RECURSO ESPECIAL Nº 1.728.086 - MS (2018/0051190-0)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE BEM
IMÓVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO DE EX-CÔNJUGE PENDENTES. DEFESA DA
MEAÇÃO. RESERVA DE METADE DO VALOR DE AVALIAÇÃO. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA
DESCONSIDERADA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Debate-se a extensão da proteção da meação reservada a ex-cônjuge na hipótese de
execução de título extrajudicial.
2. O novo diploma processual, além de estender a proteção da fração ideal para os demais
coproprietários de bem indivisível, os quais não sejam devedores nem responsáveis legais
pelo adimplemento de obrigação contraída por outro coproprietário, ainda delimitou
monetariamente a alienação judicial desses bens.
3. A partir do novo regramento, o bem indivisível somente poderá ser alienado se o valor de
alienação for suficiente para assegurar ao coproprietário não responsável 50% (cinquenta
por cento) do valor de avaliação do bem (art. 843, § 2º, do CPC/2015).
4. Essa nova disposição legal, de um lado, referenda o entendimento de que o bem
indivisível será alienado por inteiro, ampliando a efetividade dos processos executivos; de
outro, amplia a proteção de coproprietários inalcançáveis pelo procedimento executivo,
assegurando-lhes a manutenção integral de seu patrimônio, ainda que monetizado.
5. Estando pendente o julgamento dos embargos de terceiros opostos por ex-cônjuge
meeira, até que se decida sua eventual responsabilidade pela dívida do devedor primário, é
prudente, em juízo cautelar, que se mantenha à disposição do Juízo competente valor
correspondente à meação, nos termos da nova legislação processual.
6. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi, Paulo de Tarso
Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 27 de agosto de 2019 (data do julgamento).
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:
Cuida-se de recurso especial interposto por Maria Teresinha Gomes
fundamentado nas alíneas a e c do permissivo constitucional, no qual impugna acórdão
assim ementado (e-STJ, fl. 53):
AGRAVO – AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – PRELIMINAR ARGUIDA EM CONTRARRAZÕES – ESPOSA DO
EXECUTADO – TERCEIRO – MEEIRA DO IMÓVEL – ARTIGO 996, §
1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – PREAMBULAR REJEITADA – RESGUARDO MEAÇÃO DA ESPOSA DO DEVEDOR – LEVANTAMENTO – VALOR DA ARREMATAÇÃO – AGRAVO
IMPROVIDO.
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu, em casos análogos, que o
resguardo da meação da esposa do executado será sobre o valor da
arrematação.
Nas razões do presente recurso especial, a recorrente alega violação do art.
843, § 2º, do atual Código de Processo Civil. Sustenta que, segundo o novo regramento, o
direito de terceiro alheio aos efeitos da execução deve ser resguardado na proporção de
50% (cinquenta por cento) sobre o valor da avaliação do bem. Narra que não se está
discutindo acerca da possibilidade, ou não, da meação, mas sim quanto ao valor do bem,
o qual entende ser o de sua avaliação, e não da arrematação.
Contrarrazões ofertadas (e-STJ, fls. 121-134).
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):
Cinge-se a controvérsia a verificar se, diante da atual disposição contratual,
a reserva da meação passa a incidir sobre o valor de avaliação do imóvel excutido ou do
valor da efetiva arrematação.
De início, ressalta-se a aplicabilidade do CPC/2015 a este recurso, ante os
termos do Enunciado Administrativo n. 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de
9/3/2016. Verifica-se também que o presente recurso especial foi interposto nos autos de
agravo de instrumento, protocolado no Tribunal de origem, contra decisão que autorizou o
levantamento de 50% (cinquenta por cento) do valor de arrematação de imóvel do qual a
recorrente era coproprietária, cujo leilão também se deu sob a vigência do atual diploma
adjetivo.
Assim, não há dúvidas acerca da incidência do Código de Processo Civil de
2015 para disciplinar a hipótese em questão.
Compulsando os autos do presente recurso, nota-se que o agravo de
instrumento foi interposto contra decisão do Juízo de primeiro grau que deferiu o
levantamento de 50% (cinquenta por cento) do valor da arrematação da Fazenda Caieté
em favor do exequente, reservando tão somente o valor restante para proteção da
meação, direito ainda sub judice em embargos de terceiros ofertados pela ora recorrente.
Desde o referido agravo de instrumento, a recorrente sustenta que o novo
diploma processual estabelece ao coproprietário, a qualquer título, o direito à reserva da
metade do valor de avaliação do bem, na hipótese de a responsabilidade patrimonial
alcançar bem de terceiro.
Com efeito, no que tange à proteção do patrimônio de terceiros, o Código de
Processo Civil de 2015 inovou nosso sistema executivo, ao delimitar legalmente a
extensão da responsabilidade de cônjuges, companheiros e coproprietários. No que tange
aos cônjuges e companheiros, uma leitura apressada do novo dispositivo legal pode
aparentar que o atual dispositivo somente aclarou interpretação que já vinha sendo aplicada pelos Tribunais pátrios.
Isso porque, de fato, o legislador, na ânsia de assegurar maior efetividade ao
processo executivo, já havia estabelecido a admissibilidade de excussão de bem indivisível
de propriedade do casal, para responder por dívida exclusiva de apenas um dos cônjuges.
Nesses casos, o art. 655-B do CPC/1973 determinava que a meação recairia sobre o
produto da alienação do bem.
O referido dispositivo disciplinava nos seguintes termos:
Art. 655-B. Tratando-se de penhora em bem indivisível, a meação do
cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do
bem.
Noutros termos, o Código de Processo Civil revogado já viabilizava a venda
integral de bem indivisível pertencente ao casal. Ao interpretar a referida regra, o STJ
agasalhou a interpretação de que a meação, ao recair sobre o valor da alienação,
corresponderia à reserva de 50% (cinquenta por cento) do valor efetivamente apurado na
arrematação, tal qual aplicou o Tribunal a quo na hipótese dos autos.
Nesse sentido (sem destaques no original):
RECURSO ESPECIAL - EMBARGOS DE TERCEIRO - PENHORA DE
BEM IMÓVEL - MULHER CASADA - DEFESA DA MEAÇÃO - EXCLUSÃO EM CADA BEM - HASTA PÚBLICA - POSSIBILIDADE - RESERVA DE METADE DO VALOR AFERIDO NA ALIENAÇÃO
JUDICIAL.
1. Sendo a dívida pessoal de um dos cônjuges, haja vista que o ato
ilícito do qual derivou o título executivo judicial foi praticado somente
pelo marido e não reverteu em benefício da sociedade conjugal,
somente o patrimônio deste garante a execução. Assim,
cuidando-se de devedor casado e havendo bens comuns a
garantia fica reduzida ao limite da sua meação, nos termos do
art. 3º da Lei 4.121/62.
2. A execução não é ação divisória, pelo que inviável proceder a
partilha de todo o patrimônio do casal de modo a atribuir a cada qual
os bens que lhe cabem por inteiro. Deste modo, a proteção da
meação da mulher casada deve ser aferida sobre cada bem de forma
individualizada e não sobre a totalidade do patrimônio do casal.
3. Não se pode olvidar que embora a execução seja regida pelo
princípio da menor onerosidade ao devedor, reveste-se de natureza
satisfativa e deve levar a cabo o litígio. Destarte, com o fito de evitar a
eternização do procedimento executório, decorrente da inevitável
desestimulação da arrematação a vista da imposição de um
condomínio forçado na hipótese de se levar à praça apenas a fração
ideal do bem penhorado que não comporte cômoda divisão,
assentou-se a orientação doutrinária e jurisprudencial no sentido de que, em casos tais, há de ser o bem alienado em sua totalidade,
assegurando-se, todavia, ao cônjuge não executado a metade do
produto da arrematação, protegendo-se, deste modo, a sua meação.
4. Conquanto seja legítima a pretensão da recorrente de ver
assegurada a proteção de sua meação sobre cada bem de forma
individualizada, importante garantir a efetividade do procedimento
executório, pelo que, considerando-se que, in casu, recaiu a penhora
sobre imóvel que não comporta cômoda divisão, há de se proceder
a alienação do bem em hasta pública por inteiro reservando-se
à mulher a metade do preço alcançado.
5. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp n. 708.143/MA, Rel. Min. Jorge Scartezzini, Quarta Turma, DJ
26/2/2007, p. 596)
Todavia, o atual diploma processual, para além de ratificar entendimento há
muito adotado pela jurisprudência deste Tribunal Superior, alargando-o para alcançar
quaisquer coproprietários, estipulou ainda limite monetário para a alienação do bem
indivisível.
A esse respeito, o art. 843 do CPC/2015 determina (sem destaques no
original):
Art. 843. Tratando-se de penhora de bem indivisível, o equivalente à
quota-parte do coproprietário ou do cônjuge alheio à execução
recairá sobre o produto da alienação do bem. § 1º É reservada ao coproprietário ou ao cônjuge não executado a
preferência na arrematação do bem em igualdade de condições.
§ 2º Não será levada a efeito expropriação por preço inferior ao
da avaliação na qual o valor auferido seja incapaz de garantir,
ao coproprietário ou ao cônjuge alheio à execução, o
correspondente à sua quota-parte calculado sobre o valor da
avaliação.
Acerca da novidade legislativa, Daniel Amorim Assumpção Neves afirma que
"[a] única interpretação possível do dispositivo legal é de que o coproprietário não devedor
e o cônjuge ou companheiro não devedor nem responsável patrimonial secundário têm
direito a receber sua quota-parte tomando por base o valor da avaliação do bem, e não o
valor da expropriação. E, caso a expropriação não atinja sequer o valor que deve ser
entregue a esses sujeitos, não deverá ser realizada" (Manual de direito processual civil. 10ª ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 1157).
Essa nova disposição traduz, portanto, uma continuidade no movimento de
ampliação da efetividade do procedimento executivo, porém introduz também uma
ampliação da proteção do direito de terceiro, não devedor nem responsável pelo pagamento do débito. Desse modo, a excussão patrimonial deverá observar o valor de
reserva da meação, o qual será computado sobre o valor integral da avaliação do bem, de
maneira que a eventual alienação por valor inferior será suportada pelo credor que
promover a execução, e não pelo coproprietário não devedor.
Nesse contexto, também não se pode olvidar que o cônjuge ou companheiro
também poderá ser responsável pelo pagamento da dívida sempre que o benefício
alcançado pelo devedor tenha se revertido em "coisas necessárias à economia
doméstica" (art. 1.643 c/c 1.644, ambos do CC/2002). Sendo assim, havendo nos autos
debate acerca do aproveitamento dos benefícios decorrentes da obrigação exequenda em
favor da entidade familiar, é imprescindível a decisão final dos embargos de terceiros para
se reconhecer o direito da recorrente à proteção de sua meação.
No caso, ainda não houve decisão final sobre os embargos de terceiros, de
modo que o acórdão recorrido tão somente analisou a questão suscitada pela recorrente
em decorrência da autorização ao credor para levantamento de quantia insuficiente para
assegurar a reserva prevista no art. 843, § 2º, do CPC/2015. Faz-se, portanto, necessária
a reforma do julgado recorrido, a fim de que, no exercício do poder de cautela, seja
reservado percentual do valor de avaliação do imóvel condizente com a atual disposição
legal, até ulterior decisão dos embargos de terceiros.
Com esses fundamentos, dou provimento ao recurso especial, para
determinar a reserva de 50% (cinquenta por cento) do valor de avaliação do imóvel
arrematado, mantendo-se a autorização de levantamento, por ora, restrita ao saldo
remanescente.
É como voto.