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28 de junho de 2021

É possível condenar judicialmente Estado ou Município a investir na saúde os valores mínimos que não foram aplicados em anos anteriores

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-1017-stf.pdf


DIREITO FINANCEIRO - É possível condenar judicialmente Estado ou Município a investir na saúde os valores mínimos que não foram aplicados em anos anteriores 

É compatível com a Constituição Federal controle judicial a tornar obrigatória a observância, tendo em conta recursos orçamentários destinados à saúde, dos percentuais mínimos previstos no artigo 77 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, considerado período anterior à edição da Lei Complementar nº 141/2012. STF. Plenário. RE 858075/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 14/5/2021 (Repercussão Geral – Tema 818) (Info 1017). 

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: 

O Ministério Público federal ajuizou ação civil pública contra o Município de Nova Iguaçu (RJ) e contra a União, alegando que, no ano de 2003, o Município não aplicou o percentual mínimo de recursos que deveriam ser destinados à saúde, conforme exigido pelo art. 198, § 2º, III, da Constituição, observados os parâmetros do art. 77, § 1º, do ADCT: 

Art. 198 (...) § 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: (...) III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º. 

Art. 77. Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos aplicados nas ações e serviços públicos de saúde serão equivalentes: (...) III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, quinze por cento do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º. (Incluído pela EC 29/2000) § 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que apliquem percentuais inferiores aos fixados nos incisos II e III deverão elevá-los gradualmente, até o exercício financeiro de 2004, reduzida a diferença à razão de, pelo menos, um quinto por ano, sendo que, a partir de 2000, a aplicação será de pelo menos sete por cento. (Incluído pela EC 29/2000) 

O MPF alegou, ainda, que, diante do descumprimento do art. 198, § 2º, III, da CF/88, a União deveria ter deixado de repassar recursos financeiros para o Município. 

Sentença 

O magistrado jugou o pedido procedente para determinar ao Município de Nova Iguaçu que incluísse, no orçamento do exercício financeiro seguinte, os recursos que deixaram de ser investidos na saúde no ano de 2003. Em outras palavras, vamos imaginar que, em 2003, deveriam ter sido investidos R$ 4 milhões na saúde, mas só foram destinados R$ 3 milhões. O juiz determinou que esse R$ 1 milhão que faltou ser aplicado deverá agora ser investido no ano seguinte à publicação da sentença. Vale ressaltar que esse R$ 1 milhão será somado ao valor mínimo que já é destinado normalmente à saúde. O juiz condenou, ainda, a União dizendo que ela não deveria ter repassado as transferências voluntárias ao Município, tendo em vista que ele não cumpriu a aplicação mínima de recursos na área de saúde. 

Recurso extraordinário 

Após o esgotamento das instâncias ordinárias, foi interposto extraordinário dirigido ao STF. O Município sustentou a tese de que: 

- em 2003, ainda não havia sido editada nenhuma lei ou ato normativo prevendo a sanção aplicável pelo descumprimento do mínimo constitucional para a saúde; 

- a definição das sanções e do momento de sua aplicação somente surgiu com a Lei Complementar federal nº 141/2012, editada em cumprimento ao art. 198, § 3º, IV, da CF/88; 

- logo, o juiz não poderia ter proferido essa condenação, já que os fatos são anteriores à LC 141/2012. 

A União afirmou também que, naquela época, não havia norma autorizando que ela retivesse as transferências voluntárias devidas ao Município pelo simples fato de o referido ente local não ter aplicado o percentual mínimo de recursos na saúde. 

O argumento da União foi acolhido pelo STF? 

SIM. No ano de 2003, ainda não havia sido editada regra que estabelecesse a sanção aplicável pelo descumprimento do mínimo constitucional e regulasse o seu procedimento de aplicação. O art. 160, parágrafo único, II, da Constituição, incluído pela EC nº 29/2000, previu a possibilidade de União e Estados condicionarem a entrega dos recursos indicados nos arts. 158 e 159 ao cumprimento do art. 198, § 2º, II e III, mas não determinou que essa fosse a consequência direta e imediata do desrespeito aos percentuais mínimos: 

Art. 160. É vedada a retenção ou qualquer restrição à entrega e ao emprego dos recursos atribuídos, nesta seção, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, neles compreendidos adicionais e acréscimos relativos a impostos. Parágrafo único. A vedação prevista neste artigo não impede a União e os Estados de condicionarem a entrega de recursos: (...) II – ao cumprimento do disposto no art. 198, § 2º, incisos II e III. 

Assim, o STF entende que, antes do advento da LC 141/2012, não se pode aplicar a sanção de restrição de transferência voluntária federal a Município ou Estado-membro em razão do descumprimento do percentual mínimo de gastos em saúde: STF. Plenário. ACO 2075 AgR, Rel. Dias Toffoli, julgado em 27/04/2018. 

Por outro lado, a alegação do Município foi aceita pelo STF? 

NÃO. A regra instituidora da sanção imputável ao ente federativo que descumpre o mínimo constitucional só sobreveio com a edição dos arts. 25 e 26 da LC 141/2012, mas a exigência de aplicação de um percentual mínimo em ações e serviços públicos de saúde decorre diretamente da Constituição, desde a edição da EC 29/2000. O art. 77, III e § 1º, do ADCT indica expressamente os percentuais mínimos a serem observados pelos Municípios desde o ano 2000, deixando claro o caráter autoaplicável da previsão, que deveria ser obedecida desde a sua promulgação. Assim, embora não se possa obrigar a União a restringir a entrega de recursos financeiros ao Municípioréu, é plenamente exigível desse último a compensação da diferença que deixou de ser aplicada em ações e serviços de saúde no ano de 2003. A condenação da União é impossível porque, à época dos fatos submetidos a julgamento, não havia lei que condicionasse a realização das transferências constitucionais determinadas nos arts. 158 e 159 ao cumprimento dos percentuais mínimos de gasto em saúde. Da mesma forma, não há previsão que condicione a transferência de receitas tributárias ao cumprimento de decisões judiciais. Por outro lado, desde a promulgação da EC nº 29/2000 há norma autoaplicável que exige dos Municípios a aplicação de um percentual mínimo em ações e serviços de saúde. Desse modo, tal providência é passível de ser exigida do Município-réu pelo Poder Judiciário, com o emprego dos meios coercitivos típicos para cumprimento de decisões judiciais. 

Em suma: É compatível com a Constituição Federal controle judicial a tornar obrigatória a observância, tendo em conta recursos orçamentários destinados à saúde, dos percentuais mínimos previstos no artigo 77 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, considerado período anterior à edição da Lei Complementar nº 141/2012. O controle judicial da exigência de aplicação de um percentual mínimo de recursos orçamentários em ações e serviços públicos de saúde, previsto no art. 77 do ADCT, é compatível com a Constituição Federal desde a edição da EC 29/2000. STF. Plenário. RE 858075/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 14/5/2021 (Repercussão Geral – Tema 818) (Info 1017).

10 de maio de 2021

DIREITO FINANCEIRO - Se o Estado-membro utiliza em outras áreas determinadas verbas que deveriam aplicadas na saúde, ele deverá ser condenado a aplicar agora a integralidade da quantia na saúde

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-692-stj.pdf 


DIREITO FINANCEIRO - Se o Estado-membro utiliza em outras áreas determinadas verbas que deveriam aplicadas na saúde, ele deverá ser condenado a aplicar agora a integralidade da quantia na saúde 

O Estado-membro que desrespeita o mínimo constitucional que deve ser aplicado na saúde, realocando recurso em programa diverso, deve devolvê-lo à sua área de origem em sua totalidade. STJ. 2ª Turma. REsp 1.752.162/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 13/04/2021 (Info 692). 

A situação concreta foi a seguinte: 

O § 2º do art. 198 da CF/88 prevê percentuais mínimos que os entes públicos deverão aplicar na saúde: 

Art. 198 (...) 

§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: (...) 

II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; (...) 

O § 3º, por sua vez, determina que seja editada uma lei complementar federal estabelecendo algumas regras sobre o custeio do SUS. Uma das regras que deve ser estabelecida são os percentuais que deverão ser investidos pelos Estados e DF na saúde. Isso foi determinado pelo inciso I do § 3º do art. 198: 

Art. 198 (...) § 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá: I - os percentuais de que tratam os incisos II e III do § 2º; (...) 

No ano de 2005, o Estado do Rio de Janeiro não aplicou e descumpriu o mínimo constitucional que deveria ser aplicado na saúde, utilizando o dinheiro para outros gastos. Diante disso, o Ministério Público federal ajuizou, na Justiça Federal, ação civil pública objetivando a condenação de Estado-membro a reparar integralmente o dano causado pela não alocação do mínimo constitucional de recursos na área de saúde. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região reconheceu que, de fato, o governo não aplicou os valores devidos na saúde, mas afirmou que o orçamento do ano 2005 já era um fato pretérito e consumado. Logo, seria inviável o desfazimento ou a retificação daquele orçamento. Também não seria possível a modificação de futuras dotações orçamentárias. Em compensação, o TRF2 condenou o Estado a indenizar o Fundo Nacional de Saúde pelo dano causado com a não alocação dos recursos na área de saúde, fixando a verba indenizatória em R$ 18 milhões, correspondente a 10% (dez por cento) da verba apurada como não aplicada em programas e ações de saúde. O TRF2 considerou que não seria razoável condenar o Estado a investir todo o valor “desviado” da saúde (R$ 183 milhões) porque essa quantia foi aplicada em benefício da população, no entanto, em outras áreas de interesse público. Logo, para ao TRF2 não fazia sentido condenar o Estado a investir agora esse valor na saúde. O Ministério Público federal interpôs recurso especial. 

O STJ concordou com o acórdão do TRF2? 

NÃO. O STJ afirmou que, como o Estado do Rio de Janeiro não aplicou o mínimo constitucional que deve ser utilizado na saúde, utilizando os recursos em programa diverso, ele deverá devolver a quantia à sua área de origem (saúde) na totalidade. Isso significa que, se deixou de aplicar R$ 183 milhões que pertenciam à saúde, deverá ser condenado a investir esse valor agora na saúde. Considerando o efetivo desvio de verba orçamentária destinada exclusivamente à saúde, a sua aplicação em outras áreas de serviço público não pode servir de argumento para a redução do quantum, até porque as condições de serviço público oferecido à população, notadamente no setor de saúde, notoriamente se encontram extremamente precárias. Assim, se determinado valor deveria, por força de norma constitucional, ter sido aplicado na saúde, e o Estado alocou-o em programas diversos, a devolução de tal valor à sua área de origem, em sua totalidade, deve ser efetivada como forma de restaurar a ordem pública. A cominação de uma espécie de multa de 10% sobre o montante desviado revela-se em efetiva dissonância da legislação pátria em vigor, que prevê sempre quantum indenizatório equivalente ao prejuízo apurado em cada hipótese concreta, conforme se infere do art. 944 do Código Civil: 

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. 

Em suma: O Estado-membro que desrespeita o mínimo constitucional que deve ser aplicado na saúde, realocando recurso em programa diverso, deve devolvê-lo à sua área de origem em sua totalidade. STJ. 2ª Turma. REsp 1.752.162/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 13/04/2021 (Info 692).

 



24 de abril de 2021

São inconstitucionais as decisões judiciais que determinam a constrição de verbas públicas oriundas de Fundo Estadual de Saúde (FES) — que devem ter aplicação compulsória na área de saúde — para atendimento de outras finalidades específicas.

 Decisões judiciais e constrição de verbas públicas ADPF 664/ES 

 

Resumo:

São inconstitucionais as decisões judiciais que determinam a constrição de verbas públicas oriundas de Fundo Estadual de Saúde (FES) — que devem ter aplicação compulsória na área de saúde — para atendimento de outras finalidades específicas.

 

A jurisprudência da Corte (1) não admite a constrição indiscriminada de verbas públicas por meio de decisões judiciais, sob pena de afronta ao preceito contido no art. 167, VI, da Constituição Federal (CF) (2), e ao modelo constitucional de organização orçamentária das finanças públicas. Além disso, essas decisões afrontam o preceito da separação funcional de Poderes [art. 2º (3) c/c art. 60, § 4º, III (4), da CF], o princípio da eficiência da Administração Pública [art. 37, caput, da CF (5)] e o princípio da continuidade dos serviços públicos [art. 175 da CF (6)].

Com efeito, a possibilidade de constrição judicial de receita pública é absolutamente excepcional. O texto constitucional o permite apenas em hipóteses que envolvem o pagamento de dívidas do Poder Público mediante o sistema de precatórios, conforme o art. 100, § 6º, da CF (7), ao tratar da possibilidade de sequestro de verbas em caso de preterição da ordem de pagamento. Conforme apreciado pelo Supremo Tribunal Federal (8), é inconstitucional a ampliação dessas hipóteses constitucionais de sequestro, tal como pretendido na hipótese.

Portanto, não pode o Poder Judiciário, por mera comodidade da execução, determinar medida que acarreta gravame para as atividades administrativas e financeiras do Estado. Se nem ao próprio Poder Executivo é dado remanejar receitas públicas ao seu livre arbítrio, quanto mais se mostra temerário que o Poder Judiciário o faça, pois lhe falta capacidade institucional para avaliar os impactos desses bloqueios e sequestros de verbas sobre a atividade administrativa e a programação financeira do ente.

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou procedente o pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental, para declarar a inconstitucionalidade das decisões judiciais que determinaram a constrição de verbas públicas oriundas do Fundo Estadual de Saúde em contas vinculadas a contratos de gestão ou termos de parceria para a execução de ações de saúde pública, nos termos do voto do relator, vencido o ministro Marco Aurélio.

(1) Precedentes citados: ADPF 275/PB, relator Ministro Alexandre de Moraes (DJe de 27.6.2019); ADPF 33/PA, relator Ministro Gilmar Mendes (DJ de 27.10.2006); ADPF 114/PI MC, relator Ministro Roberto Barroso (DJe de 6.9.2019); entre outros julgados.

(2) CF: “Art. 167. São vedados: (...) IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo.”

(3) CF: “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

(4) CF: “Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...) § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) III - a separação dos Poderes;”

(5) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”

(6) CF: “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.”

(7) CF: “Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. (...) § 6º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o pagamento integral e autorizar, a requerimento do credor e exclusivamente para os casos de preterimento de seu direito de precedência ou de não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do seu débito, o sequestro da quantia respectiva.”

(8) ADI 1.662/SP, relator Min. Maurício Corrêa (DJ de 19.9.2003).

ADPF 664/ES, relator Min. Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em 16.4.2021 (sexta-feira), às 23:59