem ser conceituados como o rendimento do capital. É o preço pago pelo fato de alguém estar utilizando o capital (dinheiro) de outrem. Os juros têm por finalidade remunerar o credor por ficar um tempo sem seu capital e pelo risco que sofreu de não o receber de volta. Quanto à sua finalidade, os juros podem ser de duas espécies: 

Juros compensatórios (remuneratórios) 

São pagos pelo devedor como uma forma de remunerar (ou compensar) o credor pelo fato de ele ter ficado privado de seu capital por um determinado tempo. 

É como se fosse o preço pago pelo “aluguel” do capital. 

Ex: José precisa de dinheiro emprestado e vai até um banco, que dele cobra um percentual de juros como forma de remunerar a instituição financeira por esse serviço. 

Dependem de pedido expresso para serem contemplados em sentença e, consequentemente, de condenação na fase de conhecimento para serem executados. 


Juros moratórios 

São pagos pelo devedor como forma de indenizar o credor quando ocorre um atraso no cumprimento da obrigação. Veja o art. 395 do CC. 

É como se fosse uma sanção (punição) pela mora (inadimplemento culposo) na devolução do capital. São devidos pelo simples atraso, ainda que não tenha havido prejuízo ao credor (art. 407 do CC). 

Ex: José pactuou com o banco efetuar o pagamento do empréstimo no dia 10. Ocorre que o devedor somente conseguiu pagar a dívida no dia 20. Logo, além dos juros remuneratórios, terá que pagar também os juros moratórios, como forma de indenizar a instituição por conta deste atraso. 

Não dependem de pedido expresso, nem de condenação, porque são previstos em lei. 

O que são “expurgos inflacionários”? 

É a não aplicação (ou aplicação incorreta) dos índices de inflação sobre os montantes aplicados pela população em suas contas bancárias e demais produtos financeiros. No Brasil, tivemos alguns episódios marcantes, como, por exemplo, o Plano Verão e o Plano Collor. 

Os juros remuneratórios envolvendo expurgos inflacionários dependem de pedido expresso na petição inicial para que possam ser contemplados em sentença judicial e, posteriormente, executados? 

SIM. Para que os juros remuneratórios possam ser objeto de liquidação ou execução individual, é indispensável que tenham ficado expressamente previstos no título judicial: 

Na execução individual de sentença proferida em ação civil pública, que reconhece o direito de poupadores aos expurgos inflacionários decorrentes do Plano Verão (janeiro de 1989), descabe a inclusão de juros remuneratórios nos cálculos de liquidação se inexistir condenação expressa, sem prejuízo de, quando cabível, o interessado ajuizar ação individual de conhecimento. 

STJ. 2ª Seção. REsp 1438263/SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 28/04/2021. 

 (Promotor de Justiça MPE/RO 2013 Cespe) O STJ admite a inclusão de juros remuneratórios e moratórios capitalizados nos cálculos de liquidação, se tal previsão não constar do título executivo. (incorreta) 

 (Promotor de Justiça MPE/RR 2012 Cespe) A inclusão de juros remuneratórios e moratórios capitalizados nos cálculos de liquidação, sem a devida previsão no título executivo, não implica violação da coisa julgada, sendo considerada mero erro de cálculo. (incorreta) 

Há coisa julgada material que impede a nova execução individual da ACP 2, tendo em vista que já houve a execução individual da ACP 1? 

NÃO. Não houve pedido expresso quanto aos juros remuneratórios na primeira ACP (proposta pelo IBDCI), estando a execução individual, portanto, submetida tão apenas ao que constou do título. Somente na sentença oriunda da segunda ACP (ajuizada pelo Pro-Just), os juros foram inseridos, circunstância que motivou a propositura do cumprimento do novo título judicial que, por sua vez, embora tenha condenado a Caixa Econômica Federal ao pagamento de expurgos coincidentes da primeira execução, previu, de maneira inédita, a incidência dos juros remuneratórios. Nessa linha, levando em conta as diretrizes do processo coletivo referidas, bem como os efeitos da coisa julgada secundum eventum litis (ou res iudicata secundum eventum litis), nos termos do art. 103, §§ 2º e 3º, e 104 do CDC, não há como concluir que o trânsito em julgado da primeira ação civil pública - cuja execução individual estava adstrita aos exatos termos do título judicial nesta formado - tenha o condão de espraiar os efeitos preclusivos da coisa julgada de pedido não deduzido. Veja os dispositivos: 

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada: 

I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81; 

II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81; 

III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81. 

(...) 

§ 2º Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual. 

§ 2º Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99. (...) 

Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva. 

Se um pedido é rejeitado, o mesmo pedido poderá ser formulado em nova ação? 

• No sistema do CPC: NÃO. 

• No microssistema da tutela coletiva: SIM. 

Conforme explica o Min. Luis Felipe Salomão: 

(...) se um determinado pedido é rejeitado, o mesmo pedido não poderá ser formulado em nova ação, ainda que relacionado a causa de pedir diversa. Contudo, isso não se aplica às demandas coletivas. O Direito Processual Coletivo, com base constitucional e legal (Lei n. 8.078/1990 - Código de Defesa do Consumidor e Lei n. 7.347/1985 – Lei de Ação Civil Pública), possui inegável vertente instrumentalista, afirmada pela disponibilização de institutos eficazes de garantia da ordem jurídica justa. Dessa feição plural do Direito, própria do processo coletivo, sobressai a ideia de solidariedade, que impõe a transformação do modelo clássico de legitimação processual ativa, inadequado à regulação dos conflitos de grupos e coletividades. A coisa julgada nos processos coletivos, especialmente quando relativos aos direitos individuais homogêneos, como no caso em análise, deve observar a conhecida regra da res iudicata secundum eventum litis. É o que se extrai dos arts. 103, §§ 2° e 3°, e 104 do CDC: (...)” 

Conclusão 

Por tudo quanto apresentado, no regime próprio das demandas coletivas envolvendo direitos individuais homogêneos, a ausência de pedido expresso em ação civil pública ajuizada por instituição diversa, na qualidade de substituta processual, não impede a propositura do cumprimento de sentença pelo mesmo beneficiário individual com base em novo título coletivo formado em ação civil pública diversa, exclusivamente para o alcance de verbas cuja coisa julgada somente se operou com o novo título proferido, do qual o autor seja também beneficiário. 

28 de abril de 2021

Competência territorial e coisa julgada (eficácia da sentença) em processo coletivo

 “A bem da verdade, o art. 16 da LACP baralha conceitos heterogêneos - como coisa julgada e competência territorial - e induz a interpretação, para os mais apressados, no sentido de que os "efeitos" ou a "eficácia" da sentença podem ser limitados territorialmente, quando se sabe, a mais não poder, que coisa julgada - a despeito da atecnia do art. 467 do CPC - não é “efeito” ou “eficácia” da sentença, mas qualidade que a ela se agrega de modo a torná-la “imutável e indiscutível”.

É certo também que a competência territorial limita o exercício da jurisdição e não os efeitos ou a eficácia da sentença, os quais, como é de conhecimento comum, correlacionam-se com os “limites da lide e das questões decididas” (art. 468, CPC) e com as que o poderiam ter sido (art. 474, CPC) - tantum judicatum, quantum disputatum vel disputari debebat.

A apontada limitação territorial dos efeitos da sentença não ocorre nem no processo singular, e também, como mais razão, não pode ocorrer no processo coletivo, sob pena de desnaturação desse salutar mecanismo de solução plural das lides.

A prosperar tese contrária, um contrato declarado nulo pela justiça estadual de São Paulo, por exemplo, poderia ser considerado válido no Paraná; a sentença que determina a reintegração de posse de um imóvel que se estende a território de mais de uma unidade federativa (art. 107, CPC) não teria eficácia em relação a parte dele; ou uma sentença de divórcio proferida em Brasília poderia não valer para o judiciário mineiro, de modo que ali as partes pudessem ser consideradas ainda casadas, soluções, todas elas, teratológicas.

A questão principal, portanto, é de alcance objetivo (“o que” se decidiu) e subjetivo (em relação “a quem” se decidiu), mas não de competência territorial.”


REsp 1.243.887/PR (STJ. Rel. Min. Luis Felipe Salomão; Corte Especial, julgado em 19/10/2011)

Filigrana doutrinária: competência vs coisa julgada em ação coletiva - Hugo Nigro Mazzilli

 “Com efeito, a Lei 9.494/97 confundiu competência com coisa julgada. A imutabilidade erga omnes de uma sentença não tem nada a ver com a competência do juiz que a profere. A competência importa para saber qual órgão da jurisdição vai decidir a ação; mas a imutabilidade do que ele decidiu estende-se a todo o grupo, classe ou categoria de lesados, de acordo com a natureza do interesse defendido, o que muitas vezes significa, necessariamente, ultrapassar os limites territoriais do juízo que proferiu a sentença”. 

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em Juízo. 30ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 698.

26 de abril de 2021

O art. 16 da Lei de Ação Civil Pública é inconstitucional

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://www.dizerodireito.com.br/2021/04/o-art-16-da-lei-de-acao-civil-publica-e.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed:+com/rviB+(Dizer+o+Direito) 


Art. 16 da Lei nº 7.347/85 e a eficácia subjetiva da ACP

Falar em “eficácia subjetiva” significa estudarmos “para quem” a sentença proferida na ACP produz efeitos, isto é, as pessoas que são atingidas juridicamente pelo que foi decidido.

O art. 16 da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85), com redação dada pela Lei nº 9.494/97, estabelece o seguinte:

LEI Nº 7.347/85 (LEI DA ACP)

Redação original

Redação dada pela Lei nº 9.494/97

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, exceto se a ação for julgada improcedente por deficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

 

Esse artigo foi alterado pela Lei nº 9.494/97 com o objetivo de restringir a eficácia subjetiva da coisa julgada, ou seja, ele determinou que a coisa julgada na ACP deveria produzir efeitos apenas dentro dos limites territoriais do juízo que prolatou a sentença.

Em outras palavras, o que o art. 16 quis dizer foi o seguinte: a decisão do juiz na ação civil pública não produz efeitos no Brasil todo. Ela irá produzir efeitos apenas na comarca (se for Justiça Estadual) ou na seção ou subseção judiciária (se for Justiça Federal) do juiz prolator.

 

Críticas da doutrina

A doutrina criticou bastante essa alteração promovida no art. 16 e afirmou que a regra ali prevista não deveria ser aplicada por ser inconstitucional, impertinente e ineficaz.

Resumo das principais críticas ao dispositivo (DIDIER, Fredie; ZANETI, Hermes):

• Gera prejuízo à economia processual e pode ocasionar decisões contraditórias entre julgados proferidos em Municípios ou Estados diferentes;

• Viola o princípio da igualdade por tratar de forma diversa os brasileiros (para uns irá "valer" a decisão, para outros não);

• Os direitos coletivos “lato sensu” são indivisíveis, de forma que não há sentido que a decisão que os define seja separada por território;

• A redação do dispositivo mistura “competência” com “eficácia da decisão”, que são conceitos diferentes. O legislador confundiu, ainda, “coisa julgada” e “eficácia da sentença”. Sobre esse ponto, vale a pena citar Hugo Nigro Mazzilli:

“Com efeito, a Lei 9.494/97 confundiu competência com coisa julgada. A imutabilidade erga omnes de uma sentença não tem nada a ver com a competência do juiz que a profere. A competência importa para saber qual órgão da jurisdição vai decidir a ação; mas a imutabilidade do que ele decidiu estende-se a todo o grupo, classe ou categoria de lesados, de acordo com a natureza do interesse defendido, o que muitas vezes significa, necessariamente, ultrapassar os limites territoriais do juízo que proferiu a sentença”. (A defesa dos interesses difusos em Juízo. 30ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 698).

 

• O art. 93 do CDC, que se aplica também à Lei da ACP, traz regra diversa, já que prevê que, em caso de danos nacional ou regional, a competência para a ação será do foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal, o que indica que essa decisão valeria, no mínimo, para todo o Estado/DF.

 

Para o STJ, o art. 16 da LACP, com redação dada pela Lei nº 9.494/97, é válido? A decisão do juiz na ação civil pública fica restrita apenas à comarca ou à seção (ou subseção) judiciária do juiz prolator?

NÃO. O STJ decidiu que:

A eficácia das decisões proferidas em ações civis públicas coletivas NÃO deve ficar limitada ao território da competência do órgão jurisdicional que prolatou a decisão.

STJ. Corte Especial. EREsp 1134957/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 24/10/2016.

 

Interessante também transcrever trecho do voto do brilhante Min. Luis Felipe Salomão, no REsp 1.243.887/PR (STJ. Corte Especial, julgado em 19/10/2011):

“A bem da verdade, o art. 16 da LACP baralha conceitos heterogêneos - como coisa julgada e competência territorial - e induz a interpretação, para os mais apressados, no sentido de que os "efeitos" ou a "eficácia" da sentença podem ser limitados territorialmente, quando se sabe, a mais não poder, que coisa julgada - a despeito da atecnia do art. 467 do CPC - não é “efeito” ou “eficácia” da sentença, mas qualidade que a ela se agrega de modo a torná-la “imutável e indiscutível”.

É certo também que a competência territorial limita o exercício da jurisdição e não os efeitos ou a eficácia da sentença, os quais, como é de conhecimento comum, correlacionam-se com os “limites da lide e das questões decididas” (art. 468, CPC) e com as que o poderiam ter sido (art. 474, CPC) - tantum judicatum, quantum disputatum vel disputari debebat.

A apontada limitação territorial dos efeitos da sentença não ocorre nem no processo singular, e também, como mais razão, não pode ocorrer no processo coletivo, sob pena de desnaturação desse salutar mecanismo de solução plural das lides.

A prosperar tese contrária, um contrato declarado nulo pela justiça estadual de São Paulo, por exemplo, poderia ser considerado válido no Paraná; a sentença que determina a reintegração de posse de um imóvel que se estende a território de mais de uma unidade federativa (art. 107, CPC) não teria eficácia em relação a parte dele; ou uma sentença de divórcio proferida em Brasília poderia não valer para o judiciário mineiro, de modo que ali as partes pudessem ser consideradas ainda casadas, soluções, todas elas, teratológicas.

A questão principal, portanto, é de alcance objetivo (“o que” se decidiu) e subjetivo (em relação “a quem” se decidiu), mas não de competência territorial.”

 

E para o STF? Para o STF, o art. 16 da LACP, com redação dada pela Lei nº 9.494/97, é válido?

Também NÃO.

É inconstitucional o art. 16 da Lei nº 7.347/85, na redação dada pela Lei nº 9.494/97.

É inconstitucional a delimitação dos efeitos da sentença proferida em sede de ação civil pública aos limites da competência territorial de seu órgão prolator.

STF. Plenário. RE 1101937/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 7/4/2021 (Repercussão Geral – Tema 1075) (Info 1012).

 

Proteção constitucional dos interesses difusos e coletivos

A Constituição Federal de 1988 ampliou a proteção aos interesses difusos e coletivos, não somente constitucionalizando-os, mas também prevendo importantes instrumentos para garantir sua efetividade.

Como exemplos disso, podemos citar a previsão do mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX), da ação popular (art. 5º, LXXII) e a constitucionalização da ação civil pública (art. 129, III).

No âmbito infraconstitucional, o sistema protetivo dos interesses difusos e coletivos nasceu com a edição da Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/65) e foi ampliado com a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85).

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) foi mais uma evolução legislativa trazendo maior efetividade à proteção dos interesses difusos e coletivos.

O art. 90 do CDC, somado ao art. 21 da LACP, estabeleceu um verdadeiro microssistema processual coletivo, com destaque para a eficácia erga omnes da sentença proferida na ação civil pública:

Art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições.

 

Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.       (Incluído Lei nº 8.078/90)

 

Esse microssistema significa que as normas desses diplomas deverão ser aplicadas mutuamente a fim de se garantir uma proteção mais efetiva dos interesses difusos e coletivos.

 

Lei nº 9.494/94 representa retrocesso na proteção dos interesses difusos e coletivos

A alteração do art. 16 da Lei nº 7.347/85 promovida pela Lei nº 9.494/97, fruto da conversão da MP 1.570/97, veio na contramão do avanço institucional de proteção aos direitos metaindividuais. Vale ressaltar, inclusive, que essa modificação viola os preceitos norteadores da tutela coletiva e atenta contra os comandos pertinentes ao amplo acesso à Justiça e à isonomia entre os jurisdicionados.

A versão original do art. 16 da LACP previa a coisa julgada erga omnes da sentença civil proferida em processo na qual decididos direitos difusos e coletivos. O CDC, editado em 1990, ampliou a efetividade ao estender esses efeitos para os direitos individuais com dimensão coletiva (art. 103).

Nesse contexto, as Leis nº 7.347/85 e 8.078/90 seguiram o mesmo padrão de proteção dos direitos metaindividuais. Elas estão de acordo com os princípios da unidade da Constituição e da máxima efetividade das normas constitucionais. A indevida restrição criada pelo art. 16 da LACP, por sua vez, foi contra os princípios da igualdade e da eficiência na prestação jurisdicional, razão pela qual se mostra inconstitucional.

 

Grave prejuízo à isonomia e a efetividade da prestação jurisdicional

A alteração legislativa promovida pela Lei nº 9.494/97 passou a exigir dos legitimados, nos casos em que a lesão ou ameaça a direito fosse de âmbito regional ou nacional, a propositura de tantas demandas quanto fossem os territórios em que residem as pessoas lesadas. Ex: em um dano nacional, teria que ser proposta uma ação em cada comarca. Percebe-se, sem muito esforço, que isso acarreta grave prejuízo ao necessário tratamento isonômico de todos perante a Justiça, além de afrontar claramente eficiência na prestação da atividade jurisdicional.

Na ação civil pública, os beneficiados podem ser indetermináveis – direitos difusos – , ou indeterminados, em um primeiro momento – direitos coletivos e individuais homogêneos –, sendo possível que os titulares do direito estejam dispersos em diferentes Municípios ou Estados; ou ainda em todos os Estados e Municípios brasileiros; mas sempre devendo ser observados, na efetividade da prestação jurisdicional, os princípios da igualdade e da eficiência.

Mais uma vez se mostra salutar recorrer às palavras do Min. Luis Felipe Salomão:

“A apontada limitação territorial dos efeitos da sentença não ocorre nem no processo singular, e também, como mais razão, não pode ocorrer no processo coletivo, sob pena de desnaturação desse salutar mecanismo de solução plural das lides.

A prosperar tese contrária, um contrato declarado nulo pela justiça estadual de São Paulo, por exemplo, poderia ser considerado válido no Paraná; a sentença que determina a reintegração de posse de um imóvel que se estende a território de mais de uma unidade federativa (art. 107, CPC) não teria eficácia em relação a parte dele; ou uma sentença de divórcio proferida em Brasília poderia não valer para o judiciário mineiro, de modo que ali as partes pudessem ser consideradas ainda casadas, soluções, todas elas, teratológicas.” (REsp 1.243.887/PR)

 

Patente, portanto, o desrespeito aos princípios da igualdade, da eficiência, da segurança jurídica e da efetiva tutela jurisdicional.

 

Com a declaração de inconstitucionalidade da redação modificada do art. 16 da LACP, surge uma relevante indagação a ser feita: de quem é a competência para julgar uma ação civil pública?

Quanto às ações civis públicas cujo objeto seja de âmbito apenas local, deve-se aplicar o art. 2º da Lei nº 7.347/85:

Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

 

E se a ACP tiver projeção regional ou nacional?

Neste caso, como não há norma expressa na LACP tratando sobre o tema, deve-se recorrer ao art. 93, II, do CDC, com base na noção de microssistema processual (art. 21 da LACP).

Assim, a definição do juízo competente para o processamento de ações civis públicas cuja sentença tenha projeção regional ou nacional deve observar o disposto no art. 93, II, do CDC:

Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:

(...)

II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.

 

Portanto, em se tratando de ação civil pública com abrangência nacional ou regional, sua propositura deve ocorrer no foro, ou na circunscrição judiciária, de capital de Estado ou no Distrito Federal.

Em se tratando de alcance geograficamente superior a um Estado, a opção por capital de Estado evidentemente deve contemplar uma que esteja situada na região atingida.

Com isso, impede-se a escolha de juízos aleatórios para o processo e julgamento de ações que versem sobre esses direitos difusos e coletivos.

 

Como evitar decisões conflitantes proferidas por juízos diversos em ações civis públicas que estejam tramitando em comarcas diferentes?

O ordenamento jurídico oferece um critério que impede esse problema, com base nos art. 55, § 3º e art. 286 do CPC, além do art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 7.347/85:

Art. 55 (...)

§ 3º Serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles.

 

Art. 286.  Serão distribuídas por dependência as causas de qualquer natureza:

I - quando se relacionarem, por conexão ou continência, com outra já ajuizada;

II - quando, tendo sido extinto o processo sem resolução de mérito, for reiterado o pedido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus da demanda;

III - quando houver ajuizamento de ações nos termos do art. 55, § 3º, ao juízo prevento.

Parágrafo único.  Havendo intervenção de terceiro, reconvenção ou outra hipótese de ampliação objetiva do processo, o juiz, de ofício, mandará proceder à respectiva anotação pelo distribuidor.

 

Art. 2º (...)

Parágrafo único  A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.

 

Dessa maneira, o juiz competente – nos termos do artigo 2º da LACP e 93 do CDC – , que primeiro conhecer da matéria ficará prevento para processar e julgar todas as demandas que proponham o mesmo objeto.

A aplicação dessas normas torna possível definir qual o juiz competente, inclusive para ações cuja decisão tenha efeitos regionais ou nacionais. E, uma vez fixada essa competência, o primeiro que conhecer da matéria, entre os competentes, ficará prevento.

 

Em suma:

I - É inconstitucional o art. 16 da Lei nº 7.347/85, alterada pela Lei nº 9.494/97.

II - Em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, II, da Lei nº 8.078/90 (CDC).

III - Ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional, firma-se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas conexas.

STF. Plenário. RE 1101937/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 7/4/2021 (Repercussão Geral – Tema 1075) (Info 1012). 

8 de abril de 2021

Plenário do STF encerra julgamento do RE 1.101.937 e proclama a inconstitucionalidade do art. 16 da Lei 7.347, de 1985 (Lei da ação civil pública).

Assim dispõe o art. 16 da referida lei: "Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova."


O STF fixou, em tal julgamento, as seguintes teses em Repercussão Geral:

1) é inconstitucional o art. 16 da Lei 7.347, de 1985, alterada pela Lei 9.494, de 1997;

2) tratando-se de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, II, do CDC (ou seja, a ação deve ser proposta no foro da Capital do Estado ou do DF);

3) propostas várias ações civis públicas de âmbito nacional ou regional, firma-se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas conexas.