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14 de agosto de 2021

É incompatível com a CF a interpretação de que prepostos, indicados pelo titular de cartório ou pelos tribunais de justiça, possam exercer substituições ininterruptas por períodos superiores a 6 meses

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/08/info-1020-stf.pdf


DIREITO NOTARIAL E REGISTRAL - REGIME JURÍDICO - É incompatível com a CF a interpretação de que prepostos, indicados pelo titular de cartório ou pelos tribunais de justiça, possam exercer substituições ininterruptas por períodos superiores a 6 meses

O art. 20 da Lei 8.935/94 é constitucional, sendo, todavia, inconstitucional a interpretação que extraia desse dispositivo a possibilidade de que prepostos, indicados pelo titular ou mesmo pelos tribunais de justiça, possam exercer substituições ininterruptas por períodos maiores de que 6 (seis) meses. Para essas longas substituições, o “substituto” deve ser outro notário ou registrador, observadas as leis locais de organização do serviço notarial e registral. A Lei nº 8.935/94 não tem qualquer relevância para a aplicabilidade ou não da aposentadoria compulsória aos notários e registradores. Logo, é constitucional o art. 39, II, da Lei nº 8.935/94. É constitucional a regra de transição do regime de cartório oficializado para o regime privado prevista no art. 48 da Lei nº 8.935/94. STF. Plenário. ADI 1183/DF, Rel. Min. Nunes Marques, julgado em 7/6/2021 (Info 1020). 

Lei nº 8.935/94 

Os serviços notariais e de registro são tratados no art. 236 da CF/88: 

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. § 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. § 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. § 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses. 

A fim de regulamentar tais serviços, em 1994 foi editada a Lei nº 8.935/94, conhecida como Lei dos cartórios. 

ADI 

Ainda em 1994, o Partido Comunista do Brasil (PC do B) ajuizou uma ADI contra o art. 20, o art. 39, II e o art. 48 da Lei. Em 2021, a ação foi julgada. Vejamos o que foi decidido. 

Art. 20 

O art. 20 da Lei prevê o seguinte: 

Art. 20. Os notários e os oficiais de registro poderão, para o desempenho de suas funções, contratar escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos, e auxiliares como empregados, com remuneração livremente ajustada e sob o regime da legislação do trabalho. § 1º Em cada serviço notarial ou de registro haverá tantos substitutos, escreventes e auxiliares quantos forem necessários, a critério de cada notário ou oficial de registro. § 2º Os notários e os oficiais de registro encaminharão ao juízo competente os nomes dos substitutos. § 3º Os escreventes poderão praticar somente os atos que o notário ou o oficial de registro autorizar. § 4º Os substitutos poderão, simultaneamente com o notário ou o oficial de registro, praticar todos os atos que lhe sejam próprios exceto, nos tabelionatos de notas, lavrar testamentos. § 5º Dentre os substitutos, um deles será designado pelo notário ou oficial de registro para responder pelo respectivo serviço nas ausências e nos impedimentos do titular. 

O partido argumentou que esse dispositivo seria inconstitucional porque o notário ou registrador apenas poderia ser substituído por outro notário ou registrador (concursado), e não por um preposto por si mesmo indicado. O STF concordou em parte com o argumento. Ao se analisar o art. 20, verifica-se que a solução criada pelo dispositivo tem por objetivo resolver ausências eventuais ou breves vacâncias. A prova maior disso está no nome do capítulo da lei no qual está o art. 20: “Dos prepostos”. Ora, “preposto”, como se sabe, tem um significado consagrado em direito: é um encarregado de negócios em uma empresa, um auxiliar que age por conta e risco do preponente. É nesse sentido que o art. 1.178 do Código Civil dispõe. Portanto, quando o art. 20 da Lei nº 8.935/94 admite a substituição do notário ou registrador pelo preposto, naturalmente o faz para ajustar as situações de fato que normalmente ocorrem. 

O Oficial do Registro ou Notário, como qualquer ser humano, pode precisar afastar-se do trabalho, por breves períodos, seja por motivo de saúde, ou para realizar uma diligência fora da sede do cartório, ou mesmo para resolver algum problema particular inadiável. E o serviço registral ou notarial não pode ser descontinuado, daí a necessidade de que exista um agente que possa assumir precariamente a função nessas contingências, até que o titular retome a sua função. É de ressaltar-se, porém, que a Lei nº 8.935/94, no artigo ora discutido (art. 20, caput), ao não estipular prazo máximo para a substituição, pode, de fato, passar a falsa impressão de que esse preposto poderia assumir o serviço por tempo indefinido, em longas ausências do titular ou mesmo na falta de um titular. Tendo em vista que o §3º do art. 236 da Constituição Federal estipulou em 6 meses o prazo máximo para a realização de concurso público, em caso de vacância (“§3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses”), extrai-se da referida norma que a substituição precária de um notário ou registrador por agente “ad hoc” não pode superar esse prazo, sob pena de infringência do §3º do art. 236 da Constituição Federal. Em casos de longas ausências, como tais consideradas aquelas superiores a 6 (seis) meses, apenas um outro notário ou registrador, devidamente concursado, pode assumir a titularidade do cartório até que se ultime o concurso para a admissão de um novo titular. 

A ser de outro modo, admitir-se-ia, por via indireta, a ocupação da titularidade da serventia sem a observância do prévio concurso público, que é uma exigência constitucional expressa (art. 236, §3º). Em tal caso, a preposição perderia o seu caráter precário e se assemelharia a uma autêntica sucessão, com flagrante ofensa à Constituição. A autorização legal para que o titular do cartório possa indicar o seu substituto, portanto, é compatível com a Constituição, dada a necessidade de que o serviço público seja ininterrupto. Mas isso não autoriza o exercício abusivo da prerrogativa, de tal modo que o empregado (substituto) assuma de fato, por longos períodos, a própria titularidade. Desse modo, o STF concluiu que o art. 20 da Lei 8.935/94 é constitucional, sendo, todavia, inconstitucional a interpretação que extraia desse dispositivo a possibilidade de que prepostos, indicados pelo titular ou mesmo pelos tribunais de justiça, possam exercer substituições ininterruptas por períodos maiores de que 6 (seis) meses. Para essas longas substituições, o “substituto” deve ser outro notário ou registrador, observadas as leis locais de organização do serviço notarial e registral. Não havendo titulares interessados na substituição temporária de alguma serventia, podem os tribunais, para evitar a solução de continuidade do serviço, indicar prepostos que assumam a função precariamente, abrindo-se imediatamente o concurso público respectivo. 

Em suma: 

É incompatível com a Constituição Federal a interpretação de que prepostos, indicados pelo titular de cartório ou mesmo pelos tribunais de justiça, possam exercer substituições ininterruptas por períodos superiores a seis meses. STF. Plenário. ADI 1183/DF, Rel. Min. Nunes Marques, julgado em 7/6/2021 (Info 1020). 

Art. 39, II 

O art. 39, II, da Lei prevê o seguinte: 

Art. 39. Extinguir-se-á a delegação a notário ou a oficial de registro por: (...) II - aposentadoria facultativa; 

O partido autor alegou que esse dispositivo, por ter silenciado sobre a aposentadoria compulsória e ter apenas se referido à aposentadoria facultativa como causa para a extinção da delegação, na verdade, permitiria que o titular da serventia ocupasse o seu lugar de modo vitalício. Acontece que a jurisprudência do STF considerava aplicável aos notários e registradores a aposentadoria compulsória até antes da publicação da EC 20/98. Depois da EC 20/98, que alterou a redação do art. 40, o STF passou a entender que os notários e registradores, por não serem ocupantes de cargo público, não estão sujeitos à aposentadoria compulsória (ADI 2602-MG, Red. p/acórdão Min. Eros Grau). Logo, a Lei nº 8.935/94 não tem qualquer relevância para a aplicabilidade ou não da aposentadoria compulsória aos notários e registradores, pois tal disciplina decorre diretamente da Constituição. Ademais, o que o art. 39 afirma é apenas que o delegatário do serviço notarial ou registral que se aposentar voluntariamente automaticamente perde a delegação. O dispositivo não se refere à aposentadoria compulsória. Nem poderia, porque, afinal, esse é tema cujo tratamento normativo está na Constituição. Em suma, não há qualquer inconstitucionalidade no art. 39, II, da Lei nº 8.935/94. 

A Lei nº 8.935/1994 não tem qualquer relevância para a aplicabilidade ou não da aposentadoria compulsória aos notários e registradores. STF. Plenário. ADI 1183/DF, Rel. Min. Nunes Marques, julgado em 7/6/2021 (Info 1020). 

Art. 48 

O art. 48 da Lei prevê o seguinte: 

Art. 48. Os notários e os oficiais de registro poderão contratar, segundo a legislação trabalhista, seus atuais escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial desde que estes aceitem a transformação de seu regime jurídico, em opção expressa, no prazo improrrogável de trinta dias, contados da publicação desta lei. § 1º Ocorrendo opção, o tempo de serviço prestado será integralmente considerado, para todos os efeitos de direito. § 2º Não ocorrendo opção, os escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial continuarão regidos pelas normas aplicáveis aos funcionários públicos ou pelas editadas pelo Tribunal de Justiça respectivo, vedadas novas admissões por qualquer desses regimes, a partir da publicação desta lei. 

Argumentou o autor da ação, em síntese, que tal dispositivo contraria a Constituição por dois motivos: 

1) conferiria poder normativo na seara trabalhista ao Poder Judiciário estadual (na expressão “normas ... editadas pelo Tribunal de Justiça”); 

2) por permitir a existência de servidores estatutários em cartórios privados, o que seria manifesta degeneração do modelo constitucional das serventias, que devem ser exercidas em caráter privado, por conta e risco do titular. 

O STF não concordou com essa argumentação. Na verdade, o art. 48 é norma de direito intertemporal, que teve por objetivo regulamentar a transição de cartórios oficializados para o regime privado. O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (art. 32), reconhecendo a enorme complexidade da mudança de regime para algumas serventias específicas, deixou fora da incidência do art. 236 da CF/88 os cartórios então oficializados: 

Art. 32. O disposto no art. 236 não se aplica aos serviços notariais e de registro que já tenham sido oficializados pelo Poder Público, respeitando-se o direito de seus servidores. 

Então, remanesceram dois regimes jurídicos distintos a partir da Constituição de 1988: 

a) o dos cartórios oficializados, que continuaram funcionando como autênticas repartições públicas, com cargos e funções disciplinadas por leis locais e por atos administrativos dos tribunais; e 

b) o dos cartórios privatizados que, a partir de 1994, passaram a ser disciplinados pela Lei nº 8.935/94, como lei geral, e pelas leis locais em suplementação. 

O que o art. 48 da Lei nº 8.935/94 fez foi reconhecer essa diversidade de regimes e criar opção para que servidores públicos que trabalhavam em cartórios privados pudessem ser contratados, pelo regime trabalhista comum (CLT), pelos delegatários — naturalmente mediante exoneração do cargo público. Quanto àqueles que não optassem por essa solução e preferissem continuar ocupando o cargo público, estes continuariam a ser regidos pelo estatuto dos funcionários públicos respectivo, assim como pelas normas administrativas dos tribunais de justiça, como é praxe normal em todos o serviço público. Não há aqui qualquer risco de invasão à competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho (art. 22, I, da CF/88). 

É constitucional a regra de transição do regime de cartório oficializado para o regime privado prevista no art. 48 da Lei nº 8.935/94. STF. Plenário. ADI 1183/DF, Rel. Min. Nunes Marques, julgado em 7/6/2021 (Info 1020). 

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido