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6 de janeiro de 2022

OBRIGAÇÕES (CLÁUSULA PENAL) O devedor solidário responde pelo pagamento da cláusula penal compensatória, ainda que não incorra em culpa

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-713-stj.pdf


OBRIGAÇÕES (CLÁUSULA PENAL) O devedor solidário responde pelo pagamento da cláusula penal compensatória, ainda que não incorra em culpa 

Situação adaptada: a Petrobrás celebrou contrato de afretamento de embarcação com a Larsen Limited. Em outras palavras, a Larsen Limited deveria entregar uma embarcação para a Petrobrás, que viria do exterior para o Brasil. Como o contrato envolvia vultosos valores e a Larsen Limited está situada no exterior, a Petrobrás exigiu que a Larsen Brasil Ltda (outra empresa do grupo) também figurasse no ajuste como devedora solidária. Assim, a Larsen Brasil se obrigou conjuntamente com a outra empresa pelas “obrigações pecuniárias decorrentes do contrato”. A Larsen Limited, por culpa exclusiva sua, não cumpriu o contrato (não entregou a embarcação combinada). Diante disso, a Petrobrás cobrou o valor da cláusula penal compensatória exigindo o seu pagamento tanto da Larsen Limited (devedora principal) como da Larsen Brasil Ltda (devedora solidária). No caso, a parte não se obrigou pela entrega da embarcação (obrigação que se tornou impossível), mas pelas obrigações pecuniárias decorrentes do contrato. No entanto, é oportuno assinalar que a cláusula penal compensatória tem como objetivo prefixar os prejuízos decorrentes do descumprimento do contrato, evitando que o credor tenha que promover a liquidação dos danos. Assim, a cláusula penal se traduz em um valor considerado suficiente pelas partes para indenizar o eventual descumprimento do contrato. Tem, portanto, caráter nitidamente pecuniário. STJ. 3ª Turma. REsp 1.867.551-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 05/10/2021. 

O que é cláusula penal? 

Cláusula penal é... 

- uma cláusula do contrato 

- ou um contrato acessório ao principal 

- em que se estipula, previamente, o valor da indenização que deverá ser paga 

- pela parte contratante que não cumprir, culposamente, a obrigação. 

A cláusula penal também pode ser chamada de multa convencional, multa contratual ou pena convencional. A cláusula penal é uma obrigação acessória, referente a uma obrigação principal. Pode estar inserida dentro do contrato (como uma cláusula) ou prevista em instrumento separado. 

Espécies de cláusula penal 

Existem duas espécies de cláusula penal: 

MORATÓRIA (compulsória): 

Estipulada para desestimular o devedor a incorrer em mora ou para evitar que deixe de cumprir determinada cláusula especial da obrigação principal. É a cominação contratual de uma multa para o caso de mora. 

Finalidade: para uns, funciona como punição pelo atraso no cumprimento da obrigação. Para outros autores, teria uma função apenas de inibir o descumprimento e indenizar os prejuízos (não teria finalidade punitiva). 

Aplicada para o caso de inadimplemento relativo. 

Ex: em uma promessa de compra e venda de um apartamento, é estipulada multa para o caso de atraso na entrega. 

Art. 411. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal. 


COMPENSATÓRIA (compensar o inadimplemento) 

Estipulada para servir como indenização no caso de total inadimplemento da obrigação principal.

Funciona como uma prefixação das perdas e danos. 

Aplicada para o caso de inadimplemento absoluto. 

Ex: em um contrato para que um cantor faça um show no réveillon, é estipulada uma multa de 100 mil reais caso ele não se apresente. 

Art. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor. 

 (Promotor MP/MG 2021) Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de escolher entre a satisfação da pena cominada ou pelo desempenho da obrigação principal, um ou outro. (errado) 

Imagine a seguinte situação adaptada: 

A Petrobrás celebrou contrato de afretamento de embarcação com a Larsen Limited. Em outras palavras, a Larsen Limited deveria entregar uma embarcação para a Petrobrás, que viria do exterior para o Brasil. Como o contrato envolvia vultosos valores e a Larsen Limited está situada no exterior, a Petrobrás exigiu que a Larsen Brasil Ltda (outra empresa do grupo) também figurasse no ajuste como devedora solidária. Assim, a Larsen Brasil se obrigou conjuntamente com a outra empresa pelas “obrigações pecuniárias decorrentes do contrato”. A cláusula contratual era mais ou menos assim: “17.1. A Larsen Brasil assina o CONTRATO como empresa juridicamente solidária quanto às obrigações pecuniárias dele decorrentes, independente de causa, origem ou natureza jurídica.” A Larsen Limited, por culpa exclusiva sua, não cumpriu o contrato (não entregou a embarcação combinada). Diante disso, a Petrobrás cobrou o valor da cláusula penal compensatória exigindo o seu pagamento tanto da Larsen Limited (devedora principal) como da Larsen Brasil Ltda (devedora solidária). A Larsen Brasil Ltda defendeu-se afirmando o devedor solidário não responde por perdas e danos nas hipóteses em que não incorrer em culpa. Em vista disso, como a Larsen Brasil não agiu com culpa, pois a entrega da embarcação era obrigação personalíssima da fretadora estrangeira, não pode ser condenada ao pagamento da cláusula penal compensatória, a qual tem a natureza de perdas e danos. 

Esse argumento da Larsen Brasil foi aceito pelo STJ? NÃO. 

O devedor solidário responde pelo pagamento da cláusula penal compensatória, ainda que não incorra em culpa. STJ. 3ª Turma. REsp 1.867.551-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 05/10/2021. 

O art. 279 do Código Civil prevê que, se houver a impossibilidade de prestação da obrigação e houver devedores solidários, todos os devedores terão responsabilidade pelo encargo de pagar o equivalente e somente o devedor culpado terá a obrigação de pagar perdas e danos: 

Art. 279. Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários, subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente; mas pelas perdas e danos só responde o culpado. 

No caso, a parte não se obrigou pela entrega da embarcação (obrigação que se tornou impossível), mas pelas obrigações pecuniárias decorrentes do contrato. No entanto, é oportuno assinalar que a cláusula penal compensatória tem como objetivo prefixar os prejuízos decorrentes do descumprimento do contrato, evitando que o credor tenha que promover a liquidação dos danos. Assim, a cláusula penal se traduz em um valor considerado suficiente pelas partes para indenizar o eventual descumprimento do contrato. Tem, portanto, caráter nitidamente pecuniário. Diante disso, como a parte se obrigou conjuntamente com outra empresa pelas obrigações pecuniárias decorrentes do contrato “independente de causa, origem ou natureza jurídica”, está obrigada ao pagamento do valor relativo à multa penal compensatória, cuja incidência estava expressamente prevista no ajuste. Cumpre assinalar, ainda, que os contratos devem ser interpretados de acordo com a sua finalidade econômica, isto é, com a necessidade econômica que buscavam satisfazer. No caso, como a cláusula penal está inserida em contrato empresarial firmado entre empresas de grande porte, tendo como objeto valores milionários, inexiste assimetria entre os contratantes que justifique a intervenção em seus termos, devendo prevalecer a autonomia da vontade e a força obrigatória dos contratos.

OBRIGAÇÕES (CESSÃO DE CRÉDITO) A citação na ação de cobrança ajuizada pelo credor-cessionário é suficiente para cumprir a exigência de cientificar o devedor acerca da transferência do crédito

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-713-stj.pdf


OBRIGAÇÕES (CESSÃO DE CRÉDITO) A citação na ação de cobrança ajuizada pelo credor-cessionário é suficiente para cumprir a exigência de cientificar o devedor acerca da transferência do crédito 

O Código Civil exige que o devedor seja notificado acerca da cessão de crédito: Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita. A citação da devedora em ação movida pelo cessionário atende a finalidade precípua do art. 290 do Código Civil, que é a de “dar ciência” ao devedor do negócio, por meio de “escrito público ou particular”. A partir da citação, o devedor toma ciência inequívoca da cessão de crédito e, por conseguinte, sabe exatamente a quem deve pagar. Assim, a citação revela-se suficiente para cumprir a exigência de cientificar o devedor da transferência do crédito. STJ. Corte Especial. EAREsp 1.125.139-PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 06/10/2021 (Info 713). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

João tinha créditos para receber da Eletrobrás no valor de R$ 200 mil. Ainda iria demorar alguns anos para ele receber esses créditos. Como João precisava do dinheiro logo, ele aceitou “vender” esses créditos para a Vitorian S/A, uma empresa especializada em compra de créditos. Assim, João recebeu R$ 120 mil à vista e a Vitorian, na data do vencimento, receberá os R$ 200 mil da Eletrobrás. O que houve, no presente caso, foi uma cessão de crédito, sendo João o cedente e a empresa Vitorian S/A a cessionária. Veja o que diz o Código Civil sobre o tema: 

Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação. 

Algum tempo depois, a Vitorian, na condição de cessionária do crédito, ajuizou ação de cobrança em face da Eletrobrás. Depois de citada, a ré apresentou contestação alegando que, para a Vitorian (cessionária) cobrar os créditos, ela deveria, no momento da cessão, ter feito a notificação da devedora (Eletrobrás) acerca da cessão do crédito. Invocou, para tanto, o art. 290 do Código Civil: 

Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita. 

 (Juiz TJDFT 2015 CESPE) A cessão de crédito tem plena e imediata eficácia em relação ao devedor, independentemente de este ter sido notificado da cessão feita ou ter dado ciência dessa cessão. (errado) 

A Vitorian contra-argumentou afirmando que a citação feita no processo judicial já serve como notificação, razão pela qual não há qualquer óbice para que o processo continue. 

A questão chegou até o STJ por meio de sucessivos recursos. O STJ concordou com o argumento da autora (Vitorian)? 

SIM. A finalidade do art. 290 do Código Civil é a de informar ao devedor quem é o seu novo credor. Isso é importante porque se o devedor já pagou o credor originário, ele fica dispensado de ter de pagar novamente ao credor-cessionário. Além disso, o devedor pode opor ao credor-cessionário as exceções de caráter pessoal que teria em relação ao credor-cedente, anteriores a transferência do crédito e também posteriores, até o momento da cobrança, conforme dispõe o art. 294 do Código Civil: 

Art. 294. O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente. 

Desse modo, a citação da devedora em ação movida pelo cessionário atende a finalidade precípua do art. 290 do Código Civil, que é a de “dar ciência” ao devedor do negócio, por meio de “escrito público ou particular”. 

A partir da citação, o devedor toma ciência inequívoca da cessão de crédito e, por conseguinte, sabe exatamente a quem deve pagar. Assim, a citação revela-se suficiente para cumprir a exigência de cientificar o devedor da transferência do crédito. Cabe ressaltar ainda que, segundo entende o STJ: 

A ausência de notificação do devedor acerca da cessão do crédito (art. 290 do CC/2002) não torna a dívida inexigível, tampouco impede o novo credor de praticar os atos necessários à preservação dos direitos cedidos, bem como não exime o devedor da obrigação de arcar com a dívida contraída. STJ. 3a Turma. AgInt no AREsp 1637202/MS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 24/08/2020. 

Desse modo, a ausência de notificação do devedor a respeito da cessão de crédito não pode ser alegada pelo devedor quando esse teve conhecimento da cessão no momento da citação. 

Em suma: A citação na ação de cobrança ajuizada pelo credor-cessionário é suficiente para cumprir a exigência de cientificar o devedor acerca da transferência do crédito. STJ. Corte Especial. EAREsp 1.125.139-PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 06/10/2021 (Info 713).

7 de julho de 2021

OBRIGAÇÕES - É valida a cláusula contratual inserida em contrato de cessão de crédito celebrado com um FIDC que consagra a responsabilidade do cedente pela solvência do devedor (cessão de crédito pro solvendo)

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-697-stj.pdf


OBRIGAÇÕES - É valida a cláusula contratual inserida em contrato de cessão de crédito celebrado com um FIDC que consagra a responsabilidade do cedente pela solvência do devedor (cessão de crédito pro solvendo) 

Situação hipotética: PW Ltda é uma loja de roupas.Na sua atividade empresarial, ela faz muitas vendas à crédito. Para tanto, os clientes assinam notas promissórias se comprometendo a pagar as dívidas em 90, 120 e 180 dias. Ocorre que a loja não pode aguardar todo esse tempo e precisa de dinheiro para pagar suas despesas e comprar mercadorias. A empresa resolveu, então, “vender” seus créditos, recebendo à vista o dinheiro, com deságio, ou seja, com desconto. Para tanto, PW celebrou contrato de cessão de créditos com um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios – FIDC. Por meio desse contrato, a PW cedeu para o Fundo diversas notas promissórias (títulos de crédito) que iriam vencer apenas em 180 dias. A soma desses créditos totalizava R$ 100 mil. Como contrapartida, o Fundo pagou, à vista, R$ 80 mil para a PW, ficando com o direito de cobrar dos devedores os R$ 100 mil. Ocorre que esses Fundos se cercam das mais diversas garantias possíveis. Desse modo, havia uma cláusula nesse contrato dizendo que, se os devedores das notas promissórias cedidas não pagassem a dívida, o FIDC poderia cobrar a quantia da loja de roupas (que cedeu os títulos de créditos). Essa cláusula contratual é válida. 

Obs: se, em vez de um FIDC, o contrato tivesse sido celebrado entre a loja e uma empresa de factoring, não seria possível essa cláusula (REsp 1711412-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 04/05/2021. Info 695). 

STJ. 3ª Turma. REsp 1.909.459-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/05/2021 (Info 697). 

O que é FIDC? FIDC é a sigla para Fundo de Investimento em Direitos Creditórios. Trata-se de um fundo de investimento no qual os valores serão aplicados, no mínimo, 50% em direitos creditórios (títulos de crédito). Assim, as pessoas interessadas investem um determinado valor no fundo, que é administrado por especialistas. Este fundo aplica o valor dos investidores e, depois, divide entre os participantes as receitas que conseguir, abatidas as despesas necessárias para o negócio. A peculiaridade deste fundo é o fato de ele ter que aplicar pelo menos metade dos recursos em direitos creditórios (daí o seu nome). 

Instrução normativa 356/2001-CVM 

Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios foram regulamentados pela Instrução normativa 356/2001, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O art. 2º, III, da Instrução normativa prevê que o FIDC é uma comunhão de recursos que destina parcela preponderante do respectivo patrimônio líquido para a aplicação em direitos creditórios. O FIDC é constituído sob a forma de condomínio aberto ou fechado (art. 3º, I, da IN 356/2001). 

Direitos creditórios 

Direitos creditórios são direitos derivados de créditos que uma empresa tem a receber, como, por exemplo, cheques, aluguéis, duplicatas, parcelas de cartão de crédito etc. Assim, a empresa tem esses créditos para receber no futuro, mas, como precisa de capital de giro, aceita “vender” esses créditos para um terceiro, recebendo à vista menos do que eles valem. Ex: a empresa tinha um cheque “pós-datado” para receber em 90 dias no valor de R$ 1 mil; ela aceita “vender” esse crédito por R$ 800,00, recebendo à vista a quantia. 

Securitização de recebíveis (ou securitização de ativos) 

A partir do que foi exposto, podemos concluir que o FIDC, em regra, opera mediante a securitização de recebíveis. O termo “securitização” deriva do termo em inglês securities, que quer dizer, em tradução livre, “valores mobiliários” (PEREIRA, Evaristo Dumont de Lucena. FREITAS, Bernardo Vianna; VERSIANI, Fernanda Valle (coords.). Fundos de Investimento – Aspectos Jurídicos, Regulamentares e Tributários. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 231). A securitização caracteriza-se pela cessão de créditos originariamente titulados por uma unidade empresarial para outra entidade, com o objetivo de angariar recursos ordinariamente para o financiamento da atividade econômica. Nesse sentido: Portanto, o FIDC, de modo diverso das atividades desempenhadas pelos escritórios de factoring, opera no mercado financeiro (vertente do mercado de capitais) mediante a securitização de recebíveis, por meio da qual determinado fluxo de caixa futuro é utilizado como lastro para a emissão de valores mobiliários colocados à disposição de investidores. STJ. 4ª Turma. REsp 1726161/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 06/08/2019. 

Como um FIDC pode adquirir direitos creditórios? 

Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios podem adquirir direitos creditórios por meio de: a) endosso, ato típico do regime jurídico cambial (as regras aqui aplicáveis dependem do tipo de título de crédito adquirido. Ex: existem regras de endosso para a duplicada, para o cheque, para a letra de câmbio etc.; ou b) por cessão civil de crédito, instituto que é disciplinado pelos arts. 286 a 298 do Código Civil. 

Feita esta breve revisão, imagine a seguinte situação hipotética: 

A sociedade empresária PW Ltda é uma loja de roupas. Na sua atividade empresarial, ela faz muitas vendas à crédito. Para tanto, os clientes assinam notas promissórias se comprometendo a pagar as dívidas em 90, 120 e 180 dias. Ocorre que a loja não pode aguardar todo esse tempo e precisa de dinheiro para pagar suas despesas e comprar mercadorias. A empresa resolveu, então, “vender” seus créditos, recebendo à vista o dinheiro, com deságio, ou seja, com desconto. Para tanto, PW celebrou contrato de cessão de créditos com um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios – FIDC. Por meio desse contrato, a PW cedeu para o Fundo diversas notas promissórias (títulos de crédito) que iriam vencer apenas em 180 dias. A soma desses créditos totalizava R$ 100 mil. Como contrapartida, o Fundo pagou, à vista, R$ 80 mil para a PW, ficando com o direito de cobrar dos devedores os R$ 100 mil. Ocorre que esses Fundos se cercam das mais diversas garantias possíveis. Desse modo, havia uma cláusula nesse contrato dizendo que, se os devedores das notas promissórias cedidas não pagassem a dívida, o FIDC poderia cobrar a quantia da loja de roupas (que cedeu os títulos de créditos). 

Essa cláusula contratual é válida? É possível que, em um contrato de cessão de crédito firmado entre um FIDC (cessionário) e um terceiro (cedente) se estabeleça a responsabilidade do cedente pela solvência do devedor? Em outras palavras, é válida a cessão de crédito “pro solvendo” para um FIDC? 

SIM. É valida a cláusula contratual inserida em contrato de cessão de crédito celebrado com um FIDC que consagra a responsabilidade do cedente pela solvência do devedor (cessão de crédito pro solvendo). STJ. 3ª Turma. REsp 1.909.459-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/05/2021 (Info 697). 

Como vimos, os FIDCs são disciplinados pela IN 356/2001 da CVM. O art. 2º, XV desta IN dispõe sobre a possibilidade de que o contrato preveja a coobrigação do cedente: 

Art. 2º (...) XV - coobrigação: é a obrigação contratual ou qualquer outra forma de retenção substancial dos riscos de crédito do ativo adquirido pelo fundo assumida pelo cedente ou terceiro, em que os riscos de exposição à variação do fluxo de caixa do ativo permaneçam com o cedente ou terceiro. 

Mesmo que não houvesse essa previsão na Instrução normativa, ainda assim essa cláusula seria válida considerando que: a) não há no ordenamento jurídico vedação legal para que o contrato preveja a responsabilidade do cedente pelo pagamento do débito em caso de inadimplemento do devedor; e b) o art. 296 do Código Civil autoriza que a cessão de crédito seja do tipo “pro solvendo”, ou seja, que o cedente seja responsável, perante o cessionário, pela solvência do crédito, desde que isso fique expressamente previsto: 

Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor. 

O art. 296 do CC estabelece que, se houver pactuação, o cedente pode ser responsável ao cessionário pela solvência do devedor. STJ. 4ª Turma. REsp 1726161/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 06/08/2019. 

O que foi explicado acima vale também para a factoring? Se, em vez de um FIDC, o contrato tivesse sido celebrado entre a loja e uma empresa de factoring, seria possível essa cláusula? 

NÃO. A faturizadora não tem direito de regresso contra o faturizado com base no inadimplemento dos títulos transferidos, uma vez que esse risco é da essência do contrato de factoring e por ele o faturizado paga preço mais elevado do que pagaria, por exemplo, em um contrato de desconto bancário, no qual a instituição financeira não garante a solvência dos títulos descontados. O risco advindo dessa operação de compra de direitos creditórios, consistente justamente na eventual inadimplência do devedor/sacado, constitui elemento essencial do contrato de factoring, não podendo ser transferido ao faturizado/cedente, sob pena de desnaturar a operação de fomento mercantil. Assim, o faturizado não pode ser demandado regressivamente pelo pagamento da dívida. Mesmo que o contrato de factoring preveja a responsabilidade do faturizado nesses casos, tal cláusula deverá ser considerada nula. Assim, a natureza do contrato de factoring, diversamente do que se dá no contrato de cessão de crédito puro, não permite que os contratantes, ainda que sob o argumento da autonomia de vontades, estipulem a responsabilidade do cedente (faturizado) pela solvência do devedor/sacado. Desse modo, não se aplica para o contrato de factoring, a primeira parte do art. 296 do Código Civil: 

Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor. 

No contrato de factoring, não existe a possibilidade de haver essa “estipulação em contrário”: 

A empresa faturizada não responde pela insolvência dos créditos cedidos, sendo nula a disposição contratual em sentido contrário e eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring. A natureza do contrato de factoring, diversamente do que se dá no contrato de cessão de crédito puro, não permite que os contratantes, ainda que sob o argumento da autonomia de vontades, estipulem a responsabilidade da cedente (faturizada) pela solvência do devedor/sacado. STJ. 3ª Turma. REsp 1711412-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 04/05/2021 (Info 695).