Mostrando postagens com marcador Crime contra a economia popular. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Crime contra a economia popular. Mostrar todas as postagens

19 de novembro de 2021

Nas hipóteses de crime contra a economia popular por pirâmide financeira, a identificação de algumas das vítimas não enseja a responsabilização penal do agente pela prática de estelionato

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-711-stj-2.pdf


CRIME CONTRA A ECONOMIA POPULAR Nas hipóteses de crime contra a economia popular por pirâmide financeira, a identificação de algumas das vítimas não enseja a responsabilização penal do agente pela prática de estelionato 

O crime do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/51 (crime contra a economia popular) se assemelha muito com o estelionato, previsto no art. 171 do Código Penal. A diferença, contudo, está na objetividade jurídica. Nos crimes da Lei nº 1.521/51, o bem jurídico é o patrimônio do povo ou de um número indeterminado de pessoas (protege a economia popular). No estelionato, o bem jurídico envolve o patrimônio de uma ou algumas pessoas determinadas. Assim, embora em ambos os crimes exista o meio fraudulento, no crime contra a economia popular tem-se a captação criminosa do dinheiro de todos (número indeterminado de vítimas), enquanto no estelionato se verifica o direcionamento da conduta a vítimas específicas. O fato de terem sido identificadas algumas vítimas não significa que não tenha havido a captação genérica de atingidos. Logo, trata-se de crime contra a economia popular. O caso é, portanto, de aplicação da regra da especialidade (o crime do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/51 é especial em relação ao estelionato), não sendo hipótese de crimes independentes, em concurso formal, continuado ou material. STJ. 6ª Turma. RHC 132.655-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 28/09/2021 (Info 711). 

Imagine a seguinte situação adaptada em relação ao caso concreto: 

Daniel criou uma empresa e passou a oferecer às pessoas uma espécie de “investimento” sob a aparência de trading esportivo (apostas em bolsas esportivas na internet, através de sites estrangeiros). Como funcionava o negócio? As vítimas eram ludibriadas a adquirir um “pacote” (plano) fornecido pela empresa. As pessoas adquiriam esse plano, denominado “Gold Plus” pela quantia de R$ 6 mil e lhes era prometido que teriam rendimentos mensais. A empresa, segundo por ela informado aos interessados, aplicaria os investimentos junto à bolsa esportiva Betfair, site hospedado no Reino Unido, mais especificamente em apostas de jogos de futebol e outros esportes, sendo que o rendimento auferido pela empresa por intermédio dessas apostas seria suficiente para remunerar os investidores e gerar o lucro do empreendimento. No entanto, verificou-se que o esquema consistia em mera especulação financeira através dos investimentos das vítimas, às quais eram prometidos elevados rendimentos, sem que houvesse a vinculação a qualquer produto ou serviço. Posteriormente, como ocorre em toda “pirâmide financeira”, o dinheiro destinado à remuneração dos investidores escasseou e as vítimas não receberam os valores que lhe foram prometidos, possuindo, tão somente, saldo “virtual” a receber em sua conta no site da empresa, porém, nenhuma delas o conseguia sacá-lo, salvo se aceitassem fazer novos aportes financeiros para garantir a continuidade do esquema fraudulento. 

Pirâmide financeira 

Para o STJ, a situação acima narrada configurou, na verdade, um esquema de pirâmide, também conhecido como “pirâmide financeira” (pichardismo). Em que consiste isso? 

“Pirâmide Financeira é como são chamados os esquemas empresariais que tem como principal receita a remuneração pela indicação de novos membros, feita por meio de uma taxa de entrada no negócio. É um esquema fraudulento que atrai pequenos investidores com a promessa de ganhos rápidos e retornos altos. A pirâmide financeira é caracterizada pelo investimento inicial baixo, as vendas de produtos em modo desproporcional, ou muitas vezes a inexistência de um produto em si, as poucas informações disponíveis sobre o investimento, seus riscos, e sobre a própria empresa, e por fim a promessa de ganhos exagerados. O conceito de pirâmide financeira vem do processo de venda: no topo da estrutura está o primeiro vendedor do produto, no degrau seguinte já vem um grupo de vendedores, que convidam novos vendedores que passam ao degrau inferior, e assim em diante. O degrau inferior sustenta o superior: para entrar no negócio, os novos vendedores devem investir em um valor X de produtos. O valor aplicado serve de pagamento aos vendedores que recrutaram estes outros, e assim o dinheiro faz o caminho inverso da pirâmide, até o topo. Esta sequência é interrompida quando existe dificuldade de incluir novos participantes, ou seja, novos níveis na pirâmide. Assim as receitas do esquema diminuem, os pagamentos dos vendedores anteriores na estrutura atrasam ou não são pagos, e começam os prejuízos aos participantes.” (https://www.dicionariofinanceiro.com/piramide-financeira) 

Os crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei nº 7.492/86) são de competência da Justiça Federal. A prática de “pirâmide financeira” é crime contra o sistema financeiro nacional? 

NÃO. O STJ entende que, em princípio, a prática de pirâmide financeira não configura, por si só, crime contra o sistema financeiro nacional. 

E qual é o delito praticado, então? 

Delito contra a economia popular (art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/51): 

Art. 2º São crimes desta natureza: (...) IX - obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos (“bola de neve”, “cadeias”, “pichardismo” e quaisquer outros equivalentes); (...) Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, de dois mil a cinqüenta mil cruzeiros. 

Vale ressaltar que o delito contra a economia popular é crime de competência da Justiça Estadual: 

Súmula 498-STF: Compete a justiça dos estados, em ambas as instâncias, o processo e o julgamento dos crimes contra a economia popular. 

Voltando ao caso concreto 

No caso concreto, o Ministério Público denunciou Daniel pela prática de crime contra a economia popular (art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/51) em concurso material com estelionato (art. 171 do CP). Vale ressaltar que, para cada vítima identificada, foi imputado um crime de estelionato. A defesa impetrou habeas corpus questionando a imputação, sob o argumento de que a imputação de crime contra a economia popular e estelionato, em razão do mesmo fato acima narrado, configuraria bis in idem. 

O STJ concordou com a argumentação da defesa? SIM. 

Estelionato x crime contra a economia popular do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/51 

O crime do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/51 se assemelha muito com o estelionato, previsto no art. 171 do Código Penal. A diferença, contudo, está na objetividade jurídica. Nos crimes da Lei nº 1.521/51, o bem jurídico é o patrimônio do povo ou de um número indeterminado de pessoas (protege a economia popular). No estelionato, o bem jurídico envolve o patrimônio de uma ou algumas pessoas determinadas. Conforme explica o Min. Nefi Cordeiro: 

“(...) embora em ambos os crimes exista o meio fraudulento, no crime contra a economia popular tem-se a captação criminosa do dinheiro de todos (número indeterminado de vítimas), enquanto no estelionato se verifica o direcionamento da conduta a vítimas específicas.” (HC 464.608/PE) 

Essa semelhança entre os dois crimes pode ser constatada pela descrição da denúncia oferecida pelo Ministério Público. Assim, na denúncia, o Promotor de Justiça, ao fazer a descrição das circunstâncias fáticas que permeiam os ilícitos imputados - crime contra a economia popular e estelionatos – menciona, em ambos os delitos, a prática de “golpe” em que o acusado induziria as vítimas em erro, mediante a promessa de ganhos financeiros muito elevados, com o intuito de levá-las a investir em suposta empresa voltada a realizar apostas em eventos esportivos. A diferença está apenas na identificação dos ofendidos nos estelionatos. Ocorre que, segundo entendimento reiterado do STJ, mesmo que seja possível a identificação de algumas vítimas nas hipóteses de crime contra a economia popular por pirâmide financeira, isso não enseja a responsabilização penal do agente pela prática de estelionato: 

(...) 1. Tendo a denúncia imputado que o agente e a corré utilizavam de meios fraudulentos para a obtenção de vantagem indevida em chamamento público (de pessoas físicas ou jurídicas) pela internet (sítio www.priples.com), verifica-se convocação genérica, a vítimas indeterminadas - dano ao dinheiro popular. 2. Distingue-se o estelionato (art. 171 do Código Penal) do crime de ganhos fraudulentos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas (art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/51) pelo direcionamento a vítimas determinadas ou indeterminadas. 3. Dando-se direcionamento genérico, pela internet, a pessoas físicas ou até jurídicas, a localização de algumas das vítimas não transmuta o crime contra a economia popular em estelionato, nem gera concurso de crimes, pois mero conflito aparente de normas. 4. A adequação típica a fatos constantes da denúncia não pode aguardar o momento da sentença, pelos direitos materiais e processuais decorrentes da classificação típica em crime de pequeno potencial ofensivo. 5. Habeas corpus concedido para corrigir a adequação típica dos fatos imputados para o crime do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/51, com as consequências processuais e materiais decorrentes, em decisão que se estende à corré. STJ. 6ª Turma. HC 464.608/PE, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe 6/12/2018. 

(...) 1. A criação de site na internet por quadrilha, sob o falso pretexto de vender mercadorias, mas sem a intenção de entregá-las, amolda-se mais ao crime contra a economia popular, previsto no art. 2º, inciso IX, da Lei n. 1.521/1951, do que ao estelionato (art. 171, caput, CP), dado que a conduta não tem por objetivo enganar vítima(s) determinada(s), mas, sim, um número indeterminado de pessoas, vendendo para qualquer um que acesse o site. 2. Nos termos do art. 2º, IX, da Lei n. 1.521/1951, constitui crime contra a economia popular "obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos (bola de neve', 'cadeias', 'pichardismo' e quaisquer outros equivalentes). (...) STJ. 3ª Seção. CC 133.534/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 6/11/2015. 

O fato de terem sido identificadas algumas vítimas não significa que não tenha havido a captação genérica de atingidos. Logo, trata-se de crime contra a economia popular. O caso é, portanto, de aplicação da regra da especialidade (o crime do art. 2º, IX, da Lei n. 1.521/51 é especial em relação ao estelionato), não sendo hipótese de crimes independentes, em concurso formal, continuado ou material. 

Em suma: Nas hipóteses de crime contra a economia popular por pirâmide financeira, a identificação de algumas das vítimas não enseja a responsabilização penal do agente pela prática de estelionato. STJ. 6ª Turma. RHC 132.655-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 28/09/2021 (Info 711)

9 de outubro de 2021

Nas hipóteses de crime contra a economia popular por pirâmide financeira, a identificação de algumas das vítimas não enseja a responsabilização penal do agente pela prática de estelionato

Processo

RHC 132.655-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 28/09/2021, DJe de 30/09/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PENAL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Pirâmide financeira. Crime contra a economia popular. Identificação de algumas vítimas. Imputação pela prática de estelionato. Bis in idem. Ocorrência.

 

DESTAQUE

Nas hipóteses de crime contra a economia popular por pirâmide financeira, a identificação de algumas das vítimas não enseja a responsabilização penal do agente pela prática de estelionato.


INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia em cinge-se à configuração de crime único e à ocorrência de bis in idem, diante da imputação nos arts. 171 do Código Penal e 2º, IX, da Lei n. 1.521/1951 (estelionato e crime contra a economia popular, respectivamente).

Sobre o tema, importante distinção entre os aspectos material e processual do ne bis in idem reside nos efeitos e no momento em que se opera essa regra. Sob a ótica da proibição de dupla persecução penal, a garantia em tela impede a formação, a continuação ou a sobrevivência da relação jurídica processual, enquanto que a proibição da dupla punição impossibilita tão somente que alguém seja, efetivamente, punido em duplicidade, ou que tenha o mesmo fato, elemento ou circunstância considerados mais de uma vez para se definir a sanção criminal.

No caso em análise, a descrição das circunstâncias fáticas que permeiam os ilícitos imputados - crime contra a economia popular e estelionatos - são semelhantes, pois mencionam a prática de "golpe" em que ele e os coacusados induziriam as vítimas em erro, mediante a promessa de ganhos financeiros muito elevados, com o intuito de levá-las a investir em suposta empresa voltada a realizar apostas em eventos esportivos. A diferença está na identificação dos ofendidos nos estelionatos.

Entretanto, nas hipóteses de crime contra a economia popular por pirâmide financeira, a identificação de algumas das vítimas não enseja a responsabilização penal do agente pela prática de estelionato.