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8 de agosto de 2021

Impedir que candidato prossiga no concurso público para ingresso porque foi usuário de drogas há sete anos acaba por aplicá-lo uma sanção de caráter perpétuo

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/07/info-699-stj.pdf


CONCURSOS PÚBLICOS - Impedir que candidato prossiga no concurso público para ingresso porque foi usuário de drogas há sete anos acaba por aplicá-lo uma sanção de caráter perpétuo 

Impedir que candidato em concurso público que já é integrante dos quadros da Administração prossiga no certame para ingresso nas fileiras da Política Militar na fase de sindicância de vida pregressa, fundada em relato do próprio candidato no formulário de ingresso na corporação de que foi usuário de drogas há sete anos, acaba por aplicá-lo uma sanção de caráter perpétuo, dado o grande lastro temporal entre o fato tido como desabonador e o momento da investigação social. STJ. 2ª Turma. AREsp 1.806.617-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 01/06/2021 (Info 699). 

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: Em 2019, João foi aprovado nas provas do concurso de soldado da Polícia Militar do Distrito Federal. Chegou, então, a fase de investigação social. João relatou que fez uso de drogas no ano de 2011 (quando tinha 19 anos de idade), tendo figurado em processo criminal arquivado no ano de 2012, em razão da extinção da punibilidade. Com base nessa informação, ele foi excluído do certame, sob o fundamento de que teria assumido a prática de conduta desabonadora. Diante disso, o candidato impetrou mandado de segurança. O juízo de primeiro grau concedeu a segurança, contudo, o TJDFT reformou a sentença para manter a eliminação do candidato no certame, afirmando que a eliminação com base nessa “conduta desabonadora” teria natureza de ato adminsitrativo de caráter discricionário. O candidato interpôs, então, recurso especial dirigido ao STJ sustentando, dentre outros argumentos, que esse fato ocorreu há 7 anos e que, atualmente, goza de boa conduta social, sendo, inclusive servidor público do Distrito Federal (professor da rede pública de ensino). Alegou, ainda, que foi aprovado na fase de investigação social no concurso para Soldado da Polícia Militar do Estado do Maranhão. 

O STJ deu provimento ao recurso do autor? João tem direito de ser considerado aprovado na fase de investigação social? SIM. Vamos entender com calma. 

Sindicância da vida pregressa e investigação social 

Em alguns concursos públicos, o edital prevê que os candidatos serão submetidos a uma fase do certame denominada de “sindicância da vida pregressa e investigação social”. Nesta etapa, o órgão ou entidade que está realizando o concurso coleta informações sobre a vida pregressa, bem como a conduta social e profissional do candidato a fim de avaliar se ele possui idoneidade moral para exercer o cargo pleiteado. Em regra, a investigação social é feita mediante a análise das certidões de antecedentes criminais do candidato. Alguns concursos preveem também que se forneça o nome de autoridades que serão consultadas sobre a índole do candidato. Existem, por fim, editais que exigem a apresentação de um “atestado de boa conduta social e moral” subscrito por uma autoridade declarando que desconhece qualquer fato desabonador na vida do postulante ao cargo. 

A investigação social limita-se ao exame da existência de antecedentes criminais ou poderão ser analisados outros aspectos da vida do candidato? 

Entende a jurisprudência do STJ que a investigação social não se resume a analisar a vida pregressa do candidato quanto às infrações penais que eventualmente tenha praticado. Deve ser analisada a conduta moral e social no decorrer de sua vida, visando aferir o padrão de comportamento diante das normas exigidas ao candidato da carreira policial, em razão das peculiaridades do cargo que exigem a retidão, lisura e probidade do agente público (STJ. 6ª Turma. RMS 24.287/RO, Rel. Min. Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora Convocada do TJ/PE), julgado em 04/12/2012). Nesse mesmo sentido: 

Jurisprudência em Teses do STJ (Ed. 115): Tese 10: A investigação social em concursos públicos, além de servir à apuração de infrações criminais, presta-se a avaliar idoneidade moral e lisura daqueles que desejam ingressar nos quadros da administração pública. 

Assim, a fase de investigação social engloba não só a constatação de condenações penais transitadas em julgado, como também o exame de outros aspectos relacionados à conduta moral e social do candidato. Esse entendimento foi reafirmado nesse julgado: 

Tratando-se da fase de investigação social para cargos sensíveis, como são os da área policial, a análise realizada pela autoridade administrativa não deve se restringir à constatação de condenações penais transitadas em julgado, englobando o exame de outros aspectos relacionados à conduta moral e social do candidato, a fim de verificar sua adequação ao cargo pretendido. STJ. 2ª Turma. AREsp 1.806.617-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 01/06/2021 (Info 699). 

A investigação social poderá ter caráter eliminatório? 

SIM. A maioria das leis que rege as carreiras prevê que um dos requisitos para que qualquer pessoa tome posse no cargo público é a idoneidade moral. Sendo provada a falta dessa condição, é juridicamente possível a eliminação do candidato. Outro fundamento que pode ser invocado para justificar essa medida é o princípio constitucional da moralidade (art. 37 da CF/88).  Vale ressaltar que a investigação social não pode ter caráter classificatório, ou seja, não interfere na pontuação dos candidatos. Se o eliminado discordar dos critérios utilizados pela banca, poderá buscar auxílio do Poder Judiciário, que tem competência para analisar o ato de exclusão do candidato, quando houver flagrante ilegalidade ou descuprimento do edital (STJ. 1 a Turma. RMS 44.360/MS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 05/12/2013). Isso porque “não viola o princípio da separação dos poderes o controle de legalidade exercido pelo Poder Judiciário sobre os atos administrativos, incluídos aqueles praticados durante a realização de concurso público.” (STF. 1 a Turma. ARE 753331 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 17/09/2013). 

Caso seja constatado, na investigação social, que o candidato responde a um inquérito policial, ação penal ou tem contra si uma condenação ainda não transitada em julgado, tal circunstância, obrigatoriamente, implicará a sua eliminação do certame? 

NÃO. A jurisprudência entende que o fato de haver instauração de inquérito policial ou propositura de ação penal contra candidato, por si só, não pode implicar a sua eliminação. A eliminação nessas circunstâncias, sem o necessário trânsito em julgado da condenação, violaria o princípio constitucional da presunção de inocência. O STF reafirmou esse entendimento e fixou a seguinte tese em repercussão geral: 

Sem previsão constitucionalmente adequada e instituída por lei, não é legítima a cláusula de edital de concurso público que restrinja a participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito ou a ação penal. STF. Plenário. RE 560900/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 5 e 6/2/2020 (repercussão geral – Tema 22) (Info 965). 

Voltando ao caso concreto: 

A discricionariedade administrativa não se encontra imune ao controle judicial, especialmente diante da prática de atos que impliquem restrições de direitos dos administrados, como se afigura a eliminação de um candidato a concurso público. Assim, deve o Poder Judiciário reapreciar os aspectos vinculados do ato administrativo, a exemplo da competência, forma, finalidade, bem como a observância dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. O STJ, ao examinar casos envolvendo a eliminação de candidatos na fase de investigação social de certame público para as carreiras policiais, entende que a sindicância de vida pregressa dos candidatos a concursos públicos deve estar “jungida pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade” (ou seja, ligada à análise desses princípios), nos termos do art. 2º da Lei 9.784/99: 

Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. 

Nesse sentido: Não se afigura razoável a eliminação do Recorrente na fase de investigação social do concurso público, tão somente em razão do indiciamento por crime de menor potencial ofensivo, sobre o qual foi realizada transação penal. STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1453461/GO, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 09/10/2018. 

Afigura-se desarrazoada e desproporcional a eliminação de um candidato na fase de investigação social de concurso para perito da polícia federal, em razão de fato ocorrido 10 anos antes do certame. Perpetuação de fato que não se amolda ao balizamento constitucional que veda a existência de penas perpétuas. STJ. 6ª Turma. REsp 817.540-RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 1º/10/2009. 

Não se admite pena de caráter perpétuo (art. 5º, XLVII, b, da CF/88) 

Há relato espontâneo de um fato pelo próprio candidato, no respectivo formulário de ingresso na incorporação, de que foi usuário de drogas quando tinha 19 anos de idade e que não mais possui essa adição há sete anos (adição = consumo frequente de drogas). Impedir que o candidato prossiga no certame público por conta desse fato acaba por aplicá-lo uma sanção de caráter permanente, dado o grande lastro temporal entre o fato tido como desabonador e o momento da investigação social. Há, portanto, violação ao art. 5º, XLVII, da CF/88: 

Art. 5º (...) XLVII - não haverá penas: b) de caráter perpétuo; 

Destaca-se, ainda, que o candidato eliminado é servidor público do Distrito Federal, não havendo qualquer registro sobre qualquer ato desabonador de sua reputação moral. Logo, o Poder Público adota uma postura contraditória ao considerar inidôneo para o cargo público um indivíduo que já é servidor público do mesmo ente federativo. 

Em suma 

Impedir que candidato em concurso público que já é integrante dos quadros da Administração prossiga no certame público para ingresso nas fileiras da Política Militar na fase de sindicância de vida pregressa, fundada em relato do próprio candidato no formulário de ingresso na corporação de que foi usuário de drogas há sete anos, acaba por aplicá-lo uma sanção de caráter perpétuo, dado o grande lastro temporal entre o fato tido como desabonador e o momento da investigação social. STJ. 2ª Turma. AREsp 1.806.617-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 01/06/2021 (Info 699). 

DOD PLUS (INFORMAÇÕES EXTRAS) 

Jurisprudência em Teses do STJ (Ed. 9) 

Tese 13: O candidato não pode ser eliminado de concurso público, na fase de investigação social, em virtude da existência de termo circunstanciado, inquérito policial ou ação penal sem trânsito em julgado ou extinta pela prescrição da pretensão punitiva. 

Tese 14: O entendimento de que o candidato não pode ser eliminado de concurso público, na fase de investigação social, em virtude da existência de termo circunstanciado, inquérito policial ou ação penal sem trânsito em julgado ou extinta pela prescrição da pretensão punitiva não se aplica aos cargos cujos ocupantes agem stricto sensu em nome do Estado, como o de delegado de polícia. 

Obs: essas teses terão que ser lidas, agora, em harmonia com o entendimento do STF manifestado no RE 560900/DF (Tema 22), acima mencionado. Em provas de concurso, fique com a redação da tese firmada pelo STF. 

É possível a eliminação de candidato que tenha celebrado transação penal anteriormente? 

NÃO. O STJ recentemente decidiu que um candidato aprovado para agente penitenciário federal não poderia ser eliminado do concurso pelo simples fato de ter celebrado transação penal. Conforme afirmou, corretamente, o Min. Relator, a transação penal não pode servir de fundamento para a não recomendação de candidato em concurso público na fase de investigação social, uma vez que não importa em condenação do autor do fato (art. 76 da Lei n.° 9.099/95). STJ. 2ª Turma. REsp 1302206/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 17/09/2013. STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1453461/GO, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 09/10/2018. No mesmo sentido: STF. 1ª Turma. ARE 713138 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 20/08/2013.  

É possível a eliminação de candidato que tenha, quando adolescente, recebido medida socioeducativa? 

NÃO. A utilização de medida socioeducativa para excluir candidato ressocializado é excessiva, afrontando a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90). A exclusão do candidato nesses casos desvirtua os objetivos conceituais das medidas socioeducativas, tais como estão descritos no § 2º do art. 1º da Lei 12.594/2012 (SINASE). STJ. 2ª Turma. RMS 48.568/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 17/11/2015. 

Se a banca examinadora, na fase de investigação social, determina que o candidato responda a um formulário sobre sua vida pregressa e este, propositalmente, omite informações, poderá ser eliminado do concurso por conta dessa conduta? 

SIM. A omissão do candidato em prestar informações, conforme determinado pelo edital, na fase de investigação social ou de sindicância da vida pregressa, enseja a sua eliminação do concurso público. STJ. 2ª Turma. AgRg no RMS 39.108/PE, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 23/04/2013. 

Jurisprudência em Teses do STJ (Ed. 9): Tese 16: O candidato pode ser eliminado de concurso público quando omitir informações relevantes na fase de investigação social. 

É possível eliminar o candidato pelo simples fato de ele possuir seu nome negativado nos serviços de proteção de crédito (exs: SPC, SERASA)? 

NÃO. É desprovido de razoabilidade e proporcionalidade o ato que, na etapa de investigação social, exclui candidato de concurso público baseado no registro deste em cadastro de serviço de proteção ao crédito STJ. 5ª Turma. RMS 30.734/DF, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 20/09/2011. 

Jurisprudência em Teses do STJ (Ed. 9): Tese 15: O candidato não pode ser eliminado de concurso público, na fase de investigação social, em virtude da existência de registro em órgãos de proteção ao crédito