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19 de novembro de 2021

A decisão de recebimento da petição inicial da ação de improbidade não pode limitar-se ao fundamento de in dubio pro societate

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-711-stj-2.pdf


IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA A decisão de recebimento da petição inicial da ação de improbidade não pode limitar-se ao fundamento de in dubio pro societate 

O STJ possui vários julgados afirmando que, se o juiz entender que há meros indícios do cometimento de atos enquadrados como improbidade administrativa, a petição inicial da ação de improbidade deve ser recebida. Isso porque, nessa fase inicial prevalece o princípio do in dubio pro societate, a fim de possibilitar o maior resguardo do interesse público. O princípio do in dubio pro societate tinha fundamento legal no antigo § 8º do art. 17 da Lei nº 8.429/92 (revogado pela Lei nº 14.230/2021). A decisão de recebimento da petição inicial, incluída a hipótese de rejeição, deve ser adequada e especificamente motivada pelo magistrado, com base na análise dos elementos indiciários apresentados, em cotejo com a causa de pedir delineada pelo Ministério Público. Essa postura é inclusive reforçada, atualmente, pelos arts. 489, § 3º, e 927 do CPC/2015. Nessa linha, a decisão de recebimento da inicial da ação de improbidade não pode limitar-se à invocação do in dubio pro societate, devendo, antes, ao menos, tecer comentários sobre os elementos indiciários e a causa de pedir, ao mesmo tempo que, para a rejeição, deve bem delinear a situação fático-probatória que lastreia os motivos de convicção externados pelo órgão judicial. STJ. 1ª Turma. REsp 1.570.000-RN, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. Acd. Min. Gurgel de Faria, julgado em 28/09/2021 (Info 711). 

A improbidade administrativa é regida pela Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa — LIA). Recentemente esse diploma foi profundamente alterado pela Lei nº 14.230/2021. O julgado aqui comentado refere-se a um período anterior à novidade legislativa. Vamos comparar: 

RITO DA AÇÃO DE IMPROBIDADE (ART. 17 DA LEI 8.429/92) 

Legitimidade para a propositura (caput) 

REGRAMENTO ANTERIOR 

A ação de improbidade podia ser proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada (ex: se a improbidade tivesse sido praticada contra o ente municipal, este Município poderá ajuizar a ação de improbidade). 

NOVO REGRAMENTO (LEI 14.230/2021)

 A ação de improbidade somente pode ser proposta pelo Ministério Público. A pessoa jurídica interessada não mais pode ajuizar ação de improbidade. Se a autoridade tiver conhecimento de fatos que revelem a existência de indícios de ato de improbidade, ela deverá representar ao Ministério Público para as providências necessárias (art. 7º). 


Requisitos da petição inicial (§ 6º) 

REGRAMENTO ANTERIOR 

Requisitos da petição inicial: § 6º A ação será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições inscritas nos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil. Obs: esses arts. 16 a 18 são do CPC/1973 e tratavam sobre litigância de má-fé. 

NOVO REGRAMENTO (LEI 14.230/2021)

§ 6º A petição inicial observará o seguinte: I - deverá individualizar a conduta do réu e apontar os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência das hipóteses dos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei e de sua autoria, salvo impossibilidade devidamente fundamentada; II - será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições constantes dos arts. 77 e 80 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). Obs: os arts. 77 e 80 tratam sobre os deveres das partes e a litigância de má-fé. 


O que o juiz faz diante da petição inicial? 

REGRAMENTO ANTERIOR 

 No regramento anterior, o juiz determinava a notificação do requerido para defesa prévia. Essa notificação ocorria antes de o juiz receber a petição inicial. Essa defesa prévia ocorria antes da contestação. Veja o que dizia a Lei: § 7º Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias. 

NOVO REGRAMENTO (LEI 14.230/2021)

No regramento atual, o juiz examina se a petição inicial deve ser recebida. Se for o caso, ele determina a citação do requerido. Não existe mais a previsão de defesa prévia. Se a petição iniciar estiver em devida forma, o requerido já é citado para contestar. Confira: § 7º Se a petição inicial estiver em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a citação dos requeridos para que a contestem no prazo comum de 30 (trinta) dias, iniciado o prazo na forma do art. 231 do CPC. 


Análise do recebimento ou rejeição da petição inicial 

REGRAMENTO ANTERIOR 

 No regramento anterior, depois de receber a defesa prévia, o juiz analisava se recebia ou rejeitava a petição inicial. Esse juízo de delibação era feito com base no § 8º do art. 17, que dizia: § 8º Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita. Se o juiz, depois de analisar a defesa prévia, decidisse receber a petição inicial, o réu era citado para apresentar contestação, na forma do antigo § 9º, que agora está revogado. 

NOVO REGRAMENTO (LEI 14.230/2021)

Como vimos acima, não existe mais defesa prévia. Apesar disso, o juiz continua tendo o dever de analisar se recebe ou rejeita a petição inicial. Esse exame é feito antes da citação e de qualquer defesa do réu, com base no novo § 6º-B do art. 17: § 6º-B A petição inicial será rejeitada nos casos do art. 330 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), bem como quando não preenchidos os requisitos a que se referem os incisos I e II do § 6º deste artigo, ou ainda quando manifestamente inexistente o ato de improbidade imputado. Vale ressaltar, contudo, que, mesmo após a contestação o juiz poderá rejeitar o pedido de condenação em improbidade administrativa: § 11. Em qualquer momento do processo, verificada a inexistência do ato de improbidade, o juiz julgará a demanda improcedente. 

Depois de oferecida a contestação 

REGRAMENTO ANTERIOR 

 Depois de oferecida a contestação, a Lei não previa qualquer providência adicional, seguindose o procedimento comum. 

NOVO REGRAMENTO (LEI 14.230/2021)

Foram inseridos três novos parágrafos com providências específicas: § 10-B. Oferecida a contestação e, se for o caso, ouvido o autor, o juiz: I - procederá ao julgamento conforme o estado do processo, observada a eventual inexistência manifesta do ato de improbidade; II - poderá desmembrar o litisconsórcio, com vistas a otimizar a instrução processual. § 10-C. Após a réplica do Ministério Público, o juiz proferirá decisão na qual indicará com precisão a tipificação do ato de improbidade administrativa imputável ao réu, sendo-lhe vedado modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor. § 10-E. Proferida a decisão referida no § 10-C deste artigo, as partes serão intimadas a especificar as provas que pretendem produzir. 

A inexistência do ato de improbidade pode ser reconhecida a qualquer momento 

REGRAMENTO ANTERIOR 

 § 11. Em qualquer fase do processo, reconhecida a inadequação da ação de improbidade, o juiz extinguirá o processo sem julgamento do mérito.

NOVO REGRAMENTO (LEI 14.230/2021)

 § 11. Em qualquer momento do processo, verificada a inexistência do ato de improbidade, o juiz julgará a demanda improcedente. 

Recurso contra a decisão que recebe a petição inicial 

REGRAMENTO ANTERIOR 

 Havia previsão expressa de agravo de instrumento: § 10. Da decisão que receber a petição inicial, caberá agravo de instrumento. 

NOVO REGRAMENTO (LEI 14.230/2021)

A Lei não foi muito clara sobre a possibilidade de recurso imediato. O § 10 foi revogado, no entanto, pode-se defender que ainda seria possível o agravo com base nos § 9º-A e 21, que foram inseridos no art. 17: § 9º-A Da decisão que rejeitar questões preliminares suscitadas pelo réu em sua contestação caberá agravo de instrumento. § 21. Das decisões interlocutórias caberá agravo de instrumento, inclusive da decisão que rejeitar questões preliminares suscitadas pelo réu em sua contestação. 

RESUMO COMPARATIVO 

REGRAMENTO ANTERIOR 

1. Petição inicial 2. Estando a inicial em devida forma, o juiz ordenava a notificação do requerido, para, em 15 dias, apresentar defesa prévia. 3. Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de 30 dias, em decisão fundamentada, recebia a inicial ou rejeitava a ação. 4. Recebida a petição inicial, o réu era citado para apresentar contestação no prazo de 15 dias. 

NOVO REGRAMENTO (LEI 14.230/2021) 

1. Petição inicial 2. A petição inicial será rejeitada: a) nos casos do art. 330 do CPC; b) quando não preencher os requisitos do art. 17, § 6º, I e II, da LIA; c) quando manifestamente inexistente o ato de improbidade imputado. 3. Se a petição inicial estiver em devida forma, o juiz determinará a citação do requerido para apresentar contestação no prazo de 30 dias. 


Princípio do in dubio pro societate 

O STJ possui vários julgados afirmando que, se o juiz entender que há meros indícios do cometimento de atos enquadrados como improbidade administrativa, a petição inicial da ação de improbidade deve ser recebida. Isso porque, nessa fase inicial prevalece o princípio do in dubio pro societate, a fim de possibilitar o maior resguardo do interesse público. Nesse sentido: 

Consoante orientação sedimentada nesta Corte, na fase de recebimento da inicial da ação civil pública de improbidade administrativa, basta a demonstração de indícios da prática de ato ímprobo, ou, fundamentadamente, as razões de sua não apresentação, em observância ao princípio do in dubio pro societate. STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1761220/PR, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 11/10/2021. 

Esta Corte Superior possui o entendimento de que é suficiente a demonstração de indícios razoáveis de prática de atos de improbidade e autoria para que se determine o processamento da ação, em obediência ao princípio do in dubio pro societate, a fim de possibilitar maior resguardo do interesse público. STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1609723/MG, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 23/09/2021. 

O Min. Gurgel de Faria assim se manifestou a respeito desse princípio: 

“Em face dos princípios a que está submetida a administração pública (art. 37 da CF/1988) e a sua supremacia, sendo seus representantes os agentes públicos passíveis de serem alcançados pela lei de improbidade, o legislador quis impedir o ajuizamento de ações temerárias, evitando, com isso, além de eventuais perseguições políticas e o descrédito social de atos ou decisões políticoadministrativos legítimos, a punição de administradores ou de agentes públicos inexperientes, inábeis ou que fizeram uma má opção política na gerência da coisa pública ou na prática de atos administrativos, sem má-fé ou intenção de lesar o erário ou de enriquecimento. Não se pode ignorar, porém, que, na fase preliminar, o magistrado atua em cognição sumária, não se aprofundando no exame de mérito da pretensão sancionatória, de sorte que, se os indícios apresentados forem suficientes à instauração de dúvida quanto à existência da prática de ato ímprobo, a inicial deve ser recebida, à luz do princípio in dubio pro societate.” (REsp 1.570.000-RN). 

Não basta a invocação abstrata do princípio do in dubio pro societate como único fundamento para receber a Inicial 

A decisão de recebimento da petição inicial, incluída a hipótese de rejeição, deve ser adequada e especificamente motivada pelo magistrado, com base na análise dos elementos indiciários apresentados, em cotejo com a causa de pedir delineada pelo Ministério Público. Assim, na decisão de recebimento da inicial da ação de improbidade o juiz não pode se limitar a invocar o princípio do in dubio pro societate. Ele deve, antes disso, pelo menos, tecer comentários sobre os elementos indiciários e a causa de pedir. Logo, a decisão não pode se limitar a dizer: com base no princípio do in dubio pro societate, recebo a Inicial. Foi o que decidiu o STJ: 

A decisão de recebimento da petição inicial da ação de improbidade não pode limitar-se ao fundamento de in dubio pro societate. STJ. 1ª Turma. REsp 1.570.000-RN, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. Acd. Min. Gurgel de Faria, julgado em 28/09/2021 (Info 711). 

Cuidado. Não se pode dizer que, neste julgado (REsp 1.570.000-RN), o STJ tenha abandonado a adoção do princípio do in dubio pro societate nas ações de improbidade. Ao contrário. Esse princípio foi reafirmado. O que o STJ fez, contudo, foi dizer que não basta que o juiz, na decisão de recebimento, faça a invocação genérica do princípio. Nas palavras do STJ, o magistrado, para receber a Inicial, deverá “tecer comentários sobre os elementos indiciários e a causa de pedir”. 

O in dubio pro societate ainda existe nas ações de improbidade após a Lei nº 14.320/2021? O julgado não tratou sobre o tema, até mesmo porque foi prolatado antes da publicação da nova Lei. Contudo, penso que sim. O § 6º-B do art. 17, da LIA, inserido pela Lei nº 14.230/2021, prevê que a petição inicial será rejeitada “quando manifestamente inexistente o ato de improbidade imputado”, nos casos do art. 330 do CPC e quando não preenchidos os requisitos do § 6º do art. 17 da LIA. Desse modo, a nova redação assemelha-se com o revogado § 8º do art. 17, não havendo razões para se acreditar que o STJ mudará seu entendimento unicamente pela novidade legislativa.

9 de outubro de 2021

A decisão de recebimento da petição inicial da ação de improbidade não pode limitar-se ao fundamento de in dubio pro societate

Processo

REsp 1.570.000-RN, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. Acd. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por maioria, julgado em 28/09/2021.

Ramo do Direito

DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Ação de improbidade administrativa. Recebimento da petição inicial. In dubio pro societate. Fundamento único. Impossibilidade.

 

DESTAQUE

A decisão de recebimento da petição inicial da ação de improbidade não pode limitar-se ao fundamento de in dubio pro societate.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Em face dos princípios a que está submetida a administração pública (art. 37 da CF/1988) e a sua supremacia, sendo seus representantes os agentes públicos passíveis de serem alcançados pela lei de improbidade, o legislador quis impedir o ajuizamento de ações temerárias, evitando, com isso, além de eventuais perseguições políticas e o descrédito social de atos ou decisões político-administrativos legítimos, a punição de administradores ou de agentes públicos inexperientes, inábeis ou que fizeram uma má opção política na gerência da coisa pública ou na prática de atos administrativos, sem má-fé ou intenção de lesar o erário ou de enriquecimento.

Não se pode ignorar, porém, que, na fase preliminar, o magistrado atua em cognição sumária, não se aprofundando no exame de mérito da pretensão sancionatória, de sorte que, se os indícios apresentados forem suficientes à instauração de dúvida quanto à existência da prática de ato ímprobo, a inicial deve ser recebida, à luz do princípio in dubio pro societate.

Nesse contexto, o § 8º do art. 17 da Lei n. 8.429/1992 estabelece que, "recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita".

A decisão de recebimento da petição inicial, incluída a hipótese de rejeição, deve ser adequada e especificamente motivada pelo magistrado, com base na análise dos elementos indiciários apresentados, em cotejo com a causa de pedir delineada pelo Ministério Público. Essa postura é inclusive reforçada, atualmente, pelos arts. 489, § 3º, e 927 do CPC/2015.

Nessa linha, convém anotar que a decisão de recebimento da inicial da ação de improbidade não pode limitar-se à invocação do in dubio pro societate, devendo, antes, ao menos, tecer comentários sobre os elementos indiciários e a causa de pedir, ao mesmo tempo que, para a rejeição, deve bem delinear a situação fático-probatória que lastreia os motivos de convicção externados pelo órgão judicial.