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6 de janeiro de 2022

COMODATO É desnecessária a notificação prévia do comodatário para fins de comprovação do esbulho possessório quando verificada a ciência inequívoca do intuito de reaver o imóvel

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-713-stj.pdf


COMODATO É desnecessária a notificação prévia do comodatário para fins de comprovação do esbulho possessório quando verificada a ciência inequívoca do intuito de reaver o imóvel 

Nos contratos de comodato firmados por prazo determinado, mostra-se desnecessária a promoção de notificação prévia - seja extrajudicial ou judicial - do comodatário, pois, logicamente, a mora constituir-se-á de pleno direito na data em que não devolvida a coisa emprestada, conforme estipulado contratualmente. Por outro lado, no caso de comodato por prazo indeterminado, é indispensável a prévia notificação para rescindir o contrato, pois, somente após o término do prazo previsto na notificação premonitória, a posse exercida pelo comodatário, anteriormente tida como justa, tornar-se-á injusta, de modo a configurar o esbulho possessório. No caso concreto, todavia, a despeito de o comodato ter-se dado por tempo indeterminado e de não ter havido a prévia notificação do comodatário, não se pode conceber que este detinha a posse legítima do bem. Isso porque foi ajuizada uma outra ação antes da propositura da própria ação possessória e nessa primeira ação já se demonstrou o intuito de retomar o bem, mostrando-se a notificação premonitória uma mera formalidade, inócua aos fins propriamente pretendidos. Assim, verificada a ciência inequívoca do comodatário para que providenciasse a devolução do imóvel cuja posse detinha em função de comodato com a falecida proprietária, configurado está o esbulho possessório, hábil a justificar a procedência da lide. STJ. 3ª Turma. REsp 1.947.697-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/09/2021 (Info 713). 

O julgado comentado envolve o tema comodato. Antes de explicar o que foi decidido, acho interessante fazer uma revisão sobre o assunto. Se estiver sem tempo, pode ir diretamente para a explicação do julgado. 

NOÇÕES GERAIS SOBRE COMODATO 

Comodato 

O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis (art. 579 do CC). O comodato pode ser de bens móveis ou imóveis. 

Ex1: Henrique, rico empresário, empresta um pequeno apartamento para que seu primo, Mário, lá more com sua família. 

Ex2: José empresta um trator para Joaquim fazer a colheita de soja em sua fazenda. 

Partes 

Comodante: é a pessoa que empresta.

 Comodatário: é a pessoa que recebe a coisa em empréstimo. 

O comodante precisa ser o dono da coisa? 

Não necessariamente. O comodato é apenas a cessão do uso, não transferindo domínio. Assim, para ser comodante basta que a pessoa tenha o direito de uso sobre a coisa e que não haja nenhuma vedação legal ou contratual quanto ao empréstimo. 

Exemplo de quem não pode fazer comodato sob os bens confiados à sua guarda: 

Os tutores, curadores e em geral todos os administradores de bens alheios não poderão dar em comodato, sem autorização especial, os bens confiados à sua guarda (art. 580). 

Características do comodato 

a) Gratuito 

O comodato é gratuito (art. 579). Se fosse oneroso, iria se confundir com a locação. Vale ressaltar que o comodante pode impor algum encargo ao comodatário sem que isso descaracterize a existência do comodato. Ex: é possível que o comodatário se comprometa a pagar algumas pequenas despesas relativas ao bem, como cotas condominiais e impostos, sem que isso faça com que o contrato deixe de ser um comodato. A doutrina chama isso de “comodato modal” ou “comodato com encargo”. Caso arque com tais despesas, o comodatário não poderá jamais recobrar (pedir de volta) do comodante as despesas feitas com o uso e gozo da coisa emprestada (art. 584). 

b) Seu objeto é infungível e inconsumível. 

Isso significa que o comodatário deverá, ao final do contrato, devolver a mesma coisa que recebeu em empréstimo. Se a coisa emprestada for fungível ou consumível, o contrato não será de comodato, mas sim de mútuo (art. 586). O comodato de bens fungíveis ou consumíveis só é admitido em uma única hipótese: quando destinado à ornamentação, como o de um arranjo de flores para decoração, por exemplo. É conhecido como comodatum ad pompam vel ostentationem. 

c) Somente se aperfeiçoa com a tradição do objeto (contrato real)

 O comodato é um contrato real, ou seja, é necessária a tradição (entrega) da coisa para que se aperfeiçoe. Antes da tradição não existe comodato. 

d) Unilateral 

Em regra, gera obrigações apenas para o comodatário. Só por exceção o comodante pode assumir obrigações, posteriormente. 

e) Temporário 

O comodato é sempre temporário tendo em vista que é um mero empréstimo. Se não fosse temporário, seria, na verdade, uma doação. Não se admite comodato vitalício. 

Prazo determinado ou indeterminado 

O comodato pode ser fixado: 

• por prazo determinado; 

• por prazo indeterminado (também chamado de comodato precário). 

Prazo determinado 

Se for por prazo determinado, quando chegar o dia estipulado, o comodatário deverá automaticamente devolver a coisa emprestada. Não é necessário que o comodante interpele o comodatário para que este restitua o bem. No caso de comodato por prazo determinado: a mora é ex re (mora ex re é aquela que se verifica automaticamente pelo não cumprimento da obrigação no dia certo do vencimento. Ocorre de pleno direito, independentemente de notificação). 

Prazo indeterminado 

Se for por prazo indeterminado (não se combinou um dia exato para a devolução), entende-se que o comodato irá durar pelo tempo necessário para que o comodatário use a coisa para cumprir a finalidade que motivou o empréstimo. Exemplos de Silvio Rodrigues: se alguém empresta um trator para ser utilizado na colheita, presume-se que o prazo do comodato se estende até o final desta; se alguém empresta um barco para que seu amigo realize uma pesca, presume-se que o comodato foi pelo prazo necessário para essa pesca. É possível também que o comodato seja fixado com prazo indeterminado para uso mais prolongado. É o caso, por exemplo, do rico empresário que empresta um de seus apartamentos para que o primo more com a família. O comodato por prazo indeterminado é também chamado de comodato precário. No caso de comodato por prazo indeterminado: a mora é ex persona (a mora ex persona ocorre quando se exige a interpelação judicial ou extrajudicial do devedor para que este possa ser considerado em mora). 

O comodante pode pedir de volta a coisa emprestada antes do fim do prazo? 

Como regra geral, o comodante não pode pedir de volta a coisa emprestada antes de terminar o prazo combinado ou antes do comodatário usar a coisa para a finalidade que motivou o empréstimo. Exceção: o comodante poderá requerer a devolução antes do prazo se conseguir provar, em ação judicial, que precisa do bem em virtude de necessidade imprevista e urgente. Essa é a redação do CC: 

Art. 581. Se o comodato não tiver prazo convencional, presumir-se-lhe-á o necessário para o uso concedido; não podendo o comodante, salvo necessidade imprevista e urgente, reconhecida pelo juiz, suspender o uso e gozo da coisa emprestada, antes de findo o prazo convencional, ou o que se determine pelo uso outorgado. 

f) Informal: 

A lei não exige forma especial para a sua validade. Pode ser até mesmo verbal. 

g) Personalíssimo (intuitu personae): 

Em regra, o comodato é um contrato personalíssimo, considerando que é celebrado levando-se em consideração a pessoa do comodatário. Excepcionalmente, contudo, é possível que se encontrem comodatos sem essa característica. 

Obrigações do comodatário 

a) Conservar a coisa emprestada como se fosse sua 

O comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora a coisa emprestada, sob pena de responder por perdas e danos (art. 582). Em caso de uma situação de perigo, se o comodatário preferir salvar as suas coisas, abandonando o bem do comodante, responderá pelo dano ocorrido, ainda que se possa atribuir o evento a caso fortuito, ou força maior (art. 583). 

b) Arcar com as despesas ordinárias de conservação e utilização da coisa 

As despesas ordinárias de conservação e utilização da coisa são de responsabilidade do comodatário, não tendo ele direito de pedir ressarcimento do comodante. Exs: alimentação de um cavalo emprestado; despesas de luz de um apartamento emprestado; combustível e óleo do trator emprestado. 

Art. 584. O comodatário não poderá jamais recobrar do comodante as despesas feitas com o uso e gozo da coisa emprestada. 

E as despesas extraordinárias? 

Devem ser comunicadas ao comodante, para que ele as faça ou então autorize a fazê-las. Ex: reforma no apartamento por conta de uma infiltração. 

c) Usar a coisa de acordo com o contrato ou com a natureza dela 

O comodatário não pode usar a coisa senão de acordo com o contrato, ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos. O uso inadequado da coisa constitui causa de resolução do contrato. Ex: Mário recebeu, em comodato, o apartamento de seu primo para que nele morasse com sua família. Ao invés disso, aluga o imóvel para um terceiro.

 d) Restituir a coisa no prazo ajustado ou quando terminar o uso a que ela se destinava 

A coisa deve ser restituída no prazo convencionado. Se não foi fixado prazo, a coisa deve ser restituída após chegar ao fim o tempo necessário ao uso concedido. 

Extinção do comodato 

Extingue-se o comodato: 

a) pelo advento do termo convencionado ou, não havendo estipulação nesse sentido, pela utilização da coisa de acordo com a finalidade para que foi emprestada; 

b) em caso de descumprimento, pelo comodatário, de suas obrigações; 

c) pela retomada do bem, por meio de sentença, a pedido do comodante, desde que provada a necessidade imprevista e urgente; 

d) pela morte do comodatário, se o contrato foi celebrado intuitu personae. Se não foi personalíssimo, o comodato pode prosseguir com os herdeiros do comodatário. Obs: a morte do comodante não é causa de extinção do contrato; 

e) pelo perecimento ou deterioração da coisa. 

Comodatário que se nega a restituir a coisa: 

O comodatário que se negar a restituir a coisa pratica esbulho. Logo, o comodante deverá ingressar com ação de reintegração de posse para reaver a coisa. Se o contrato era por prazo determinado, com o fim do prazo e a não devolução do bem, o comodante pode propor a ação de reintegração imediatamente (mora ex re). Se o contrato era por prazo indeterminado, será necessária a interpelação do comodatário para que se constitua a sua mora (mora ex persona). 

O comodatário sofrerá duas penalidades por não restituir a coisa: 

• responderá pelos danos que ocorrerem na coisa se esta perecer ou se deteriorar, ainda que decorrentes de caso fortuito; e 

• terá de pagar aluguel durante o tempo do atraso. 

Aluguel pelo tempo do atraso 

Se o comodatário não devolver a coisa emprestada, o comodante poderá arbitrar um valor (chamado pela lei de “aluguel”) a ser pago pelo comodatário, pelo uso da coisa além do tempo permitido. Veja a redação do CC: 

Art. 582. (...) O comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituíla, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante. 

O STJ entendeu que a natureza desse “aluguel” é de uma autêntica pena privada, tendo por objetivo coagir o comodatário a restituir, o mais rapidamente possível, a coisa emprestada, que indevidamente não foi devolvida no prazo legal. Por isso, o Min. Paulo de Tarso Sanseverino chama de “aluguel-pena”. STJ. 3ª Turma. REsp 1.175.848-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18/9/2012. 

Se o comodatário se nega a restituir o bem, o contrato altera sua natureza e deixa de ser comodato, passando a ser um contrato de locação? 

NÃO. O contrato continua sendo de comodato. Esse aluguel, como já explicado, é de natureza indenizatória, por conta do uso indevido da coisa e não tem o condão de transformar o negócio em locação. Tanto isso é verdade que a ação para retomar o bem é a ação de reintegração de posse e não a ação de despejo. 

Quem estipula o valor desse aluguel-pena? 

Esse valor é arbitrado pelo próprio comodante. Normalmente, o valor do aluguel-pena é fixado pelo comodante na petição inicial da ação de reintegração de posse. 

O valor desse aluguel-pena arbitrado pelo comodante pode ser superior ao valor do aluguel que seria pago pelo comodatário como média no mercado caso fosse realmente uma locação (e não um comodato)? 

SIM. O montante arbitrado poderá ser superior ao valor de mercado do aluguel locatício, pois a sua finalidade não é transmudar o comodato em locação, mas coagir o comodatário a restituir o mais rapidamente possível a coisa emprestada (Min. Paulo de Tarso Sanseverino). 

Mas há um limite? 

SIM. Esse valor não pode ser exagerado, abusivo, sob pena de ser reduzido pelo juiz. Segundo entendeu o Ministro Relator, o aluguel-pena do comodato não deve ultrapassar o dobro do preço de mercado dos alugueis correspondentes ao imóvel emprestado. Em suma, o aluguel-pena pode ser até o dobro do valor que o proprietário conseguiria caso fosse oferecer seu imóvel para alugar no mercado. Explica-se, mais uma vez, que esse valor do aluguel-pena é maior que o valor do mercado porque seu objetivo é “forçar” o comodatário a devolver o bem e não transformar o contrato em uma locação. Logo, a situação tem que ficar desvantajosa para que o comodatário se sinta compelido a restituir a coisa. 

EXPLICAÇÃO DO JULGADO 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

Regina cedeu, em comodato, um imóvel rural em favor de João. Passado algum tempo, Regina faleceu. Pedro, herdeiro de Regina, foi até o local e avisou João verbalmente que desejava retomar o imóvel, tendo o comodatário afirmado que iria organizar a saída. Logo depois, contudo, contraditoriamente, João iniciou uma pequena construção no local. Pedro ajuizou ação inibitória para que João ficasse proibido de continuar a construção. João foi citado e interrompeu a construção, contudo, não saiu do imóvel. Diante disso, Pedro ajuizou uma ação de reintegração de posse contra João alegando que não mais desejava manter o comodato e pedindo a retomada do imóvel. João contestou a demanda afirmando que o autor não poderia ter ajuizado a ação sem que, antes, tivesse feito a notificação do comodatário. Sem essa prévia notificação, não há que se falar em esbulho por parte do comodatário. Pedro contra-argumentou afirmando que essa prévia notificação pode ser suprida por outros meios que demonstrem a ciência do comodatário. 

O argumento de Pedro foi acolhido pelo STJ? A ausência dessa notificação pode ser suprida pela inequívoca ciência do comodatário acerca do intuito do autor de reaver o imóvel? 

SIM. O art. 1.210 do CC/2002 prevê que “o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado”. Entretanto, para fins de deferimento da tutela possessória, incumbe ao autor da ação provar: 

a) a sua posse; 

b) a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; 

c) a data da turbação ou do esbulho; e 

d) a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração (art. 561 do CPC/2015). 

Nos contratos de comodato firmados por prazo determinado, mostra-se desnecessária a promoção de notificação prévia -seja extrajudicial ou judicial - do comodatário, pois, logicamente, a mora constituir-seá de pleno direito na data em que não devolvida a coisa emprestada, conforme estipulado contratualmente. Por outro lado, no caso de comodato por prazo indeterminado, é indispensável a prévia notificação para rescindir o contrato, pois, somente após o término do prazo previsto na notificação premonitória, a posse exercida pelo comodatário, anteriormente tida como justa, tornar-se-á injusta, de modo a configurar o esbulho possessório. No caso concreto, todavia, a despeito de o comodato ter-se dado por tempo indeterminado e de não ter havido a prévia notificação do comodatário, não se pode conceber que este detinha a posse legítima do bem. Isso porque foi ajuizada uma outra ação antes da propositura da própria ação possessória e nessa primeira ação já se demonstrou o intuito de retomar o bem, mostrando-se a notificação premonitória uma mera formalidade, inócua aos fins propriamente pretendidos. Assim, verificada a ciência inequívoca do comodatário para que providenciasse a devolução do imóvel cuja posse detinha em função de comodato com a falecida proprietária, configurado está o esbulho possessório, hábil a justificar a procedência da lide. 

Em suma: É desnecessária a notificação prévia do comodatário para fins de comprovação do esbulho possessório quando verificada a ciência inequívoca do intuito de reaver o imóvel. STJ. 3ª Turma. REsp 1.947.697-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/09/2021 (Info 713).