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24 de abril de 2021

É cabível a averbação de protesto contra alienação em matrícula de imóvel considerado bem de família.

REsp 1.236.057-SP, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 06/04/2021

Bem de família. Protesto contra alienação. Cabimento. Requisitos. Legítimo interesse. Não prejudicialidade efetiva da medida.


O protesto possui previsão legal no art. 867 do CPC/1973, segundo o qual "todo aquele que desejar prevenir responsabilidade, prover a conservação e ressalva de seus direitos ou manifestar qualquer intenção de modo formal, poderá fazer por escrito o seu protesto, em petição dirigida ao juiz, e requerer que do mesmo se intime a quem de direito". O Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 301, arrolou o registro de protesto contra alienação de bem como uma das formas de tutela de urgência de natureza cautelar.

Além disso, a "averbação, no Cartório de Registro de Imóveis, de protesto contra alienação de bem, está dentro do poder geral de cautela do juiz (art. 798, CPC) e se justifica pela necessidade de dar conhecimento do protesto a terceiros, prevenindo litígios e prejuízos para eventuais adquirentes" (EREsp 440.837/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Rel. p/ Acórdão Ministro Barros Monteiro, Corte Especial, julgado em 16/08/2006, DJ 28/05/2007).

Assim, o protesto busca preservar direitos preexistentes e, por ser medida administrativa determinada judicialmente, esgota-se no plano do registro da vontade do promovente. A inserção da informação no registro público do imóvel é uma forma de prevenir possível alienação fraudulenta, mediante divulgação erga omnes.

Portanto, a medida não impede a disposição do bem, mas obsta que terceiro adquirente possa alegar boa-fé, no caso de futura demanda judicial envolvendo o imóvel. Além disso, o STJ, no julgamento do RMS 35.481/SP, interpretando o art. 869 do CPC/1973, entendeu que o protesto contra alienação de bens pressupõe a existência de dois requisitos, quais sejam, legítimo interesse e não prejudicialidade efetiva da medida.

Em relação ao bem de família, o protesto contra alienação de bens não possui o objetivo de obstar ou anular o negócio jurídico de venda do imóvel impenhorável, mas somente de informar terceiros de boa-fé a respeito da pretensão do credor de penhora do bem, na hipótese de afastamento da proteção conferida pela Lei n. 8.009/1990.

Assim, estão presentes os pressupostos para o protesto contra a alienação de bens, tendo em vista que a publicidade da pretensão é essencial para proteção de terceiros de boa-fé e preservação do direito do executante de futura constrição do imóvel, no caso da perda da qualidade de bem de família. 


PRETENDIDA PENHORA DO IMÓVEL QUE FORA CEDIDO PELOS RECORRIDOS AO RECORRENTE, O QUAL NÃO POSSUÍA QUALQUER DÉBITO TRIBUTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. BEM DE FAMÍLIA. HIPÓTESE QUE NÃO SE SUBSUME À EXCEÇÃO À IMPENHORABILIDADE PREVISTA NO ART. 3º, INCISO IV, DA LEI N. 8.009/1990, POR NÃO SE TRATAR DE OBRIGAÇÃO REFERENTE A COBRANÇA DE TRIBUTO DEVIDO EM FUNÇÃO DO RESPECTIVO IMÓVEL FAMILIAR, MAS, SIM, DE REEMBOLSO DE VALORES PAGOS EM VIRTUDE DE DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL

RECURSO ESPECIAL Nº 1.332.071 - SP (2012/0135071-1) 

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE 

RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PERMUTA DE IMÓVEIS ENTRE AS PARTES. IMÓVEL CEDIDO PELO RECORRENTE COM DÉBITO DE IPTU, O QUAL FOI QUITADO PELOS RECORRIDOS JUNTO À MUNICIPALIDADE. AÇÃO DE COBRANÇA PLEITEANDO O REEMBOLSO DO VALOR PAGO, EM FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PRETENDIDA PENHORA DO IMÓVEL QUE FORA CEDIDO PELOS RECORRIDOS AO RECORRENTE, O QUAL NÃO POSSUÍA QUALQUER DÉBITO TRIBUTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. BEM DE FAMÍLIA. HIPÓTESE QUE NÃO SE SUBSUME À EXCEÇÃO À IMPENHORABILIDADE PREVISTA NO ART. 3º, INCISO IV, DA LEI N. 8.009/1990, POR NÃO SE TRATAR DE OBRIGAÇÃO REFERENTE A COBRANÇA DE TRIBUTO DEVIDO EM FUNÇÃO DO RESPECTIVO IMÓVEL FAMILIAR, MAS, SIM, DE REEMBOLSO DE VALORES PAGOS EM VIRTUDE DE DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. NORMA DE EXCEÇÃO À PROTEÇÃO LEGAL CONFERIDA AO BEM DE FAMÍLIA QUE DEMANDA INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. REFORMA DO ACÓRDÃO RECORRIDO. RECURSO PROVIDO. 

1. Cinge-se a controvérsia a definir, a par da adequação da tutela jurisdicional prestada, se é possível a penhora do imóvel do recorrente, no bojo de ação de cobrança em fase de cumprimento de sentença, em razão da exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no art. 3º, IV, da Lei n. 8.009/1990. 

2. Afasta-se a apontada negativa de prestação jurisdicional, pois o Tribunal de origem analisou todas as questões suficientes ao deslinde da controvérsia, não havendo que se falar em violação ao art. 535, inciso II, do CPC/1973. 

3. Quanto à questão de fundo, depreende-se dos autos que o recorrente celebrou com os recorridos um contrato particular de permuta de imóveis urbanos, em que estes transmitiriam àquele uma casa residencial em troca de um lote de terreno. Por ocasião da celebração do referido contrato, pactuou-se que cada parte assumiria os tributos e taxas que viessem a incidir sobre os imóveis permutados, responsabilizando-se pela existência de débitos pendentes. 

3.1. Após a concretização da permuta e transferência da posse, os recorridos constataram que o imóvel cedido pelo recorrente possuía débitos de IPTU relacionados a anos anteriores à celebração do contrato. Assim, os recorridos quitaram os débitos fiscais junto à Municipalidade e ajuizaram ação de cobrança contra o recorrente buscando o reembolso dos valores pagos, a qual foi julgada procedente pelas instâncias ordinárias. 

3.2. Na fase de cumprimento de sentença, o imóvel transferido ao recorrente (casa residencial), que antes pertencia aos recorridos, e que não possuía débitos tributários, foi penhorado para garantia da dívida objeto da referida ação de cobrança, com base no art. 3º, IV, da Lei n. 8.009/1990, o qual dispõe que poderá ser penhorado o bem de família "para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar". 

4. Não obstante, para a aplicação da exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no aludido dispositivo legal é preciso que o débito de natureza tributária seja proveniente do próprio imóvel que se pretende penhorar. Em outras palavras, era preciso que os débitos de IPTU, no caso em julgamento, fossem do próprio imóvel penhorado, agora pertencente ao recorrente. Na hipótese, contudo, o imóvel penhorado foi aquele repassado pelos recorridos ao recorrente, o qual não tinha qualquer débito tributário. 

4.1. Ademais, o débito referente ao IPTU do imóvel repassado pelo recorrente foi integralmente quitado pelos recorridos (autores), razão pela qual não se está cobrando "impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas", mas, sim, o reembolso dos valores pagos pelos autores em função do não cumprimento de cláusula contratual pelo recorrente, a qual estabelecia que a permuta dos imóveis deveria ser efetivada sem qualquer pendência fiscal. 

4.2. Dessa forma, constata-se que a exceção à impenhorabilidade do bem de família disposta no art. 3º, inciso IV, da Lei n. 8.009/1990 não se amolda ao caso em julgamento, razão pela qual o acórdão recorrido deve ser reformado para afastar a respectiva penhora do imóvel. 

4.3. Com efeito, por se tratar de norma de exceção à ampla proteção legal conferida ao bem de família, a sua interpretação deve se dar de maneira restritiva, não podendo, na linha do que decidido pelas instâncias ordinárias, ser ampliada a ponto de alcançar outras situações não previstas pelo legislador. 

5. Recurso especial provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. 

Brasília, 18 de fevereiro de 2020 (data do julgamento). 

RELATÓRIO O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE: Colhe-se dos autos que Edson Velardi Credidio interpôs agravo de instrumento, na ação de cobrança em fase de cumprimento de sentença ajuizada em seu desfavor por Luiz Eduardo Nogueira Porto e Mônica Lauandos Porto, contra a decisão que rejeitou a arguição de impenhorabilidade do bem e manteve a penhora sobre seu imóvel. 

O Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento ao agravo de instrumento em acórdão assim ementado: 

Agravo de Instrumento. Ação de cobrança em fase de execução de sentença. Permuta de imóveis entre as partes. Crédito que tem origem em IPTU devido pelo imóvel transferido. Penhora de bem imóvel. Impugnação. Alegação de que se trata de bem de família. Rejeição da impugnação. Descumprimento do art. 600 do CPC. Ausência de indicação de outro bem ou outra forma de satisfação da dívida. Origem da dívida que deve ser levada em conta. Caso que se insere na exceção do art. 3º, IV, da Lei 8.009/90. Acerto da decisão que merece ser mantida por seus próprios fundamentos. Recurso improvido. 

Posteriormente, os embargos de declaração opostos ao referido acórdão foram rejeitados. 

No presente recurso especial, Edson Velardi Credidio alega que houve violação ao art. 535 do Código de Processo Civil de 1973, pois o Tribunal de origem não analisou todas as questões suscitadas, sobretudo "a respeito do artigo 3° da Lei 8.009/90, bem como das disposições contidas na Constituição Federal, artigos 1°, III, e 5°, XXII, que afirma textualmente que 'é garantido o direito de propriedade' e do fundamental artigo 6°, que, de acordo com a EC/26 determina o direito de moradia e decorrente impenhorabilidade do bem de família" (e-STJ, fl. 484). 

No tocante à questão de fundo, sustenta que o acórdão recorrido violou os arts. 1º e 3º, inciso IV, da Lei n. 8.009/1990, pois o débito discutido é individual, do próprio recorrente, em função da execução de sentença transitada em julgado, não se tratando de cobrança de impostos, predial ou territorial, taxa e contribuições devidas em função do imóvel, razão pela qual não há como aplicar a exceção à impenhorabilidade do bem de família, como equivocadamente entendeu o decisum impugnado. 

Busca, assim, o provimento do recurso para que seja declarada nula a penhora realizada no imóvel do recorrente, por se tratar de bem de família. 

Às fls. 581-585 (e-STJ), dei provimento ao recurso para afastar a penhora sobre o imóvel do recorrente. 

Os recorridos, então, interpuseram agravo interno, no qual alegaram, em síntese, que a referida decisão não poderia prevalecer, pois no AREsp n. 704.654/SP "toda a matéria a que alude estes autos já foi examinada, sendo negado seguimento àquele reclamo extremo". Afirmaram, ainda, que "no aludido recurso a esposa do agravado, Rosania Costa Credidio, e seus filhos interpuseram embargos de terceiro sob os mesmos fundamentos expostos nestes autos pelo ora agravado, Edson Velardi Credidio, vale dizer que o imóvel penhorado era um bem de família e não se enquadrava na exceção prevista no art. 3º, inciso IV, da Lei 8.099/90" (e-STJ, fl. 589). 

Sustentaram, por fim, que para acolher os argumentos do recorrente seria necessário amplo reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que não se admite, a teor do que dispõe a Súmula 7/STJ. 

Em razão das alegações deduzidas e considerando que não há precedente sobre a matéria em discussão, proferi decisão reconsiderando o decisum de fls. 581-585 (e-STJ) para que o recurso fosse julgado em pauta por esta Terceira Turma. 

É o relatório. 

VOTO O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR): De início, ao contrário do que alegaram os recorridos por ocasião do agravo interno interposto às fls. 588-605 (e-STJ), vale destacar que o julgamento do AREsp n. 704.654/SP não impede e nem vincula a análise da matéria neste recurso especial. 

É que o referido recurso estava vinculado aos embargos de terceiro interpostos pela esposa do ora recorrente e seus filhos, muito embora discutisse a mesma questão tratada no presente feito, isto é, a possibilidade ou não de penhora do imóvel pertencente ao réu. Logo, não tendo o recorrente participado do referido processo, a decisão nele proferida não produz qualquer efeito neste recurso especial. 

Ademais, no AREsp n. 704.654/SP, a questão de fundo acerca da possibilidade ou não de penhora do imóvel não foi nem sequer examinada por esta Corte Superior, tendo em vista o reconhecimento da falta de prequestionamento (Súmulas 282 e 356 do STF), bem como em razão da incidência do óbice da Súmula 284/STF. 

Além disso, para saber se o imóvel objeto da lide pode ou não ser penhorado, não há necessidade de reexame de provas, pois os fatos estão incontroversos nos autos, não havendo que se falar em incidência do óbice da Súmula 7/STJ ao presente recurso. 

Feito esse breve esclarecimento, passo à análise das razões recursais. 

1. Da negativa de prestação jurisdicional - violação ao art. 535 do Código de Processo Civil de 1973 

O recorrente alega que opôs embargos de declaração ao acórdão que negou provimento ao seu recurso, pois buscava "um pronunciamento específico a respeito do artigo 3° da Lei 8.009/90, bem como das disposições contidas na Constituição Federal, artigos 1°, III, e 5°, XXII, que afirma textualmente que 'é garantido o direito de propriedade' e do fundamental artigo 6°, que, de acordo com a EC/26, determina o direito de moradia e decorrente impenhorabilidade do bem de família. Não obstante, os embargos foram rechaçados pelo acórdão, em franca ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil de 1973" (e-STJ, fl. 484). 

Todavia, ao contrário do que sustenta o recorrente, da simples análise do acórdão recorrido, não se verifica qualquer negativa de prestação jurisdicional por parte do Tribunal de origem, pois foram examinadas todas as questões postas em discussão, estando devidamente prequestionados os dispositivos legais indicados no presente recurso especial. 

Por essa razão, afasto a apontada violação ao art. 535, inciso II, do CPC/1973. 

2. Da possibilidade de penhora do imóvel do recorrente - violação aos arts. 1º e 3º, inciso IV, da Lei n. 8.009/1990 

Depreende-se dos autos que Edson Velardi Credidio, ora recorrente, celebrou com Luis Eduardo Nogueira Porto e Mônica Lauandos Porto, ora recorridos, um contrato particular de "permuta de imóveis urbanos", em que estes transmitiriam àquele um "imóvel (casa residencial) situado na Rua Artur de Freitas, nº 510, (...) em troca de um lote de terreno designado pelo nº 16, da quadra 'E', da Vila Cambuí, localizado na Avenida José de Souza Campos, nº 753" (e-STJ, fl. 20). 

Por ocasião da celebração do referido contrato, pactuou-se que "cada parte assumiria os tributos e taxas que viessem a incidir sobre os imóveis permutados, responsabilizando-se pela existência de débitos pendentes (cláusula 5.3)" (e-STJ, fl. 20). 

Após a concretização da permuta e transferência da posse, Luis Eduardo Nogueira Porto e Mônica Lauandos Porto constataram que o imóvel cedido por Edson Velardi Credidio possuía débitos de IPTU relacionados a anos anteriores à celebração do contrato. 

Assim, os recorridos quitaram os débitos fiscais junto à Prefeitura Municipal e ajuizaram ação de cobrança contra o recorrente buscando o reembolso dos valores pagos, a qual foi julgada procedente pelas instâncias ordinárias. 

Na fase de cumprimento de sentença, o imóvel transferido a Edson Velardi Credidio, que antes pertencia, portanto, a Luis Eduardo Nogueira Porto e Mônica Lauandos Porto, o qual não possuía débitos tributários, foi penhorado para garantia da dívida objeto da referida ação de cobrança. 

Contra essa penhora, Edson Velardi Credidio apresentou impugnação argumentando que tratava-se de bem de família, pois residia no imóvel e não possuía outro. 

O Juízo de primeiro grau, por sua vez, mesmo reconhecendo tratar-se de bem de família, entendeu que incidia, no caso, a exceção do art. 3º, inciso IV, da Lei n, 8.009/1990, consignando, para tanto, o seguinte (e-STJ, fls. 447-448): 

De fato, restou provado que os executados residem no imóvel que foi objeto da penhora. No entanto, como já ficou claramente exposto na fase de conhecimento, as partes permutaram imóveis entre si. Os exequentes eram proprietários de um imóvel denominado como número 13, da quadra 25, do Loteamento Nova Campinas, objeto da matrícula nº 9744 do Primeiro Registro de Imóveis desta Comarca. O executado era proprietário do imóvel denominado pelo número 16, da quadra E, do Loteamento Vila Cambuí, objeto da matrícula número 64348 do Primeiro Registro de Imóveis desta Comarca. As partes permutaram entre si esses bens. Foi objeto desta ação o pedido formulado pelos exequentes, no sentido de que fosse o executado condenado a pagar o débito de IPTU apurado anteriormente à permuta. O pedido foi acolhido por sentença transitada em julgado. Assim, em suma, o crédito dos autores (exequentes) se refere ao IPTU devido pelo imóvel que lhes fora transferido pelo réu (executado). Assim, tenho que se aplica a exceção prevista no artigo 3º, inciso IV, da Lei Federal n. 8.009/90. E nem poderia ser outra a interpretação aplicável ao caso. Isso porque a municipalidade poderia penhorar o imóvel por conta dos tributos não pagos pelo executado. O executado transferiu o imóvel aos exequentes com essa dívida. Assim, nada mais lógico que o bem seja penhorável pelos exequentes exatamente em decorrência do débito tributário saldado pelos exequentes com relação ao imóvel que lhes fora transferido. 

Esse entendimento foi confirmado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo com base nos seguintes fundamentos: 

Cuida-se de caso em que as partes permutaram imóveis, com cláusula expressa, no contrato firmado, de responsabilidade de cada uma sobre existência de débitos pendentes anteriores à troca. Verificou-se, no entanto, que o imóvel entregue aos agravados possuía débitos de IPTU referentes aos anos de 1994 a 1998, valores esses que o Agravante se recusou a pagar espontaneamente. Os Agravados, dessa forma, a fim de evitarem problemas com a Municipalidade, resolveram quitar o débito e ingressar com ação de cobrança contra o Agravante. Julgada procedente, iniciou-se a fase de execução da sentença, tendo havido a penhora de ativos financeiros do Agravante, os quais se mostraram insuficientes. O Recorrente não indicou nenhum bem à penhora, motivo pelo qual os Agravados apontaram o imóvel que haviam permutado com ele. Veio então a impugnação do Agravante, sem que houvesse manifestação sobre a satisfação voluntária do débito ou a indicação de outro bem suscetível de penhora, incidindo no art. 600 do Código de Processo Civil, que considera ato atentatório à dignidade da Justiça a não indicação de bens passíveis de penhora por parte do devedor. Verifica-se, ainda, que juntou o recorrente cópia de parte de sua declaração de imposto de renda, a fim de provar que mora no referido bem, mas deixou de juntar o restante da declaração, onde constariam os bens de sua propriedade, se existentes. Descumprido o art. 600 do CPC, não restava alternativa aos agravados a não ser a indicação do bem imóvel de que tinham conhecimento, ou seja, aquele que lhes pertencia e foi permutado. Em momento algum o Agravado aponta outro bem ou propõe o pagamento de sua divida. Dessa forma, a decisão de rejeição de impugnação, ora guerreada, não merece alteração alguma porque bem analisou os fatos e conclui acertadamente pela manutenção da penhora, usando lógico e perfeito raciocínio sobre a origem do débito e suas conseqüências, inserindo o caso na exceção do art. 3º, IV, da Lei 8.009/90. Assim, merece ser a decisão mantida por seus próprios fundamentos. 

Analisando os fundamentos declinados pelas instâncias ordinárias, entendo que não foi dada a melhor interpretação ao art. 3º, inciso IV, da Lei 8.009/1990 ao presente caso. 

A propósito, o referido dispositivo legal dispõe o seguinte: 

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (...) IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; 

Como visto, para a aplicação da exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no aludido dispositivo legal é preciso que o débito de natureza tributária seja proveniente do próprio imóvel que se pretende penhorar. 

Em outras palavras, era preciso que os débitos de IPTU, no caso em julgamento, fossem do próprio imóvel penhorado, agora pertencente ao recorrente. 

Na hipótese, contudo, o imóvel penhorado foi aquele repassado pelos recorridos ao recorrente, o qual não tinha qualquer débito tributário. Logo, não se trata de cobrança de imposto devido "em função do imóvel familiar", nos termos em que dispõe o artigo mencionado. 

Ademais, em relação ao débito de IPTU do imóvel repassado pelo recorrente, vale destacar que tal imposto foi devidamente quitado pelos recorridos (autores) junto à municipalidade. Daí o ajuizamento da ação de cobrança, objeto do presente recurso especial, na qual os autores pleitearam o reembolso dos valores despendidos com o pagamento do referido tributo, o qual, por expressa previsão contratual, era de responsabilidade do recorrente. 

Dessa forma, não há dúvidas de que a obrigação discutida na referida ação não se refere à cobrança de tributo devido em função do respectivo imóvel familiar, mas, sim, trata-se de reembolso de valores pagos pelos autores em função do não cumprimento de cláusula contratual pelo recorrente, a qual estabelecia que a permuta dos imóveis deveria ser efetivada sem qualquer pendência fiscal. 

Por essa razão, a hipótese em julgamento não se subsume à exceção à impenhorabilidade do bem de família disposta no art. 3º, inciso IV, da Lei n. 8.009/1990, razão pela qual deve ser afastada a respectiva penhora do imóvel. 

Com efeito, por se tratar de norma de exceção à ampla proteção legal conferida ao bem de família, a sua interpretação deve se dar de maneira restritiva, não podendo, na linha do que decidido pelas instâncias ordinárias, ser ampliada a ponto de alcançar outras situações não previstas pelo legislador. 

Nesse sentido, confiram-se, mutatis mutandis: 

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO CUMULADA COM PEDIDO DE PERDAS E DANOS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. LEVANTAMENTO DE PENHORA SOBRE IMÓVEL CONSIDERADO COMO BEM DE FAMÍLIA. INDENIZAÇÃO CIVIL ORIUNDA DE CONDUTA TIPIFICADA COMO ILÍCITO PENAL. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA EXCEÇÃO PREVISTA NO ART. 3º, VI, DA LEI 8.009/90. IMPOSSIBILIDADE. IMPENHORABILIDADE MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. O escopo da Lei 8.009/90 não é proteger o devedor contra suas dívidas, mas visa à proteção da entidade familiar no seu conceito mais amplo, motivo pelo qual as hipóteses de exceção à impenhorabilidade do bem de família, em virtude do seu caráter excepcional, devem receber interpretação restritiva. 2. Impossibilidade, no caso concreto, de afastar a impenhorabilidade do bem de família, por interpretação analógica do art. 3º, VI, da Lei 8.009/90, sob o argumento de que a indenização civil é oriunda de conduta tipificada como ilícito penal (estelionato). 3. O art. 3º, VI, da Lei 8.009/90 representa norma de exceção à ampla proteção legal conferida ao bem de família. Dessa forma, a regra interpretativa aplicável não deve ser estendida a outras hipóteses não previstas pelo legislador. 4. No recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça só pode examinar os fatos tais como delineados pelas instâncias ordinárias. Desse modo, o alegado fato novo (superveniência de sentença penal condenatória) não pode ser levado em consideração no julgamento do recurso, porque deve ser submetido previamente à consideração das instâncias ordinárias. 5. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.357.413/SP, Relator o Ministro Raul Araújo, DJe de 25/10/2018 - sem grifo no original) 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA ANTERIOR AO CASAMENTO DO DEVEDOR. IMÓVEL EM QUE RESIDEM A ESPOSA E OS FILHOS. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÕES. ROL TAXATIVO. LEI 8.009/90 (ARTS. 1º E 3º). AGRAVO PROVIDO. 1. As hipóteses de exceção à regra da impenhorabilidade do bem de família são taxativas, não comportando interpretação extensiva. 2. O imóvel em que residem os recorrentes, esposa e filhos do devedor, deve ser objeto de proteção pelo sistema jurídico, não sendo lícito impor à futura esposa o ônus de diligenciar sobre a existência de eventual constrição de imóvel do futuro esposo, como condição para a obtenção de direito à proteção legal, cuja eficácia apenas admite restrição prevista em lei. Ademais, os filhos do devedor têm também direito, eles mesmos, à proteção conferida ao bem de família, que se estende à entidade familiar em seu sentido mais amplo. 3. Se é certo que a proteção legal pode desdobrar-se em múltiplos eventos, para alcançar ambos os cônjuges em caso de separação ou divórcio, assim como o novo lar por eles constituído, com mais razão deve-se admitir que a proteção legal alcance a entidade familiar única, ainda que constituída posteriormente à realização da penhora, porquanto tal fato não se mostra relevante aos olhos da lei, que se destina à proteção da família em seu sentido mais amplo. 4. Agravo interno provido para conhecer do agravo e dar provimento ao recurso especial. (AgInt no AREsp n. 1.158.338/SP, Relator o Ministro Lázaro Guimarães - Desembargador convocado do TRF 5ª Região, DJe de 22/8/2018 - sem grifo no original) 

A rigor, os recorridos deveriam ter diligenciado a fim de buscar a certidão negativa do imóvel respectivo, antes de concretizar o negócio com o recorrente, o que, ao que parece, não aconteceu. 

Não se pode, todavia, a pretexto de tentar combater o prejuízo que os autores tiveram, ampliar as hipóteses de exceção à impenhorabilidade do bem de família, sobretudo porque o objetivo da norma prevista na Lei n. 8.009/1990 não é de proteção ao patrimônio do devedor, mas, sim, da entidade familiar como um todo. 

Por essas razões, considerando ser incontroverso que o imóvel penhorado constitui bem de família, não era caso de aplicar a exceção do art. 3º, IV, da Lei n. 8.009/1990, razão pela qual impõe-se a reforma do acórdão recorrido. 

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para afastar a penhora realizada no imóvel do recorrente, por se tratar de bem de família, nos termos da fundamentação supra. 

É o voto. 

18 de abril de 2021

O crédito oriundo de contrato de empreitada para a construção, ainda que parcial, de imóvel residencial, encontra-se nas exceções legais à impenhorabilidade do bem de família.

 REsp 1.221.372-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 15/10/2019, DJe 21/10/2019

Impenhorabilidade do bem de família. Construção de imóvel residencial. Contrato de empreitada. Exceção caracterizada. Art. 3º, II, da Lei n. 8.009/1990.

O artigo 3º, inciso II, da Lei n. 8.009/1990, dispõe que a impenhorabilidade do bem de família é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato. Para os efeitos estabelecidos no citado dispositivo legal, o financiamento referido pelo legislador abarca operações de crédito destinadas à aquisição ou construção do imóvel residencial, podendo essas serem stricto sensu - decorrente de uma operação na qual a financiadora, mediante mútuo/empréstimo, fornece recursos para outra a fim de que essa possa executar benfeitorias ou aquisições específicas, segundo o previamente acordado - como aquelas em sentido amplo, nas quais se inclui o contrato de compra e venda em prestações, o consórcio ou a empreitada com pagamento parcelado durante ou após a entrega da obra, pois todas essas modalidades viabilizam a aquisição/construção do bem pelo tomador que não pode ou não deseja pagar o preço à vista. Em todas essas situações, dá-se a constituição de uma operação de crédito, efetiva dívida para a aquisição/construção do imóvel na modalidade parcelada.

15 de abril de 2021

Proteção do credor e de terceiros justifica registro de protesto contra alienação de bem de família

 A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que é possível a averbação de protesto contra a alienação de imóvel classificado como bem de família – não para impedir a venda do imóvel impenhorável, mas para informar terceiros de boa-fé sobre a pretensão do credor, especialmente na hipótese de futuro afastamento da proteção contra a penhora.

Com a decisão, o colegiado manteve acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que, no âmbito de execução em que não foram localizados bens penhoráveis, deferiu a averbação do protesto, em caráter informativo, na matrícula de imóvel protegido pela Lei 8.009/1990.

De acordo com o credor, o protesto seria necessário para resguardar os seus direitos futuros, bem como para alertar compradores em potencial do imóvel familiar. Sustentou que, em caso de morte da devedora, ele poderá ser habilitado no espólio, possibilitando impedir a alienação de bens antes do pagamento do débito.

A devedora, em recurso especial contra a decisão do TJSP, alegou que não existe direito do credor ao protesto, pois ele não poderia executar o imóvel, tendo em vista a impenhorabilidade assegurada pelo artigo 10 da Lei 8.009/1990.

Prevenção de litígios

O relator do recurso, ministro Antonio Carlos Ferreira, lembrou que a Segunda Seção, no julgamento do EREsp 185.645, considerou que a averbação cartorária de protesto contra alienação de bem está dentro do poder geral de cautela do juiz (artigo 798 do Código de Processo Civil de 1973) e é justificável pela necessidade de dar conhecimento do protesto a terceiros, prevenindo litígios e prejuízos para eventuais compradores.

Segundo o magistrado, a inserção dessa informação no registro público do imóvel também é uma forma de prevenir possível alienação fraudulenta. "A medida não impede a disposição do bem, mas obsta que terceiro adquirente possa alegar boa-fé, no caso de futura demanda judicial envolvendo o imóvel", explicou.

Também com base em precedentes do STJ, o ministro destacou que o protesto contra a alienação pressupõe dois requisitos: que a pretensão do interessado no protesto seja legítima e que o protesto não impeça a realização de negócio lícito.

Situação fática

Em seu voto, Antonio Carlos Ferreira ressaltou que a impenhorabilidade do bem de família nada mais é do que uma garantia jurídica que incide sobre uma situação fática: a moradia familiar. No entanto, os fatos podem ser modificados por várias razões, como o recebimento de herança, a compra de um segundo imóvel ou a mudança de residência da família.

"Assim, ao perder a qualidade de bem de família, a venda posterior do imóvel com registro de protesto contra alienação de bens pode, numa análise casuística, configurar fraude à execução", enfatizou o relator.

Ao manter o acórdão do TJSP, o ministro ponderou que, embora o protesto possa ter reflexos negativos para a devedora, a publicidade da pretensão futura de penhora do bem é essencial para a proteção de terceiros de boa-fé e a preservação do direito do credor.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1236057