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8 de janeiro de 2022

Tribunal de Justiça pode julgar ADI contra lei municipal tendo como parâmetro a Constituição Federal, desde que seja uma norma de reprodução obrigatória

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/12/info-1036-stf.pdf


CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Tribunal de Justiça pode julgar ADI contra lei municipal tendo como parâmetro a Constituição Federal, desde que seja uma norma de reprodução obrigatória

É constitucional o dispositivo de constituição estadual que confere ao tribunal de justiça local a prerrogativa de processar e julgar ação direta de constitucionalidade contra leis e atos normativos municipais tendo como parâmetro a Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos estados. STF. Plenário. ADI 5647/AP, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 3/11/2021 (Info 1036). 

A situação concreta foi a seguinte: 

O art. 133, II, “m”, da Constituição do Estado do Amapá estabelece que: 

Art. 133. Compete privativamente ao Tribunal de Justiça, além das competências elencadas no inciso I do art. 96 da Constituição Federal: (...) II - processar e julgar, originariamente: (...) m) a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual e de leis ou atos normativos municipais em face da Constituição Federal, observado o disposto no art. 97 desta última; 

O Procurador-Geral da República propôs ADI contra a expressão “de leis ou atos normativos municipais em face da Constituição Federal” alegando que essa previsão seria inconstitucional por violar os arts. 25, 102, § 1º, e 125, § 2º, da CF/88. Segundo o autor, não é possível que, na esfera estadual, o Tribunal de Justiça, em sede de controle concentrado, analise se uma lei ou ato normativo municipal é compatível com a Constituição Federal. Para o PGR, somente o Supremo Tribunal Federal poderia fazer isso, por meio de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). 

O que decidiu o STF? 

Antes de verificar o que o STF decidiu neste caso concreto, vamos fazer uma ampla revisão sobre o tema para que você possa compreender melhor o resultado. 

É possível que uma lei ou ato normativo municipal seja impugnada por meio de ADI proposta no Supremo Tribunal Federal? 

NÃO. A CF/88 somente autoriza que seja proposta ADI no STF contra lei ou ato normativo FEDERAL ou ESTADUAL. Veja: 

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; 

Vale ressaltar que é cabível ADPF contra lei municipal. 

É possível que uma lei ou ato normativo municipalseja impugnado por meio de ADI proposta no Tribunal de Justiça? 

SIM. A CF/88 autorizou essa possibilidade, determinando que o tema seja tratado nas Constituições estaduais. Confira: 

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1º - A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça. § 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais OU MUNICIPAIS em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão. 

A CF/88 utilizou o termo “representação de inconstitucionalidade”, mas é plenamente possível que a chamemos de “ação direta de inconstitucionalidade estadual” (ADI estadual). 

Parâmetro (ou norma de referência) 

Em controle de constitucionalidade, quando falamos em “parâmetro”, queremos dizer quais serão as normas da Constituição que serão analisadas para sabermos se a lei ou o ato normativo atacado realmente as violou. Em outras palavras, parâmetro são as normas que servirão como referência para que o Tribunal analise se determinada lei é ou não inconstitucional. Se a lei está em confronto com o parâmetro, ela é inconstitucional. 

Quando é proposta uma ADI no STF contra lei federal ou estadual, qual é o parâmetro que será analisado pelo Tribunal? 

A Constituição Federal. Isso inclui: normas originárias, emendas constitucionais, normas do ADCT e tratados internacionais de direitos humanos aprovados por 3/5 dos membros de cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos de votação. Assim, quando o autor propõe uma ADI no STF contra determinada lei, ele está dizendo que esta lei viola a CF/88 (parâmetro). 

Quando é proposta uma ADI no TJ contra lei municipal, qual é o parâmetro que será analisado pelo Tribunal? 

A Constituição Estadual. Isso está expressamente previsto no § 2º do art. 125 da CF/88: "§ 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual (...)". Assim, em regra, quando o Tribunal de Justiça julga uma ADI proposta contra lei ou ato normativo estadual ou municipal, ele deverá analisar se esta lei ou ato normativo viola ou não algum dispositivo da Constituição Estadual. 

Quando o TJ julga uma ADI contra lei estadual ou municipal, ele poderá declará-la inconstitucional sob o argumento de que viola um dispositivo da Constituição Federal? 

Em regra, não. Isso porque, como vimos acima, o parâmetro da ADI proposta perante o TJ é a Constituição Estadual (e não a Constituição Federal). Assim, em regra, na ADI estadual, o TJ irá analisar se a lei ou ato normativo atacado viola ou não a Constituição Estadual. Este é o parâmetro da ação. O TJ não pode examinar se o ato impugnado ofende a Constituição Federal. O STF, em reiteradas oportunidades, já decidiu sobre o tema: 

Não cabe a tribunais de justiça estaduais exercer o controle de constitucionalidade de leis e demais atos normativos municipais em face da Constituição Federal. STF. Plenário. ADI 347, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 20/09/2006. Logo, o TJ não pode dizer o seguinte: julgo a presente representação de inconstitucionalidade porque a Lei municipal XX/2015 viola o art. YY da Constituição Federal de 1988. 

Exceção 

A regra acima exposta comporta uma exceção. Os Tribunais de Justiça, ao julgarem a representação de inconstitucionalidade proposta contra lei municipal, poderão declará-la inconstitucional utilizando como parâmetro dispositivos da Constituição Federal, desde que eles sejam normas de reprodução obrigatória pelos Estados. 

Normas de reprodução obrigatória 

Normas de reprodução obrigatória são dispositivos da Constituição Federal de 1988 que, como o próprio nome indica, devem ser repetidos nas Constituições Estaduais. As normas de reprodução obrigatória são também chamadas de "normas de observância obrigatória" ou "normas centrais". Importante esclarecer que, se uma norma é de reprodução obrigatória, considera-se que ela está presente na Constituição Estadual mesmo que a Carta estadual seja silente. Ex: a CF/88 prevê que os Municípios são autônomos (art. 18). Trata-se de norma de reprodução obrigatória. Isso significa que, mesmo se a Constituição Estadual não disser que os Municípios são autônomos, ainda assim considera-se que essa regra está presente na Carta Estadual. Confira a explicação do Ministro Luis Roberto Barroso, para quem normas de reprodução obrigatória são: 

“as disposições da Carta da República que, por pré-ordenarem diretamente a organização dos Estados-membros, do Distrito Federal e/ou dos Municípios, ingressam automaticamente nas ordens jurídicas parciais editadas por esses entes federativos. Essa entrada pode ocorrer, seja pela repetição textual do texto federal, seja pelo silêncio dos constituintes locais – afinal, se sua absorção é compulsória, não há qualquer discricionariedade na sua incorporação pelo ordenamento local.” (Rcl 17954 AgR/PR). 

Não existe um artigo da Constituição Federal que diga quais são as normas de reprodução obrigatória. Isso foi uma “construção” da jurisprudência do STF, ou seja, em diversos julgados o Tribunal foi mencionando quais as normas seriam de reprodução obrigatória. Como exemplos de normas de reprodução obrigatória podemos citar as regras da Constituição Federal que tratam sobre organização político-administrativa, competências, separação dos Poderes, servidores públicos, processo legislativo, entre outras. Veja a importante lição de Marcelo Novelino sobre o tema: 

“(...) Diversamente da Carta anterior, que as relacionava expressamente (CF/1967-1969, art. 13, I, III e IX), na Constituição de 1988 as normas de observância obrigatória não foram elencadas de forma textual. Adotou-se uma formulação genérica que, embora teoricamente conferira maior liberdade de auto-organização aos Estados-membros, cria o risco de possibilitar interpretações excessivamente amplas na identificação de tais normas. (...) (...) As normas de observância obrigatória são diferenciadas em três espécies. Os princípios constitucionais sensíveis representam a essência da organização constitucional da federação brasileira e estabelecem limites à autonomia organizatória dos Estados-membros (CF, art. 34, VII). Os princípios constitucionais extensíveis consagram normas organizatórias para a União que se estendem aos Estados, por previsão constitucional expressa (CF, arts. 28 e 75) ou implícita (CF, art. 58, § 3.°; arts. 59 e ss.). Os princípios constitucionais estabelecidos restringem a capacidade organizatória dos Estados federados por meio de limitações expressas (CF, art. 37) ou implícitas (CF, art. 21).” (NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 82). 

Resumindo: 

• Em regra, quando os Tribunais de Justiça exercem controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais deverão examinar a validade dessas leis à luz da Constituição Estadual. 

• Exceção: os Tribunais de Justiça podem exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais utilizando como parâmetro normas da Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos Estados. 

Exemplos da exceção: 

Ex1: Município do Paraná aprovou lei tratando sobre direito do trabalho; foi proposta uma ADI estadual no TJ contra esta lei; o TJ poderá julgar a lei inconstitucional alegando que ela viola o art. 22, I, da CF/88 (mesmo que a Constituição do Estado não tenha regra semelhante); isso porque essa regra de competência legislativa é considerada como norma de reprodução obrigatória. Nesse sentido: STF. 1ª Turma. Rcl 17954 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 21/10/2016. 

Ex2: Município do Rio Grande do Sul editou lei criando gratificação para o Prefeito fora do regime de subsídio, o que violaria o art. 39, § 4º, da CF/88; o TJ/RS poderá julgar a lei municipal inconstitucional utilizando como parâmetro este dispositivo da Constituição Federal; isso porque a regra sobre o subsídio para membros de Poder e detentores de mandato eletivo é considerada norma de reprodução obrigatória. Nesse sentido: STF. Plenário. Rel. originário Min. Marco Aurélio, Rel. para acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 01/02/2017 (repercussão geral). 

Tese fixada pelo STF 

O tema acima exposto foi enfrentado pelo STF em um recurso extraordinário julgado sob a sistemática da repercussão geral, tendo sido fixada a seguinte tese: 

Tribunais de Justiça podem exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais utilizando como parâmetro normas da Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos estados. STF. Plenário. RE 650898/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 1º/2/2017 (Repercussão Geral – Tema 484) (Info 852). 

Obs: a tese acima fala em “leis municipais”, mas ela também pode ser aplicada para representações de inconstitucionalidade propostas no TJ contra “leis estaduais”. A tese falou apenas de leis municipais porque foi o caso analisado no recurso extraordinário. 

Recurso 

Se a representação de inconstitucionalidade sustentar que a norma apontada como violada (parâmetro) é uma norma de reprodução obrigatória, então, neste caso, caberá recurso extraordinário para o STF contra a decisão do TJ. Sobre o tema: 

(...) Tratando-se de ação direta de inconstitucionalidade da competência do Tribunal de Justiça local – lei estadual ou municipal em face da Constituição estadual –, somente é admissível o recurso extraordinário diante de questão que envolva norma da Constituição Federal de reprodução obrigatória na Constituição estadual. (...) STF. 2ª Turma. RE 246903 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 26/11/2013. 

Desse modo, Tribunais de Justiça podem exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais utilizando como parâmetro normas da Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos Estados. Contra esta decisão, cabe recurso extraordinário. Vale ressaltar que a decisão do STF neste recurso extraordinário terá eficácia erga omnes porque foi proferida em um processo objetivo de controle de constitucionalidade. 

Terminada a revisão, voltemos ao caso concreto. O STF, ao apreciar essa previsão da Constituição do Estado do Amapá, reiterou seu entendimento sobre o tema e afirmou que: 

É constitucional o dispositivo de constituição estadual que confere ao tribunal de justiça local a prerrogativa de processar e julgar ação direta de constitucionalidade contra leis e atos normativos municipais tendo como parâmetro a Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos estados. STF. Plenário. ADI 5647/AP, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 3/11/2021 (Info 1036). 

As normas constitucionais de reprodução obrigatória, por possuírem validade nacional, integram a ordem jurídica dos Estados-membros ainda quando omissas em suas Constituições estaduais, inexistindo qualquer discricionariedade em sua incorporação pelo ordenamento local. Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, julgou parcialmente procedente o pedido formulado em ação direta para dar interpretação conforme à CF ao art. 133, II, “m”, da Constituição do Estado do Amapá. Em outras palavras, o STF afirmou que esse dispositivo da CE/AP é constitucional, mas desde que seja interpretado conforme exposto acima (apenas para normas de reprodução obrigatória). 

Veja como o tema já foi cobrado em prova: 

 (TJRS-2018-VUNESP): Conforme já decidido pelo STF, em matéria de controle de constitucionalidade, inexiste usurpação de competência do STF quando os Tribunais de Justiça analisam, em controle concentrado, a constitucionalidade de leis municipais ante normas constitucionais estaduais que reproduzam regras da Constituição Federal que sejam de observância obrigatória. (VERDADEIRA) 

 (Auditor Fiscal de Tributos Estaduais/SEFIN-RO-2018-FGV): O Tribunal de Justiça do Estado Alfa foi instado a realizar o controle concentrado de constitucionalidade de lei do Município Beta. O autor da ação argumentava que teriam sido violados: (I) o Art. 10 da Constituição Estadual, que reproduzia literalmente preceito da Constituição da República; e (II) o Art. 39 da Constituição da República, pois é considerada norma de reprodução obrigatória, e a Constituição Estadual sujeitou os servidores às “normas constitucionais que lhes sejam aplicáveis”. Considerando o paradigma de confronto passível de ser utilizado pelo Tribunal de Justiça no controle concentrado de constitucionalidade, assinale a afirmativa correta: A ação pode ser conhecida em relação a ambos os fundamentos, pois o Tribunal de Justiça pode utilizar como parâmetro as normas da Constituição Estadual e as da Constituição da República de reprodução obrigatória. (VERDADEIRA) 


Ação de controle concentrado de constitucionalidade não pode ser utilizada como sucedâneo das vias processuais ordinárias

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/12/info-1034-stf.pdf


CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Ação de controle concentrado de constitucionalidade não pode ser utilizada como sucedâneo das vias processuais ordinárias 

Caso concreto: partido político ajuizou ADPF alegando que determinados discursos, pronunciamentos e comportamentos do Presidente da República, de Ministros de Estado e de outros integrantes do alto escalão do Poder Executivo federal representariam violação de preceitos fundamentais do Estado Democrático de Direito e do direito à saúde. O autor pediu “que o Presidente da República, bem como todos os seus Ministros e auxiliares imediatos pautem doravante seus atos, práticas, discursos e pronunciamentos em conformidade com os princípios constitucionais suprareferidos.” O STF não conheceu da ADPF. Na ação, o partido pede, em síntese, que o STF profira comando judicial para que o Presidente da República e seus auxiliares cumpram a Constituição. Ocorre que isso já é óbvio. À luz do constitucionalismo contemporâneo, não há qualquer dúvida de que a supremacia constitucional é o postulado sobre o qual se assenta a validade de todos os atos estatais. Mostra-se inócua e desprovida de qualquer utilidade provocar o Poder Judiciário objetivando, única e exclusivamente, declarar que as autoridades públicas estão sujeitas à ordem constitucional. Em um Estado Democrático de Direito, como o Brasil, nenhum ato jurídico pode ser praticado validamente à margem da Constituição. Transgressões aos princípios e regras constitucionais praticadas por autoridades públicas ou particulares, quando ocorrem, exigem a intervenção judicial, em caráter preventivo ou repressivo, diante de situações concretas e específicas, e não por meio de uma ação de controle concentrado de constitucionalidade. STF. Plenário. ADPF 686/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 18/10/2021 (Info 1034). 

A situação concreta foi a seguinte: 

O PSOL ajuizou ADPF alegando que determinados discursos, pronunciamentos e comportamentos do Presidente da República, de Ministros de Estado e de outros integrantes do alto escalão do Poder Executivo federal representariam violação de preceitos fundamentais do Estado Democrático de Direito e do direito à saúde. O partido argumentou que as autoridades reclamadas teriam feito declarações ou participado de manifestações de caráter antidemocrático contra o Congresso Nacional e o STF e que o Presidente da República estaria descumprindo o papel reservado à União na articulação e formulação das políticas públicas de enfrentamento da pandemia da COVID-19. O autor alegou, portanto, que as condutas praticadas traduzem atos do poder público lesivos aos preceitos fundamentais relativos ao Estado Democrático de Direito e à proteção da saúde humana enquanto direito de todos e dever do Estado, assegurados nos arts. 1º, caput, 196 e 197 da CF/88. Ao final, o partido pediu “que o Presidente da República, bem como todos os seus Ministros e auxiliares imediatos pautem doravante seus atos, práticas, discursos e pronunciamentos em conformidade com os princípios constitucionais suprareferidos.” 

O que o STF decidiu? O mérito da ADPF foi apreciado? NÃO. 

Inépcia da inicial 

O STF entendeu que a petição inicial não preencheu os elementos mínimos necessários à veiculação de uma pretensão de natureza judicial. Na ação, o partido pede, em síntese, que o STF profira comando judicial para que o Presidente da República e seus auxiliares cumpram a Constituição Federal. Ocorre que isso já é óbvio. À luz do constitucionalismo contemporâneo, não há qualquer dúvida de que a supremacia constitucional é o postulado sobre o qual se assenta a validade de todos os atos estatais. A Constituição brasileira prevê expressamente que o Brasil é um “Estado Democrático de Direito” (art. 1º, caput). Desse modo, mostra-se inócua e desprovida de qualquer utilidade provocar o Poder Judiciário objetivando, única e exclusivamente, declarar que as autoridades públicas estão sujeitas à ordem constitucional. Em um Estado Democrático de Direito, como o Brasil, nenhum ato jurídico pode ser praticado validamente à margem da Constituição, pois, no âmbito do seu espaço territorial, ninguém está imune à observância da ordem constitucional brasileira. Transgressões aos princípios e regras constitucionais praticadas por autoridades públicas ou particulares, quando ocorrem, exigem a intervenção judicial, em caráter preventivo ou repressivo, diante de situações concretas e específicas, e não por meio de uma ação de controle concentrado de constitucionalidade. 

Controle abstrato 

As ações de controle normativo abstrato, como é o caso da ADPF, instauram processo de fiscalização objetiva de constitucionalidade de leis e atos normativos. A natureza jurídica dos processos de índole objetiva não se mostra compatível com a análise aprofundada de fatos envolvendo supostas práticas ilícitas, atos de improbidade administrativa ou infrações criminais imputadas a particulares, servidores públicos ou autoridades políticas. A jurisdição constitucional prestada por meio do processo de controle concentrado de constitucionalidade tem por objeto verificar apenas a validade formal ou material de leis e atos administrativos dotados dos atributos da generalidade, impessoalidade e abstração, por isso o seu caráter objetivo. Desse modo, mostra-se inviável, no âmbito da ADPF, a apuração de supostos ilícitos penais ou violações funcionais praticados pelo Presidente, Ministros ou outros auxiliares. Nessa linha de entendimento, o processo de fiscalização normativa abstrata não pode ser utilizado como indevido sucedâneo alternativo às vias processuais ordinárias. 

Em suma: Ação de controle concentrado de constitucionalidade não pode ser utilizada como sucedâneo das vias processuais ordinárias. STF. Plenário. ADPF 686/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 18/10/2021 (Info 1034). 

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, não conheceu de arguição de descumprimento de preceito fundamental ajuizada em face de discursos, pronunciamentos e comportamentos, ativos e omissivos, atribuídos ao Presidente da República, a ministros de Estado e a integrantes do alto escalão do Poder Executivo federal. Vencidos os ministros Ricardo Lewandowski e Edson Fachin.

15 de outubro de 2021

Não cabe ADI no TJ contra lei ou ato normativo municipal que viole a Lei Orgânica do Município

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/10/info-1025-stf.pdf


CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Não cabe ADI no TJ contra lei ou ato normativo municipal que viole a Lei Orgânica do Município 

Ao analisar dispositivos da Constituição do Estado de Pernambuco, o STF chegou a duas importantes conclusões: 

I – Não cabe controle concentrado de constitucionalidade de leis ou ato normativos municipais contra a Lei Orgânica respectiva. Em outras palavras, a Lei Orgânica do Município não é parâmetro de controle abstrato de constitucionalidade estadual, uma vez que a Constituição Federal, no art. 125, § 2º, estabelece como parâmetro apenas a Constituição Estadual. Assim, é inconstitucional dispositivo da Constituição estadual que afirme ser possível ajuizar ADI, no Tribunal de Justiça, contra lei ou ato normativo estadual ou municipal sob o argumento de que ele viola a Lei Orgânica do Município. 

II – Não compete ao Poder Legislativo, de qualquer das esferas federativas, suspender a eficácia de lei ou ato normativo declarado inconstitucional em controle concentrado de constitucionalidade. Desse modo, é inconstitucional dispositivo da Constituição estadual que afirme que, se o Tribunal de Justiça declarar a inconstitucionalidade de lei em ação direta de inconstitucionalidade (controle concentrado de constitucionalidade), ele precisará comunicar essa decisão à Assembleia Legislativa (se for lei estadual) ou à Câmara de Vereadores (se for lei municipal) a fim de que o órgão legislativo suspenda a eficácia dessa lei. 

STF. Plenário. ADI 5548/PE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 16/8/2021 (Info 1025). 

O caso concreto foi o seguinte: 

A Constituição do Estado de Pernambuco afirmou que seria possível ajuizar ADI contra lei ou ato normativo estadual ou municipal quando estivesse sendo violado algum dispositivo da Lei Orgânica do Município. Essa ADI seria julgada pelo Tribunal de Justiça: 

Art. 61. Compete ao Tribunal de Justiça: I – processar e julgar originariamente: (...) l) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal, em face desta Constituição, ou de lei ou ato normativo municipal em face da Lei Orgânica respectiva 

Além disso, a CE/PE também previu que, se o Tribunal de Justiça declarar a inconstitucionalidade de lei em ação direta de inconstitucionalidade (controle concentrado de constitucionalidade), ele comunicará essa decisão à Assembleia Legislativa (se for lei estadual) ou à Câmara de Vereadores (se for lei municipal) e o órgão legislativo irá suspender a eficácia dessa lei. Veja: 

Art. 63. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade: (...) § 3º Declarada a inconstitucionalidade, a decisão será comunicada à Assembleia Legislativa para promover a suspensão da eficácia da lei, em parte ou no seu todo, quando se tratar de afronta à Constituição Estadual, ou a Câmara Municipal quando a afronta for a Lei Orgânica respectiva. 

Essas duas previsões são compatíveis com a Constituição Federal? A Constituição Estadual poderia ter fixado essas regras? 

NÃO. Irei dividir a análise em duas partes. 

QUANTO À PRIMEIRA PARTE (ART. 61, I, “L”, DA CE/PE): 

Não se admite controle concentrado de constitucionalidade de leis ou atos normativos municipais em face da Lei Orgânica respectiva. É inconstitucional adoção de lei orgânica municipal como parâmetro de controle abstrato de constitucionalidade estadual, em face de ato normativo municipal, uma vez que a Constituição Federal, no art. 125, § 2º, estabelece como parâmetro apenas a constituição estadual. STF. Plenário. ADI 5548/PE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 16/8/2021 (Info 1025). 

Vamos entender com calma. 

É possível que uma lei ou ato normativo municipal seja impugnado por meio de ADI proposta no Tribunal de Justiça? 

SIM. A CF/88 autorizou essa possibilidade, determinando que o tema seja tratado nas Constituições estaduais. Confira: 

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça. § 2º Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais OU MUNICIPAIS em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão. 

A CF/88 utilizou o termo “representação de inconstitucionalidade”, mas é plenamente possível que a chamemos de “ação direta de inconstitucionalidade estadual” (ADI estadual). 

Parâmetro (ou norma de referência) 

Em controle de constitucionalidade, quando falamos em “parâmetro”, queremos dizer quais serão as normas da Constituição que serão analisadas para sabermos se a lei ou o ato normativo atacado realmente as violou. Em outras palavras, “parâmetro” são as normas que servirão como referência para que o Tribunal analise se determinada lei é ou não inconstitucional. Se a lei está em confronto com o parâmetro, ela é inconstitucional. 

Quando é proposta uma ADI no STF contra lei federal ou estadual, qual é o parâmetro que será analisado pelo STF? 

A Constituição Federal. Isso inclui: normas originárias, emendas constitucionais, normas do ADCT e tratados internacionais de direitos humanos aprovados por 3/5 dos membros de cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos de votação. Assim, quando o autor propõe uma ADI no STF contra determinada lei, ele está dizendo que esta lei viola a CF/88 (parâmetro). 

É possível que uma lei ou ato normativo municipalseja impugnado por meio de ADI proposta no Tribunal de Justiça? 

SIM. O art. 125, § 2º da CF/88 autorizou essa possibilidade, determinando que o tema seja tratado nas Constituições estaduais. 

Quando é proposta uma ADI no Tribunal de Justiça contra lei municipal, qual é o parâmetro que será analisado pelo Tribunal? 

A Constituição Estadual. Isso está expressamente previsto no § 2º do art. 125 da CF/88: “§ 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual (...)”. Assim, em regra, quando o Tribunal de Justiça julga uma ADI proposta contra lei ou ato normativo estadual ou municipal, ele deverá analisar se esta lei ou ato normativo viola ou não algum dispositivo da Constituição Estadual. 

Qual foi o “problema” da previsão contida no art. 61, I, “l”, da CE/PE? 

Esse dispositivo afirmou que caberia ADI no TJ contra lei/ato normativo municipal que violasse a Lei Orgânica do Município. Ocorre que o § 2º do art. 125 da CF/88 não autorizou essa possibilidade de parâmetro. O § 2º do art. 125 da CF/88 afirmou que somente cabe ADI no TJ se o parâmetro for a Constituição Estadual, ou seja, se a lei ou ato normativo violar a Constituição Estadual. • ADI alegando que a lei ou ato normativo viola a CE: é possível (o art. 125, § 2º da CF/88 autorizou). • ADI alegando que a lei ou ato normativo viola a LO: não é possível (o art. 125, § 2º da CF/88 foi silente e, portanto, entende-se que não autorizou). Assim, o STF entende que o controle concentrado de lei municipal contra a Lei Orgânica do mesmo Município não deve ser admitido por ausência de previsão constitucional: (...) 2. Controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal em face da Lei Orgânica do Município. Inexistência de previsão constitucional. (...) (RE 175.087/SP, Rel. Min. Néri da Silveira). Se uma lei ou ato normativo municipal viola a Lei Orgânica Municipal, “não estaremos diante de controle de constitucionalidade, mas de simples controle de legalidade, cujas regras deverão ser explicitamente previstas na Lei Orgânica de cada Município.” (LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 25ª ed., São Paulo: Saraiva, 2021, p. 525). 

E se fosse a Lei Orgânica do Distrito Federal? Cabe ADI no TJDFT contra lei ou ato normativo distrital que viola a Lei Orgânica do Distrito Federal? 

SIM. Isso porque prevalece que a Lei Orgânica do Distrito Federal possui a mesma natureza jurídica de uma Constituição Estadual. Nesse sentido, confira o que afirmou o Min. Ricardo Lewandowski no voto condutor proferido no RE 577.025: 

“(...) muito embora não tenha o constituinte incluído o Distrito Federal no art. 125, § 2º, que atribui competência aos Tribunais de Justiça dos Estados para instituir a representação de inconstitucionalidade em face das constituições estaduais, a Lei Orgânica do Distrito Federal apresenta, no dizer da doutrina, a natureza de verdadeira Constituição local, ante a autonomia política, administrativa e financeira que a Carta confere a tal ente federado. (...)” STF. Plenário. RE 577.025, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 11/12/2008. 

Justamente por isso, a Lei Federal nº 11.697/2008 (Lei de organização judiciária do Distrito Federal) prevê que: 

Art. 8º Compete ao Tribunal de Justiça: I – processar e julgar originariamente: (...) n) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Distrito Federal em face de sua Lei Orgânica; 

QUANTO À SEGUNDA PARTE (ART. 63, § 3º DA CE/PE): 

Em seu art. 63, § 3º, a CE/PE afirmou que, se o Tribunal de Justiça, no julgamento de uma ADI (controle concentrado de constitucionalidade), declarar a inconstitucionalidade de lei, ele deverá comunicar essa decisão à Assembleia Legislativa (se for lei estadual) ou à Câmara de Vereadores (se for lei municipal) a fim de que o respectivo órgão legislativo suspenda a eficácia da lei. Esse dispositivo da Constituição do Estado de Pernambuco foi mal inspirado na previsão do art. 52, X, da CF/88, que diz: 

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (...) X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal; 

O STF, contudo, afirmou que o art. 63, § 3º da CE/PE é inconstitucional justamente por violar o art. 52, X, da CF/88. O art. 52, X, da CF/88 é uma regra que somente vale para o controle difuso de constitucionalidade. Este dispositivo da Carta Magna não tem cabimento quando a decisão decorrer de julgamento de controle concentrado de constitucionalidade, como na ADI. As decisões tomadas em controle concentrado já são dotadas de eficácia erga omnes por força do art. 102, § 2º da CF/88: 

Art. 102 (...) § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. 

Desse modo, a atuação do Poder Legislativo só se justifica no âmbito do controle difuso — de modo a expandir a todos os efeitos de decisão dotada originalmente com eficácia “entre as partes”. A Constituição Estadual não poderia ter disciplinado o tema de maneira diversa, submetendo às Casas Legislativas estaduais ou municipais a atribuição de suspender a eficácia de lei já declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça local no julgamento de ADI. 

Em suma: Não compete ao Poder Legislativo, de qualquer das esferas federativas, suspender a eficácia de lei ou ato normativo declarado inconstitucional em controle concentrado de constitucionalidade. STF. Plenário. ADI 5548/PE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 16/8/2021 (Info 1025).


19 de agosto de 2021

Filigrana doutrinária: Teresa Arruda Alvim - Excepcionalidade da modulação dos efeitos da decisão em sede de controle de Constitucionalidade

"Importante consignar, todavia, que a utilização indevida da modulação, transformando-a em regra, quando, na verdade, é exceção, pode ensejar mais insegurança jurídica e estimular a edição de leis inconstitucionais. A excepcionalidade desse instituto exige fundamentação qualificada. Trata-se de instituto que deve ser excepcionalmente usado, tanto no ambiente do controle concentrado, quanto no da alteração de precedentes/jurisprudência firme, sendo este último o objeto principal deste estudo. À época de sua concepção, foi visto como algo tão excepcional que o quórum para modular era (é) maior do que o exigido para a própria declaração de inconstitucionalidade". 


ALVIM, Teresa Arruda. Modulação: na alteração da jurisprudência firme ou de precedentes vinculantes. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 27. 

Modulação temporal dos efeitos de decisão de inconstitucionalidade - REsp 1.904.374 - DF

"13) Todavia, é conhecida a lição e o entendimento que conferem eficácia prospectiva (efeito ex nunc) às decisões que declaram a inconstitucionalidade de lei, fundando-se em razões de diversas ordens – proteção à boa-fé, tutela da confiança, previsibilidade, pragmatismo e consequencialismo jurídico são algumas delas. A partir desses ideais é que se concebeu a denominada modulação temporal dos efeitos da decisão que declara a inconstitucionalidade".


RECURSO ESPECIAL Nº 1.904.374 - DF (2020/0143768-8) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

A inexistência jurídica da sentença pode ser declarada em ação autônoma (querela nullitatis insanabilis) e também no próprio processo em que proferida, na fase de cumprimento de sentença ou até antes dela, se possível, especialmente na hipótese em que a matéria foi previamente submetida ao crivo do contraditório e não havia a necessidade de dilação probatória

RECURSO ESPECIAL Nº 1.904.374 - DF (2020/0143768-8) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DAS SUCESSÕES. OMISSÕES. INOCORRÊNCIA. QUESTÕES DECIDIDAS PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. QUESTÃO CONSTITUCIONAL QUE DEVE SER EXAMINADA EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. EFEITO EX TUNC COMO REGRA. MODULAÇÃO TEMPORAL DE EFEITOS E EFICÁCIA EX NUNC COMO EXCEÇÃO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA MODULAÇÃO DE EFEITOS. NECESSIDADE. TEMA 809/STF. APLICABILIDADE AOS PROCESSOS EM QUE NÃO TENHA HAVIDO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA DE PARTILHA. TUTELA DA CONFIANÇA E PREVISIBILIDADE DAS RELAÇÕES PROCESSUAIS FINALIZADAS SOB A ÉGIDA DO ART. 1.790 DO CC/2002. PRÉ-EXISTÊNCIA DE DECISÃO EXCLUINDO HERDEIRO DA SUCESSÃO À LUZ DO DISPOSITIVO POSTERIORMENTE DECLARADO INCONSTITUCIONAL. IRRELEVÂNCIA. AÇÃO DE INVENTÁRIO SEM SENTENÇA DE PARTILHA E SEM TRÂNSITO EM JULGADO. EQUIPARAÇÃO COM DECISÃO PROFERIDA NO CURSO DO INVENTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE DE ARGUIÇÃO EM IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA QUE IMPLICA NA POSSIBILIDADE DE SEU EXAME NA FASE DE CONHECIMENTO. 

1- Ação proposta em 03/02/2004. Recurso especial interposto em 25/11/2019 e atribuído à Relatora em 07/10/2020. 

2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se o acórdão recorrido possui omissões relevantes; (ii) se a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do tema 809, segundo a qual “é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”, deve ser aplicada ao inventário em que a exclusão da concorrência entre herdeiros ocorreu em decisão anterior à tese. 

3- Inexiste omissão quando o acórdão recorrido enfrenta amplamente a questão controvertida, ainda que contrariamente aos interesses da parte recorrente, bem como inexiste omissão quando a questão que se alega deveria ter sido enfrentada possui natureza constitucional e não houve a interposição de recurso extraordinário pela parte. 

4- Considerando que a lei incompatível com o texto constitucional padece do vício de nulidade, a declaração de sua inconstitucionalidade, de regra, produz efeito ex tunc, ressalvadas as hipóteses em que, no julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, houver a modulação temporal dos efeitos, que é excepcional. 

5- Da excepcionalidade da modulação decorre a necessidade de que o intérprete seja restritivo, a fim de evitar inadequado acréscimo de conteúdo sobre aquilo que o intérprete autêntico pretendeu proteger e salvaguardar. 

6- Ao declarar a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 (tema 809), o Supremo Tribunal Federal modulou temporalmente a aplicação da tese para apenas “os processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha”, de modo a tutelar a confiança e a conferir previsibilidade às relações finalizadas sob as regras antigas (ou seja, às ações de inventário concluídas nas quais foi aplicado o art. 1.790 do CC/2002). 

7- Aplica-se a tese fixada no tema 809/STF às ações de inventário em que ainda não foi proferida a sentença de partilha, ainda que tenha havido, no curso do processo, a prolação de decisão que, aplicando o art. 1.790 do CC/2002, excluiu herdeiro da sucessão e que a ela deverá retornar após a declaração de inconstitucionalidade e a consequente aplicação do art. 1.829 do CC/2002. 

8- Não são equiparáveis, para os fins da aplicação do tema 809/STF, as sentenças de partilha transitadas em julgado e as decisões que, incidentalmente, versam sobre bens pertencentes ao espólio, uma vez que a inconstitucionalidade de lei, enquanto questão de ordem pública, é matéria suscetível de arguição em impugnação ao cumprimento de sentença e que, com muito mais razão, pode ser examinada na fase de conhecimento. 

9- Recurso especial conhecido e desprovido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso especial nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Dr. GUSTAVO HENRIQUE CAPUTO BASTOS, pela parte RECORRENTE: TIAGO BASTOS DE MIRANDA RIBEIRO e Outro 

Brasília (DF), 13 de abril de 2021(Data do Julgamento) 

MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora 


RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): 

Cuida-se de recurso especial interposto por VITOR BASTOS DE MIRANDA RIBEIRO e TIAGO BASTOS DE MIRANDA, com base no art. 105, III, alínea “a” do permissivo constitucional, contra o acórdão do TJ/DFT que, por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento por eles interposto. 

Recurso especial interposto e m: 25/11/2019. 

Atribuído ao gabinete e m: 07/10/2020. 

Ação: de inventário e partilha de bens de SADY CARNOT ASSIS DE MIRANDA RIBEIRO. 

Decisão interlocutória: diante da declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 pelo Supremo Tribunal Federal (tema 809/STF), que equiparou o regime sucessório entre cônjuges e companheiros, determinou fosse aplicado ao inventário e partilha de bens de SADY a regra do art. 1.829 do CC/2002, razão pela qual a recorrida ROSANE DE AZAMBUJA VILLANOVA, companheira de SADY, passou a concorrer com os descendentes em relação aos bens particulares deixados pelo falecido (fls. 843/844 e fl. 849, e-STJ). 

Acórdão do TJ/DFT: por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento interposto pelos recorrentes, nos termos da seguinte ementa: 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DISTINÇÃO DE REGIME SUCESSÓRIO ENTRE CÔNJUGES E COMPANHEIROS. INCONSTITUCIONALIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 1829 DO CÓDIGO CIVIL. RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS Nº 646.721/RS E Nº 878.694/MG. DECISÃO MANTIDA. 1. A hipótese consiste em verificar se determinado bem imóvel deve, ou não, ser incluído na herança da ex-companheira do falecido. 2. Ressalta-se que por ocasião do julgamento realizado no dia 10 de maio de 2017, ao apreciar os Recursos Extraordinários nº 646.721/RS e nº 878694/MG, o Excelso Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil e fixou a seguinte tese: “É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”. 3. No caso, o processo principal ainda não foi sentenciado, razão pela qual os efeitos da mencionada declaração de inconstitucionalidade certamente atingiram a decisão que aplicou o art. 1790 do Código Civil e excluiu a ex-companheira da partilha referente ao bem imóvel questionado, tendo em vista que ela foi fundamentada essencialmente na aplicação de disposição que deixou de ser válida perante o sistema normativo pátrio. 4. Frise-se que a consequência prática dessa afirmação é a aplicação do art. art. 1829, e seguintes, do Código Civil e não o art. 1790 anteriormente mencionado. Isso porque o companheiro passou a ser tratado de forma isonômica, atraindo para si o mesmo regime jurídico aplicável ao cônjuge. 5. Recurso conhecido e desprovido (fls. 875/881, e-STJ). 

Embargos de declaração: opostos pelos recorrentes, foram rejeitados, por unanimidade (fls. 883/888, e-STJ). 

Recurso especial: alega-se, em síntese: (i) violação ao art. 1.022, I e parágrafo único, II, e ao art. 489, §1º, IV e V, ambos do CPC/15, ao fundamento de que o acórdão recorrido possuiria omissões relevantes acerca da existência de coisa julgada formal e de impossibilidade de a decisão do STF produzir efeitos vinculantes; (ii) violação aos arts. 203, §2º, 503, §1º, 505, 507 e 927, todos do CPC/15, ao fundamento de que, em decisão interlocutória acobertada pela preclusão, a recorrida ROSANE foi excluída da concorrência com os herdeiros em relação a um determinado bem imóvel, razão pela qual a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no tema 809 não se aplicaria à hipótese e não poderia ela ser considerada, posteriormente, herdeira do referido bem (fls. 401/431, e-STJ). 

Parecer do Ministério Público Federal: opinou pelo não conhecimento do recurso especial (fls. 908/924, e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): 

Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se o acórdão recorrido possui omissões relevantes; (ii) se a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do tema 809, segundo a qual “é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”, deve ser aplicada ao inventário em que a exclusão da concorrência entre herdeiros ocorreu em decisão anterior à tese. 

EXISTÊNCIA DE OMISSÕES RELEVANTES. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 1.022, I E PARÁGRAFO ÚNICO, II, E ART. 489, §1º, IV E V, AMBOS DO CPC. 

01) De início, anote-se que os recorrentes alegaram a violação aos arts. 1.022, I, parágrafo único, II, e 489, §1º, IV e V, ambos do CPC/15, especialmente ao fundamento de que existiriam duas omissões relevantes no acórdão recorrido, que não teria examinado: (i) a existência de coisa julgada formal decorrente de decisão versando sobre a concorrência hereditária proferida antes da fixação da tese pelo Supremo Tribunal Federal e acobertada pela preclusão temporal; (ii) a inexistência de efeito vinculante na decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em controle difuso de constitucionalidade por ocasião do julgamento do tema 809. 

02) Em relação ao primeiro ponto, não há omissão, na medida em que a questão controvertida – existência de coisa julgada formal ou de preclusão que impediria novo exame da matéria – foi amplamente enfrentada pelo acórdão recorrido, que, interpretando a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do tema 809, concluiu ser ela aplicável em virtude de ainda não existir, na hipótese, sentença de partilha transitada em julgado. 

03) No que se refere ao segundo aspecto, sublinhe-se que que a eficácia vinculante da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal em controle difuso de constitucionalidade, a despeito de positivada nos arts. 525, §12, e 535, §5º, ambos do CPC/15, é matéria de índole constitucional – os próprios recorrentes afirmam que o acórdão recorrido deveria ter se pronunciado sobre os arts. 52, X, e 102, III e §2º, ambos da Constituição Federal – razão pela qual eventual omissão sobre a questão constitucional deveria ter sido objeto de oportuna impugnação em recurso extraordinário não interposto pelas partes. 

04) Diante desse cenário, não há que se falar em existência de omissões relevantes no acórdão recorrido. 

DA APLICABILIDADE DA TESE FIXADA NO JULGAMENTO DO TEMA 809/STF À HIPÓTESE. VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 203, §2º, 503, §1º, 505, 507 E 927, TODOS DO CPC/15. 

05) Para melhor contextualizar a controvérsia, sublinhe-se que o juízo do inventário de SADY CARNOT ASSIS DE MIRANDA RIBEIRO, diante de sentença que reconheceu a existência de união estável entre o falecido e a recorrida ROSANE no período entre 1997 e janeiro de 2004, proferiu em 09/10/2014 a decisão de fl. 517 (e-STJ) que, aplicando expressamente o art. 1.790 do CC/2002, reconheceu que ROSANE apenas teria direito aos bens adquiridos onerosamente durante a união estável com o falecido, a serem identificados pelo inventariante e pelos demais herdeiros. 

06) Sobrevieram, então, petições do inventariante e das partes em cumprimento das referidas determinações judiciais e, após o contraditório, o juízo do inventário proferiu em 22/05/2015 a decisão de fls. 534/535 (e-STJ), vazada nos seguintes termos: 

Em relação ao imóvel de fl. 167, está evidenciada a data de sua aquisição conforme certidão de matrícula em referência, não participando a Sra. Rosane da sua aquisição visto que o registro de compra e venda data o ano de 1995, anterior ao início de sua relação com o inventariado. Consequentemente os valores decorrentes da locação do imóvel também serão devidos somente aos filhos. 

07) Por ocasião do julgamento do RE 878.694/MG com repercussão geral reconhecida (tema 809), cujo acórdão foi publicado no DJe de 06/02/2018, o Pleno do Supremo Tribunal Federal fixou a tese de que “é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”. 

08) Naquela assentada, o Supremo Tribunal Federal, levando em “consideração o fato de que as partilhas judiciais e extrajudiciais que versam sobre as referidas sucessões encontram-se em diferentes estágios de desenvolvimento (muitas já finalizadas sob as regras antigas)”, entendeu por bem modular temporalmente os efeitos da aplicação da tese acima enunciada, de modo que a referida solução deve “ser aplicada apenas aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tenha sido lavrada escritura pública”. 

09) Em face dessa nova realidade, o juízo do inventário proferiu a decisão de fls. 843/844 (e-STJ) em que determinou a inclusão, no rol de bens partilháveis entre a recorrida e os recorrentes, do bem imóvel que havia sido outrora excluído da partilha mediante a aplicação do art. 1.790 do CC/2002. Ao julgar os embargos de declaração opostos pelos recorrentes (fl. 849, e-STJ), o juízo do inventário consignou expressamente a aplicação do precedente do Supremo Tribunal Federal: 

O Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida no julgamento dos Recursos Extraordinários nos 646721 e 878694, ambos com repercussão geral reconhecida, declarou inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no artigo 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do artigo 1.829 do CC/2002. Assim, a companheira concorre com os descendentes em relação aos bens particulares deixados pelo falecido, nos termos do inciso I do artigo 1.829 do Código Civil de 2002. 

10) O acórdão recorrido, mantendo a decisão acima reproduzida, assim se pronunciou quanto ao ponto: 

A decisão de fl. 12 (Id. 7177331), proferida em 9 de outubro de 2014, aplicou o art. 1790 do Código Civil e excluiu a ex-companheira da partilha referente ao bem imóvel questionado, pois o referido bem foi adquirido pelo falecido antes da constância da união estável. Dessa forma, sob o fundamento da aludida regra, a ex-companheira não poderia ter sido incluída na partilha do mencionado bem imóvel, seja na posição de meeira ou de herdeira. Ocorre que por ocasião do julgamento realizado no dia 10 de maio de 2017, ao apreciar os Recursos Extraordinários nº 646.721/RS e nº 878694/MG, o Excelso Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil... (...) Na ocasião, excepcionou-se a regra geral da invalidade da norma inconstitucional (efeitos ex tunc) com a modulação dos efeitos do acórdão, em respeito ao princípio da segurança jurídica. Assim, a afirmada inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil produz efeitos apenas em relação aos inventários não acobertados pela eficácia do trânsito em julgado da sentença. O processo principal ainda não foi sentenciado, como os próprios agravantes ressaltaram nas razões do agravo. Portanto, os efeitos da supracitada declaração de inconstitucionalidade certamente atingiram a decisão de fl. 12 (Id. 7177331), tendo em vista que esse provimento jurisdicional foi fundamentado essencialmente na aplicação do dispositivo que não mais se afigura válido em nosso sistema normativo. A consequência prática dessa conclusão é a aplicação do art. 1829, e seguintes, do Código Civil ao presente caso e não o art. 1790 acima referido. Isso porque o companheiro passou a ser tratado de forma isonômica, atraindo para si o mesmo regime jurídico aplicável ao cônjuge. Por isso, a recorrida deve ser admitida como herdeira para concorrer com os descendentes na sucessão do falecido, inclusive em relação ao bem imóvel situado no (...), de acordo com o art. 1829, inc. I, do Código Civil. 

11) A tese dos recorrentes é de que as decisões que, aplicando o art. 1.790 do CC/2002, excluíram o bem imóvel da concorrência hereditária entre a recorrida e os recorrentes estariam acobertadas pelo manto da imutabilidade decorrente da preclusão e da coisa julgada formal, motivo pelo qual não poderiam ser alcançadas pela superveniente declaração de inconstitucionalidade da regra legal pelo Supremo Tribunal Federal. 

12) A esse respeito, registre-se que a lei incompatível com o texto constitucional padece do vício de nulidade e que a consequência disso é que, como regra, a declaração de inconstitucionalidade de lei produz efeito ex tunc. Quanto ao ponto, leciona Luís Roberto Barroso: 

A lógica do raciocínio é irrefutável. Se a Constituição é a lei suprema, admitir a aplicação de uma lei com ela incompatível é violar sua supremacia. Se uma lei inconstitucional puder reger dada situação e produzir efeitos regulares e válidos, isso representaria a negativa de vigência da Constituição naquele mesmo período, em relação àquela matéria. A teoria constitucional não poderia conviver com essa contradição sem sacrificar o postulado sobre o qual se assenta. Daí por que a inconstitucionalidade deve ser tida como uma forma de nulidade, conceito que denuncia o vício de origem e a impossibilidade de convalidação do ato. Corolário natural da teoria da nulidade é que a decisão que reconhece a inconstitucionalidade tem caráter declaratório – e não constitutivo – limitando-se a reconhecer uma situação preexistente. Como consequência, seus efeitos se produzem retroativamente, colhendo a lei desde o momento de sua entrada no mundo jurídico. Disso resulta que, como regra, não serão admitidos efeitos válidos à lei inconstitucional, devendo todas as relações jurídicas constituídas com base nela voltar ao status quo ante. (BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 16). 

13) Todavia, é conhecida a lição e o entendimento que conferem eficácia prospectiva (efeito ex nunc) às decisões que declaram a inconstitucionalidade de lei, fundando-se em razões de diversas ordens – proteção à boa-fé, tutela da confiança, previsibilidade, pragmatismo e consequencialismo jurídico são algumas delas. A partir desses ideais é que se concebeu a denominada modulação temporal dos efeitos da decisão que declara a inconstitucionalidade. 

14) Não se pode perder de vista, entretanto, que a retroatividade é a regra e que a modulação de efeitos é a exceção. Nesse sentido, leciona Teresa Arruda Alvim: 

Importante consignar, todavia, que a utilização indevida da modulação, transformando-a em regra, quando, na verdade, é exceção, pode ensejar mais insegurança jurídica e estimular a edição de leis inconstitucionais. A excepcionalidade desse instituto exige fundamentação qualificada. Trata-se de instituto que deve ser excepcionalmente usado, tanto no ambiente do controle concentrado, quanto no da alteração de precedentes/jurisprudência firme, sendo este último o objeto principal deste estudo. À época de sua concepção, foi visto como algo tão excepcional que o quórum para modular era (é) maior do que o exigido para a própria declaração de inconstitucionalidade. (ALVIM, Teresa Arruda. Modulação: na alteração da jurisprudência firme ou de precedentes vinculantes. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 27). 

15) Diante desse cenário, é correto afirmar que as interpretações subsequentes da modulação de efeitos devem ser restritivas, a fim de que não haja inadequado acréscimo de conteúdo exatamente aquilo que o intérprete autêntico pretendeu, em caráter excepcional, proteger e salvaguardar. 

16) Estabelecidas essas premissas, é preciso examinar o acórdão do Supremo Tribunal que deu origem à tese fixada no tema 809, especificamente no que tange à modulação de efeitos: 

Por fim, não se pode esquecer que o tema possui enorme repercussão na sociedade, em virtude da multiplicidade de sucessões de companheiros ocorridas desde o advento do CC/2002. Levando-se em consideração o fato de que as partilhas judiciais e extrajudiciais que versam sobre as referidas sucessões encontram-se em diferentes estágios de desenvolvimento (muitas já finalizadas sob as regras antigas), entendo ser recomendável modular os efeitos da aplicação do entendimento ora afirmado. Assim, com o intuito de reduzir a insegurança jurídica, a solução ora alcançada deve ser aplicada apenas aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tenha sido lavrada escritura pública. 

17) Como se percebe, a preocupação do Supremo Tribunal Federal é tutelar a confiança e conferir previsibilidade às relações finalizadas sob as regras antigas (isto é, nas ações de inventário concluídas nas quais foi aplicado o art. 1.790 do CC/2002), razão pela qual se fixou a tese de que a declaração de inconstitucionalidade somente deverá alcançar os processos judiciais em que não houve trânsito em julgado da sentença de partilha. 

18) É incontroverso que, na hipótese, ainda não houve trânsito em julgado da sentença de partilha, mas, ao revés, somente a prolação de decisões que versaram sobre a concorrência hereditária sobre um bem específico. 

19) Considerando ser incontroverso que a inconstitucionalidade é uma questão de ordem pública, conclui-se que era lícito ao juízo do inventário, que havia deliberado, em anteriores decisões, pela exclusão da recorrida da sucessão hereditária em virtude da regra do art. 1.790 do CC/2002, rever seu posicionamento, incluindo-a na sucessão, antes da prolação da sentença de partilha, em virtude do reconhecimento da inconstitucionalidade do dispositivo legal pelo Supremo Tribunal Federal. 

20) Isso porque, desde a reforma promovida pela Lei 11.232/2005, a declaração superveniente de inconstitucionalidade de lei pelo Supremo Tribunal Federal torna inexigível o título que nela se funda, tratando-se de matéria suscetível de arguição em impugnação ao cumprimento de sentença – ou seja, após o trânsito em julgado da sentença (art. 475, II e §1º, do CPC/73) –, motivo pelo qual, com muito mais razão, deverá o juiz deixar de aplicar a lei inconstitucional antes da sentença de partilha, marco temporal eleito pelo Supremo Tribunal Federal para modular os efeitos da tese fixada no julgamento do tema 809. 

21) Assim, aplica-se à hipótese, por analogia, o recente entendimento desta Corte, que, também interpretando o tema 809/STF, concluiu que “a inexistência jurídica da sentença pode ser declarada em ação autônoma (querela nullitatis insanabilis) e também no próprio processo em que proferida, na fase de cumprimento de sentença ou até antes dela, se possível, especialmente na hipótese em que a matéria foi previamente submetida ao crivo do contraditório e não havia a necessidade de dilação probatória”. (REsp 1.857.852/SP, 3ª Turma, DJe 22/03/2021). 

CONCLUSÃO. 

22) Forte nessas razões, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO ao recurso especial. 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA 

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Terceira Turma, por unanimidade, conheceu e negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

15 de agosto de 2021

Filigrana doutrinária: Daniel Mitidiero - Common Law, Civil Law, Mandado de Segurança, Habeas Data e Controle de Constitucionalidade

"Com a passagem do Império para a República, o direito brasileiro acabou ficando entre dois mundos: o direito constitucional aproximou-se da tradição do Common Law americano enquanto o direito infraconstitucional se manteve afeiçoado à tradição romano-canônica. É a partir desse encontro de águas que vários institutos se desenvolveram - por exemplo, o mandado de segurança e o habeas data a partir do habeas corpus (os chamados writs constitucionais) e o controle de constitucionalidade (fruto de uma permanente tensão entre o controle difuso - o judicial review - e o controle abstrato).


MITIDIERO, Daniel. Processo Civil. São Paulo: Thomson Reuters, 2021, p. 19-20

26 de junho de 2021

São formalmente inconstitucionais dispositivos da Lei 10.001/2000, de iniciativa do Poder Legislativo, que tratam de atribuições do Ministério Público (“caput” e parágrafo único do art. 2º e art. 4º)

 DIREITO CONSTITUCIONAL – COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO

DIREITO CONSTITUCIONAL – MINISTÉRIO PÚBLICO

 

Iniciativa legislativa e norma que cria atribuição ao Ministério Público - ADI 5351/DF 

 

Resumo:

 

                São formalmente inconstitucionais dispositivos da Lei 10.001/2000 (1), de iniciativa do Poder Legislativo, que tratam de atribuições do Ministério Público (“caput” e parágrafo único do art. 2º e art. 4º).

   A Constituição Federal (CF) reserva ao Presidente da República (2) e ao Chefe do Ministério Público (3) o poder de iniciativa para deflagrar o processo legislativo no que concerne a normas de organização e atribuições do Ministério Público.

   Esses mesmos dispositivos são materialmente inconstitucionais por ofender a independência e a autonomia funcional e administrativa do Ministério Público (4).

   É constitucional o art. 3º da Lei 10.001/2000, que confere prioridade aos processos e procedimentos decorrentes de relatórios de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

   As CPIs constituem importante mecanismo de controle da máquina pública, sendo um dos instrumentos para conferir concretude à competência fiscalizatória do Congresso Nacional (CF, art. 49, X). Além disso, elas apuram fatos determinados sobre os quais há presunção de interesse público.

   A importância do instituto, que tem previsão direta na CF, justifica a prioridade de tramitação aos procedimentos administrativos ou judiciais decorrentes da atuação das CPIs, o que denota a proporcionalidade e razoabilidade da previsão contida no art. 3º da Lei 10.001/2000.

   Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade das expressões “no prazo de trinta dias” e “ou a justificativa pela omissão” contidas no caput do art. 2º; o parágrafo único do art. 2º e o art. 4º, todos da Lei 10.001/2000. Vencido o ministro Gilmar Mendes.

(1) Lei 10.001/2000: “Art. 1º Os Presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional encaminharão o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito respectiva, e a resolução que o aprovar, aos chefes do Ministério Público da União ou dos Estados, ou ainda às autoridades administrativas ou judiciais com poder de decisão, conforme o caso, para a prática de atos de sua competência. Art. 2º A autoridade a quem for encaminhada a resolução informará ao remetente, no prazo de trinta dias, as providências adotadas ou a justificativa pela omissão. Parágrafo único. A autoridade que presidir processo ou procedimento, administrativo ou judicial, instaurado em decorrência de conclusões de Comissão Parlamentar de Inquérito, comunicará, semestralmente, a fase em que se encontra, até a sua conclusão. Art. 3º O processo ou procedimento referido no art. 2º terá prioridade sobre qualquer outro, exceto sobre aquele relativo a pedido de habeas corpus, habeas data e mandado de segurança. Art. 4º O descumprimento das normas desta Lei sujeita a autoridade a sanções administrativas, civis e penais. Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”

(2) CF: “Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. § 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: (...) II - disponham sobre: d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;”

(3) CF: “Art. 128. O Ministério Público abrange: (...) § 5º Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:”

(4) CF: “Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. § 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento.”

ADI 5351/DF, relatora Min. Cármen Lúcia, julgamento virtual finalizado em 18.6.2021 (sexta-feira), às 23:59

24 de junho de 2021

O controle judicial de atos “interna corporis” das Casas Legislativas só é cabível nos casos em que haja desrespeito às normas constitucionais pertinentes ao processo legislativo [Constituição Federal (CF), arts. 59 a 69].

 DIREITO CONSTITUCIONAL – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE


Matéria “interna corporis” e controle de constitucionalidade - RE 1297884/DF (Tema 1.120 RG) 

 

Tese Fixada:

“Em respeito ao princípio da separação dos poderes, previsto no art. 2º da Constituição Federal, quando não caracterizado o desrespeito às normas constitucionais pertinentes ao processo legislativo, é defeso ao Poder Judiciário exercer o controle jurisdicional em relação à interpretação do sentido e do alcance de normas meramente regimentais das Casas Legislativas, por se tratar de matéria ‘interna corporis’.”

 

Resumo:

O controle judicial de atos “interna corporis” das Casas Legislativas só é cabível nos casos em que haja desrespeito às normas constitucionais pertinentes ao processo legislativo [Constituição Federal (CF), arts. 59 a 69].

Por força do princípio constitucional da separação de Poderes (CF, art. 2º), não cabe ao Poder Judiciário substituir-se ao Poder Legislativo para interpretar normas regimentais (1).

No caso, o tribunal de justiça, ao declarar a inconstitucionalidade incidental do art. 4º da Lei 13.654/2018, que revogou o inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal, se restringiu à interpretação do art. 91 do Regimento Interno do Senado Federal, não tendo apontado, contudo, desrespeito às normas pertinentes ao processo legislativo previsto na CF.

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 1.120 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário para cassar o acórdão recorrido na parte em que reconheceu como inconstitucional o art. 4º da Lei 13.654/2018, a fim de que o tribunal de origem recalcule a dosimetria da pena imposta. Vencido o ministro Marco Aurélio.

(1) Precedentes citados: ARE 1.234.080/DF, relator Min. Alexandre de Moraes (DJe de 21.5.2020); RE 1.239.632 AgR/DF, relator Min. Roberto Barroso (DJe de 18.6.2020); RE 1.281.276 AgR/DF, relator Min. Ricardo Lewandowski (DJe de 10.11.2020); RE 1.257.182 AgR/DF, relator Min. Luiz Fux, (DJe de 18.6.2020); e RE 1.268.662 AgR/DF, relator Min. Ricardo Lewandowski (DJe de 4.11.2020).

RE 1297884/DF, relator Min. Dias Toffoli, julgamento virtual finalizado em 11.6.2021 (sexta-feira), às 23:59

8 de junho de 2021

Governador de Estado afastado do cargo não pode propor ADI

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-1015-stf-1.pdf


CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Governador de Estado afastado do cargo não pode propor ADI 

Governador de Estado afastado cautelarmente de suas funções — por força do recebimento de denúncia por crime comum — não tem legitimidade ativa para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade. STF. Plenário. ADI 6728 AgR/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/4/2021 (Info 1015). 

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: 

No dia 28/08/2020, o então Governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel foi afastado do cargo por 180 dias por uma decisão monocrática proferida pelo Ministro do STJ Benedito Gonçalves. O afastamento foi determinado como medida cautelar em investigação por supostos crimes que teriam sido praticados pelo Governador. No dia 11/02/2021, a Corte Especial do STJ recebeu a denúncia criminal oferecida pelo Ministério Público contra Wilson Witzel pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Além disso, o STJ prorrogou o seu afastamento do cargo por mais 1 ano. No dia 02/03/2021, advogados particulares, autorizados por procuração outorgada por Wilson Witzel, protocolizaram, no STF, ação direta de inconstitucionalidade em face de determinado dispositivo do CPP. Na petição inicial da ADI constou como autor da ação o “Governador do Estado do Rio de Janeiro”. Resumindo: no dia 02/03/2021, foi proposta uma ADI no STF pelo “Governador do Estado do Rio de Janeiro”. Ocorre que quem constou como Governador e determinou a propositura dessa ADI foi Wilson Witzel, que se encontrava afastado das funções pelo STJ. Na petição, argumentou-se que a legitimação para propor ADI constitui atribuição política (e não ato de governo). Logo, mesmo afastado de suas atribuições de governo, Wilson Witzel ainda teria legitimidade para propor ADI. 

Esse argumento foi acolhido pelo STF? NÃO. 

Governador de Estado afastado cautelarmente de suas funções — por força do recebimento de denúncia por crime comum — não tem legitimidade ativa para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade. STF. Plenário. ADI 6728 AgR/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/4/2021 (Info 1015). 

O afastamento cautelar do cargo de Governador fez com que Witzel ficasse sem poder desempenhar as funções relacionadas com o cargo, dentre elas a possibilidade de propor ADI. A atribuição contida no art. 103, V, da CF/88 é uma dasfunções típicas do cargo de Governador e, portanto, também está suspensa com o afastamento do cargo. Além disso, a legitimação para a propositura de ações diretas consiste em uma atribuição política de grande relevância no desenho das instituições democráticas. Logo, não se pode conceber que esta capacidade seja preservada ao chefe do Poder Executivo quando outras lhe são defesas (proibidas). Em palavras mais simples, não faz sentido a interpretação de que Witzel foi afastado de atribuições rotineiras como Governador, mas continua tendo legitimidade para iniciar o processo de controle de constitucionalidade. A possiblidade de conferir-se a Governador afastado de suas funções o direito de propositura de ADI ainda geraria uma situação de grave inconsistência. Isso porque se admitirmos que Witzel, mesmo afastado, continua podendo ajuizar ADI, isso significaria que o Governador em exercício não teria essa faculdade? Ou significaria que o Governador afastado e o Governador em exercício possuem, de forma concorrente, a prerrogativa de propor a ação? Diante desses argumentos, o Plenário do STF manteve a decisão do relator que não conheceu da ação direta por manifesta ilegitimidade ativa ad causam do autor.

15 de maio de 2021

É inconstitucional emenda à Constituição estadual que cuida tanto de normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados quanto de atribuições dos órgãos e membros do Parquet estadual

 DIREITO CONSTITUCIONAL — MINISTÉRIO PÚBLICO

Emenda à Constituição estadual e vício de iniciativa no processo legislativo - ADI 5281/RO e ADI 5324/RO 

Resumo:

É inconstitucional emenda à Constituição estadual que cuida tanto de normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados quanto de atribuições dos órgãos e membros do Parquet estadual.

A Emenda 94/2015 à Constituição do estado de Rondônia, que acrescentou o parágrafo único ao art. 99 daquela Constituição estadual, usurpou a iniciativa reservada pela Constituição Federal (CF) ao Presidente da República para tratar sobre normas gerais para a organização do Ministério Público (1). A referida norma também subtraiu do Procurador-Geral de Justiça a iniciativa para deflagrar o processo legislativo das leis complementares estaduais, pelas quais se estabelecem a organização, as atribuições e o estatuto dos Ministérios Públicos estaduais (2).

Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, julgou procedentes os pedidos formulados em duas ações diretas, analisadas em conjunto, para declarar a inconstitucionalidade da Emenda 94/2015 à Constituição do estado de Rondônia.

(1) CF: “Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. § 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: (...) II - disponham sobre: (...) d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”.

(2) CF: “Art. 128. O Ministério Público abrange: (...) § 5º Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros: (…)”.

ADI 5281/RO, relatora Min. Cármen Lúcia, julgamento virtual finalizado em 11.5.2021 (terça-feira), às 23:59

ADI 5324/RO, relatora Min. Cármen Lúcia, julgamento virtual finalizado em 11.5.2021 (terça-feira), às 23:59

É constitucional a proibição — por lei estadual — de que instituições financeiras, correspondentes bancários e sociedades de arrendamento mercantil façam telemarketing, oferta comercial, proposta, publicidade ou qualquer tipo de atividade tendente a convencer aposentados e pensionistas a celebrarem contratos de empréstimo

 DIREITO CONSTITUCIONAL – COMPETÊNCIA LEGISLATIVA

DIREITO DO CONSUMIDOR – PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR

Proteção a aposentados e pensionistas e restrição à publicidade - ADI 6727/PR 

Resumo:

É constitucional a proibição — por lei estadual — de que instituições financeiras, correspondentes bancários e sociedades de arrendamento mercantil façam telemarketing, oferta comercial, proposta, publicidade ou qualquer tipo de atividade tendente a convencer aposentados e pensionistas a celebrarem contratos de empréstimo.

A norma, segundo a qual bancos e intermediários não devem realizar publicidade a aposentados e pensionistas para contratação de empréstimos, que somente podem ser concretizados por solicitação expressa, versa estritamente sobre proteção do consumidor e do idoso, não invadindo a competência privativa da União para legislar sobre direito civil, política de crédito ou propaganda comercial. Ademais, observado o princípio da proporcionalidade (art. 5º, LIV, da Constituição Federal), pois não se interferiu na liberdade econômica das partes ou se subtraiu do consumidor a possibilidade de solicitar contratação.

Com base nesse entendimento, o Plenário julgou improcedente o pedido formulado em ação direta para declarar a constitucionalidade da Lei 20.276/2020 do estado do Paraná.

ADI 6727/PR, relatora Min. Cármen Lúcia, julgamento virtual finalizado em 11.5.2021 (terça-feira), às 23:59

13 de maio de 2021

Governador de estado afastado cautelarmente de suas funções — por força do recebimento de denúncia por crime comum — não tem legitimidade ativa para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade.

 DIREITO CONSTITUCIONAL – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

 

Governador afastado e legitimidade para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade - ADI 6728 AgR/DF 

 

Resumo:

Governador de estado afastado cautelarmente de suas funções — por força do recebimento de denúncia por crime comum — não tem legitimidade ativa para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade.

A interpretação que melhor se coaduna com a Constituição Federal (CF) é aquela que — diante de afastamento cautelar, no qual se suspendem as relações entre o ocupante do cargo e o desempenho das funções correlatas — rejeita, com mais razão, a possibilidade de o governador afastado propor ação direta. De uma parte, porque a atribuição contida no art. 103, V, da CF (1) só pode ser entendida como componente do feixe de funções típicas do cargo e, portanto, alvo da suspensão. De outra, em virtude do lugar central que ocupa a legitimação para a propositura de ações diretas no desenho das instituições democráticas, não se pode conceber que esta capacidade seja preservada ao chefe do Poder Executivo quando outras lhe são defesas.

Ademais, a possiblidade de conferir-se a governador afastado de suas funções o direito de propositura de ação direta de inconstitucionalidade conduz à situação de grave inconsistência, pois, ou retira-se essa faculdade do governador em exercício, ou se permite que aquele, de forma anômala, concorra com este no acesso à fiscalização abstrata das normas.

Com base nesse entendimento, o Plenário negou provimento a agravo regimental e manteve a decisão do relator que não conheceu da ação direta por manifesta ilegitimidade ativa ad causam do autor.

(1) CF: “Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (...) V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;”

ADI 6728 AgR/DF, relator Min. Edson Fachin, julgamento virtual finalizado em 30.4.2021 (sexta-feira), às 23:59

1 de maio de 2021

É constitucional lei estadual que destine parcela da arrecadação de emolumentos extrajudiciais a fundos dedicados ao financiamento da estrutura do Poder Judiciário ou de órgãos e funções essenciais à Justiça

 DIREITO CONSTITUCIONAL – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

 

Destinação de parcela da arrecadação de emolumentos extrajudiciais para financiamento de fundos públicos - ADI 3704/RJ 

 

Resumo:

É constitucional lei estadual que destine parcela da arrecadação de emolumentos extrajudiciais a fundos dedicados ao financiamento da estrutura do Poder Judiciário ou de órgãos e funções essenciais à Justiça (1).

Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) acena positivamente para leis estaduais que destacam percentual dos emolumentos cobrados pelos registradores e notários em benefício de órgãos ou fundos públicos. Isso porque a Corte enxerga, na hipótese, puro e simples desconto dos valores devidos ao estado-membro a título de taxa em razão do exercício regular de poder de polícia, e não propriamente uma distribuição automática e linear, em benefício de órgãos estatais, das receitas arrecadadas com a cobrança de emolumentos extrajudiciais. Por se tratar de taxa de poder de polícia, não incide a vedação da vinculação de impostos a qualquer órgão, fundo ou despesa pública, prevista no art. 167, IV, da Constituição Federal (CF) (2).

Decorre da própria CF a qualificação da Advocacia Pública como função essencial à Justiça. Dessa forma, atende aos desígnios constitucionais de universalização e aperfeiçoamento da própria jurisdição como atividade básica do Estado o fornecimento de recursos suficientes e adequados ao aparelhamento da Advocacia Pública, cujos membros exercem relevante múnus constitucional de defesa dos interesses titularizados pelas pessoas jurídicas de direito público. No caso, considerada a nota de essencialidade que traduz as atribuições exercidas pela Advocacia Pública, nada justifica a imposição de tratamento desigual e mais restritivo à Procuradoria do estado do Rio de Janeiro, privando-lhe de recursos que, de acordo com jurisprudência pacífica do STF, podem ser reservados, por lei, às instituições que desempenham funções essenciais à Justiça.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra o inciso III do artigo 31 da Lei Complementar 111/2006 do estado do Rio de Janeiro que destina ao Fundo Especial da Procuradoria-Geral estadual (FUNPERJ) percentual das receitas arrecadadas com recolhimento de custas e emolumentos extrajudiciais.

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado. Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator), Edson Fachin e Rosa Weber que julgaram o pleito procedente.

(1) Precedentes citados: ADI 3.151/MT, relator Min. Ayres Britto (DJ de 28.4.2006); ADI 2.069/DF, relator Min. Eros Grau (DJ de 9.6.2006); ADI 2.129/MS, relator Min. Eros Grau (DJ de 16.6.2006); ADI 3.643/RJ, relator Min. Ayres Britto (DJ de 16.2.2007); ADI 3.028/RN, relator Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Ayres Britto (DJ de 30.6.2010).

(2) CF: “Art. 167. São vedados: (...) IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo:”

ADI 3704/RJ, relator Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado em 26.4.2021 (segunda-feira), às 23:59