RECURSO ESPECIAL Nº 1.332.071 - SP (2012/0135071-1)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PERMUTA DE IMÓVEIS ENTRE AS PARTES. IMÓVEL
CEDIDO PELO RECORRENTE COM DÉBITO DE IPTU, O QUAL FOI QUITADO PELOS
RECORRIDOS JUNTO À MUNICIPALIDADE. AÇÃO DE COBRANÇA PLEITEANDO O
REEMBOLSO DO VALOR PAGO, EM FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. NEGATIVA
DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PRETENDIDA PENHORA DO IMÓVEL
QUE FORA CEDIDO PELOS RECORRIDOS AO RECORRENTE, O QUAL NÃO POSSUÍA
QUALQUER DÉBITO TRIBUTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. BEM DE FAMÍLIA. HIPÓTESE QUE
NÃO SE SUBSUME À EXCEÇÃO À IMPENHORABILIDADE PREVISTA NO ART. 3º, INCISO IV,
DA LEI N. 8.009/1990, POR NÃO SE TRATAR DE OBRIGAÇÃO REFERENTE A COBRANÇA
DE TRIBUTO DEVIDO EM FUNÇÃO DO RESPECTIVO IMÓVEL FAMILIAR, MAS, SIM, DE
REEMBOLSO DE VALORES PAGOS EM VIRTUDE DE DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL.
NORMA DE EXCEÇÃO À PROTEÇÃO LEGAL CONFERIDA AO BEM DE FAMÍLIA QUE
DEMANDA INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. REFORMA DO ACÓRDÃO RECORRIDO.
RECURSO PROVIDO.
1. Cinge-se a controvérsia a definir, a par da adequação da tutela jurisdicional prestada, se é
possível a penhora do imóvel do recorrente, no bojo de ação de cobrança em fase de
cumprimento de sentença, em razão da exceção à impenhorabilidade do bem de família
prevista no art. 3º, IV, da Lei n. 8.009/1990.
2. Afasta-se a apontada negativa de prestação jurisdicional, pois o Tribunal de origem
analisou todas as questões suficientes ao deslinde da controvérsia, não havendo que se
falar em violação ao art. 535, inciso II, do CPC/1973.
3. Quanto à questão de fundo, depreende-se dos autos que o recorrente celebrou com os
recorridos um contrato particular de permuta de imóveis urbanos, em que estes transmitiriam
àquele uma casa residencial em troca de um lote de terreno. Por ocasião da celebração do
referido contrato, pactuou-se que cada parte assumiria os tributos e taxas que viessem a
incidir sobre os imóveis permutados, responsabilizando-se pela existência de débitos
pendentes.
3.1. Após a concretização da permuta e transferência da posse, os recorridos constataram
que o imóvel cedido pelo recorrente possuía débitos de IPTU relacionados a anos anteriores
à celebração do contrato. Assim, os recorridos quitaram os débitos fiscais junto à
Municipalidade e ajuizaram ação de cobrança contra o recorrente buscando o reembolso dos
valores pagos, a qual foi julgada procedente pelas instâncias ordinárias.
3.2. Na fase de cumprimento de sentença, o imóvel transferido ao recorrente (casa
residencial), que antes pertencia aos recorridos, e que não possuía débitos tributários, foi
penhorado para garantia da dívida objeto da referida ação de cobrança, com base no art. 3º,
IV, da Lei n. 8.009/1990, o qual dispõe que poderá ser penhorado o bem de família "para
cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do
imóvel familiar".
4. Não obstante, para a aplicação da exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista
no aludido dispositivo legal é preciso que o débito de natureza tributária seja proveniente do
próprio imóvel que se pretende penhorar. Em outras palavras, era preciso que os débitos de
IPTU, no caso em julgamento, fossem do próprio imóvel penhorado, agora pertencente ao
recorrente. Na hipótese, contudo, o imóvel penhorado foi aquele repassado pelos recorridos ao recorrente, o qual não tinha qualquer débito tributário.
4.1. Ademais, o débito referente ao IPTU do imóvel repassado pelo recorrente foi
integralmente quitado pelos recorridos (autores), razão pela qual não se está cobrando
"impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas", mas, sim, o reembolso dos
valores pagos pelos autores em função do não cumprimento de cláusula contratual pelo
recorrente, a qual estabelecia que a permuta dos imóveis deveria ser efetivada sem qualquer
pendência fiscal.
4.2. Dessa forma, constata-se que a exceção à impenhorabilidade do bem de família disposta
no art. 3º, inciso IV, da Lei n. 8.009/1990 não se amolda ao caso em julgamento, razão pela
qual o acórdão recorrido deve ser reformado para afastar a respectiva penhora do imóvel.
4.3. Com efeito, por se tratar de norma de exceção à ampla proteção legal conferida ao bem
de família, a sua interpretação deve se dar de maneira restritiva, não podendo, na linha do
que decidido pelas instâncias ordinárias, ser ampliada a ponto de alcançar outras situações
não previstas pelo legislador.
5. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi e Ricardo Villas
Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
Brasília, 18 de fevereiro de 2020 (data do julgamento).
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:
Colhe-se dos autos que Edson Velardi Credidio interpôs agravo de
instrumento, na ação de cobrança em fase de cumprimento de sentença ajuizada em seu
desfavor por Luiz Eduardo Nogueira Porto e Mônica Lauandos Porto, contra a decisão que
rejeitou a arguição de impenhorabilidade do bem e manteve a penhora sobre seu imóvel.
O Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento ao agravo de
instrumento em acórdão assim ementado:
Agravo de Instrumento. Ação de cobrança em fase de execução de
sentença. Permuta de imóveis entre as partes. Crédito que tem origem
em IPTU devido pelo imóvel transferido. Penhora de bem imóvel.
Impugnação. Alegação de que se trata de bem de família. Rejeição da
impugnação. Descumprimento do art. 600 do CPC. Ausência de
indicação de outro bem ou outra forma de satisfação da dívida.
Origem da dívida que deve ser levada em conta. Caso que se insere
na exceção do art. 3º, IV, da Lei 8.009/90. Acerto da decisão que
merece ser mantida por seus próprios fundamentos. Recurso
improvido.
Posteriormente, os embargos de declaração opostos ao referido acórdão
foram rejeitados.
No presente recurso especial, Edson Velardi Credidio alega que houve
violação ao art. 535 do Código de Processo Civil de 1973, pois o Tribunal de origem não
analisou todas as questões suscitadas, sobretudo "a respeito do artigo 3° da Lei 8.009/90,
bem como das disposições contidas na Constituição Federal, artigos 1°, III, e 5°, XXII, que
afirma textualmente que 'é garantido o direito de propriedade' e do fundamental artigo 6°,
que, de acordo com a EC/26 determina o direito de moradia e decorrente
impenhorabilidade do bem de família" (e-STJ, fl. 484).
No tocante à questão de fundo, sustenta que o acórdão recorrido violou os
arts. 1º e 3º, inciso IV, da Lei n. 8.009/1990, pois o débito discutido é individual, do próprio
recorrente, em função da execução de sentença transitada em julgado, não se tratando de cobrança de impostos, predial ou territorial, taxa e contribuições devidas em função do
imóvel, razão pela qual não há como aplicar a exceção à impenhorabilidade do bem de
família, como equivocadamente entendeu o decisum impugnado.
Busca, assim, o provimento do recurso para que seja declarada nula a
penhora realizada no imóvel do recorrente, por se tratar de bem de família.
Às fls. 581-585 (e-STJ), dei provimento ao recurso para afastar a penhora
sobre o imóvel do recorrente.
Os recorridos, então, interpuseram agravo interno, no qual alegaram, em
síntese, que a referida decisão não poderia prevalecer, pois no AREsp n. 704.654/SP "toda
a matéria a que alude estes autos já foi examinada, sendo negado seguimento àquele
reclamo extremo". Afirmaram, ainda, que "no aludido recurso a esposa do agravado,
Rosania Costa Credidio, e seus filhos interpuseram embargos de terceiro sob os mesmos
fundamentos expostos nestes autos pelo ora agravado, Edson Velardi Credidio, vale dizer
que o imóvel penhorado era um bem de família e não se enquadrava na exceção prevista
no art. 3º, inciso IV, da Lei 8.099/90" (e-STJ, fl. 589).
Sustentaram, por fim, que para acolher os argumentos do recorrente seria
necessário amplo reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que não se admite, a
teor do que dispõe a Súmula 7/STJ.
Em razão das alegações deduzidas e considerando que não há precedente
sobre a matéria em discussão, proferi decisão reconsiderando o decisum de fls. 581-585
(e-STJ) para que o recurso fosse julgado em pauta por esta Terceira Turma.
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):
De início, ao contrário do que alegaram os recorridos por ocasião do agravo
interno interposto às fls. 588-605 (e-STJ), vale destacar que o julgamento do AREsp n.
704.654/SP não impede e nem vincula a análise da matéria neste recurso especial.
É que o referido recurso estava vinculado aos embargos de terceiro
interpostos pela esposa do ora recorrente e seus filhos, muito embora discutisse a mesma
questão tratada no presente feito, isto é, a possibilidade ou não de penhora do imóvel
pertencente ao réu. Logo, não tendo o recorrente participado do referido processo, a
decisão nele proferida não produz qualquer efeito neste recurso especial.
Ademais, no AREsp n. 704.654/SP, a questão de fundo acerca da
possibilidade ou não de penhora do imóvel não foi nem sequer examinada por esta Corte
Superior, tendo em vista o reconhecimento da falta de prequestionamento (Súmulas 282 e
356 do STF), bem como em razão da incidência do óbice da Súmula 284/STF.
Além disso, para saber se o imóvel objeto da lide pode ou não ser
penhorado, não há necessidade de reexame de provas, pois os fatos estão incontroversos
nos autos, não havendo que se falar em incidência do óbice da Súmula 7/STJ ao presente
recurso.
Feito esse breve esclarecimento, passo à análise das razões recursais.
1. Da negativa de prestação jurisdicional - violação ao art. 535 do
Código de Processo Civil de 1973
O recorrente alega que opôs embargos de declaração ao acórdão que negou
provimento ao seu recurso, pois buscava "um pronunciamento específico a respeito do
artigo 3° da Lei 8.009/90, bem como das disposições contidas na Constituição Federal,
artigos 1°, III, e 5°, XXII, que afirma textualmente que 'é garantido o direito de propriedade' e do fundamental artigo 6°, que, de acordo com a EC/26, determina o direito de moradia e
decorrente impenhorabilidade do bem de família. Não obstante, os embargos foram
rechaçados pelo acórdão, em franca ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil de
1973" (e-STJ, fl. 484).
Todavia, ao contrário do que sustenta o recorrente, da simples análise do
acórdão recorrido, não se verifica qualquer negativa de prestação jurisdicional por parte do
Tribunal de origem, pois foram examinadas todas as questões postas em discussão,
estando devidamente prequestionados os dispositivos legais indicados no presente
recurso especial.
Por essa razão, afasto a apontada violação ao art. 535, inciso II, do
CPC/1973.
2. Da possibilidade de penhora do imóvel do recorrente - violação aos
arts. 1º e 3º, inciso IV, da Lei n. 8.009/1990
Depreende-se dos autos que Edson Velardi Credidio, ora recorrente,
celebrou com Luis Eduardo Nogueira Porto e Mônica Lauandos Porto, ora recorridos, um
contrato particular de "permuta de imóveis urbanos", em que estes transmitiriam àquele
um "imóvel (casa residencial) situado na Rua Artur de Freitas, nº 510, (...) em troca de um
lote de terreno designado pelo nº 16, da quadra 'E', da Vila Cambuí, localizado na Avenida
José de Souza Campos, nº 753" (e-STJ, fl. 20).
Por ocasião da celebração do referido contrato, pactuou-se que "cada parte
assumiria os tributos e taxas que viessem a incidir sobre os imóveis permutados,
responsabilizando-se pela existência de débitos pendentes (cláusula 5.3)" (e-STJ, fl. 20).
Após a concretização da permuta e transferência da posse, Luis Eduardo
Nogueira Porto e Mônica Lauandos Porto constataram que o imóvel cedido por Edson
Velardi Credidio possuía débitos de IPTU relacionados a anos anteriores à celebração do
contrato.
Assim, os recorridos quitaram os débitos fiscais junto à Prefeitura Municipal
e ajuizaram ação de cobrança contra o recorrente buscando o reembolso dos valores
pagos, a qual foi julgada procedente pelas instâncias ordinárias.
Na fase de cumprimento de sentença, o imóvel transferido a Edson Velardi
Credidio, que antes pertencia, portanto, a Luis Eduardo Nogueira Porto e Mônica Lauandos
Porto, o qual não possuía débitos tributários, foi penhorado para garantia da dívida objeto
da referida ação de cobrança.
Contra essa penhora, Edson Velardi Credidio apresentou impugnação
argumentando que tratava-se de bem de família, pois residia no imóvel e não possuía
outro.
O Juízo de primeiro grau, por sua vez, mesmo reconhecendo tratar-se de
bem de família, entendeu que incidia, no caso, a exceção do art. 3º, inciso IV, da Lei n,
8.009/1990, consignando, para tanto, o seguinte (e-STJ, fls. 447-448):
De fato, restou provado que os executados residem no imóvel que foi
objeto da penhora. No entanto, como já ficou claramente exposto na
fase de conhecimento, as partes permutaram imóveis entre si. Os
exequentes eram proprietários de um imóvel denominado como
número 13, da quadra 25, do Loteamento Nova Campinas, objeto da
matrícula nº 9744 do Primeiro Registro de Imóveis desta Comarca. O
executado era proprietário do imóvel denominado pelo número 16, da
quadra E, do Loteamento Vila Cambuí, objeto da matrícula número
64348 do Primeiro Registro de Imóveis desta Comarca. As partes
permutaram entre si esses bens. Foi objeto desta ação o pedido
formulado pelos exequentes, no sentido de que fosse o executado
condenado a pagar o débito de IPTU apurado anteriormente à
permuta. O pedido foi acolhido por sentença transitada em julgado.
Assim, em suma, o crédito dos autores (exequentes) se refere ao IPTU
devido pelo imóvel que lhes fora transferido pelo réu (executado).
Assim, tenho que se aplica a exceção prevista no artigo 3º, inciso IV,
da Lei Federal n. 8.009/90. E nem poderia ser outra a interpretação
aplicável ao caso. Isso porque a municipalidade poderia penhorar o
imóvel por conta dos tributos não pagos pelo executado. O executado
transferiu o imóvel aos exequentes com essa dívida. Assim, nada mais
lógico que o bem seja penhorável pelos exequentes exatamente em
decorrência do débito tributário saldado pelos exequentes com
relação ao imóvel que lhes fora transferido.
Esse entendimento foi confirmado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo
com base nos seguintes fundamentos:
Cuida-se de caso em que as partes permutaram imóveis, com cláusula
expressa, no contrato firmado, de responsabilidade de cada uma
sobre existência de débitos pendentes anteriores à troca.
Verificou-se, no entanto, que o imóvel entregue aos agravados
possuía débitos de IPTU referentes aos anos de 1994 a 1998, valores esses que o Agravante se recusou a pagar espontaneamente.
Os Agravados, dessa forma, a fim de evitarem problemas com a
Municipalidade, resolveram quitar o débito e ingressar com ação de
cobrança contra o Agravante.
Julgada procedente, iniciou-se a fase de execução da sentença, tendo
havido a penhora de ativos financeiros do Agravante, os quais se
mostraram insuficientes.
O Recorrente não indicou nenhum bem à penhora, motivo pelo qual
os Agravados apontaram o imóvel que haviam permutado com ele.
Veio então a impugnação do Agravante, sem que houvesse
manifestação sobre a satisfação voluntária do débito ou a indicação
de outro bem suscetível de penhora, incidindo no art. 600 do Código
de Processo Civil, que considera ato atentatório à dignidade da
Justiça a não indicação de bens passíveis de penhora por parte do
devedor.
Verifica-se, ainda, que juntou o recorrente cópia de parte de sua
declaração de imposto de renda, a fim de provar que mora no referido
bem, mas deixou de juntar o restante da declaração, onde constariam
os bens de sua propriedade, se existentes.
Descumprido o art. 600 do CPC, não restava alternativa aos
agravados a não ser a indicação do bem imóvel de que tinham
conhecimento, ou seja, aquele que lhes pertencia e foi permutado.
Em momento algum o Agravado aponta outro bem ou propõe o
pagamento de sua divida.
Dessa forma, a decisão de rejeição de impugnação, ora guerreada,
não merece alteração alguma porque bem analisou os fatos e conclui
acertadamente pela manutenção da penhora, usando lógico e perfeito
raciocínio sobre a origem do débito e suas conseqüências, inserindo o
caso na exceção do art. 3º, IV, da Lei 8.009/90.
Assim, merece ser a decisão mantida por seus próprios fundamentos.
Analisando os fundamentos declinados pelas instâncias ordinárias, entendo
que não foi dada a melhor interpretação ao art. 3º, inciso IV, da Lei 8.009/1990 ao presente
caso.
A propósito, o referido dispositivo legal dispõe o seguinte:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de
execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza,
salvo se movido: (...)
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e
contribuições devidas em função do imóvel familiar;
Como visto, para a aplicação da exceção à impenhorabilidade do bem de
família prevista no aludido dispositivo legal é preciso que o débito de natureza tributária
seja proveniente do próprio imóvel que se pretende penhorar.
Em outras palavras, era preciso que os débitos de IPTU, no caso em
julgamento, fossem do próprio imóvel penhorado, agora pertencente ao recorrente.
Na hipótese, contudo, o imóvel penhorado foi aquele repassado pelos
recorridos ao recorrente, o qual não tinha qualquer débito tributário. Logo, não se trata
de cobrança de imposto devido "em função do imóvel familiar", nos termos em que dispõe
o artigo mencionado.
Ademais, em relação ao débito de IPTU do imóvel repassado pelo
recorrente, vale destacar que tal imposto foi devidamente quitado pelos recorridos
(autores) junto à municipalidade. Daí o ajuizamento da ação de cobrança, objeto do
presente recurso especial, na qual os autores pleitearam o reembolso dos valores
despendidos com o pagamento do referido tributo, o qual, por expressa previsão
contratual, era de responsabilidade do recorrente.
Dessa forma, não há dúvidas de que a obrigação discutida na referida ação
não se refere à cobrança de tributo devido em função do respectivo imóvel familiar, mas,
sim, trata-se de reembolso de valores pagos pelos autores em função do não
cumprimento de cláusula contratual pelo recorrente, a qual estabelecia que a permuta dos
imóveis deveria ser efetivada sem qualquer pendência fiscal.
Por essa razão, a hipótese em julgamento não se subsume à exceção à
impenhorabilidade do bem de família disposta no art. 3º, inciso IV, da Lei n. 8.009/1990,
razão pela qual deve ser afastada a respectiva penhora do imóvel.
Com efeito, por se tratar de norma de exceção à ampla proteção legal
conferida ao bem de família, a sua interpretação deve se dar de maneira restritiva, não
podendo, na linha do que decidido pelas instâncias ordinárias, ser ampliada a ponto de alcançar outras situações não previstas pelo legislador.
Nesse sentido, confiram-se, mutatis mutandis:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO
DE CONTRATO CUMULADA COM PEDIDO DE PERDAS E DANOS.
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. LEVANTAMENTO DE PENHORA
SOBRE IMÓVEL CONSIDERADO COMO BEM DE FAMÍLIA.
INDENIZAÇÃO CIVIL ORIUNDA DE CONDUTA TIPIFICADA COMO
ILÍCITO PENAL. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA EXCEÇÃO PREVISTA
NO ART. 3º, VI, DA LEI 8.009/90. IMPOSSIBILIDADE.
IMPENHORABILIDADE MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
1. O escopo da Lei 8.009/90 não é proteger o devedor contra
suas dívidas, mas visa à proteção da entidade familiar no seu
conceito mais amplo, motivo pelo qual as hipóteses de exceção
à impenhorabilidade do bem de família, em virtude do seu
caráter excepcional, devem receber interpretação restritiva.
2. Impossibilidade, no caso concreto, de afastar a impenhorabilidade
do bem de família, por interpretação analógica do art. 3º, VI, da Lei
8.009/90, sob o argumento de que a indenização civil é oriunda de
conduta tipificada como ilícito penal (estelionato).
3. O art. 3º, VI, da Lei 8.009/90 representa norma de exceção à ampla
proteção legal conferida ao bem de família. Dessa forma, a regra
interpretativa aplicável não deve ser estendida a outras hipóteses não
previstas pelo legislador.
4. No recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça só pode
examinar os fatos tais como delineados pelas instâncias ordinárias.
Desse modo, o alegado fato novo (superveniência de sentença penal
condenatória) não pode ser levado em consideração no julgamento do
recurso, porque deve ser submetido previamente à consideração das
instâncias ordinárias.
5. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp n. 1.357.413/SP, Relator o Ministro Raul Araújo, DJe
de 25/10/2018 - sem grifo no original)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA
ANTERIOR AO CASAMENTO DO DEVEDOR. IMÓVEL EM QUE
RESIDEM A ESPOSA E OS FILHOS. BEM DE FAMÍLIA.
IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÕES. ROL TAXATIVO. LEI 8.009/90
(ARTS. 1º E 3º). AGRAVO PROVIDO.
1. As hipóteses de exceção à regra da impenhorabilidade do
bem de família são taxativas, não comportando interpretação
extensiva.
2. O imóvel em que residem os recorrentes, esposa e filhos do
devedor, deve ser objeto de proteção pelo sistema jurídico, não sendo
lícito impor à futura esposa o ônus de diligenciar sobre a existência de
eventual constrição de imóvel do futuro esposo, como condição para a
obtenção de direito à proteção legal, cuja eficácia apenas admite
restrição prevista em lei. Ademais, os filhos do devedor têm também
direito, eles mesmos, à proteção conferida ao bem de família, que se estende à entidade familiar em seu sentido mais amplo.
3. Se é certo que a proteção legal pode desdobrar-se em múltiplos
eventos, para alcançar ambos os cônjuges em caso de separação ou
divórcio, assim como o novo lar por eles constituído, com mais razão
deve-se admitir que a proteção legal alcance a entidade familiar única,
ainda que constituída posteriormente à realização da penhora,
porquanto tal fato não se mostra relevante aos olhos da lei, que se
destina à proteção da família em seu sentido mais amplo.
4. Agravo interno provido para conhecer do agravo e dar provimento
ao recurso especial.
(AgInt no AREsp n. 1.158.338/SP, Relator o Ministro Lázaro
Guimarães - Desembargador convocado do TRF 5ª Região, DJe de
22/8/2018 - sem grifo no original)
A rigor, os recorridos deveriam ter diligenciado a fim de buscar a certidão
negativa do imóvel respectivo, antes de concretizar o negócio com o recorrente, o que, ao
que parece, não aconteceu.
Não se pode, todavia, a pretexto de tentar combater o prejuízo que os
autores tiveram, ampliar as hipóteses de exceção à impenhorabilidade do bem de família,
sobretudo porque o objetivo da norma prevista na Lei n. 8.009/1990 não é de proteção ao
patrimônio do devedor, mas, sim, da entidade familiar como um todo.
Por essas razões, considerando ser incontroverso que o imóvel penhorado
constitui bem de família, não era caso de aplicar a exceção do art. 3º, IV, da Lei n.
8.009/1990, razão pela qual impõe-se a reforma do acórdão recorrido.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para afastar a penhora
realizada no imóvel do recorrente, por se tratar de bem de família, nos termos da
fundamentação supra.
É o voto.