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24 de março de 2022

Para a configuração do crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/93, agora disposto no art. 337-E do CP, é indispensável a comprovação do dolo específico de causar danos ao erário e o efetivo prejuízo aos cofres públicos, bem como efetivo prejuízo aos cofres públicos

 PENAL – CRIME EM LICITAÇÃO

STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 669.347-SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 13/12/2021 (Info 723)

Para a configuração do crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/93, agora disposto no art. 337-E do CP, é indispensável a comprovação do dolo específico de causar danos ao erário e o efetivo prejuízo aos cofres públicos, bem como efetivo prejuízo aos cofres públicos.

O crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/93 é norma penal em branco, cujo preceito primário depende da complementação e integração das normas que dispõem sobre hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitações, agora previstas na nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021).

Dado o princípio da tipicidade estrita, se o objeto a ser contratado estiver entre as hipóteses de dispensa ou de inexigibilidade de licitação, não há falar em crime, por atipicidade da conduta.

Conforme disposto no art. 74, III, da Lei n. 14.133/2021 e no art. 3º-A do Estatuto da Advocacia, o requisito da singularidade do serviço advocatício foi suprimido pelo legislador, devendo ser demonstrada a notória especialização do agente contratado e a natureza intelectual do trabalho a ser prestado

A mera existência de corpo jurídico próprio, por si só, não inviabiliza a contratação de advogado externo para a prestação de serviço específico para o ente público. Se estão ausentes o dolo específico e o efetivo prejuízo aos cofres públicos, impõe-se a absolvição do réu da prática prevista no art. 89 da Lei nº 8.666/93.

A antiga Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93), revogada pela Lei nº 14.133/2021 (nova Lei de Licitações), previa alguns tipos penais. Estes crimes foram inseridos no Código Penal nos arts. 337-E e 337-O. Além disso, a nova Lei ainda acrescentou o art. 337-P tratando sobre a pena de multa

Crime de contratação direta ilegal - art. 89 da Lei nº 8.666/93, revogado pela Lei nº 14.133/2021; essa mesma conduta continuou sendo punida agora pelo art. 337-E do Código Penal

Art. 337-E, CP: “Admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa”.

Licitação

Regra

Art. 37, XXI, CF; Administração Pública somente pode contratar obras, serviços, compras e alienações se realizar uma licitação prévia para escolher o contratante

Exceção

contratação direta nos casos especificados na legislação; Ressalva no art. 37, XXI, CF

Espécies de contratação direta

Dispensada

Art. 76 da Lei 14.133/2021 (Art. 17 da Lei 8.666/93) – rol taxativo

A lei determina a não realização da licitação, obrigando a contratação direta.

Dispensável

Art. 75 da Lei 14.133/2021 (Art. 24 da Lei 8.666/93) – rol taxativo

A lei autoriza a não realização da licitação. Mesmo sendo dispensável, a Administração pode decidir realizar a licitação (discricionariedade).

Inexigível

Art. 74 da Lei 14.133/2021 (Art. 25 da Lei 8.666/93) - Rol exemplificativo

Como licitação é uma disputa, é indispensável que haja pluralidade de objetos e de ofertantes para que ela possa ocorrer. Assim, a lei prevê alguns casos em que inexigibilidade se verifica porque há impossibilidade jurídica de competição

Requisitos

a) serviço técnico: aqueles enumerados, exemplificativamente, art. 13 Lei 8.666/1993, tais como: estudos, planejamentos, pareceres, perícias, patrocínio causas etc

b) serviço singular: a singularidade do serviço depende da demonstração da excepcionalidade da necessidade a ser satisfeita e da impossibilidade de sua execução por parte de um profissional comum;

c) notória especialização do contratado: destaque e reconhecimento do mercado em sua área de atuação, o que pode ser demonstrado por várias maneiras (estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento etc.).”

Mesmo nas hipóteses em que a legislação permite a contratação direta, é necessário que o administrador público observe algumas formalidades e instaure um processo administrativo de justificação.

Tipo objetivo do crime

O crime do art. 89 da Lei nº 8.666/93 (art. 337-E do C) ocorre se o administrador público...

• dispensar a licitação fora das hipóteses previstas em lei;

• inexigir (deixar de exigir) licitação fora das hipóteses previstas em lei; ou

• deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade.

Norma penal em branco

depende de complemento normativo

hipóteses de contratação direta estão previstas na Lei nº 14.133/2021

delito em questão exige, além do dolo genérico (representado pela vontade consciente de dispensar ou inexigir licitação com descumprimento formalidades), a presença do especial fim de agir, que consiste no dolo específico causar dano ao erário ou gerar o enriquecimento ilícito agentes envolvidos empreitada criminosa

Advocacia

Art. 3º-A. EOAB (lei 8906/94): Os serviços profissionais de advogado são, por sua natureza, técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização, nos termos da lei

A nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) avançou ainda mais e simplesmente aboliu a exigência de que o serviço advocatício tenha natureza singular para que possa haver a inexigibilidade de licitação – art. 74, III

15 de novembro de 2021

O juiz tem poderes diante da omissão de alegações finais pelo advogado para oportunizar à parte a substituição dele no causídico ou, na inércia, para requerer que a Defensoria Pública ofereça as alegações finais

Processo

RMS 47.680-RR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 05/10/2021, DJe 11/10/2021

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Recusa do advogado a oferecer as alegações finais. Forma ilegítima de impugnar as decisões judiciais. Acerto da decisão que oportuniza à parte indicar novo advogado ou que provoca a Defensoria Pública. Respeito a duração razoável do processo.

 

DESTAQUE

O juiz tem poderes diante da omissão de alegações finais pelo advogado para oportunizar à parte a substituição dele no causídico ou, na inércia, para requerer que a Defensoria Pública ofereça as alegações finais.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a definir se a ampla defesa engloba a possibilidade de o advogado se recusar a oferecer as alegações finais por discordar de alguma decisão do juiz da causa na condução do procedimento.

Não há dúvida da importância da ampla defesa como elemento central de um processo penal garantista. Todavia, é imprescindível afirmar que tal princípio não tem o condão de legitimar qualquer atuação por parte da defesa.

A forma legal para impugnar eventuais discordâncias com as decisões tomadas pelo juiz na condução da ação penal não pode ser a negativa de oferecimento de alegações finais. Admitir, por hipótese, a validade de tal conduta implicaria, em última instância, conferir o poder de definir a legalidade da atuação do magistrado não aos Tribunais, mas ao próprio advogado.

Ademais, não se deve admitir a violação da duração razoável do processo, direito fundamental que não pode ficar dependente de um juízo de oportunidade, conveniência e legalidade das partes de quando e como devem oferecer alegações finais.

A recalcitrância da negativa de oferecer alegações finais obriga o magistrado a adotar a providência de nomeação de um defensor ad hoc ou até mesmo a destituição do causídico.

Dessa forma, não há que se falar em ilegalidade ou abuso de poder, mas, sim, em adoção de medidas legítimas para resguardar a duração razoável do processo e o poder do juiz para conduzi-lo.

9 de novembro de 2021

Em processo de execução, juiz pode determinar que o advogado do executado junte aos autos contrato de prestação de serviços advocatícios para que se verifique o real endereço do devedor?

 Fonte: Dizer o Direito


Em processo de execução, juiz pode determinar que o advogado do executado junte aos autos contrato de prestação de serviços advocatícios para que se verifique o real endereço do devedor?

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

Determinada empresa ingressou com execução contra João.

O executado não foi encontrado, razão pela qual se determinou a sua citação por edital.

João compareceu, então, espontaneamente nos autos com advogado constituído (Dr. Luiz).

Vale ressaltar que na petição foi explicado que João não possui, atualmente, residência fixa, razão pela qual o endereço indicado nos autos, para fins processuais, foi apenas o do escritório de advocacia que faz a defesa do executado.

Não foram encontrados valores depositados em contas bancárias em nome do executado nem bens registrados em seu nome.

Por esse motivo, o juiz determinou que Dr. Luiz, advogado do devedor, juntasse aos autos a cópia do contrato de prestação de serviços advocatícios que firmou com João a fim de que se verificasse o real endereço de João. O objetivo seria expedir mandado de penhora de bens nesse endereço.

Diante desse cenário, Dr. Luiz, em nome próprio, impetrou mandado de segurança contra a determinação do magistrado alegando que a ordem judicial viola ao direito à inviolabilidade e sigilo profissional da advocacia.

O Tribunal de Justiça não conheceu do mandado de segurança afirmando que caberia agravo de instrumento no presente caso.

Inconformado, o impetrante interpôs recurso ordinário ao STJ (art. 105, II, “b”, da CF/88):

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

(...)

II - julgar, em recurso ordinário:

a) os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória;

b) os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão;

(...)

 

O STJ acolheu o pedido do recorrente/impetrante?

SIM. A 4ª Turma do STJ deu provimento ao recurso ordinário para deferir a segurança e cassar a decisão do juízo da 4ª vara cível que havia determinado que o advogado apresentasse cópia do contrato de prestação de serviços advocatícios firmado com seu cliente.

 

Advocacia como função essencial à administração da Justiça e sigilo profissional

A advocacia é função essencial à administração da Justiça, reconhecida como tal no caput do art. 133 da CF/88:

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

 

Além disso, a Constituição Federal assegura a garantia do sigilo profissional em seu art. 5º, XIV, da CF/88:

Art. 5º (...)

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;  

 

O art. 7º, II, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), determina a inviolabilidade do escritório ou local de trabalho, bem como dos arquivos, dados, correspondências e comunicações, salvo hipótese de busca ou apreensão.

Vale ressaltar que, mesmo se determinada por ordem judicial, a interceptação telefônica, prevista no art. 5º, XI, da CF/88, não pode, pelo menos em regra, violar direito à confidencialidade da comunicação entre advogado e cliente. Confira a redação legal:

Art. 7º São direitos do advogado:

(...)

II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia; (Redação dada pela Lei nº 11.767/2008)

(...)

§ 6º Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes. (Incluído pela Lei nº 11.767/2008)

§ 7º A ressalva constante do § 6º deste artigo não se estende a clientes do advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou co-autores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade. (Incluído pela Lei nº 11.767/2008)

 

Como se vê pela redação do Estatuto da OAB, com redação dada pela Lei nº 11.767/2008, para que seja removida a prerrogativa é necessário o preenchimento de certos requisitos:

a) indícios de autoria e materialidade de crime praticado pelo próprio advogado;

b) decretação da quebra da inviolabilidade por autoridade judiciária competente;

c) decisão fundamentada de busca e apreensão que especifique o objeto da medida.

 

Sigilo profissional também é protegido em outras leis

Vale ressaltar que o sigilo profissional recebe amparo também no Código Penal (art. 154) e no Código de Processo Penal (art. 207), de forma que, em qualquer investigação que viole o sigilo entre o advogado e o cliente, viola-se não somente a intimidade dos profissionais envolvidos, mas o próprio direito de defesa e, em última análise, a democracia.

 

Sigilo profissional não é absoluto

É conveniente lembrar que, como qualquer outro direito ou garantia fundamental, a inviolabilidade e o sigilo profissional no âmbito do exercício da advocacia não são absolutos, havendo julgados nos quais são explicitadas hipóteses em que é possível flexibilizar seu alcance, a partir de uma ponderação de valores.

 

Não se mostra possível afastar o sigilo para se permitir a expedição de mandado de penhora

No caso, a determinação para apresentação do contrato de serviços advocatícios com a finalidade de localização do executado/cliente para expedição de mandado de penhora não configura justa causa para a suspensão das garantias constitucionalmente previstas.

Assim, o contrato de prestação de serviços advocatícios, instrumento essencialmente produzido e referente à relação advogado/cliente, está sob a guarda do sigilo profissional, assim como se comunica a inviolabilidade da atividade advocatícia.

 

Em suma:

Decisão judicial que determina a apresentação do contrato de serviços advocatícios, com a finalidade de verificação do endereço do cliente/executado, fere o direito à inviolabilidade e sigilo profissional da advocacia.

STJ. 4ª Turma. RMS 67.105-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/09/2021 (Info 710).

9 de outubro de 2021

Decisão judicial que determina a apresentação do contrato de serviços advocatícios, com a finalidade de verificação do endereço do cliente/executado, fere o direito à inviolabilidade e sigilo profissional da advocacia

Processo

RMS 67.105-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 21/09/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Execução. Decisão judicial para apresentação do contrato de serviços advocatícios. Providência com a finalidade de localizar o endereço do executado. Afronta às prerrogativas inerentes à advocacia. Violação do sigilo profissional.

 

DESTAQUE

Decisão judicial que determina a apresentação do contrato de serviços advocatícios, com a finalidade de verificação do endereço do cliente/executado, fere o direito à inviolabilidade e sigilo profissional da advocacia.


INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A advocacia é função essencial à administração da Justiça, reconhecida como tal no caput do art. 133 da CF/1988. A legítima exegese desse dispositivo constitucional é a que reconhece proteção ao exercício da advocacia e não ao advogado e, assim, a essencialidade própria do advogado se revela apenas "no contexto de aplicação do ordenamento jurídico, em atividade vinculada ao órgão jurisdicional atuando na reconstrução, e mais, na ressemantização democrática e participada das normas jurídicas aplicáveis ao caso concreto".

Ademais, a garantia do sigilo profissional tem assento no art. 5º, inciso XIV, da CF/1988, que estabelece ser "assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional".

O art. 7º, inciso II, do Estatuto da Advocacia, determina a inviolabilidade do escritório ou local de trabalho, bem como dos arquivos, dados, correspondências e comunicações, salvo hipótese de busca ou apreensão. E sobre o ponto, acrescenta a doutrina que "ainda que determinadas por ordem judicial, as interceptações telefônicas, previstas no art. 5º, inciso XI, da CF/1988, não podem violar direito à confidencialidade da comunicação entre advogado e cliente".

Deve ser realçado, nesse ponto, pela relevância, que a redação do referido inciso II é fruto de alteração legislativa promovida pela Lei n. 11.767/2008. A partir da renovação operada por essa lei, o § 6º, do próprio art. 7°, regulamentou a ressalva prevista naquele inciso, detalhando melhor a matéria, prevendo expressamente as hipóteses em que a inviolabilidade poderia ser afastada.

De fato, anteriormente à publicação da Lei n. 11.767/2008, a doutrina entendia que o afastamento da inviolabilidade e realização de busca e apreensão em locais de trabalho do advogado somente era possível, desde que acompanhada por representante da OAB.

Entretanto, após a entrada em vigor da nova lei, para que seja removida a prerrogativa é necessário o preenchimento de certos requisitos: a) indícios de autoria e materialidade de crime praticado pelo próprio advogado; b) decretação da quebra da inviolabilidade por autoridade judiciária competente; c) decisão fundamentada de busca e apreensão que especifique o objeto da medida.

Aliás, pela mesma distinção, recorde-se que o sigilo profissional recebe amparo no Código Penal brasileiro (art. 154) e no Código de Processo Penal (art. 207), no sentido de que, em qualquer investigação que viole o sigilo entre o advogado e o cliente, viola-se não somente a intimidade dos profissionais envolvidos, mas o próprio direito de defesa e, em última análise, a democracia.

Noutro ponto, é conveniente assinalar que, como qualquer outro direito ou garantia fundamental, também a inviolabilidade e o sigilo profissional no âmbito do exercício da advocacia, mesmo ostentando tamanha envergadura, não são absolutos em prevalência, tendo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça exercido importante papel na definição das hipóteses em que é possível flexibilizar seu alcance, a partir de legítima e desejada ponderação de valores.

No caso, a determinação para apresentação do contrato de serviços advocatícios com a finalidade de localização do executado/cliente para expedição de mandado de penhora não configura justa causa para a suspensão das garantias constitucionalmente previstas. Assim, o contrato de prestação de serviços advocatícios, instrumento essencialmente produzido e referente à relação advogado/cliente, está sob a guarda do sigilo profissional, assim como se comunica a inviolabilidade da atividade advocatícia.

30 de agosto de 2021

EXCEÇÃO DE PRÉEXECUTIVIDADE. EXTINÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. CPC DE 2015. LEGITIMIDADE RECURSAL CONCORRENTE DA PARTE E DO ADVOGADO

RECURSO ESPECIAL Nº 1776425 - SP (2018/0284115-3) 

RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO 

EMENTA 

RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DE PRÉEXECUTIVIDADE. EXTINÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. CPC DE 2015. LEGITIMIDADE RECURSAL CONCORRENTE DA PARTE E DO ADVOGADO. 

1. A regra do art. 99, §5º, do CPC, não trata da legitimidade recursal, mas da gratuidade judiciária e, notadamente, do requisito do preparo, deixando claro que, mesmo interposto recurso pela parte que seja beneficiária de gratuidade judiciária, mas que se limite a discutir os honorários de advogado, o preparo deverá ser realizado acaso o advogado também não seja beneficiário da gratuidade. 

2. Não há confundir esse requisito de admissibilidade com aquele relativo à legitimidade recursal concorrente da parte e do próprio titular da verba de discutir os honorários de advogado. 

3. A própria parte, seja na vigência do CPC de 1973, inclusive após o reconhecimento do direito autônomo dos advogados sobre a verba honorária, ou mesmo na vigência do CPC de 2015, pode interpor, concorrentemente com o titular da verba honorária, recurso acerca dos honorários de advogado. 

4. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília, 08 de junho de 2021. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO Relator 

RELATÓRIO 

Trata-se de recurso especial interposto por ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PROMOÇÃODO DESIGN E INOVAÇÃO OBJETO BRASIL, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, contra acórdão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado: 

Agravo de Instrumento. Honorários advocatícios Ação indenizatória em fase de liquidação de sentença Decisão que indeferiu pleito de arbitramento de honorários Honorários que pertencem ao advogado Legitimidade do advogado para postular a reforma da R. Decisão agravada Recurso interposto pela parte que não merece ser conhecido por ilegitimidade recursal. Não se conhece do recurso. 

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados. 

Nas razões do recurso especial a parte alegou ofensa aos artigos: 23 e 24 da Lei 8.906/94 e 85, §14, do CPC, sustentando tanto a parte, quanto seu advogado contam com plena legitimidade para controverter acerca de honorários advocatícios, em que pese constituam direito autônomo do advogado. Referiram o enunciado 306/STJ e pediram o provimento do recurso. 

É o relatório. 

VOTO 

Eminentes Colegas. A discussão devolvida a esta Corte Superior diz com a legitimidade de a parte, em nome próprio, recorrer de decisão postulando a fixação de honorários de advogado. 

Destaco que o acórdão recorrido não conheceu de agravo de instrumento interposto para discutir o direito à fixação de honorários de advogado em sede de exceção de pré-executividade extinta por perda superveniente de objeto. 

A propósito, declarou o aresto combatido: 

Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu pleito de fixação de honorários em favor dos advogados que representam os interesses da Associação Brasileira de Promoção de Design e Inovação Objeto Brasil, ora agravante, nos autos. O recurso não merece ser conhecido, portanto, por ilegitimidade recursal, eis que os honorários advocatícios tem natureza remuneratória e pertencem ao advogado, mostrando-se equivocada a interposição do recurso pela parte. 

A jurisprudência desta Corte, contemporânea ao CPC de 1973, reconhecia às partes e aos advogados legitimidade concorrente para vindicar, em nome próprio, a fixação ou majoração dos honorários advocatícios estipulados pelo órgão julgador, a despeito de tal verba constituir direito autônomo do advogado. 

Cumpre que se verifique se o art. 99, §5º, do CPC, alterou esta legitimidade ao dispor: 

Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso. (...) 

§ 4º A assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça. 

§ 5º Na hipótese do § 4º, o recurso que verse exclusivamente sobre valor de honorários de sucumbência fixados em favor do advogado de beneficiário estará sujeito a preparo, salvo se o próprio advogado demonstrar que tem direito à gratuidade. 

A conclusão que ecoa desses enunciados normativos é a de que o dispositivo não alterou a legitimidade recursal em matéria de honorários sucumbenciais. 

Com efeito, o artigo 99, especialmente o §5º, não versa acerca de legitimidade recursal, mas do requisito do preparo, podendo-se dele extrair que, mesmo interposto recurso pela parte que seja beneficiária de gratuidade judiciária e que se limite a discutir os honorários de advogado, o preparo deverá ser realizado acaso o advogado também não seja beneficiário da gratuidade. 

Tão somente isso. 

A legislação em vigor permite que a própria parte, seja na vigência do CPC de 1973, inclusive após o reconhecimento do direito autônomo dos advogados pelo Estatuto da Advocacia, seja na vigência do CPC de 2015, em concorrência com o advogado, interponha recurso acerca de parcela que não é de sua titularidade. 

Esta mesma concorrência se verifica em sede executiva, dela tratando Rogério Licastro Torres de Melo, enfatizando o seguinte: 

Os honorários, portanto, constituem direito autônomo do advogado e, destarte, comportam execução pelo profissional da Advocacia independente da execução do crédito principal conferido à parte. Tal realidade, apesar de não derivar da literalidade do CPC/1973, que era silente a respeito, já defluía do art. 23 do Estatuto da Advocacia atualmente vigente, o que culminou por produzir sólida orientação jurisprudencial no STJ no sentido de reconhecer, bem antes da entrada em vigor do CPC/2015, a existência de legitimidade concorrente entre o advogado e o cliente para promover a execução da verba honorária. Por todos, merece destaque o acórdão proferido pelo STJ por ocasião do julgamento do Recurso Especial 828.300/SC, de relatoria do Min. Luiz Fux, DJ de 24.04.2008, cuja reprodução parcial de sua ementa é suficiente para revelar o entendimento consolidado daquela Corte acerca da admissão de execução da condenação honorária sucumbencial pelo advogado, como legitimado ativo, já antes da vigência do CPC/2015: “(...) 2. É cediço nesta Corte que a execução da sentença, na parte alusiva aos honorários resultantes da sucumbência, pode ser promovida tanto pela parte como pelo advogado. Precedentes: (...) Ainda previamente à entrada em vigor do CPC/2015, também a doutrina se posicionou no sentido da titularidade dos honorários sucumbenciais por parte do causídico. Em conhecido estudo sobre honorários advocatícios, Yussef Said Cahali escreveu com propriedade que “A sentença marca o momento histórico da aquisição do direito autônomo do advogado, pelo implemento da condição que lhe faz nascer esse direito; em outros termos, os honorários da sucumbência, a partir de então, pertencem definitivamente ao advogado que estava atuando na demanda”. (in Honorários Advocatícios - Sucumbenciais e por Arbitramento, 1ª ed., Ed. Thomson Reuters Brasil 2019, Cap. I, 1ª parte, item 2) 

Não me parece consentâneo, negar-se à parte legitimidade para, por exemplo, postular a majoração de honorários de advogado fixados pelo juízo, mas, no mesmo processo, permitir-lhe a execução de valores cuja titularidade é de terceiro. 

Reconheceu-se no art. 23 do Estatuto da Advocacia e se reforçou no CPC de 2015 a titularidade dos honorários e a possibilidade de o advogado, pois titular da verba a que o vencido foi condenado a pagar na ação ajuizada pelo seu representado, executá-la em nome próprio, mesmo não sendo parte formal no processo em que ela foi originada e, assim, não constando do título executivo base para o cumprimento de sentença. 

Yussef Said Cahali (in Honorários Advocatícios, RT, 3ª ed., p. 804), ao comentar a norma do Estatuto da Advocacia, observava o seguinte: 

"Estabelecendo o art. 23 da Lei n° 8.906/94, que os honorários incluídos na condenação por sucumbência, pertencem ao advogado, concedeu-se-lhe, agora, verdadeiramente, um direito próprio e autônomo (expressão que antes era contestada por alguns), com possibilidade de sua execução pelo próprio patrono, ainda que tendo como causa geradora o mesmo fato do sucumbimento da parte adversa do cliente vitorioso. Com a titularidade do direito aos honorários da sucumbência, que agora lhe é expressamente atribuída, o advogado é introduzido, de alguma forma na relação processual que se estabelece a partir da sentença condenatória nessa parte, quando antes, o processo seria quanto a ele uma res inter alios." 

Araken de Assis, ao analisar a legitimidade recursal do advogado mesmo após a entrada em vigor do Novo CPC, ressalta atuar ele como terceiro prejudicado, ponderando: 

Legitima-se a interpor a apelação, relativamente à omissão dos honorários, ou à correção do valor fixado, porque divergente dos critérios gerais e particulares que regulam a espécie, quer a parte vencedora, quer o respectivo advogado. É legítimo o advogado defender o direito que lhe consagra o art. 23 da Lei 8.906/1994 e o art. 85, § 14, na qualidade de terceiro prejudicado. 

E esclarece que, mesmo sendo titular da verba, ostenta a qualidade de terceiro por que não é parte na relação jurídica processual: 

O advogado é terceiro, apesar de titular do crédito e do seu interesse direto na resolução, porque (ainda) não figura como parte, e sua legitimidade concorre com a da parte. Não lhe cabe, em nome próprio, impugnar o capítulo principal, embora este repercuta na verba honorária, mas o capítulo da sucumbência. Exageradamente, negou-se a legitimidade da parte, atribuindo-a unicamente ao advogado, porque não se configuraria a utilidade na revisão da matéria. Essa posição ficou superada pela jurisprudência recente que admite legitimidade concorrente. 

Não é razoável, pois, reconhecer-se que o direito aos honorários advocatícios sucumbenciais, que naturalmente se origina de ação ajuizada por parte que, no mais das vezes, não será a sua titular (à exceção de quando é ajuizada em causa própria), não possa ser em seu nome discutido. 

Arruda Alvim, no seu Manual de Direito Processual Civil - edição publicada já sob a vigência do CPC de 2015 -, pontifica: 

Outrossim, o advogado possui interesse recursal no que concerne à discussão do valor dos honorários estabelecidos pela decisão. Em tal caso, apesar do direito do procurador de executar autonomamente a verba honorária (arts. 23 e 24 do Estatuto da Advocacia – Lei 8.906/1994), a jurisprudência já pacificou a legitimação concorrente da parte e de seu procurador para rediscutir a questão em sede recursal. (18ª ed., Ed. Thomson Reuters, 2019, Cap. 18, item 31.4.2) 

Assim, o acórdão recorrido merece ser reformado, reconhecendo-se legitimidade recursal concorrente à parte e ao titular dos honorários de advogado. 

Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento ao recurso especial reconhecendo a legitimidade recursal concorrente da parte e do advogado e determinando o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que prossiga no seu julgamento como entender de direito. 

É o voto. 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator. 

24 de agosto de 2021

São constitucionais as restrições ao exercício da advocacia aos servidores do Poder Judiciário e do Ministério Público, previstas nos arts. 28, IV, e 30, I, da Lei nº 8.906/94, e no art. 21 da Lei nº 11.415/2006

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/08/info-1021-stf.pdf


PODER JUDICIÁRIO / MINISTÉRIO PÚBLICO - Servidores do Poder Judiciário e do Ministério Público não podem exercer a advocacia 

São constitucionais as restrições ao exercício da advocacia aos servidores do Poder Judiciário e do Ministério Público, previstas nos arts. 28, IV, e 30, I, da Lei nº 8.906/94, e no art. 21 da Lei nº 11.415/2006 (atual art. 21 da Lei nº 13.316/2015). 

STF. Plenário. ADI 5235/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 11/6/2021 (Info 1021). 

A situação concreta foi a seguinte: 

Os arts. 28, IV, e 30, I, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) proíbem que servidores do Poder Judiciário exerçam a advocacia: 

Lei nº 8.906/94 

Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades: (...) 

IV - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário e os que exercem serviços notariais e de registro; 

Art. 30. São impedidos de exercer a advocacia: 

I - os servidores da administração direta, indireta e fundacional, contra a Fazenda Pública que os remunere ou à qual seja vinculada a entidade empregadora; (...) 

Por outro lado, o art. 21 da Lei nº 11.415/2006 (atual art. 21 da Lei nº 13.316/2015) proíbe que os servidores do Ministério Público da União exerçam a advocacia: 

Lei nº 11.415/2006 

Art. 21. Aos servidores efetivos, requisitados e sem vínculos do Ministério Público da União é vedado o exercício da advocacia e consultoria técnica. (revogado pela Lei nº 13.316/2015) 

Lei nº 13.316/2015 

Art. 21. Aos servidores efetivos, requisitados e sem vínculo do Ministério Público da União é vedado o exercício da advocacia e de consultoria técnica, ressalvado o disposto no art. 29 da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994. 

A Associação Nacional dos Analistas, Técnicos e Auxiliares do Poder Judiciário e do Ministério Público da União – ANATA propôs ADI contra esses dispositivos. A autora argumentou que as normas impugnadas provocam ônus desproporcional aos servidores do Poder Judiciário e os discriminam em relação aos servidores dos Poderes Legislativo e Executivo, em afronta às garantias do livre exercício profissional e da livre iniciativa, de acordo com os arts. 5º, caput, XIII e LIV, e 170, parágrafo único, da CF/88, do art. 23, I, “c”, da Convenção Americana de Direitos Humanos e dos arts. 6º e 15 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Posteriormente, a entidade formulou pedido de aditamento da inicial, considerada a superveniente edição da Lei nº 13.316/2015 que, embora tenha revogado a Lei nº 11.415/2006, trouxe regra de teor idêntico àquela inscrita no art. 21 do referido diploma legislativo, dando continuidade normativa ao comando legal questionado. 

O STF concordou com a tese da ANATA? Tais dispositivos são inconstitucionais? 

NÃO. O STF julgou improcedentes os pedidos e decidiu que: 

São constitucionais as restrições ao exercício da advocacia aos servidores do Poder Judiciário e do Ministério Público, previstas nos arts. 28, IV, e 30, I, da Lei nº 8.906/94, e no art. 21 da Lei nº 11.415/2006 (atual art. 21 da Lei nº 13.316/2015). 

STF. Plenário. ADI 5235/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 11/6/2021 (Info 1021). 

Vedação legal ao exercício da advocacia 

O art. 5º, XIII, da CF/88 consagra a liberdade de exercício profissional como direito fundamental. No entanto, trata-se de norma constitucional de eficácia contida. Isso significa que se trata de direito que pode ser usufruído imediatamente em toda a sua extensão, sem necessidade de lei, mas que, no entanto, eventual lei poderá restringir a sua aplicação. Compete privativamente à União estabelecer tais restrições à liberdade de exercício profissional, legislando sobre as condições a serem observadas para o exercício de profissões: 

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) 

XVI - organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões; 

A intervenção do Poder Público na liberdade de exercício de atividade, ofício ou profissão deve ter como objetivo proteger a coletividade contra possíveis riscos decorrentes da própria prática profissional ou de conferir primazia à promoção de outros valores de relevo constitucional, como a moralidade, a eficiência, a igualdade, a segurança pública. As limitações ao exercício da advocacia são compatíveis com a Constituição, desde que a restrição profissional satisfaça os critérios de adequação e razoabilidade e atenda à finalidade de proteger a coletividade contra riscos sociais indesejados ou ao propósito de assegurar a observância de outros princípios constitucionais. No caso concreto, os arts. 28, IV e 30, I, da Lei nº 8.906/94 e o art. 21 da Lei nº 11.415/2006 (atual art. 21 da Lei nº 13.316/2015) impuseram restrições ao exercício da profissão de advogado. Tais restrições foram criadas para assegurar os valores constitucionais da eficiência, da moralidade e da isonomia no âmbito da Administração Pública. 

Não há ofensa à liberdade de exercício profissional 

Ressalte-se, ainda, que não existe qualquer ofensa à liberdade de exercício profissional, na medida em que tal direito constitucional não se mostra absoluto, devendo ser interpretado dentro do sistema constitucional como um todo. Conforme jurisprudência consolidada do STF, a proibição de que determinadas categorias funcionais exerçam a advocacia não se revela inconstitucional, devendo ser feito um juízo de ponderação entre os valores constitucionais eventualmente conflitantes. O direito dos administrados de ter uma Administração Pública proba e eficiente se sobressai em face do direito individual de alguns servidores de exercer a advocacia privada concomitantemente ao exercício do cargo público. Acrescente-se que absolutamente nada impede que o servidor se desligue do Ministério Público e ingresse no exercício da advocacia. Ou seja, não há violação ao direito do servidor público ao livre exercício de atividade profissional, cabendo-lhe unicamente efetuar a escolha de qual caminho seguir. 

Outro julgado 

O STF já havia se manifestado sobre o assunto recentemente: 

É constitucional a Resolução 27/2008, do CNMP, que proíbe que os servidores do Ministério Público exerçam advocacia. 

O CNMP possui capacidade para a expedição de atos normativos autônomos (art. 130-A, § 2º, I, da CF/88), desde que o conteúdo disciplinado na norma editada se insira no seu âmbito de atribuições constitucionais. A Resolução 27/2008 do CNMP tem por objetivo assegurar a observância dos princípios constitucionais da isonomia, da moralidade e da eficiência no Ministério Público, estando, portanto, abrangida pelo escopo de atuação do CNMP (art. 130-A, § 2º, II). A liberdade de exercício profissional não é um direito absoluto, devendo ser interpretada dentro do sistema constitucional como um todo. A vedação do exercício da advocacia por determinadas categorias funcionais apresenta-se em conformidade com a Constituição Federal, devendo-se proceder a um juízo de ponderação entre os valores constitucionais eventualmente conflitantes. STF. Plenário. ADI 5454, Rel. Alexandre de Moraes, julgado em 15/04/2020 (Info 978). 

Tema correlato 

É constitucional a lei que veda que ocupantes da carreira policial exerçam advocacia 

A lei que veda o exercício da atividade de advocacia por aqueles que desempenham, direta ou indiretamente, atividade policial, não afronta o princípio da isonomia. STF. Plenário. ADI 3541/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 12/2/2014 (Info 735).

18 de agosto de 2021

RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS AJUIZADA POR FILIADO EM DESFAVOR DE SINDICATO E DE ADVOGADO. LEVANTAMENTO E APROPRIAÇÃO INDEVIDA DE QUANTIA POR PATRONO EM DEMANDA JUDICIAL. CAUSÍDICO QUE PRESTA ASSISTÊNCIA JURÍDICA AOS SINDICALIZADOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA DA ENTIDADE SINDICAL

RECURSO ESPECIAL Nº 1.920.332 - SP (2020/0183158-3) 

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE 

RECORRENTE : SINDICATO DOS MOTORISTAS E SERVIDORES DA P.M.S.P 

RECORRIDO : AUGUSTO OLIVEIRA DA SILVA 

EMENTA 

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS AJUIZADA POR FILIADO EM DESFAVOR DE SINDICATO E DE ADVOGADO. LEVANTAMENTO E APROPRIAÇÃO INDEVIDA DE QUANTIA POR PATRONO EM DEMANDA JUDICIAL. CAUSÍDICO QUE PRESTA ASSISTÊNCIA JURÍDICA AOS SINDICALIZADOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA DA ENTIDADE SINDICAL PELOS ATOS PRATICADOS PELO ADVOGADO, NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL. INCIDÊNCIA DOS ARTS. 932, III, E 933 DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO. 

1. O propósito recursal consiste em aferir a responsabilidade do sindicato pelos prejuízos causados ao filiado em razão de levantamento e apropriação indevida de valores por advogado indicado pela entidade sindical. 

2. Nos termos dos arts. 932, III, e 933 do Código Civil, o empregador ou comitente responde de forma objetiva pela conduta culposa ou dolosa que o empregado ou preposto pratica no exercício de seu trabalho ou por ocasião deste. 

2.1. Para a configuração da referida responsabilidade objetiva indireta, é prescindível a existência de um contrato típico de trabalho, sendo suficiente que alguém preste serviço sob o interesse e o comando de outrem. 

3. Comprovada a relação jurídica entre o sindicato e o autor do dano – profissional este colocado à disposição dos sindicalizados para prestar-lhes assistência jurídica, responde a entidade sindical de forma objetiva e solidária pelos atos ilícitos praticados pelo advogado no exercício do trabalho que lhe competir, ou em razão dele. 

4. Recurso especial conhecido e desprovido. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília, 08 de junho de 2021 (data do julgamento). MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, 

RELATÓRIO 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE: 

Cuida-se de recurso especial interposto por Sindicato dos Motoristas e Servidores da P. M. S. P., fundamentado na alínea a do permissivo constitucional. 

Depreende-se dos autos que Augusto Oliveira da Silva propôs ação em desfavor do sindicato recorrente e de Everton Ferreira, buscando a condenação dos réus à restituição do montante levantado e retido indevidamente por seu ex-patrono e ao pagamento de danos morais. 

Na inicial, o autor alegou que, em 12/11/2012, ao se dirigir ao departamento jurídico do Sindicato para obter informações sobre o andamento da ação judicial que os sindicalizados haviam promovido contra a Prefeitura Municipal de São Paulo, por meio de assistência jurídica do requerido, o advogado ora demandado solicitou que o autor revogasse os poderes dos antigos patronos e assinasse nova procuração, ocasião em que foi postulado o levantamento da quantia que lhe cabia no referido processo. Aduziu que, em fevereiro de 2018, constatou, por meio da sua nova procuradora, que o valor foi creditado diretamente na conta-corrente do corréu, mas nenhuma quantia lhe foi repassada. 

O Juízo de primeiro grau julgou parcialmente procedente o feito para condenar solidariamente o sindicato e o advogado corréu ao pagamento de R$ 41.182,67 (quarenta e um mil, cento e oitenta e dois reais e sessenta e sete centavos), atualizados monetariamente a partir do ajuizamento da ação e acrescidos de juros de mora desde a citação, bem como de danos morais no importe de R$ 8.000,00 (oito mil reais). 

Interpostas apelações pelas partes, a Trigésima Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento aos recursos do sindicato e do autor e não conheceu do apelo do advogado corréu. 

O acórdão está assim ementado (e-STJ, fls. 142-143): 

APELAÇÕES AÇÃO DE COBRANÇA CUMULADA COM PEDIDO INDENIZATÓRIO POR DANOS MORAIS SENTENÇA QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTES AS PRETENSÕES DO AUTOR, CONDENANDO SOLIDARIAMENTE O SINDICATO E O CAUSÍDICO CORRÉUS A PAGAR-LHE R$ 41.182,67, CIFRA POR ESTE LEVANTADA NOS AUTOS Nº 0441447-05.1993 E NÃO REPASSADA AO MANDANTE, BEM COMO A INDENIZAR-LHE POR DANOS MORAIS EM R$ 8.000,00, QUANTIAS A SEREM MONETARIAMENTE CORRIGIDAS E ACRESCIDAS DE JUROS DE MORA APELO DO ADVOGADO QUE NÃO SUPERA JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE, POR HAVER DEIXADO TRANSCORRER “IN ALBIS” O PRAZO ASSINALADO PARA SUPLEMENTAR O PREPARO, IMPONDO-SE O RECONHECIMENTO DA DESERÇÃO INCONTROVERSO O INDEVIDO APOSSAMENTO, PELO PATRONO INDICADO PELO SINDICATO AO AUTOR PARA PRESTAR-LHE ASSISTÊNCIA JURÍDICA, DE CRÉDITO A ESTE PERTENCENTE DEPOSITADO NOUTROS AUTOS EMBORA O SINDICATO SE INDIGNE COM O RECONHECIMENTO DA SOLIDARIEDADE PELOS PREJUÍZOS EXPERIMENTADOS PELO REQUERENTE, FATO É QUE, AO RECOMENDAR AO SINDICALIZADO OS SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS PRESTADOS PELO REVEL, ASSUMIU, PERANTE AQUELE, CORRESPONSABILIDADE PELA INTEGRIDADE DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL DESTE, POR FORÇA DO QUE ESTABELECEM OS ARTIGOS 932, INCISO III, E 933 DO CÓDIGO CIVIL. ENTIDADE ASSOCIATIVA QUE SE BENEFICIOU DO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS E, DADO O CARÁTER INSTITUCIONAL- PROTETIVO DO SINDICATO PARA COM OS SEUS ASSOCIADOS, NÃO TEM LUGAR A PRETENSÃO DE SE ISENTAR DE CORRESPONSABILIDADE PELAS REPERCUSSÕES NEGATIVAS GERADAS PELA CONDUTA ANTIÉTICA DO PROFISSIONAL QUE A ESTES CONFIA. NOUTROS TERMOS, NA CONDIÇÃO DE COMITENTE NA PRESTAÇÃO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA, PATROCINANDO A CAUSA POR MEIO DE PREPOSTOS SEUS, DEVE RESPONDER SOLIDARIAMENTE PELOS PREJUÍZOS DECORRENTES DE DESÍDIA NO DEVER DE FISCALIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE MANDATO, DERIVADO DA OBRIGAÇÃO GERAL DE ZELAR PELA CORRETA CONSECUÇÃO DOS SERVIÇOS PRESTADOS A SEUS ASSOCIADOS, DIRETAMENTE OU POR MEIO DE SEUS PREPOSTOS NO QUE TANGE ÀS AS ARGUIÇÕES DEDUZIDAS NA INSURGÊNCIA DO AUTOR, SINTETIZADAS NA TESE DE INSUFICIÊNCIA DO “QUANTUM” ARBITRADO, JULGO ADEQUADA AOS PARÂMETROS DE PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE A IMPORTÂNCIA ELEITA NO PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO, DE R$ 8.000,00 NEGO PROVIMENTO AOS RECURSOS DO SINDICATO RÉU E DO AUTOR E NÃO CONHEÇO DO APELO INTERPOSTO PELO ADVOGADO CORRÉU. 

Opostos embargos de declaração pelo sindicato, foram rejeitados (e-STJ, fls. 159-164). 

Daí a interposição do presente recurso especial (e-STJ, fls. 167-176), no qual o Sindicato dos Motoristas e Servidores da P. M. S. P. alega violação dos arts. 932, III, e 933 do Código Civil; e 32 da Lei n. 8.906/1994. 

Sustenta, em síntese, que "não pode responder solidariamente com pagamento da condenação fixada, pois não foi responsável pelo soerguimento dos valores nos autos e sim o corréu Everton, sendo que falta a entidade sindical a qualidade de atividade de escritório de advocacia" (e-STJ, fl. 171). 

Afirma que "a indicação de um mero profissional para tutelar as ações dos associados não pode originar uma obrigação civil que é inerente do advogado" (e-STJ, fl. 171). 

Ressalta, por fim, que "não é empregador do advogado, o mesmo não é seu serviçal e, outrossim, jamais agiu como preposto autorizado do sindicato, portanto, restou claro e demonstrada a inexistência da responsabilidade solidária" (e-STJ, fl. 172). 

Contrarrazões apresentadas às fls. 188-192 (e-STJ). 

Em juízo prévio de admissibilidade, o Tribunal de origem inadmitiu o recurso especial dando azo à interposição do AREsp n. 1.733.836-SP, o qual foi provido para determinar sua reautuação. 

É o relatório. 

VOTO 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR): Enfatiza-se, de início, que o recurso especial foi interposto contra decisão publicada após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, sendo analisados os pressupostos de admissibilidade recursais à luz do regramento nele previsto (Enunciado Administrativo n. 3/STJ). 

O propósito recursal consiste em aferir a responsabilidade do sindicato pelos prejuízos causados ao filiado em razão de levantamento e apropriação indevida de valores por advogado indicado pela entidade sindical. 

Segundo consta da inicial, o autor do presente feito, ora recorrido, promoveu ação em desfavor da Prefeitura Municipal de São Paulo, por meio da assistência jurídica do Sindicato dos Motoristas e Servidores da P. M. S. P., a qual tramita perante a Vara da Fazenda Pública do Foro Central de São Paulo. 

Ao se dirigir às dependências da entidade sindical, a fim de obter informações acerca do andamento do feito, o demandante foi orientado pelo advogado Everton Ferreira a revogar os poderes dos antigos patronos e assinar nova procuração, conferindo-lhe poderes para atuar naquela demanda. 

Entretanto, o referido causídico levantou o numerário que cabia ao autor no referido processo, e não lhe repassou nenhuma quantia. 

Diante do ocorrido, o autor ajuizou ação contra o Sindicato e o advogado, a qual foi julgada parcialmente procedente para condenar solidariamente os réus ao pagamento de R$ 41.182,67 (quarenta e um mil, cento e oitenta e dois reais e sessenta e sete centavos), referentes à retenção indevida, e R$ 8.000,00 (oito mil reais) a título de danos morais. 

O fundamento utilizado pela Corte local para manter a condenação do sindicato foi de que, "ao recomendar aos sindicalizados os serviços advocatícios prestados pelo revel, assumiu, perante aquele, corresponsabilidade pela integridade da atuação profissional deste, por força do que estabelecem os artigos 932, inciso III, e 933 do Código Civil" (e-STJ, fl. 147). 

Feito esse breve resumo dos fatos, passo à análise da questão de fundo do presente recurso especial. 

De início, revela-se incontroverso nos autos que o sindicato recorrente indicou o Dr. Everton Ferreira para prestar assistência jurídica ao sindicalizado, bem como que o referido advogado se apropriou indevidamente de quantia que cabia apenas ao autor, ora recorrido, nos autos do cumprimento de sentença de n. 0411447-05.1993.8.26.0053, manejado contra a Prefeitura Municipal de São Paulo. 

Aliás, estes fatos não foram sequer impugnados pelos réus em contestação. 

Quanto à relação entre o patrono e o sindicato, a situação foi bem esclarecida pelo Tribunal de origem, conforme se verifica dos seguintes trechos do acórdão recorrido (e-STJ, fls. 147-148 - original sem grifo): 

Em prosseguimento, embora o sindicato se indigne com o reconhecimento da solidariedade pelos prejuízos experimentados pelo requerente, fato é que, ao recomendar ao sindicalizado os serviços advocatícios prestados pelo revel, assumiu, perante aquele, corresponsabilidade pela integridade da atuação profissional deste, por força do que estabelecem os artigos 932, inciso III, e 933 do Código Civil. Averígua-se que, ao tempo dos fatos, encontrava-se estabelecida entre os réus verdadeira parceria, através da qual os serviços advocatícios oferecidos pelo sindicato e prestados pelo corréu consubstanciavam benefício aos funcionários sindicalizados e importante atrativo para a sindicalização de novos funcionários da categoria. O próprio instrumento de mandato na ocasião outorgado pelo autor a Everton Ferreira para representá-lo naquela contenda do labor, copiado a fls. 12, é expresso ao identificá-lo como “contratado do SINDICATO DOS MOTORISTAS E SERVIDORES DA PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO”, a evidenciar, assim, a simbiose entre sua atuação naqueles autos e o serviço de assistência jurídica prestado pela pessoa jurídica corré aos seus sindicalizados. O cenário avistado, destarte, impede que o imbróglio em análise seja apreendido como mero episódio esporádico, fruto de ocasional prestação defeituosa de serviços, para os fins de afastar do sindicato o dever de fiscalizar a regularidade da atuação dos profissionais que elege para prestar assistência jurídica aos sindicalizados em questões relacionadas ao labor. Indubitavelmente o primeiro apelante se beneficiou do contrato de prestação de serviços advocatícios e, dado o caráter institucional-protetivo do sindicato para com os seus associados, não tem lugar a pretensão de se isentar de corresponsabilidade pelas repercussões negativas geradas pela conduta antiética do profissional que a estes confia. Noutros termos, na condição de comitente na prestação da assistência judiciária, patrocinando a causa por meio de prepostos seus, deve responder solidariamente pelos prejuízos decorrentes de desídia no dever de fiscalização da relação de mandato, derivado da obrigação geral de zelar pela correta consecução dos serviços prestados a seus associados, diretamente ou por meio de seus prepostos. Sendo certa a apropriação indevida de crédito pertencente ao autor pelo patrono indicado pelo sindicato, remanescendo incontroversos o dano e o nexo de causalidade, e tendo sido evidenciado o status de garante legal ostentado pela entidade representativa de classe de trabalhadores pela atuação dos profissionais que elege para prestar assistência jurídica, justificando adoção do modelo jurídico da responsabilidade por fato de terceiro e, assim, aferição objetiva de sua culpa, exsurge inexorável seu dever solidário de reparar os efeitos danosos do ato ilícito. 

Tal o quadro delineado, entendo que não assiste razão ao recorrente. 

É certo que, nos termos do art. 32 do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, Lei n. 8.906/1994, o advogado responde civilmente pelos atos que, no exercício da profissão, praticar com dolo ou culpa. 

Dessa forma, incontroversa a conduta dolosa do advogado constituído, diante do levantamento de quantia depositada em favor do autor e da ausência de repasse do montante ao credor, assegurado à vítima o direito de indenização. 

Cinge-se a controvérsia, contudo, apenas quanto à existência, ou não, de responsabilidade do sindicato recorrente pelos danos decorrentes do ato ilícito perpetuado pelo advogado em desfavor do sindicalizado. 

A responsabilidade civil, em princípio, é individual, ou seja, cada pessoa responde por seus próprios atos (art. 942 do Código Civil). Entretanto, em certos casos – conforme leciona Rui Stoco, "para que justiça se faça, é necessário levar mais longe a indagação, a saber, se é possível desbordar da pessoa causadora do prejuízo e alcançar outra pessoa, à qual o agente esteja ligado por uma relação jurídica e, em consequência, possa ela ser convocada a responder. Dessarte, a responsabilidade por fato de outrem não ocorre sem que haja uma razão lógico-jurídica, nem indiscriminadamente" (Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 1.270). 

No que diz respeito à responsabilidade civil por fato de terceiro, ensinam Elpídio Donizetti e Felipe Quintella: 

Há casos em que o Direito estabelece a responsabilidade civil de uma pessoa pelo fato de um terceiro, por haver uma relação entre essa pessoa e o terceiro, que determina a transcendência da responsabilidade. A responsabilidade civil independente de culpa pelo fato de terceiro também costuma ser denominada responsabilidade objetiva indireta, justamente pelo fato de a lei determinar a responsabilidade de uma pessoa, independentemente de culpa – por isso, objetiva –, pelo fato de outra pessoa – por isso, indireta (Curso didático de direito civil. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 427). 

Nesse particular, o art. 932 do Código Civil prevê alguns casos excepcionais em que a pessoa deve suportar as consequências do fato de outrem. Vejamos: 

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. 

O art. 933 do mesmo diploma, por sua vez, preceitua que todos os responsáveis designados no dispositivo anterior responderão pelo ato praticado pelos terceiros, mesmo que não haja culpa, sendo a responsabilidade civil, portanto, objetiva e solidária (art. 942, parágrafo único, do CC). 

Por outro lado, ainda que a responsabilidade dos pais, tutores, curadores, empregadores e etc seja objetiva, para a configuração do dever de indenizar destas pessoas, é necessária a comprovação de que os filhos, tutelados, curatelados, empregados e prepostos tenham agido com culpa ou dolo, conforme já decidido por esta Corte Superior: 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR FATO DE OUTREM (EMPREGADOR). ART. 932, II, CC/2002. ACIDENTE DE TRÂNSITO CAUSADO POR PREPOSTO. FALECIMENTO DO MARIDO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. AÇÃO PENAL. CAUSA IMPEDITIVA DA PRESCRIÇÃO. ART. 200 DO CC/2002. OCORRÊNCIA. 1. Impera a noção de independência entre as instâncias civil e criminal, uma vez que o mesmo fato pode gerar, em tais esferas, tutelas a diferentes bens jurídicos, acarretando níveis diversos de intervenção. Nessa seara, o novo Código Civil previu dispositivo inédito em seu art. 200, reconhecendo causa impeditiva da prescrição: "quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva". 2. Estabeleceu a norma, em prestígio à boa-fé, que o início do prazo prescricional não decorre da violação do direito subjetivo em si, mas, ao revés, a partir da definição por sentença, no juízo criminal, que apure definitivamente o fato. A aplicação do art. 200 do Código Civil tem valia quando houver relação de prejudicialidade entre as esferas cível e penal - isto é, quando a conduta originar-se de fato também a ser apurado no juízo criminal -, sendo fundamental a existência de ação penal em curso (ou ao menos inquérito policial em trâmite). 3. Na hipótese, houve ação penal com condenação do motorista da empresa ré, ora recorrida, à pena de 02 (dois) anos de detenção, no regime aberto, além da suspensão da habilitação, por 06 (seis) meses, como incurso no art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro, c/c art. 121, § 3°, do Código Penal, sendo que a causa petendi da presente ação civil foi o ilícito penal advindo de conduta culposa do motorista da empresa recorrida. 4. O novo Código Civil (art. 933), seguindo evolução doutrinária, considera a responsabilidade civil por ato de terceiro como sendo objetiva, aumentando sobejamente a garantia da vítima. Malgrado a responsabilização objetiva do empregador, esta só exsurgirá se, antes, for demonstrada a culpa do empregado ou preposto, à exceção, por evidência, da relação de consumo. 5. Assim, em sendo necessário - para o reconhecimento da responsabilidade civil do patrão pelos atos do empregado - a demonstração da culpa anterior por parte do causador direto do dano, deverá, também, incidir a causa obstativa da prescrição (CC, art. 200) no tocante à referida ação civil ex delicto, caso essa conduta do preposto esteja também sendo apurada em processo criminal. Dessarte, tendo o acidente de trânsito - com óbito da vítima - ocorrido em 27/3/2003, o trânsito em julgado da ação penal contra o preposto em 9/1/2006 e a ação de indenização por danos materiais e morais proposta em 2/7/2007, não há falar em prescrição. 6. É firme a jurisprudência do STJ de que "a sentença penal condenatória não constitui título executivo contra o responsável civil pelos danos decorrentes do ilícito, que não fez parte da relação jurídico-processual, podendo ser ajuizada contra ele ação, pelo processo de conhecimento, tendente à obtenção do título a ser executado" (REsp 343.917/MA, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/10/2003, DJ 03/11/2003, p. 315), como ocorre no presente caso. 7. Recurso especial provido. (REsp n. 1.135.988/SP, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 8/10/2013, DJe 17/10/2013 - original sem grifo) 

Sob essa perspectiva, tem-se que o empregado ou preposto que pratica ato ilícito no exercício de seu trabalho ou por ocasião deste, impõe ao seu empregador ou comitente a responsabilidade objetiva indireta. Isso em razão do vínculo existente entre ambos. 

Em relação à responsabilidade dos empregadores ou comitantes, Flávio Tartuce afirma que "a incidência do inciso III do art. 932 independe da existência de uma relação de emprego ou de trabalho, bastando a presença de uma relação jurídica baseada na confiança, denominada relação de pressuposição" (Manual de responsabilidade civil. São Paulo: Método, volume único, 2018, p. 403). 

No mesmo sentido, ao comentar a responsabilidade prevista no art. 932, III, do CC, ensina Daniel Carnacchioni que "há necessidade de relação entre o autor direto do fato e o responsável, não necessariamente de emprego ou trabalho" (Manual de Direito Civil. Salvador: JusPodivm, volume único, 2021, p. 919). 

Nesse cenário, denota-se que o empregador ou comitente tem responsabilidade objetiva pela conduta culposa ou dolosa que o empregado ou preposto pratica no exercício de seu trabalho ou por ocasião deste, sendo prescindível, para o reconhecimento do vínculo de preposição, que exista um contrato típico de trabalho entre eles, sendo suficiente a relação de dependência ou que alguém preste serviço sob o interesse e o comando de outrem. 

Nesse sentido: 

RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRABALHO. FUNCIONÁRIO DE EMPRESA ATINGIDO POR DISPARO DE COLEGA DE TRABALHO. VIGILANTE PRESTADOR DE SERVIÇO TERCEIRIZADO. VINCULO DE PREPOSIÇÃO. RECONHECIMENTO. CULPA PRESUMIDA DA PREPONENTE. INEXISTÊNCIA DE PROVA EM CONTRÁRIO PELA RÉ. CULPA IN ELIGENDO E CULPA IN VIGILANDO. RECURSO PROVIDO. APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE. FIXAÇÃO DA CONDENAÇÃO. I - Na linha da jurisprudência deste Tribunal, "para o reconhecimento do vínculo de preposição não é preciso que exista um contrato típico de trabalho; é suficiente a relação de dependência ou que alguém preste serviço sob o interesse e o comando de outrem". II - Nos termos do enunciado nº 341 da súmula/STF, "é presumida a culpa do patrão ou do comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto". III - Além de não ter a ré cuidado de afastar referida presunção, os fatos registrados no acórdão revelam a ocorrência de culpa in eligendo e in vigilando. (REsp n. 284.586/RJ, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 25/3/2003, DJ de 28/4/2003, p. 203) RESPONSABILIDADE CIVIL. USINA. TRANSPORTE DE TRABALHADORES RURAIS. MOTORISTA PRESTADOR DE SERVIÇO TERCEIRIZADO. VÍNCULO DE PREPOSIÇÃO. RECONHECIMENTO. - Para o reconhecimento do vínculo de preposição, não é preciso que exista um contrato típico de trabalho; é suficiente a relação de dependência ou que alguém preste serviço sob o interesse e o comando de outrem. Precedentes. Recurso especial não conhecido. (REsp n. 304.673/SP, Relator o Ministro Barros Monteiro, Quarta Turma, julgado em 25/9/2001, DJ de 11/3/2002, p. 257) 

Na espécie, ficou consignado no acórdão que o próprio instrumento de mandato outorgado pelo autor ao Dr. Everton Ferreira, é expresso ao identificá-lo como “contratado do Sindicato dos motoristas e servidores da prefeitura municipal de São Paulo”, a evidenciar, assim, a simbiose entre sua atuação naqueles autos e o serviço de assistência jurídica prestado pela pessoa jurídica ré aos seus sindicalizados. 

Ademais, o causídico peticionava nos autos da demanda promovida pelos sindicalizados em desfavor do ente público, em papel com timbre do sindicato ora recorrente. 

Constata-se, portanto, que as instâncias ordinárias, soberanas na análise das provas, concluíram que o recorrente atuou na condição de comitente na prestação da assistência judiciária ao sindicalizado, patrocinando a causa por meio de seus prepostos. 

Para Arnaldo Rizzardo, o termo comitente, empregado no inciso III do art. 932, significa a pessoa que dá ordens e instruções a empregado, preposto ou serviçais (Responsabilidade civil. 8ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 255). 

Dessa forma, sendo incontroverso que os danos causados ao autor foram decorrentes do ato ilícito perpetrado por profissional, não apenas indicado, mas que mantinha relação jurídica com o sindicato, a fim de atuar na defesa dos interesses de seus associados, de rigor a aplicação dos arts. 932, III, e 933 do Código Civil. 

Ainda que pela sistemática do atual Código Civil não se exija que os responsáveis descritos no art. 932 tenham agido com culpa na escolha (in iligendo) ou na fiscalização (in vigilando), é certo que, no caso concreto, o ora recorrente, em observância ao princípio da boa-fé objetiva – que exige de entidade sindical uma maior cautela na escolha dos profissionais que atuam na defesa dos interesses de seus associados, atraiu para si a responsabilidade pela contratação do advogado responsável pela condução do processo. 

Outrossim, diante do vínculo de confiança existente entre o sindicato e o sindicalizado, notadamente em relação ao profissional indicado por aquele, o insurgente também possuía o dever de fiscalizar e acompanhar os atos praticados pelo advogado corréu. 

Essa é a compreensão que se extrai da lição de Sérgio Cavalhieri Filho: 

A chamada responsabilidade por fato de outrem - expressão originária francesa - é responsabilidade por fato próprio omissivo, porquanto as pessoas que respondem a esse título terão sempre concorrido para o dano por falta de cuidado ou vigilância. Assim, não muito próprio falar em fato de outrem. O ato do autor material do dano é apenas a causa imediata, sendo a omissão daquele que tem o dever de guarda ou vigilância a causa mediata, que nem por isso deixa de ser causa eficiente. [...] Em apertada síntese, a responsabilidade pelo fato de outrem constitui-se pela infração do dever de vigilância. Não se trata, em outras palavras, de responsabilidade por fato alheio, mas por fato próprio decorrente da violação do dever de vigilância (Programa de responsabilidade civil. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 236). 

Em face disso, configurada a relação jurídica entre o sindicato e o autor do dano – profissional este colocado à disposição dos sindicalizados para prestar-lhes assistência jurídica, responde a entidade sindical de forma objetiva e solidária pelos atos ilícitos praticados pelo advogado no exercício do trabalho que lhe competir, ou em razão dele (arts. 932, III, e 933 do Código Civil). 

Ante o exposto, conheço do recurso especial e nego-lhe provimento. 

Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, majoro a verba honorária em 3% sobre o valor da condenação, a ser paga em favor dos advogados do autor, ora recorrido. 

É como voto. 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA Número Registro: 2020/0183158-3 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.920.332 / SP Números Origem: 1075841-48.2018.8.26.0100 10758414820188260100 PAUTA: 08/06/2021 JULGADO: 08/06/2021 Relator Exmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. DURVAL TADEU GUIMARÃES Secretária Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA AUTUAÇÃO RECORRENTE : SINDICATO DOS MOTORISTAS E SERVIDORES DA P.M.S.P ADVOGADO : ALEXANDRE ÂNGELO DO BOMFIM - SP202713 RECORRIDO : AUGUSTO OLIVEIRA DA SILVA ADVOGADO : CRISTINA DA COSTA BARROS - SP259651 INTERES. : EVERTON FERREIRA ADVOGADO : EVERTON FERREIRA - SP258919 ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Mandato CERTIDÃO Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.