Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-709-stj.pdf
TRIBUNAL DO JÚRI Não é cabível a pronúncia fundada exclusivamente em testemunhos indiretos de “ouvir dizer”
Muito embora a análise aprofundada dos elementos probatórios seja feita somente pelo Tribunal do Júri, não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, a pronúncia baseada, exclusivamente, em testemunho indireto (por ouvir dizer) como prova idônea, de per si, para submeter alguém a julgamento pelo Tribunal Popular. STJ. 5ª Turma. HC 673.138-PE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 14/09/2021 (Info 709). STJ. 6ª Turma. REsp 1649663/MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 14/09/2021.
Procedimento do Tribunal do Júri
Quando a pessoa pratica um crime doloso contra a vida, ela responde a um processo penal que é regido por um procedimento especial próprio do Tribunal do Júri (arts. 406 a 497 do CPP).
Procedimento bifásico do Tribunal do Júri
O procedimento do Tribunal do Júri é chamado de bifásico (ou escalonado) porque se divide em duas etapas:
1) Fase do sumário da culpa (iudicium accusationis): é a fase de acusação e instrução preliminar (formação da culpa). Inicia-se com o oferecimento da denúncia (ou queixa) e termina com a preclusão da sentença de pronúncia.
2) Fase de julgamento (iudicium causae).
Sentença que encerra o sumário da culpa
Ao final da 1ª fase do procedimento do júri (sumário da culpa), o juiz irá proferir uma sentença, que poderá ser de quatro modos:
PRONÚNCIA
O réu será pronunciado quando o juiz se convencer de que existem prova da materialidade do fato e indícios suficientes de autoria ou de participação.
Recurso cabível: RESE.
IMPRONÚNCIA
O réu será impronunciado quando o juiz não se convencer: da materialidade do fato; da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.
Ex.: a única testemunha que havia reconhecido o réu no IP não foi ouvida em juízo.
Recurso cabível: APELAÇÃO.
ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA
O réu será absolvido desde logo quando estiver provado (a): a inexistência do fato; que o réu não é autor ou partícipe do fato; que o fato não constitui crime; que existe uma causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. Ex.: todas as testemunhas ouvidas afirmaram que o réu não foi o autor dos disparos.
Recurso cabível: APELAÇÃO.
DESCLASSIFICAÇÃO
Ocorre quando o juiz se convencer de que o fato narrado não é um crime doloso contra a vida, mas sim um outro delito, devendo, então, remeter o processo para o juízo competente. Ex.: juiz entende que não houve homicídio doloso, mas sim latrocínio.
Recurso cabível: RESE.
Imagine agora a seguinte situação hipotética:
Pedro foi morto com 5 tiros. Foi instaurado inquérito policial para apurar o ocorrido. Foram ouvidas duas testemunhas que afirmaram que não presenciaram o delito, mas que ouviram dizer que o autor do homicídio foi João. João foi, então, denunciado por homicídio doloso. Durante a instrução as referidas testemunhas foram novamente ouvidas e reafirmaram que não presenciaram o delito, mas que ouviram dizer que o autor do homicídio foi João.
João poderá ser pronunciado?
NÃO. A Constituição Federal conferiu ao Tribunal do Júri a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida e os a eles conexos, afirmando que o veredicto dos jurados é soberano (art. 5º, XXXVIII). Entretanto, a fim de reduzir os casos de erro judiciário, seja para absolver, seja para condenar, exige-se que, antes de o réu ser submetido ao Júri, seja realizada uma instrução prévia, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, perante o juiz togado. Ao final dessa instrução prévia, o juiz togado irá analisar se estão presentes a prova da materialidade e os indícios de autoria. O réu somente será pronunciado, ou seja, levado a julgamento se esses dois requisitos estiverem preenchidos. Veja o que diz o art. 413, caput, do CPP:
Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.
Assim, muito embora a análise aprofundada dos elementos probatórios seja feita somente pelo Tribunal Popular, não se pode admitir a pronúncia do réu sem que haja um mínimo de provas. Essa primeira etapa do procedimento bifásico do Tribunal do Júri (iudicium accusationis) tem dois objetivos principais:
• funciona como um filtro pelo qual somente passam as acusações fundadas, viáveis, plausíveis, idôneas a serem objeto de decisão pelo juízo da causa (iudicium causae). São evitadas, com isso, imputações temerárias;
• serve para que sejam produzidas provas, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, a fim de que possam ser utilizadas no plenário do Júri.
Espécies de testemunha
As testemunhas podem ser classificadas de acordo com vários critérios. Um deles é o seguinte:
a) Testemunha DIRETA: é aquela que presenciou os fatos. Também chamada de testemunha visual.
b) Testemunha INDIRETA: é aquela que não presenciou os fatos, mas apenas ouviu falar sobre eles. É também chamada de testemunha auricular ou testemunha de “ouvir dizer” (hearsay rule).
Testemunha de ouvir dizer (hearsay rule)
A testemunha de ouvir dizer não deve ter grande força probatória. Conforme explica o Min. Rogério Schietti Cruz:
“A razão do repúdio a esse tipo de testemunho se deve ao fato de que, além de ser um depoimento pouco confiável, visto que os relatos se alteram quando passam de boca a boca, o acusado não tem como refutar, com eficácia, o que o depoente afirma sem indicar a fonte direta da informação trazida a juízo.”
Já decidiu o STJ:
(...) 6. A norma segundo a qual a testemunha deve depor pelo que sabe per proprium sensum et non per sensum alterius impede, em alguns sistemas – como o norte-americano – o depoimento da testemunha indireta, por ouvir dizer (hearsay rule). No Brasil, embora não haja impedimento legal a esse tipo de depoimento, “não se pode tolerar que alguém vá a juízo repetir a vox publica. Testemunha que depusesse para dizer o que lhe constou, o que ouviu, sem apontar seus informantes, não deveria ser levada em conta.” (Helio Tornaghi). (...) STJ. 6ª Turma. REsp 1.444.372/RS, Rel. Min Rogerio Schietti, julgado em 16/2/2016.
Desse modo, o réu não pode ser pronunciado unicamente com prova de “ouvir dizer”.
Em suma: Não é cabível a pronúncia fundada exclusivamente em testemunhos indiretos de “ouvir dizer”. Muito embora a análise aprofundada dos elementos probatórios seja feita somente pelo Tribunal do Júri, não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, a pronúncia baseada, exclusivamente, em testemunho indireto (por ouvir dizer) como prova idônea, de per si, para submeter alguém a julgamento pelo Tribunal Popular. STJ. 5ª Turma. HC 673.138-PE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 14/09/2021 (Info 709). STJ. 6ª Turma. REsp 1649663/MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 14/09/2021.
Veja como o tema já foi cobrado em prova:
(Juiz de Direito TJBA/2019 CEBRASPE) Em decorrência do princípio do in dubio pro societate, o testemunho por ouvir dizer produzido na fase inquisitorial é suficiente para a decisão de pronúncia. (errado)