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24 de março de 2022

Admite-se o uso da motivação per relationem para justificar a quebra do sigilo das comunicações telefônicas

 PROCESSO PENAL – INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA

STJ. 6ª Turma. HC 654.131-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 16/11/2021 (Info 723)

Admite-se o uso da motivação per relationem para justificar a quebra do sigilo das comunicações telefônicas

No entanto, as decisões que deferem a interceptação telefônica e respectiva prorrogação devem prever, expressamente, os fundamentos da representação que deram suporte à decisão - o que constituiria meio apto a promover a formal incorporação, ao ato decisório, da motivação reportada como razão de decidir - sob pena de ausência de fundamento idôneo para deferir a medida cautelar

Lei nº 9.296/96 (Lei de Interceptação Telefônica)

Art. 5º, Lei nº 9.296/96: “A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de 15 dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova”.

a interceptação pode ser prorrogada sucessivas vezes, desde que fundamentada a decisão.

Tanto o deferimento como a prorrogação precisam ser fundamentadas.

fundamentação per relationem

forma de motivação por meio da qual se faz remissão ou referência às alegações de uma das partes, a precedente ou a decisão anterior nos autos do mesmo processo

motivação ou fundamentação per relationem ou aliunde

motivação referenciada, por referência ou por remissão.

não implica vício de fundamentação (STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp n. 1.7906.66/SP, Min. Felix Fischer, DJe 6/5/2021)

Admite-se o uso da motivação per relationem para justificar a quebra do sigilo das comunicações telefônicas (STJ. 5ª Turma. AgRg no RHC n. 136.245/MG, Min. João Otávio de Noronha, DJe 20/9/2021)

Mas a decisão deve trazer, expressamente, os fundamentos da representação que deram suporte à decisão

Frutos da Árvore Envenenada

“fruits of the oisonous tree doctrine”

art. 5º, LVI, CF/88 - é nula a prova derivada de conduta ilícita

Já que a árvore está envenenada (isto é, se uma prova é ilícita), os seus frutos (as demais provas obtidas a partir da prova ilícita) também estarão envenenados como consequência lógica

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras

caberá ao Desembargador relator na origem verificar e invalidar as provas decorrentes das interceptações telefônicas anuladas, considerando a teoria do fruto da árvore envenenada; analisar se as provas que foram encontradas posteriormente têm relação direta com as interceptações que foram anuladas.

16 de janeiro de 2022

O juiz tem poderes diante da omissão de alegações finais para oportunizar à parte a substituição do causídico ou, na inércia, para requerer que a defensoria pública ofereça as alegações finais

 PROCESSO PENAL – DEFESA TÉCNICA

STJ. 6ª Turma. RMS 47.680-RR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 05/10/2021 (Info 715).

O juiz tem poderes diante da omissão de alegações finais para oportunizar à parte a substituição do causídico ou, na inércia, para requerer que a defensoria pública ofereça as alegações finais

Se o advogado discordar de alguma decisão do juiz da causa na condução do procedimento ele não pode simplesmente se recusar a oferecer as alegações finais. A ampla defesa não engloba essa possibilidade. Não há dúvida da importância da ampla defesa como elemento central de um processo penal garantista. Todavia, esse princípio não tem o condão de legitimar qualquer atuação por parte da defesa

“Ao defensor se aplicam, portanto, deveres processuais de cooperação, inerentes às ideias de boafé e lealdade processual, sem que tal implique cerceamento da ampla defesa. O que se quer reconhecer é a existência de certos limites à atuação da defesa no processo penal, como, p.ex., na seara probatória, a manipulação de depoimentos de testemunhas com o intuito de falsear a verdade, ou, no campo do direito recursal, a interposição sucessiva de recursos, com nítida finalidade procrastinatória, por vezes pretendendo ocasionar a prescrição do crime. A defesa no processo penal brasileiro, embora a ela se assegurem todos os meios e recursos cabíveis, não pode ser abusiva. O abuso do direito deve ser combatido, ainda que favoreça o réu.” (CAMPOS, Gabriel Silveira de Queirós. Princípios do Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 137).

Se o advogado constituído, mesmo intimado para apresentar alegações finais, for omisso, o juiz tem poderes de intimar o réu para que substituta o causídico. Se o réu, mesmo intimado, ficar inerte, o magistrado poderá requerer que a Defensoria Pública ofereça as alegações finais.

A forma legal para impugnar eventuais discordâncias com as decisões tomadas pelo juiz na condução da ação penal não pode ser a negativa de oferecimento de alegações finais. Se fosse admitido que o advogado pudesse adotar essa postura, em última análise, seria conferir o poder ao causídico para decidir se a atuação do magistrado foi legal, ou não. Seria o advogado que definiria a legalidade da atuação do magistrado, em usurpação ao papel dos Tribunais, a quem compete rever as decisões dos juízes de 1ª instância.

Não se deve admitir a violação da duração razoável do processo, direito fundamental que não pode ficar dependente de um juízo de oportunidade, conveniência e legalidade das partes de quando e como devem oferecer alegações finais.

A recalcitrância da negativa de oferecer alegações finais obriga o magistrado a adotar a providência de nomeação de um defensor ad hoc ou até mesmo a destituição do causídico.

STJ. 5ª Turma. RHC 101.833/CE, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 23/04/2019: “No caso de inércia do advogado constituído, deve ser o acusado intimado para constituir novo advogado para a prática do ato, inclusive por edital, caso não seja localizado e, somente caso não o faça, deve ser nomeado advogado dativo, sob pena de, em assim não se procedendo, haver nulidade absoluta. Permanecendo inerte o acusado, proceder-se-á à nomeação da Defensoria Pública”.

19 de novembro de 2021

É possível a juntada de documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-711-stj-2.pdf


PROVAS É possível a juntada de documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos 

Viola o princípio constitucional da ampla defesa o indeferimento de prova nova sem a demonstração de seu caráter manifestamente protelatório ou meramente tumultuário, especialmente quando esta teve como causa situação processual superveniente. É possível a aplicação ao processo penal, por analogia, do art. 435 do CPC. STJ. 6ª Turma. HC 545.097-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 28/09/2021 (Info 711).

 Imagine a seguinte situação adaptada: 

João foi condenado pela prática de crime. Vale ressaltar que a principal prova invocada pelo juiz para a condenação foi a troca de mensagens entre réu e outros membros da organização criminosa nas quais ficaria demonstrada a sua participação. João interpôs apelação. Antes do julgamento da apelação, mas já depois do oferecimento das razões recursais, a defesa do réu/recorrente peticionou e juntou aos autos prova pericial, superveniente à prolação da sentença condenatória, perícia essa que buscou esclarecer a forma da tramitação das interceptações das mensagens, bem como demonstrar que, sem algumas informações técnicas relativas à metodologia aplicada ao procedimento de interceptação telemática, tornou-se impossível, segundo a defesa, ter certeza acerca da licitude das provas por tal meio obtidas. Segundo a perícia apresentada pela defesa, os arquivos não têm a integridade necessária para utilização, pois não existem garantias técnicas de que foram originados e/ou recebidos pelo réu e podem ter sido facilmente editados ou criados pelas autoridades. A defesa requereu a nulidade das provas produzidas e, alternativamente, pugnou pela conversão do julgamento em diligência, para o esclarecimento da questão levada a debate. O Tribunal Regional Federal, contudo, deixou de examinar o laudo apresentado pela defesa, sob a alegação de que seria inadmissível inovação em sede recursal. A defesa impetrou habeas corpus dirigido ao STJ alegando que o TRF, ao assim decidir, violou o princípio constitucional da ampla defesa. A defesa esclareceu, ainda, que só juntou a perícia naquele momento porque foi quando teve acesso ao inteiro teor das mensagens e pode assim providenciar a contratação de um perito para analisá-las. Logo, o pedido foi baseado em prova superveniente. 

O STJ concordou com o pedido da defesa? 

SIM. Veja o que diz o art. 435 do CPC, aplicável, por analogia, ao processo penal, por força do art. 3º do CPP: 

Art. 435. É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos. 

Objetivamente, o fato novo surgido no Tribunal Regional Federal foi a juntada, pelo Desembargador relator da apelação, da íntegra das mensagens obtidas por meio das interceptações telemáticas, o que gerou o confronto pericial pela defesa. O CPP afirma, em seu art. 231 que: 

Art. 231. Salvo os casos expressos em lei, as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo. 

Essa regra do art. 231 do CPP não é absoluta. Assim, o magistrado pode indeferir a juntada de documentos nas hipóteses em que isso se mostrar manifestamente protelatório ou tumultuário (STJ. 5ª Turma. HC 250.202/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Laurita Vaz, julgado em 10/09/2013). No entanto, caberia ao Tribunal de origem demonstrar, ainda que minimamente, as razões pelas quais a prova juntada aos autos pela defesa teria caráter manifestamente protelatório ou meramente tumultuário, o que, contudo, não ocorreu. O TRF poderia, evidentemente, até refutar, motivadamente, as conclusões apresentadas no laudo pericial trazido pela defesa, mas não simplesmente se negar a examiná-lo sob a alegação de que sua juntada aos autos teria sido intempestiva, sob pena de violação do próprio disposto no art. 93, IX, da CF/88, especialmente quando verificado que o pedido defensivo teve como causa situação processual superveniente, gerada pelo próprio Desembargador relator da apelação criminal. As normas processuais devem se ajustar ao princípio constitucional da ampla defesa (art. 5º, LV, da CF/88) e ao próprio princípio da presunção de não culpabilidade (art. 5º, LVII, da CF/88), na medida em que assegura ao réu a possibilidade de requerer diligências, quando surgir a possibilidade de uma prova revelar, esclarecer ou refutar os fatos criminosos a ele imputados. 

Em suma: Viola o princípio constitucional da ampla defesa o indeferimento de prova nova sem a demonstração de seu caráter manifestamente protelatório ou meramente tumultuário, mormente quando esta teve como causa situação processual superveniente. STJ. 6ª Turma. HC 545.097-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 28/09/2021 (Info 711). 

Ante o exposto, o STJ concedeu a ordem, para anular o julgamento da apelação criminal e, por conseguinte, determinar o retorno dos autos ao TRF, para que reaprecie o pedido de conversão do julgamento em diligência, na forma requerida pela defesa, motivando, adequadamente, a sua decisão. A pertinência da diligência ou da produção de prova deverá ser examinada pelo Tribunal, que poderá, inclusive, julgar impertinente a medida, desde que o faça em decisão concretamente fundamentada e que não invoque, para tanto, a impossibilidade de inovação recursal naquele momento processual e a preclusão consumativa. 

15 de novembro de 2021

O juiz tem poderes diante da omissão de alegações finais pelo advogado para oportunizar à parte a substituição dele no causídico ou, na inércia, para requerer que a Defensoria Pública ofereça as alegações finais

Processo

RMS 47.680-RR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 05/10/2021, DJe 11/10/2021

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Recusa do advogado a oferecer as alegações finais. Forma ilegítima de impugnar as decisões judiciais. Acerto da decisão que oportuniza à parte indicar novo advogado ou que provoca a Defensoria Pública. Respeito a duração razoável do processo.

 

DESTAQUE

O juiz tem poderes diante da omissão de alegações finais pelo advogado para oportunizar à parte a substituição dele no causídico ou, na inércia, para requerer que a Defensoria Pública ofereça as alegações finais.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a definir se a ampla defesa engloba a possibilidade de o advogado se recusar a oferecer as alegações finais por discordar de alguma decisão do juiz da causa na condução do procedimento.

Não há dúvida da importância da ampla defesa como elemento central de um processo penal garantista. Todavia, é imprescindível afirmar que tal princípio não tem o condão de legitimar qualquer atuação por parte da defesa.

A forma legal para impugnar eventuais discordâncias com as decisões tomadas pelo juiz na condução da ação penal não pode ser a negativa de oferecimento de alegações finais. Admitir, por hipótese, a validade de tal conduta implicaria, em última instância, conferir o poder de definir a legalidade da atuação do magistrado não aos Tribunais, mas ao próprio advogado.

Ademais, não se deve admitir a violação da duração razoável do processo, direito fundamental que não pode ficar dependente de um juízo de oportunidade, conveniência e legalidade das partes de quando e como devem oferecer alegações finais.

A recalcitrância da negativa de oferecer alegações finais obriga o magistrado a adotar a providência de nomeação de um defensor ad hoc ou até mesmo a destituição do causídico.

Dessa forma, não há que se falar em ilegalidade ou abuso de poder, mas, sim, em adoção de medidas legítimas para resguardar a duração razoável do processo e o poder do juiz para conduzi-lo.

9 de novembro de 2021

FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO - As constituições estaduais não podem instituir novas hipóteses de foro por prerrogativa de função além daquelas previstas na Constituição Federal

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/10/info-1026-stf.pdf


FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO - As constituições estaduais não podem instituir novas hipóteses de foro por prerrogativa de função além daquelas previstas na Constituição Federal 

É inconstitucional norma de constituição estadual que estende o foro por prerrogativa de função a autoridades não contempladas pela Constituição Federal de forma expressa ou por simetria. STF. Plenário. ADI 6501/PA, ADI 6508/RO, ADI 6515/AM e ADI 6516/AL, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 20/8/2021 (Info 1026). 

O que é foro por prerrogativa de função? 

Trata-se de uma prerrogativa prevista pela Constituição, segundo a qual as pessoas ocupantes de alguns cargos ou funções somente serão processadas e julgadas criminalmente (não engloba processos cíveis) por determinados Tribunais (TJ, TRF, STJ, STF). 

Razão de existência 

O foro por prerrogativa de função existe porque se entende que, em virtude de determinadas pessoas ocuparem cargos ou funções importantes e de destaque, somente podem ter um julgamento imparcial e livre de pressões se forem julgadas por órgãos colegiados que componham a cúpula do Poder Judiciário. 

Onde estão previstas as regras sobre o foro por prerrogativa de função? 

Em regra, os casos de foro por prerrogativa de função são previstos na Constituição Federal. Exs: art. 102, I, “b” e “c”; art. 105, I, “a”. As Constituições estaduais podem prever casos de foro por prerrogativa de função desde que seja respeitado o princípio da simetria com a Constituição Federal. Isso significa que a autoridade estadual que “receber” o foro por prerrogativa na Constituição Estadual deve ser equivalente a uma autoridade federal que tenha foro por prerrogativa de função na Constituição Federal. Essa autorização para que as Constituições Estaduais prevejam hipóteses de foro por prerrogativa de função no TJ existe por força do art. 125, § 1º, da CF/88: 

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça. 

Assim, à luz do disposto no art. 125, § 1º, da Constituição Federal, o constituinte estadual possui legitimidade para fixar a competência do Tribunal de Justiça e, por conseguinte, estabelecer a prerrogativa de foro às autoridades que desempenham funções similares na esfera federal. O poder dos Estados-membros de definirem, em suas constituições, a competência dos tribunais de justiça está limitado pelos princípios da Constituição Federal (arts. 25, § 1º, e 125, § 1º). A autonomia dos estados para dispor sobre autoridades submetidas a foro privilegiado não é ilimitada, não pode ficar ao arbítrio político do constituinte estadual e deve seguir, por simetria, o modelo federal. 

A Constituição Estadual pode conferir foro por prerrogativa de função para Defensores Públicos e Procuradores do Estado? NÃO. 

É inconstitucional dispositivo de Constituição Estadual que confere foro por prerrogativa de função para Defensores Públicos e Procuradores do Estado. Isso porque a Constituição Federal não confere prerrogativa de função para Defensores Públicos nem para Procuradores do Estado. Logo, a Constituição Estadual não poderia ter estendido o foro por prerrogativa de função a essas autoridades. 

Prerrogativa de função é excepcional e deve ser interpretada restritivamente 

As normas que estabelecem o foro por prerrogativa de função são excepcionais e devem ser interpretadas restritivamente, não cabendo ao legislador constituinte estadual estabelecer foro por prerrogativa de função a autoridades diversas daquelas listadas na Constituição Federal, a qual não cita Defensores Públicos nem Procuradores. Em atenção ao princípio republicano, ao princípio do juiz natural e ao princípio da igualdade, a regra geral é que todos devem ser processados pelos mesmos órgãos jurisdicionais. Apenas a fim de assegurar a independência e o livre exercício de alguns cargos, admite-se a fixação do foro privilegiado. No mesmo sentido: 

A Constituição Federal estabelece, como regra, com base no princípio do juiz natural e no princípio da igualdade, que todos devem ser processados e julgados pelos mesmos órgãos jurisdicionais. Em caráter excepcional, o texto constitucional estabelece o chamado foro por prerrogativa de função com diferenciações em nível federal, estadual e municipal. Impossibilidade de a Constituição Estadual, de forma discricionária, estender o chamado foro por prerrogativa de função àqueles que não abarcados pelo legislador federal. STF. Plenário. ADI 2553, Rel. Gilmar Mendes, Relator p/ Acórdão: Alexandre de Moraes, julgado em 15/05/2019 (Info 940). 

Procuradores da ALE e Delegados de Polícia também não podem ter foro por prerrogativa de função 

É inconstitucional dispositivo da Constituição Estadual que confere foro por prerrogativa de função, no Tribunal de Justiça, para Procuradores do Estado, Procuradores da ALE, Defensores Públicos e Delegados de Polícia. STF. Plenário. ADI 2553/MA, Rel. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 15/5/2019 (Info 940). 

É inconstitucional dispositivo da Constituição Estadual que confere foro por prerrogativa de função, no Tribunal de Justiça, para Procuradores do Estado, Procuradores da ALE, Defensores Públicos e Delegados de Polícia. A CF/88, apenas excepcionalmente, conferiu prerrogativa de foro para as autoridades federais, estaduais e municipais. Assim, não se pode permitir que os Estados possam, livremente, criar novas hipóteses de foro por prerrogativa de função. STF. Plenário. ADI 2553/MA, Rel. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 15/5/2019 (Info 940). 

Em suma: É inconstitucional norma de constituição estadual que estende o foro por prerrogativa de função a autoridades não contempladas pela Constituição Federal de forma expressa ou por simetria. STF. Plenário. ADI 6501/PA, ADI 6508/RO, ADI 6515/AM e ADI 6516/AL, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 20/8/2021 (Info 1026).

 

19 de outubro de 2021

É inexigível o pagamento de custas processuais em embargos de divergência oriundos de ação penal pública.

Processo

EAREsp 1.809.270-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, por maioria, julgado em 06/10/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Embargos de divergência. Ação penal pública. Custas processuais. Inexigibilidade. Revisão de entendimento da Corte Especial.

 

DESTAQUE

É inexigível o pagamento de custas processuais em embargos de divergência oriundos de ação penal pública.


INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Ao analisar os jugados da Corte Especial, no que se refere à necessidade de pagamento de custas para o processamento de embargos de divergência em matéria penal, constata-se que a questão tem sido solucionada de formas díspares. Em julgamento recente, a Corte Especial reiterou entendimento pela obrigatoriedade de recolhimento das custas em embargos de divergência em matéria penal.

A Lei n. 11.636/2007, que dispõe sobre as custas judiciais devidas no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, prevê: "Art. 7.º Não são devidas custas nos processos de habeas data, habeas corpus e recursos em habeas corpus, e nos demais processos criminais, salvo a ação penal privada.". Por sua vez, a Resolução STJ/GP n. 2 de 1.º de fevereiro de 2017, repetindo a norma legal, dispõe: "Art. 3.º Haverá isenção do preparo nos seguintes casos: I - nos habeas data, habeas corpus e recursos em habeas corpus; II - nos processos criminais, salvo na ação penal privada e sua revisão criminal; [...]".

Entretanto, em se tratando de recurso em matéria penal, a interpretação da norma processual que deve prevalecer é aquela mais consentânea com o direito à ampla defesa e ao contraditório.

Com efeito, a Lei de regência não fala de isenção para recursos apenas de natureza exclusivamente penal. A norma de isenção de preparo se refere a processos criminais.

No caso, não há dúvida de que os embargos de divergência, embora não sejam previstos na legislação processual penal, são inquestionavelmente cabíveis e foram manejados dentro de um processo criminal, razão pela qual deve ser inexigível o pagamento de custas processuais.

Registra-se, ademais, que a despeito de também ter havido decisões discrepantes no âmbito da Terceira Seção, a questão foi amplamente rediscutida, tendo decidido aquele Colegiado, à unanimidade, pela inexigibilidade de pagamento de custas processuais em embargos de divergência oriundos de ação penal pública.

9 de outubro de 2021

Viola o princípio constitucional da ampla defesa o indeferimento de prova nova sem a demonstração de seu caráter manifestamente protelatório ou meramente tumultuário, mormente quando esta teve como causa situação processual superveniente

Processo

HC 545.097-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 28/09/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PENAL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Prova nova. Situação processual superveniente. Pedido de conversão do julgamento em diligência. Indeferimento. Violação do princípio constitucional da ampla defesa.

 

DESTAQUE

Viola o princípio constitucional da ampla defesa o indeferimento de prova nova sem a demonstração de seu caráter manifestamente protelatório ou meramente tumultuário, mormente quando esta teve como causa situação processual superveniente.


INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade de juntada de documento novo pela defesa em segundo grau de jurisdição, até mesmo após o oferecimento de razões recursais, sem que se configure inovação recursal ou preclusão.

Segundo o disposto no art. 397 do CPC - aplicável, por analogia, ao processo penal, por força do art. 3º do CPP -, "É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos". Objetivamente, o fato novo surgido no Tribunal Regional Federal foi a juntada, pelo Desembargador relator da apelação, da suposta íntegra das mensagens obtidas por meio das interceptações telemáticas (BlackBerry messenger), o que gerou o confronto pericial pela defesa.

É bem verdade que a "regra insculpida no art. 231 do CPP, no qual se estabelece que as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo, não é absoluta, sendo que nas hipóteses em que forem manifestamente protelatórias ou tumultuárias podem ser indeferidas pelo magistrado" (HC n. 250.202/SP, Rel. Ministra Marilza Maynard - Desembargadora convocada do TJ/SE, DJe 28/11/2013).

No entanto, caberia ao Tribunal de origem demonstrar, ainda que minimamente, as razões pelas quais a prova juntada aos autos pela defesa teria caráter manifestamente protelatório ou meramente tumultuário, o que, contudo, não ocorreu. Mais ainda, a Corte regional poderia, evidentemente, até refutar, motivadamente, as conclusões apresentadas no laudo pericial trazido pela defesa, mas não simplesmente se negar a examiná-lo sob a alegação de que sua juntada aos autos teria sido intempestiva, sob pena de violação do próprio disposto no art. 93, IX, da CF, máxime quando verificado que o pedido defensivo teve como causa situação processual superveniente, gerada pelo próprio Desembargador relator da apelação criminal.

Não há como se olvidar que as normas processuais referidas ajustam-se ao princípio constitucional da ampla defesa (art. 5º, LV, da CF) e, inclusive, ao próprio princípio da presunção de não culpabilidade (art. 5º, LVII, da CF), na medida em que assegura ao réu a possibilidade de requerer diligências, quando surgir a possibilidade de uma prova revelar, esclarecer ou refutar os fatos criminosos a ele imputados.


5 de outubro de 2021

A reinquirição de testemunha de defesa, na fase de diligências da ação penal originária, consoante o art. 10 da Lei n. 8.038/1990, não implica a implícita declaração de nulidade da pronúncia, proferida quando não havia prerrogativa de foro

Processo

RHC 133.694-RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 14/09/2021, DJe 20/09/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Pronúncia. Posterior deslocamento da competência para o STF. Mudança de rito. Art. 10 da Lei n. 8.038/1990. Realização de diligências. Nulidade da pronúncia. Inocorrência.

 

DESTAQUE

A reinquirição de testemunha de defesa, na fase de diligências da ação penal originária, consoante o art. 10 da Lei n. 8.038/1990, não implica a implícita declaração de nulidade da pronúncia, proferida quando não havia prerrogativa de foro.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A diplomação do réu, acusado da prática de homicídio com dolo eventual, no cargo de Deputado Federal, com a subida dos autos ao Supremo Tribunal Federal, conduz a uma alteração do rito processual, que passa a prever uma fase de diligências anterior às alegações escritas, na forma do art. 10 da Lei n. 8.038/1990, sem que isso acarrete a nulidade dos atos anteriormente praticados pelo juízo então competente.

A determinação pela Corte Suprema da reinquirição de testemunhas de defesa, na fase de diligências da ação penal originária, consoante o art. 10 da Lei n. 8.038/1990, não implica na implícita declaração de nulidade da pronúncia, proferida quando não havia prerrogativa de foro, apenas havendo uma diferença de rito, sem a previsão legal da mesma etapa no chamado sumário da culpa, primeira fase do rito dos crimes dolosos contra a vida.

Importante observar, outrossim, que a fase de diligências tinha que ser realmente antecipada pelo STF naquela ocasião, porque no anterior procedimento ela aconteceria posteriormente, na fase dos art. 422, parte final, e art. 423, I, do CPP, justamente "para sanar qualquer nulidade ou esclarecer fato que interesse ao julgamento da causa".

Dito de outra forma, enquanto o procedimento adotado pelo STF estava previsto para o momento anterior aos memoriais, o rito dos crimes dolosos contra a vida apenas o previa para o judicium causae, ou seja, para a sua segunda etapa. Logo, nada mais apropriado do que realmente considerar a medida adotada na Suprema Corte como equivalente às diligências daquele segundo momento do procedimento do Tribunal do Júri, antes apenas do relatório e da inclusão da ação penal em pauta de julgamento (art. 423, II, do CPP).


15 de setembro de 2021

Compete aos tribunais de justiça estaduais processar e julgar os delitos comuns, não relacionados com o cargo, em tese praticados por Promotores de Justiça

Processo

CC 177.100-CE, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 08/09/2021, DJe 10/09/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Foro por prerrogativa de função. Membros do Ministério Público e Magistrados (art. 96, III, da Constituição Federal). Crimes comuns não relacionados com o cargo. Competência do respectivo Tribunal de Justiça estadual.

 

DESTAQUE

Compete aos tribunais de justiça estaduais processar e julgar os delitos comuns, não relacionados com o cargo, em tese praticados por Promotores de Justiça.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O núcleo da controvérsia consiste em definir se Promotores de Justiça estaduais, pelo suposto cometimento de crime comum, possuem foro por prerrogativa de função no respectivo Tribunal de Justiça estadual, nos termos do art. 96, inciso III, da Constituição Federal; ou se incide, na espécie, por aplicação do princípio da simetria, a interpretação restritiva dada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal ao art. 102, inciso I, alíneas 'b' e 'c', da Carta Magna, no julgamento da QO na AP 937-RJ, segundo a qual o foro por prerrogativa de função se aplica apenas aos crimes praticados no exercício e em razão da função pública exercida.

Nesse ponto, é importante ressaltar que, de fato, o STF restringiu sua competência para julgar membros do Congresso Nacional somente nas hipóteses de crimes praticados no exercício e em razão da função pública exercida. Todavia, frise-se que referido precedente analisou apenas o foro por prerrogativa de função referente a cargos eletivos, haja vista que o caso concreto tratava de ação penal ajuizada em face de Deputado Federal.

Sobre o tema, a Corte Especial do STJ, no julgamento da QO na APN 878/DF reconheceu sua competência para julgar Desembargadores acusados da prática de crimes com ou sem relação ao cargo, não identificando simetria com o precedente do STF. Naquela oportunidade firmou-se a compreensão de que se Desembargadores fossem julgados por Juízo de Primeiro Grau vinculado ao Tribunal ao qual ambos pertencem, criar-se-ia, em alguma medida, um embaraço ao Juiz de carreira responsável pelo julgamento do feito. Em resumo, esta Corte Superior apontou discrimen relativamente aos Magistrados para manter interpretação ampla quanto ao foro por prerrogativa de função, aplicável para crimes com ou sem relação com o cargo, com fundamento na necessidade de o julgador desempenhar suas atividade judicantes de forma imparcial.

Nesse contexto, considerando que a prerrogativa de foro da Magistratura e Ministério Público encontra-se descrita no mesmo dispositivo constitucional (art. 96, inciso III, da CF), seria desarrazoado conferir-lhes tratamento diferenciado.

Por outro lado, a Suprema Corte, em 28/05/2021, nos autos do ARE 1.223.589/DF, de Relatoria do Ministro Marco Aurélio, por unanimidade, afirmou que a questão ora em debate possui envergadura constitucional, reconhecendo a necessidade de analisar, com repercussão geral (Tema 1.147), a possibilidade ou não do STJ, a partir do artigo 105, inciso I, alínea a, da CF, processar e julgar Desembargador por crime comum, ainda que sem relação com o cargo. Destarte, o precedente estabelecido pelo STF no julgamento da QO na AP 937/RJ diz respeito apenas a cargos eletivos, ao passo que a prerrogativa de foro disciplinada no art. 96, III, da Constituição Federal, que abrange magistrados e membros do Ministério Público, será analisada pela Suprema Corte no julgamento do ARE 1.223.589, com repercussão geral. Observe-se que o Pleno do STF proveu o agravo para determinar sequência ao recurso extraordinário, razão pela qual, em 08/06/2021 o processo foi reautuado para RE 1.331.044.

Por derradeiro, a Quinta Turma do STJ, no julgamento do AgRg no HC 647437/SP, de Relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, realizado em 25/5/2021 (DJe 1/6/2021), não identificou teratologia em situação de denúncia ofertada pelo titular da ação penal perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, na qual se imputou a Promotora de Justiça a prática, em tese, de conduta delituosa não relacionada com o cargo. Naquela oportunidade o ilustre relator ponderou que "(...) não foi demonstrado de maneira patente e inquestionável que o precedente estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da QO na AP 937/RJ, limitando o foro por prerrogativa de função às hipóteses de crimes praticados no exercício da função ou em razão dela, se aplicaria à paciente, posto que a Corte Suprema, na ocasião, não deliberou expressamente sobre o foro para processo e julgamento de magistrados e membros do Ministério Público, limitando-se a estabelecer tese em relação ao foro por prerrogativa de função de autoridades indicadas na Constituição Federal que ocupam cargo eletivo."

Diante disso, enquanto pendente manifestação do STF acerca do tema, deve ser mantida a jurisprudência até o momento aplicada que reconhece a competência dos Tribunais de Justiça Estaduais para julgamento de delitos comuns em tese praticados por Promotores de Justiça.


9 de setembro de 2021

Quando a apelação contra a sentença condenatória é interposta com fundamento no art. 593, III, "d", do CPP, o Tribunal tem o dever de analisar se existem provas de cada um dos elementos essenciais do crime, ainda que não concorde com o peso que lhes deu o júri

Processo

AREsp 1.803.562-CE, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 24/08/2021, DJe 30/08/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Tribunal do Júri. Condenação. Recurso de apelação. Art. 593, III, "d", do CPP. Dever do Tribunal de identificar a existência de provas de cada elemento essencial do crime. Nulidade do veredicto condenatório por inexistência probatória. No evidence rule.

 

DESTAQUE

Quando a apelação contra a sentença condenatória é interposta com fundamento no art. 593, III, "d", do CPP, o Tribunal tem o dever de analisar se existem provas de cada um dos elementos essenciais do crime, ainda que não concorde com o peso que lhes deu o júri.


INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Como decorrência do mandamento constitucional (art. 93, IX, da Constituição da República) de fundamentação das decisões judiciais, o órgão julgador da apelação prevista no art. 593, III, "d", do CPP deverá examinar as provas existentes e, caso rejeite a tese defensiva, demonstrar quais elementos probatórios dos autos embasam (I) a materialidade e (II) autoria delitivas, bem como (III) a exclusão de alguma causa descriminante suscitada pela defesa.

Ou seja: cada um dos elementos essenciais do delito - além das causas excludentes de ilicitude ou culpabilidade eventualmente tratadas pelo réu - deve ser analisado, ainda que sucintamente, pelo Tribunal. Se a apelação defensiva argumenta, por exemplo, que o veredito é nulo por inexistirem provas de autoria, a Corte local não pode elencar, em seu acórdão, somente as provas de materialidade para rejeitar a pretensão do apelante, sob pena de grave omissão.

É certo que não cabe aos juízes togados empreender um profundo exame das provas dos autos, porque tal missão cabe ao júri. No entanto, ao julgar a apelação, o Tribunal não pode se imiscuir no mérito do sopesamento do conjunto probatório, mas tem a obrigação de apontar se, para cada um dos elementos do delito, existem provas de sua ocorrência, ainda que não concorde com a conclusão dos jurados a seu respeito.

Em outras palavras, há dois juízos distintos feitos pelo magistrado ao se debruçar sobre as provas que embasam uma condenação por crime doloso contra a vida. O primeiro deles, de natureza antecedente, analisa a existência das provas, e é isso que deve o Tribunal fazer ao julgar uma apelação fundada no art. 593, III, "d", do CPP. O segundo deles, o consequente, se refere ao grau de convencimento pessoal do julgador pelo conjunto probatório existente, a fim de aferir se é adequado ou não para condenar o réu.

No julgamento de crimes dolosos contra a vida, aos juízes togados, quando apreciam a apelação do art. 593, III, "d", do CPP, cabe somente o juízo antecedente; o juízo consequente compete ao júri. A cognição judicial encerra-se com o primeiro juízo, o da existência das provas: se positivo, a apelação deve ser desprovida, porque não incumbe ao Tribunal prosseguir ao juízo consequente; se negativo, quando o veredito for completamente dissociado das provas (rectius: quando não houver prova de algum dos elementos essenciais do crime), a sentença é anulada.

Referindo-se aos termos consagrados pela doutrina, diante de uma apelação que aponta manifesta contrariedade entre as provas dos autos e o veredito (dimensão horizontal da cognição, ou a delimitação do objeto sobre o qual será exercida), o julgador somente pode aprofundar-se até determinado ponto: a existência (ou não) de provas aptas a dar supedâneo ao veredito. Trata-se de uma cognição parcial, no aspecto horizontal - já que a apelação contra sentença do tribunal do júri é de fundamentação vinculada; e, no plano vertical, embora não seja sumária, também não é exauriente, limitando-se a constatar se existem provas relativas à tese acatada pelos juízes leigos.

Se o Tribunal exceder tais limites e realizar o juízo consequente, terá afrontado a soberania dos vereditos prevista no art. 5º, XXXVIII, "c", da Constituição da República; se, por outro lado, exagerar na postura de autocontenção e não fizer sequer o juízo antecedente, incorrerá em nulidade por negativa de prestação jurisdicional.

As considerações quanto ao poder de convencimento de cada prova existente situam-se um nível cognitivo mais profundo verticalmente, que é privativo dos jurados. Aliás, pode-se mesmo argumentar que, considerando o sistema de íntima convicção e o princípio constitucional da plenitude da defesa (art. 5º, XXXVIII, "a", da Constituição da República), a cognição vertical dos jurados é talvez a mais profunda de qualquer decisão judicial no direito brasileiro, porquanto guiada não só por aspectos jurídicos, mas permeada também pelos valores, crenças, caracteres individuais e concepções supralegais de justiça de cada um.

São tênues, de fato, as linhas que delimitam a atividade cognitiva do magistrado em processos dessa espécie, mas uma conclusão é inegável: pelo menos a existência de provas deve ser analisada pelo Tribunal, ainda que os desembargadores discordem da valoração que lhes deu o júri.

Caso contrário, se nem mesmo a constatação quanto à existência das provas fosse exigível do Judiciário, ficaria em todo esvaziada a apelação do art. 593, III, "d", do CPP, uma vez que o provimento ou desprovimento do recurso dependeria de opiniões puramente subjetivas, na contramão da segurança jurídica. Perquirir a (in)existência de prova, nesse cenário, tem a vantagem de servir como baliza mais objetiva para a atividade jurisdicional.

Assim, embora seja extremamente complexo o controle jurisdicional dos vereditos do júri, existe um mínimo de cognição que os Tribunais locais devem exercer - e esse mínimo é exatamente verificar se existem provas capazes de secundar a convicção dos jurados, ainda que sem emitir juízo de valor quanto ao poder de convencimento de cada uma.

Uma vez atribuída missão de tamanha relevância às Cortes locais, surge a próxima pergunta fundamental: em que medida pode o STJ controlar a decisão por elas alcançada? Como já afirmado, guiar a atividade judicial em segunda instância, nos casos do art. 593, III, "d", do CPP, para um juízo antecedente (quanto à simples existência de provas dos elementos crime) traz o benefício de tornar menos subjetivo o julgamento da apelação. A exigência de que o Tribunal examine as provas e fundamente seu julgamento indicando-as, para além de conferir legitimidade à decisão, tem a finalidade de permitir seu controle pelas instâncias superiores. Essa é, aliás, uma das funções tradicionalmente vistas pela doutrina no art. 93, IX, da Constituição da República.

Sendo inviável o reexame das provas na presente instância, consoante a Súmula 7/STJ, é a partir da fundamentação do acórdão recorrido que este Tribunal Superior verifica se foi correta a aplicação da legislação federal a cada caso. Por conseguinte, quando o STJ é confrontado em recurso especial defensivo interposto contra aresto que apreciou apelação fundada no art. 593, III, "d", do CPP, há três situações hipotéticas possíveis:

(I) Primeiramente, se o acórdão recorrido deixou de analisar todas as provas relevantes para embasar a decisão dos jurados, haverá nulidade por negativa de prestação jurisdicional, violando os arts. 381, III, 564, V, e (possivelmente) 619 do CPP. Embora não se exija pronunciamento expresso quanto a cada ponto suscitado pelas partes - já que a atividade de julgar não equivale a preencher um questionário ideal por elas apresentado -, deve o Tribunal expor a existência de todas as provas que dão suporte ao veredito dos jurados, em relação a cada um dos elementos essenciais do crime;

(II) Em segundo lugar, se o acórdão demonstrou, sem omissões, que há provas de todos os aspectos do delito, eventual recurso especial que questione a força dessas provas, o peso que lhes deve ser atribuído na formação do convencimento ou mesmo qual delas deve prevalecer, quando apresentadas evidências contraditórias em plenário, esbarrará na Súmula 7/STJ. É o caso, por exemplo, de recursos constantemente julgados por este colegiado que debatem a inexistência de dolo, a credibilidade das testemunhas, a força do álibi apresentado pelo réu, dentre outros temas análogos;

(III) Por fim, a terceira e última hipótese é a do acórdão que analisou o conjunto fático-probatório dos autos, também sem omissões, mas não explicitou a existência de provas para cada um dos elementos do delito. Não se trata do caso em que, existindo outras provas, o aresto deixa de mencioná-las, porque esse seria o primeiro cenário acima elencado, no qual há nulidade por deficiência na fundamentação; a terceira situação é diversa. Nela, é a Corte de origem quem demonstra, ainda que por seu silêncio, a ausência de provas de todos os elementos do crime, pois ela própria não conseguiu encontrá-las no julgamento da apelação.

Nessa última situação, abre-se ao STJ a possibilidade de conhecer eventual violação do art. 593, III, "d", do CPP. Afinal, não se discute qual das provas existentes deve prevalecer, ou qual o impacto de cada uma na formação do convencimento judicial. O que se apresenta é um questionamento puramente jurídico: quando a própria Corte de origem verifica que não há provas de todos os elementos do delito - e inexistindo omissão de sua parte -, pode a condenação ser mantida? Ou, ao contrário, a existência de provas de apenas parte dos elementos do crime já é suficiente para preservar o veredito condenatório?

O fundamental para diferenciar a primeira e terceira hipóteses identificadas é avaliar se há, ou não, alguma omissão relevante no acórdão. Quando há provas e o aresto sobre elas se omite, estamos diante da primeira situação, em que o julgamento é viciado. Contrariamente, quando inexistem outras provas, não há propriamente omissão do Tribunal em elencá-las. O julgamento da causa foi completo, e não se cuida de examinar a suficiência da prestação jurisdicional: o que é relevante é conferir se foram apresentadas provas para cada elemento do delito (segunda situação, em que incide a Súmula 7/STJ) ou não (terceira situação).

Alerta-se que, na terceira hipótese, seria ingenuidade esperar que o próprio acórdão impugnado afirmasse, literalmente, não ter encontrado provas de algum elemento essencial do crime (autoria ou materialidade, por exemplo), apesar de manter a condenação. Lembremos que, no recurso especial, o aresto proferido na instância ordinária é o objeto, e não o parâmetro, do controle de legalidade; é a lei federal quem dá a medida e serve de parâmetro para esse controle. Consequentemente, cabe ao STJ a tarefa de verificar se a falta de menção à comprovação de um dos elementos do crime é uma omissão ilegal, tornando deficiente a prestação jurisdicional feita na origem, ou um silêncio eloquente, que demonstra a pura e simples inexistência de provas naquele ponto.

Um exemplo dessa situação ocorre quando a sentença condenatória é proferida com fundamento no motivo do crime, sem a devida comprovação da autoria (um dos elementos essenciais de qualquer crime), o que torna impossível a condenação do réu, nos termos do art. 386, IV e V, do CPP; por outro lado, a falta de demonstração do motivo do delito não é elencada no dispositivo como hipótese absolutória. Quando não qualifica as infrações, o motivo é um elemento acidental do crime, relevante para a dosimetria da pena em sua primeira (art. 59 do CP), segunda (arts. 61, II, "a" e "b", e 65, III, "a", do CP) ou terceira fases (por exemplo: art. 121, § 1º, 129, § 4º, 149, § 2º, II, e 163, parágrafo único, IV, do CP). Não é decisivo, contudo, para o mérito da procedência ou improcedência da pretensão punitiva em si.

Ressalta-se que esse raciocínio jurídico baseia na definição da interpretação dos arts. 5º, XXXVIII, "c", e 93, IX, da CF/1998, bem como dos arts. 381, III, 564, V, 593, III, "d", e 619 do CPP. Ao julgar uma apelação que discute a manifesta contradição probatória de um veredito, o jurista caminha no fio da espada entre a soberania dos vereditos e o poder-dever de anulação da sentença contrária à prova dos autos. As considerações tecidas acima buscam conferir maior densidade normativa a tais conceitos, estabelecendo um modelo cognitivo-epistêmico para guiar a atividade jurisdicional e cumprir a função constitucional do STJ de uniformizar a interpretação da legislação federal. Concorde-se ou não com elas, fato é que a Súmula 7/STJ não as impede.

É possível assim sintetizar as conclusões alcançadas: ao julgar a apelação fundada no art. 593, III, "d", do CPP, o Tribunal precisa indicar as provas de cada elemento essencial do crime que dão suporte à versão aceita pelos jurados. Faltando, no acórdão, a demonstração de que algum elemento tem respaldo probatório mínimo, hás duas possibilidades distintas: (I) ou o aresto é nulo, por deficiência de fundamentação, já que se omitiu sobre alguma prova existente e importante; (II) ou o veredito deve ser anulado, porque a Corte de origem não foi capaz de localizar prova de determinado elemento essencial do delito.