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8 de maio de 2021

AÇÃO RESCISÓRIA. EXCEPCIONALIDADE. HIPÓTESES. TAXATIVIDADE. EXAURIMENTO DE INSTÂNCIA. PRESCINDIBILIDADE. ART. 485, V, DO CPC/73. LITERAL VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO LEGAL. INDICAÇÃO DA NORMA VIOLADA. ÔNUS DO AUTOR. CAUSA DE PEDIR. TRIBUNAL. VINCULAÇÃO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.663.326 - RN (2017/0067009-6) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. EXCEPCIONALIDADE. HIPÓTESES. TAXATIVIDADE. EXAURIMENTO DE INSTÂNCIA. PRESCINDIBILIDADE. ART. 485, V, DO CPC/73. LITERAL VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO LEGAL. INDICAÇÃO DA NORMA VIOLADA. ÔNUS DO AUTOR. CAUSA DE PEDIR. TRIBUNAL. VINCULAÇÃO. JULGAMENTO ANTECIPADO. PRODUÇÃO DE PROVA. INDEFERIMENTO MOTIVADO. REAPRECIAÇÃO. INVIABILIDADE. JUÍZO RESCINDENTE. LIMITES. EXTRAPOLAÇÃO. SUCEDÂNEO RECURSAL. CARACTERIZAÇÃO. 

1. Ação rescisória, pautada no art. 485, V, do CPC/ 73, por meio da qual, por alegada violação literal dos arts. 332, 382 e 397 do CPC/73, se pretende desconstituir sentença que julgou parcialmente procedente ação adjudicatória de imóvel, objeto de contrato de compra e venda. 

2. Recurso especial interposto em: 10/11/2016; conclusos ao gabinete em: 20/12/2017; aplicação do CPC/15. 

3. A correção de vícios por meio da ação rescisória é medida excepcional, cabível nos limites das hipóteses taxativas de rescindibilidade previstas no art. 485 do CPC/73, em homenagem à proteção constitucional à coisa julgada e ao princípio da segurança jurídica. Precedente. 

4. Como se trata de via processual própria para a desconstituição da coisa julgada, que corresponde à preclusão máxima do sistema processual, o exaurimento de instância no processo rescindendo não é um dos pressupostos para a ação rescisória, tampouco a preclusão consumativa é obstáculo ao seu processamento. Precedente. 

5. Ainda que, na hipótese concreta, a requerente não tenha interposto apelação da sentença rescindenda – que, julgou antecipadamente a lide e indeferiu a produção de prova por ela requerida –, essa circunstância, por si mesma, não representa óbice ao cabimento da ação rescisória. 

6. A rescisória fundada no art. 485, V, do CPC/73, pressupõe a demonstração clara e inequívoca de que a decisão de mérito impugnada contrariou a literalidade do dispositivo legal suscitado, atribuindo-lhe interpretação jurídica absurda, teratológica ou insustentável, não alcançando a reapreciação de provas ou a análise da correção da interpretação de matéria probatória. 

7. A indicação do dispositivo de lei violado é ônus do requerente, haja vista constituir a causa de pedir da ação rescisória, vinculando, assim, o exercício da jurisdição pelo órgão competente para sua apreciação. 

8. Não é possível ao Tribunal, a pretexto da iniciativa do autor, reexaminar toda a decisão rescindenda, para verificar se nela haveria outras violações à lei não alegadas pelo demandante, mesmo que se trate de questão de ordem pública. 

9. O juiz é o destinatário final das provas, a quem cabe avaliar sua efetiva conveniência e necessidade, advindo daí a possibilidade de indeferimento fundamentado das diligências inúteis ou meramente protelatórias, em juízo cuja revisão demanda a reapreciação do conjunto fático dos autos. Precedentes. 

10. Na hipótese dos autos, o juízo rescindente promovido pelo Tribunal de origem ultrapassou os limites das causas de pedir deduzidas pelo autor na presente ação rescisória, além de não ter observado que o indeferimento da produção probatória e o julgamento antecipado da lide foi devidamente fundamentado. 

11. O acolhimento da pretensão de desconstituição da sentença transitada em julgado acarretou, portanto, a utilização da ação rescisória como sucedâneo recursal. 

12. Recurso especial provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 11 de fevereiro de 2020(Data do Julgamento)

INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS EM AÇÃO POSSESSÓRIA. NECESSIDADE DE FORMULAÇÃO DE PEDIDO AINDA QUE APÓS A CONTESTAÇÃO. PROVA DA EXISTÊNCIA E DISCRIMINAÇÃO DAS BENFEITORIAS. NECESSIDADE.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.836.846 - PR (2019/0267690-5) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

 RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. APLICAÇÃO DO CPC/15. AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 489 DO CPC/15. NÃO OCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS EM AÇÃO POSSESSÓRIA. NECESSIDADE DE FORMULAÇÃO DE PEDIDO AINDA QUE APÓS A CONTESTAÇÃO. PROVA DA EXISTÊNCIA E DISCRIMINAÇÃO DAS BENFEITORIAS. NECESSIDADE. 

1. Ação de resolução de contrato c/c reintegração de posse com pedido de antecipação de tutela c/c indenização por danos materiais, ajuizada em 09/08/2016. Autos conclusos para esta Relatora em 12/09/2019. Julgamento sob a égide do CPC/15. 

2. Ausentes os vícios do art. 1.022 do CPC/15, rejeitam-se os embargos de declaração. 

3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação do art. 489 do CPC/15. 

4. Nas ações possessórias e considerando a natureza dúplice dessas, não é possível afastar a ocorrência de julgamento extra petita (fora do pedido) da indenização por benfeitorias, em benefício do réu revel, ante a não apresentação de contestação ou da ausência de formulação de pedido indenizatório em momento posterior. 

5. O deferimento do pleito de indenização por benfeitorias pressupõe a necessidade de comprovação da existência delas e da discriminação de forma correta. A fase de liquidação de sentença não é momento processual adequado para o reconhecimento da existência de benfeitorias a serem indenizadas, tendo o objetivo - apenas - de especificar o quantum debeatur (apuração do valor da indenização). 

6. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 22 de setembro de 2020(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Cuida-se de recurso especial interposto por COMPANHIA DE HABITAÇÃO POPULAR DE CURITIBA, fundamentado nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional. 

Recurso Especial interposto em: 27/08/2018. Concluso para o gabinete em: 12/09/2019. 

Ação: de resolução de contrato c/c reintegração de posse com pedido de antecipação de tutela c/c indenização por danos materiais, ajuizada pela recorrente, em face de ESTELA APARECIDA DOS SANTOS, na qual alega - em síntese - que firmou, segundo as normas do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), “Contrato de Compromisso de Compra e Venda de Bem Imóvel” com a ré, a qual se comprometeu a pagar R$ 19.594,34 em 120 prestações mensais, a vencerem a partir de 10/01/2011. A promitente compradora - no entanto - se encontra inadimplente desde maio de 2011 (a partir da 5ª prestação do contrato) e não realizou nenhuma ação para quitar as prestações vencidas, não obstante a existência de notificação extrajudicial dessa - em novembro de 2014 - na tentativa amigável de saldar a dívida. Ademais, assevera que, nos termos da cláusula 4ª do aludido contrato, o inadimplemento das prestações nos prazos e valores acordados resulta na resolução do negócio jurídico. 

Dessa forma, em sede de antecipação de tutela, requer a demandante a resolução do contrato e a reintegração na posse do bem mencionado. Ao final, pleiteia: 

i) a resolução do contrato; 

ii) a reintegração de posse do imóvel objeto do negócio jurídico referenciado; 

iii) a condenação da ré ao pagamento de indenização em valor equivalente a um aluguel mensal, pelo período correspondente à indisponibilidade do bem (com os devidos reajustes moratórios) ou a perda integral dos valores já pagos, de modo que esses se revertam em benefício da autora; e 

iv) a condenação da ré ao pagamento de tributos, taxas condominiais e multas incidentes sobre o imóvel enquanto essa estiver na posse direta do bem. 

O pedido de antecipação de tutela foi indeferido, nos termos da decisão de fls. 63/65 (e-STJ). 

Sentença: julgou parcialmente procedentes os pedidos, para: i) resolver o Contrato de Compromisso de Compra e Venda celebrado entre as partes; ii) reintegrar a recorrente na posse do imóvel objeto do referido contrato; iii) condenar a recorrida ao pagamento de aluguel, bem como dos demais encargos relativos ao imóvel, desde a data em que tomou posse até sua efetiva desocupação, cujo valor será apurado em liquidação de sentença (arbitramento); e iv) determinar a retenção pela recorrente de 25 % dos valores pagos pela recorrida, com a restituição dos outros 75 %. 

Ademais, reconheceu - de ofício - o direito da recorrida/ré ao recebimento de indenização das benfeitorias, não obstante a ausência de pedido nesse sentido (sobretudo pela condição de réu revel), cujo valor será apurado em liquidação de sentença, na modalidade arbitramento. 

Acórdão: conheceu parcialmente da apelação interposta pela recorrente e, nessa extensão, deu parcial provimento, para ressalvar que - após a citação - apenas será assegurado o ressarcimento dos valores referentes às benfeitorias necessárias. 

Nesse sentir, é a ementa do julgado: Direito civil e processual civil. Apelação cível. Ação de resolução de contrato cumulada com indenização por perdas e danos e reintegração de posse. Ordem de reintegração de posse – Requerimento de atribuição de efeitos erga omnes – Concessão de forma expressa na sentença – Ausência de interesse recursal. Benfeitorias – Direito à indenização – Ressarcimento apenas das benfeitorias necessárias após a citação. Recurso parcialmente conhecido e parcialmente provido. (e-STJ, fl. 172) 

Embargos de declaração: opostos pela recorrente, foram rejeitados. 

Recurso especial: alega a violação dos arts. 141, 373, II, 492, 489 e 1.022, todos, do CPC/15; 1.201, 1.202, 1.219 e 1.220, todos, do CC/02, bem como a existência de dissídio jurisprudencial. Além da negativa de prestação jurisdicional, sustenta: i) a existência de fundamentação deficiente no bojo do acórdão recorrido; ii) a ocorrência de julgamento fora dos limites do pedido, ao reconhecer a existência de indenização (pela realização de benfeitorias) em benefício da recorrida que não foi pleiteada nos autos; iii) a violação às regras de distribuição do ônus da prova; iv) a não comprovação da existência de benfeitorias no imóvel objeto do contrato em análise; e v) em razão do princípio da eventualidade, caso se reconheça o direito de indenização por realização de benfeitorias, a ocorrência de má-fé da recorrida em relação à posse do imóvel a partir de maio de 2011, isto é, a partir do manifesto inadimplemento contratual, devendo ser ressarcidas apenas as benfeitorias necessárias, sem o direito de retenção. 

Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/PR admitiu o recurso especial interposto por COMPANHIA DE HABITAÇÃO POPULAR DE CURITIBA (e-STJ, fl. 344/345). 

É O RELATÓRIO. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): O propósito recursal é verificar a existência de negativa de prestação jurisdicional e de fundamentação deficiente no âmbito do acórdão recorrido, bem como definir se é possível a condenação da autora - em ação de rescisão contratual de contrato de compra e venda de bem imóvel c/c reintegração de posse c/c indenização por danos materiais - ao pagamento de benfeitoria útil ou necessária em benefício da ré, não obstante a ausência de provas da existência das referidas benfeitorias ou de pedido nesse sentido, em razão da decretação da revelia. 

Aplicação do Código de Processo Civil de 2015, pelo Enunciado Administrativo n. 3/STJ. 

1. MÉRITO: DA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL (Art. 1.022 do CPC/15) 

1. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que não há ofensa ao art. 1.022 do CPC/15 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte. A propósito, confira-se: AgInt nos EDcl no AREsp 1.094.857/SC (3ª Turma, DJe de 02/02/2018) e AgInt no AREsp 1.089.677/AM (4ª Turma, DJe de 16/02/2018). 

2. No particular, verifica-se que o acórdão recorrido decidiu, fundamentada e expressamente, acerca da desnecessidade de requerimento expresso de indenização decorrente da realização benfeitorias no imóvel objeto desta ação, de maneira que os embargos de declaração opostos pela recorrente, de fato, não comportavam acolhimento. 

3. Assim, observado o entendimento dominante desta Corte acerca do tema, não há que se falar em violação do art. 1.022 do CPC/2015, incidindo, quanto ao ponto, a Súmula 568/STJ. 2. MÉRITO: DA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE (Art. 489 do CPC/2015) 

4. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado suficientemente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação do art. 489 do CPC/2015, nos termos da Súmula 568/STJ (AgInt no AREsp 1.121.206/RS, 3ª Turma, DJe 01/12/2017; AgInt no AREsp 1.151.690/GO, 4ª Turma, DJe 04/12/2017). 

5. Nesse sentir, seguem trechos do acórdão que julgou os embargos de declaração opostos pela recorrente: 

Presentes os requisitos de admissibilidade do presente recurso, seu conhecimento se impõe. Os embargos declaratórios têm cabimento para (I) esclarecer obscuridade ou eliminar contradição, (II) suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento, (III) corrigir erro material, nos termos do art. 1.022 do Novo Código de Processo Civil. No presente caso, a omissão e contradição indicadas inexistem, porquanto o acórdão embargado foi bastante claro ao expor os fundamentos que levaram ao reconhecimento de que somente cessa a boa-fé após a citação do possuidor, bem como da desnecessidade de requerimento expresso de indenização por benfeitorias, conforme se lê abaixo: No tocante à determinação de indenização por benfeitorias, em apertada síntese, argui a requerente, ora apelante, que não se mostra possível reconhecer a boa-fé na atitude do requerido, bem como o seu direito de indenização. Aduz que não houve sequer requerimento de indenização pelas benfeitorias realizadas, diante da decretação de revelia. Pois bem. Cumpre destacar que, no caso de benfeitorias, é desnecessária até mesmo a formulação de pedido expresso, como se verifica da recente orientação da jurisprudência deste Tribunal: "APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE - INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. PRIMEIRO APELO - BENFEITORIAS - PEDIDO QUE PODE SER FEITO EM CONTESTAÇÃO - DEMONSTRAÇÃO DE REGULARIZAÇÃO DA EDIFICAÇÃO - VALOR A SER APURADO EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA - PERDAS E DANOS - ALUGUERES DEVIDOS NA FORMA ESTABELECIDA - RESTITUIÇÃO DA COMISSÃO DE CORRETAGEM QUE NÃO SE MOSTRA DEVIDA - RECURSO NÃO PROVIDO. O direito à indenização das benfeitorias, bem como a retenção do imóvel até o seu efetivo pagamento é consequência lógica da rescisão do contrato celebrado entre as partes ante a procedência do pedido respectivo e, com a reintegração de posse da autora no imóvel, independente da existência de pedido neste sentido, quanto mais quando feito, mesmo que em contestação. SEGUNDO APELO - LEGITIMIDADE ATIVA - PROMITENTE VENDEDORA DO IMÓVEL - INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA - MAGISTRADO COMO DESTINATÁRIO DA PROVA - RECURSO NÃO PROVIDO. Desnecessária a dilação probatória, ao contrário do alegado pela autora/apelante para o deslinde do feito. lnexistência de cerceamento de defesa." (...) Esclareça-se que o fato de a compromissária-compradora se encontrar inadimplente com o contrato de compromisso de compra e venda não afasta automaticamente sua presunção de boa-fé. Ainda que pendente o cumprimento da obrigação de pagamento, a posse tinha como amparo justo título, consistente no referido contrato. Muito embora tenha sido mencionada a data da notificação extrajudicial, aparentemente tal momento não serve com o intuito de caracterizar a má-fé, uma vez que, diante da revelia, não se pode asseverar que a parte agiu a partir daí com ciência de que possuía o bem indevidamente. Assim, a data da citação se mostra como marco adequado para fins de delimitar o momento em que o exercício da posse deixou de ser de boa-fé, pois desse momento em diante se pode presumir que o compromissário comprador passou a ter ciência de que sua posse deixou de ser de boa-fé, nos termos do art. 1.202 do Código Civil. No mais, de se notar que o reconhecimento ao direito de indenização por benfeitorias, mesmo sem pedido expresso, tem como amparo o referido art. 1.219 do Código Civil e precedentes desta Corte. (e-STJ, fls. 207/211) (grifo nosso) 

3. MÉRITO: DA POSSIBILIDADE OU NÃO DE INDENIZAÇÃO PELA REALIZAÇÃO DE BENFEITORIAS APESAR DA AUSÊNCIA DE PROVAS OU DE PEDIDO NESSE SENTIDO EM RAZÃO DA DECRETAÇÃO DA REVELIA DA RÉ (Arts. 141 e 492, ambos, do CPC/15; 1.201, 1.202, 1.219 e 1.220, todos, do CC/02) 

6. Inicialmente, é imperioso ressaltar que os arts. 1.219 e 1.220, ambos, do CC/02 versam sobre o direito à indenização das benfeitorias, bem como de eventual exercício do direito de retenção. A legislação dispõe que o possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como tem a faculdade de levantar as benfeitorias voluptuárias se não lhe forem pagas, desde que o faça sem deteriorar a coisa. A configuração da boa-fé ainda permite o exercício do direito de retenção pelo valor das benfeitorias úteis ou necessárias. 

7. Por outro lado, a configuração da má-fé na posse permite - tão somente - o ressarcimento das benfeitorias necessárias, sendo vedado o direito de retenção, bem como o de levantamento das benfeitorias voluptuárias. 

8. Prosseguindo, os arts. 141 e 492, ambos, do CPC/15, se reportam ao princípio dispositivo (ou da congruência ou da adstrição), segundo o qual o juiz irá julgar o mérito da ação nos limites propostos, sendo proibido conhecer de questões não alegadas a cujo respeito a legislação exigir iniciativa da parte. 

A esse propósito, segue o entendimento doutrinário acerca do tema: Conclui-se que o princípio dispositivo é, em última análise, o responsável por oferecer ao juiz os limites da sua resposta como decisão da causa, não lhe sendo permitido extrapolar o pedido do autor ou deixar de decidi-lo sob pena de denegação de justiça por violação do dever de julgar. Sua importância é salientada por muitos como o mais relevante princípio do processo civil contemporâneo de todo sistema, “pois é a expressão da própria base e a espinha dorsal do processo civil brasileiro, no sistema do Código, eis que traça, inflexivelmente, os próprios limites da atividade jurisdicional legitimamente exercida, e, portanto, representa o mais valioso e certo elemento auxiliar da interpretação dos limites objetivos da coisa julgada” (Arruda Alvim; Araken de Assis; Eduardo Arruda Alvim. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2012, p.353) (WAMBIER, T. et al [Coord.]. Breves comentários ao novo código de processo civil: de acordo com as alterações da Lei 13.256/16. 2 ed. São Paulo: RT, 2016, pág. 490). (grifo nosso) 

9. Ademais, o referido princípio se encontra umbilicalmente ligado ao dever de tratamento isonômico das partes pelo juiz (art. 139, I, do CPC/15), de maneira que esse não pode agir de ofício para sanar ou corrigir eventual omissão de qualquer das partes na prática de ato processual de incumbência exclusiva. 

10. A violação ao princípio dispositivo (ou da congruência ou da adstrição) culmina na ocorrência de julgamento ultra petita (além do pedido), extra petita (fora do pedido) ou citra petita (a quem do pedido), acarretando a nulidade do que fora decidido além ou fora dos limites da postulação da parte, bem como da decisão que deixa de apreciar a pretensão material que integra o pedido formulado na inicial (REsp 1.169.755/RJ, 3ª Turma, DJe 26/05/2010; REsp 180.442/SP, 4ª Turma, DJ 13/11/2000, p. 145; AgRg no REsp 736.996/RJ, 4ª Turma, DJe 29/06/2009). 

11. Por outro lado, não configura julgamento ultra petita (além do pedido) ou extra petita (fora do pedido), com violação ao princípio da congruência ou da adstrição, o provimento jurisdicional proferido nos limites do pedido, o qual deve ser interpretado lógica e sistematicamente a partir de toda a petição inicial. Nesse sentir: AgInt no AREsp 1.565.936/SP (3ª Turma, DJe 27/04/2020) e AgInt no AREsp 1.565.416/DF (4ª Turma, DJe 05/06/2020). 

12. Em uma interpretação conjunta dos arts. 141 e 492, ambos, do CPC/15, e 1.219 e 1.220, ambos, do CC/02, é possível depreender que a pretensão indenizatória atinente à realização de benfeitorias deve ser instrumentalizada mediante pedido em ação própria ou até mesmo em sede de contestação em ação possessória, ante o caráter dúplice dessas demandas (AgInt no AREsp 1.3141.58/SC, 3ª Turma, DJe 24/04/2020). 

13. Na hipótese, o TJ/PR - não obstante o reconhecimento de ausência de requerimento da recorrida/ré de indenização de benfeitorias em sede de contestação, em razão da decretação da revelia dessa - manteve a sentença, de modo a decidir pela desnecessidade de formulação de pedido nessa situação. A Corte de origem afirmou que o direito à indenização das benfeitorias é consequência lógica da rescisão do contrato celebrado entre as partes ante a procedência do pedido respectivo, com a reintegração de posse da recorrente no imóvel. 

14. Sem razão o TJ/PR, tendo em vista a ocorrência de violação ao princípio dispositivo. Frisa-se não ser possível, na hipótese, afastar a ocorrência de julgamento extra petita (fora do pedido) da indenização por benfeitorias ainda que por meio de interpretação lógica e sistemática a partir da defesa formulada pela recorrida, pois, nos termos do próprio acórdão recorrido, não houve apresentação de contestação (em razão da revelia da recorrida), bem como não ocorreu a formulação de pedido posterior nesse sentido. 

15. Não se desconhece a existência de flexibilização da jurisprudência do STJ em relação ao tema. Em um primeiro momento, ao julgar o REsp 97.236/SP (2ª Turma, DJ 20/11/2000, p. 284), essa Corte Superior já decidiu que o reconhecimento à indenização por benfeitorias, à míngua de pedido expresso em sede de contestação e sem a mensuração do seu valor, deve ser reconhecido em ação posterior. No mesmo sentido: AgRg no Ag 274.923/SP (3ª Turma, DJ 04/02/2002, p. 348). Posteriormente, entendeu que o pedido de indenização por benfeitorias, ainda que formulado após a contestação, é consequência lógica da procedência do pedido de resolução do contrato, cujo resultado prático é o retorno das partes ao "status quo ante" (REsp 764.529/RS, 3ª Turma, DJe 09/11/2010). 

16. Nota-se que, apesar do entendimento de que a indenização por benfeitorias passou a ser consequência lógica da resolução do contrato de compra e venda, a formulação de pedido não restou afastada. Esta Corte Superior, ao julgar o REsp 764.529/RS (3ª Turma, DJe 09/11/2010), apenas afastou o instituto da preclusão, de modo a possibilitar a formulação de pedido após a contestação. 

17. A jurisprudência do STJ, portanto, não excepciona a formulação de pedido referente à indenização das benfeitorias, somente o momento do requerimento e a forma como esse é realizado. 

18. Ademais, o entendimento da ocorrência de julgamento extra petita (fora do pedido) na situação em comento não está a afastar a recorrida de pleitear indenização por eventual realizações de benfeitorias, pois o prazo prescricional da referida pretensão indenizatória apenas tem início com o trânsito em julgado da ação de rescisão do contrato de compra e venda do imóvel (AgRg no AREsp 726.491/MS, 3ª Turma, DJe 09/11/2016). 

19. Além disso, ainda que existisse a simples formulação de pedido, a manutenção do acórdão do TJ/PR quanto à questão do reconhecimento da indenização em análise acabaria por criar a situação inusitada de condenação ao ressarcimento por benfeitorias sem nem mesmo a produção de provas ou a apresentação de indícios da existência delas. Ressalta-se que a fase de liquidação de sentença não é momento processual adequado para o reconhecimento de um direito (existência de benfeitorias a serem indenizadas), tendo o objetivo - apenas - de especificar o quantum debeatur (apuração do valor da indenização). 

20. Ao discorrer sobre o tema, ANA CAROLINA DE AZEVEDO versa sobre a necessidade de comprovação da existência das benfeitorias, devendo o réu, em sede de contestação, discriminá-las de forma correta: 

Outrossim, observa-se que é na contestação que o réu tem o momento próprio para alegar tudo aquilo que pretende que a sentença reconheça, como dispõe o art. 336 do CPC/15. Se o sujeito não alega e não faz prova cabal durante a instrução do processo, não é possível que pela sentença, sob pena de nulidade – por apreciar matéria extra petita – sejam apreciadas e julgadas benfeitorias que não ficaram devidamente provadas, inclusive quanto a seu custo e valor atual. No entanto, não basta a simples alegação do réu na contestação de que tem direito às benfeitorias, pois a ele compete descrevê-las e discriminá-las, vez que a simples menção genérica e sem conteúdo probatório é insuficiente para a indenização da retenção. (Embargos de retenção em razão de benfeitorias úteis e necessárias realizadas pelo demandado de boa-fé. Revista Fórum de Direito Civil: RFDC, Belo Horizonte, v. 5, n. 13, p. 175-199, set./dez. 2016. Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/117927) (grifo nosso) 

21. Inadequado, portanto, o reconhecimento de ofício - por parte do TJ/PR - do direito da recorrida ao recebimento de indenização por benfeitorias na presente ação. 

22. Por derradeiro, em razão da constatação da violação do princípio dispositivo, com o consequente reconhecimento da existência de julgamento extra petita (fora do pedido) no que tange à indenização das benfeitorias, se encontra prejudicada a análise referente ao momento em que cessou a boa-fé da recorrida em relação à posse do imóvel, de forma reverberar na modalidade de benfeitoria a ser indenizada (útil ou necessária). 

Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, a fim de constatar a existência de julgamento extra petita (fora do pedido) em relação ao reconhecimento de indenização por benfeitorias, com a consequente declaração de nulidade desta parte do julgado, mantendo-se inalteradas as demais conclusões constantes no acórdão recorrido. 

DANOS MATERIAIS. PERDA DE PRAZO. EMBARGOS MONITÓRIOS. DESÍDIA DO ADVOGADO. REVELIA. INDENIZAÇÃO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.637.375 - SP (2016/0034091-5) 

RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA 

 RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MATERIAIS. PERDA DE PRAZO. EMBARGOS MONITÓRIOS. DESÍDIA DO ADVOGADO. ART. 535 DO CPC/1973. VIOLAÇÃO. INEXISTÊNCIA. REPARAÇÃO CIVIL. SÚMULAS NºS 283 E 284/STF. REVELIA. INDENIZAÇÃO. SÚMULA Nº 7/STJ. 

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 

2. Cinge-se a controvérsia dos autos (i) a definir se houve julgamento extra petita decorrente da condenação pela perda de uma chance e (iii) a verificar a existência de dano decorrente da perda de prazo para oposição de defesa em ação monitória. 

3. O princípio da congruência ou da adstrição determina que o magistrado deve decidir a lide dentro dos limites fixados pelas partes (arts. 128 e 460 do CPC/1973). 

4. Os pedidos formulados devem ser examinados a partir de uma interpretação lógico-sistemática, não podendo o magistrado se esquivar da análise ampla e detida da relação jurídica posta, mesmo porque a obrigatória adstrição do julgador ao pedido expressamente formulado pelo autor pode ser mitigada em observância aos brocardos da mihi factum dabo tibi ius (dá-me os fatos que te darei o direito) e iura novit curia (o juiz é quem conhece o direito). 

5. Na hipótese, a causa de pedir está fundada na oposição intempestiva dos embargos monitórios e na ausência de informações acerca da revelia decretada nos autos, enquanto o pedido é de indenização por danos materiais. 

6. Inexiste o alegado julgamento extra petita, pois o autor postulou indenização por danos materiais e as instâncias ordinárias condenaram o réu em conformidade com o pedido ao fundamento da perda de uma chance, apenas concedendo a reparação em menor extensão. 

7. O recurso não ataca os fundamentos do acórdão recorrido, motivo pelo qual incidem, por analogia, as Súmulas nºs 283 e 284/STF. 

8. Rever as conclusões da Corte local, inclusive aquelas referentes aos efeitos da revelia na ação monitória, demandaria o revolvimento do conjunto fático-probatório carreado aos autos, procedimento que atrai o óbice da Súmula nº 7/STJ. 

9. Recurso especial não provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília (DF), 17 de novembro de 2020(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por HENRIQUE FERNANDES DANTAS, com fundamento no art. 105, III, "a" e "c", da Constituição Federal, contra o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado: 

"APELAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. MANDATO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS PELA DESÍDIA DO ADVOGADO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. CABIMENTO. SENTENÇA "EXTRA PETITA". NÃO CONFIGURAÇÃO. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE DO PROCESSO. NECESSIDADE. PRELIMINAR REJEITADA. Adota-se, na espécie, o princípio constitucional e processual da máxima efetividade do processo. Assim, não se reconhece a alardeada mácula de ser "extra petita" a r. sentença. Apenas, numa ponderação de interesses lesados em conflito, com suporte na fungibilidade de meios, o MM. Juiz entendeu como aplicável, à espécie, a teoria da perda de uma chance. MANDATO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS. PERDA DO PRAZO PARA OPOR DEFESA (EMBARGOS MONITÓRIOS). TEORIA DA PERDA DA CHANCE. VIABILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. Imperiosa a utilização do critério da seriedade e realidade das chances perdidas. No caso em apreço, houve a perda do prazo para a oposição de defesa (no caso, embargos monitórios), tendo a mandante recebido o decreto de revelia, sem qualquer informação do causídico a este respeito. Inafastável, pois, o dever de indenizar. PROCESSUAL CIVIL. MANDATO. RATEIO IGUALITÁRIO DO ÔNUS SUCUMBENCIAL. ALTERAÇÃO. DESCABIMENTO. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. RECURSO IMPROVIDO. Ao efetuar a distribuição do ônus sucumbencial, o Magistrdo considerou o princípio da causalidade, visto que o réu deu causa ao ajuizamento desta demanda, sopesando tudo com a evidente reciprocidade da sucumbência. Assim, correta a aplicação do comando inserto no art. 21, "caput", do CPC" (fl. 220 e-STJ). 

Os embargos de declaração opostos (fls. 234-238 e-STJ) foram rejeitados (fls. 240-246 e-STJ). 

Nas presentes razões (fls. 248-263 e-STJ), o recorrente aponta violação dos arts. 128, 319, 460 e 535, I e II, do Código de Processo Civil de 1973 e 944 do Código Civil de 2002. 

Sustenta a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, visto que os declaratórios apresentados na origem foram rejeitados sem a apreciação dos pontos indicados como omissos. 

Defende que houve julgamento extra petita, pois as instâncias ordinárias não poderiam acolher a tese de responsabilização por perda de uma chance sem o requerimento expresso na petição inicial. Nesse aspecto, argumenta que 

"(...) Conforme consignado na petição inicial, o pedido da Recorrida era para que o recorrente fosse responsabilizado a pagar o valor da condenação no processo movido pela empresa Excubia. Na r. decisão de fls. 41, o I. Magistrado determinou a modificação do pedido inicial, pois o caso era sobre a 'perda da chance' e não sobre fatos de responsabilidade da própria Recorrida. Contudo, a própria Recorrida reiterou sua petição inicial em fls. 43, argumentando que seu pedido era para responsabilizar o advogado por uma dívida que ela não pagou. Ocorre que a condenação na r. sentença é pela 'perda da chance', o que não está inserido nos pedidos da apelada" (fls. 259-260 e-STJ). 

Argui a existência de error in judicando, visto que a decretação da revelia não significa a procedência automática do pedido. 

Assevera, ainda, que a atuação do advogado não gerou dano à recorrida, porque "a decisão que reconheceu a dívida foi independente da revelia" (fl. 262 e-STJ). 

Após as contrarrazões (fls. 269-280 e-STJ), a Presidência da Seção de Direito Privado do Tribunal de origem inadmitiu o presente apelo (fls. 281-282 e-STJ), sobrevindo o agravo em recurso especial (fls. 284-296 e-STJ). 

Diante das peculiaridades da causa, o agravo foi provido para determinar a subida do recurso especial com vista à melhor análise da controvérsia (fls. 329-330 e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). A irresignação não merece prosperar. 

Cinge-se a controvérsia (i) a verificar a existência de negativa de prestação jurisdicional, (ii) a definir se houve julgamento extra petita na hipótese de condenação pela perda da chance e (iii) a verificar a existência de dano decorrente da perda de prazo para oposição de defesa em ação monitória. 

1. Do histórico da demanda 

Na origem, SOFTCONTROL ENGENHARIA E INSTALAÇÕES LTDA. (ora recorrida) ajuizou ação de reparação por danos materiais contra HENRIQUE FERNANDES DANTAS (ora recorrente) postulando o pagamento da quantia de R$ 35.587,37 (trinta e cinco mil quinhentos e oitenta e sete reais e trinta e sete centavos) pela perda de prazo para apresentar embargos monitórios (fls. 1-8 e-STJ). 

O magistrado de piso julgou parcialmente procedente o pedido para condenar o ora recorrente ao pagamento de indenização no valor de R$ 7.880,00 (sete mil oitocentos e oitenta reais) (fls. 178-182 e-STJ). 

O Tribunal de origem deu provimento à apelação interposta (fls. 189-200 e-STJ), conforme se extrai da fundamentação a seguir transcrita: 

"(...) 1.- Da nulidade da sentença ('extra petita') Sem razão o recorrente. Adentrando-se as razões recursais propriamente ditas, também não comporta acolhida o pleito que inquina a r. sentença com a eiva de ser extra petita, visto que, em rigor, a acionante pretendia a reparação do dano sofrido pela desídia de seu patrono e o douto Magistrado, fazendo um juízo de ponderação, constatou a ocorrência dos prefalados danos, sem, contudo, poder imputá-los integralmente ao réu, razão pela qual, em sintonia com moderno processo civil, de forma implícita, valendo-se do princípio da fungibilidade de meios, vislumbrou, na espécie, o cabimento da teoria da perda de uma chance. E mais, ao fazê-lo, concedeu muito menos do que a autora postulava. Nos exatos contornos que apontam ter sido lesada a acionante pelo desleixo do réu, importa o reconhecimento de que a melhor solução é o acolhimento ao pleito da autora nos termos fundamentos no r. decisum. Aplicável, na espécie, o princípio da máxima efetividade dos atos processuais. (...) Logo, não se vislumbra nulidade da sentença. 2.- Do mérito recursal Toda a controvérsia existente, a esta altura, apresenta-se sob a ótica da teoria da perda da chance, cuja aplicação foi acolhida pelo MM. Juiz. Em verdade, houve a perda do prazo para a oposição dos embargos monitórios, e tal fato não foi negado, mas, ao contrário, candidamente admitido pelo réu com justificativas insubsistentes. (...) Assim, no caso em testilha, mostra--se plenamente aplicável a 'teoria da perda de uma chance', porquanto inafastável o reconhecimento da presença de danos perpetrados à autora em decorrência da desídia do réu. Se apresentados os embargos monitórios em tempo hábil, a mandante poderia ter algum proveito, ainda que parcial ou ínfimo, pela aplicação do direito material. O advogado recebeu procuração para defender os interesses de sua constituinte, mas deixou de diligenciar em tempo a realização de atos necessários em prol da outorgante. É induvidoso o fato de que o advogado-réu, aqui apelante, recebeu a outorga do mandato em tempo hábil para a presentar a adequada defesa da mandante, mas, depois, em inaceitável desídia, incorreu na perda do prazo para a oferta de sua defesa: manejo dos embargos monitórios. Certo que a procuração outorgada aos integrantes da sociedade não foi objeto de renúncia. (...) Essa regra sufraga o direito do advogado em não continuar patrocinando os interesses do cliente, disciplinando também a forma pela qual deverá proceder para não provocar incidentes ou prejuízos ao mandante. (...) A responsabilidade, assim, é calcada no elemento subjetivo dolo ou culpa sendo esta última alicerçada no princípio da previsibilidade. (...) Dos autos resta patente, pois, a omissão do réu. As consequências advieram, emanando decreto de revelia. Previsível, pois, tais consequências. (...) Decerto, sob qualquer ângulo que se analise, resulta evidenciada a conduta negligente do advogado, tipificando-se o ato ilícito a ele imputável (art. 186 do CC/2002 e art. 32 da Lei nº 8.906/94)" (fls. 223-230 e-STJ - grifou-se). Os embargos de declaração opostos (fls. 234-238 e-STJ) foram rejeitados (fls. 240-246 e-STJ). Feitos esses esclarecimentos, passa-se à análise do apelo especial. 

2. Da negativa de prestação jurisdicional 

No tocante à alegada violação do art. 535 do CPC/19973, agiu corretamente o Tribunal de origem ao rejeitar os embargos de declaração diante da inexistência de omissão, obscuridade, contradição ou erro material no acórdão recorrido, ficando patente, em verdade, o intuito infringente da irresignação, que objetivava a reforma do julgado por via inadequada. Ademais, não significa omissão o fato de o aresto impugnado adotar fundamento diverso daquele suscitado pelas partes. Dessa forma, não há falar em negativa de prestação jurisdicional. Nesse sentido: 

"PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. PRECATÓRIO. ACORDO HOMOLOGADO PELO JUIZ DA CENTRAL DE CONCILIAÇÃO (CEPREC). INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/73. NÃO OCORRÊNCIA. REVISÃO DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. I - Não havendo, no acórdão recorrido, omissão, obscuridade ou contradição, não fica caracterizada ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil de 1973. (...) III - Agravo interno improvido." (AgInt no REsp 1.659.253/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 27/11/2017 - grifou-se) 

3. Da inexistência de julgamento extra petita 

O recorrente aduz a ocorrência de julgamento extra petita, visto que as instâncias ordinárias não poderiam acolher a tese de responsabilização por perda de uma chance sem o requerimento expresso na petição inicial. 

Pela aplicação do princípio da congruência ou da adstrição, cabe ao magistrado decidir a lide dentro dos limites fixados pelas partes, conforme estabelecem os arts. 128 e 460 do Código de Processo Civil de 1973. 

Com efeito, a decisão judicial deve se limitar, como regra geral, ao pedido formulado pelo autor na petição inicial, e, se tal comando não for observado, a sentença será ultra, extra ou infra (ou citra) petita, ou seja, terá julgado além, fora ou menos do que o postulado. 

Eis, nesse sentido, o seguinte julgado: 

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO ULTRA PETITA. AFASTAMENTO PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. JULGAMENTO CONDIZENTE COM A PRETENSÃO FORMULADA NA PEÇA DE INGRESSO. DECISÃO MANTIDA. 1. De acordo com o princípio da congruência, o provimento judicial deve se ater ao que foi delimitado na petição inicial, não sendo possível condenação em quantidade ou objeto diverso do pedido. 2. No caso, está correto o acórdão recorrido, que reformou em parte a sentença, para adequar a condenação ao que se pediu na inicial. 3. Agravo interno desprovido." (AgInt no REsp 1.309.315/SC, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 3/5/2018, DJe 11/5/2018 - grifou-se) 

Na hipótese, a petição inicial apresenta o seguinte teor, ora transcrita na parte que interessa: 

"(...) A empresa Requerente exercia serviços na cidade de São Paulo, onde sofreu uma ação monitória, processo 0141408-68.2003.8.26.0100 da 9ª Vara do Foro Central Cível de São Paulo / SP (DOC.3), contratando para representa-la, o advogado Henrique Fernandes Dantas OAB/SP 171463 (Requerido). A Requerente foi citada em 06/04/2004 (DOC.4), sendo feita a juntada da citação nos autos em 15/04/2004. Ocorre que o Requerido apresentou intempestivamente os embargos monitórios somente em 04/05/2004 (DOC.6). (...) Como resultado da negligência do Requerido, não houve oportunidade da Requerente se defender, sendo considerada a sua revelia. A Requerente sofreu uma condenação ao pagamento de mais de vinte e sete mil reais, conforme abaixo: (...) O Requerido deveria ter alertado da perda do prazo processual na época (04/05/2004), orientando a Requerente a fazer algum tipo de acordo para pagamento, pois processualmente já havia perdido a ação por revelia, e a demora geraria problemas futuros. Porém, em vez disso, obrigou a Requerente a efetuar gastos em recursos inócuos por muitos anos, gastos estes com valores superiores ao devido na época (04/05/2004). (...) Ora, O Requerido como lhe incumbia, em momento algum informou a Requerente sobre o evidente risco do insucesso assumido pela continuidade na tentativa de discutir a perda processual, usando outros argumentos protelatórios, que só deram mais prejuízos à Requerente e ao Poder Judiciário. O Requerido agiu por conta própria na condução do procedimento, como profissional do direito que é, utilizando-se de tese manifestamente improcedente, diante da perda de prazo processual ocasionado por sua negligência, agindo em desacordo com a ética e o direito. (...) Requerido ocultou a situação da Requerente, fazendo-a arcar com gastos em recursos ineficazes, ampliando o seu prejuízo. O Requerido não orientou a Requerente quanto às possíveis posturas a serem adotadas diante da perda de prazo processual dos embargos monitórios (em 04/05/2004), o que tornou o processo a partir de seu início um prejuízo consumado e irreversível à Requerente. Destarte, resta patente, que o Requerido não agiu com a perícia que dele se esperava no desempenho de sua função, contribuindo de forma decisiva para a declaração da revelia da Requerente, mesmo considerando, que a obrigação por ele assumida perante esta era de meio e não de resultado. No caso, o Requerido não agiu com a diligência que se lhe impunha, dando andamento a demanda temerária que não possibilitava qualquer chance de sucesso, diante de sua negligência por perda de prazo processual. É dever do advogado, aconselhar o cliente a respeito da probabilidade de êxito na demanda, e na viabilidade da propositura de acordo para encerrar a ação. Vale dizer, é função do causídico, de acordo com o seu conhecimento técnico, esclarecer o mandante sobre o risco e a probabilidade de sucesso na causa. Ao invés do Requerido em 04/05/2004 reconhecer a sua falha, sustentou sua tese até o final ampliando os danos à Requerente. Além disso, não noticiou os fatos à Requerente, nem lhe propôs qualquer orientação legal, visando com isso minimizar os inevitáveis prejuízos. (...) REQUERIMENTO: A imposição das multas e indenização do art. 18 do CPC podem ser determinadas de ofício, por todas as razões expostas. Requer que o Requerido seja citado por AR, para, querendo, contestar a presente ação, sob pena de revelia e confissão. Requer que a presente ação seja julgada TOTALMENTE PROCEDENTE, condenando-se o Requerido ao pagamento de: R$ 35.587,37 (trinta e cinco mil, quinhentos e oitenta e sete reais e trinta e sete centavos), valor este devidamente acrescido de correção monetária pelo índice do TJSP e com a inclusão de juros desde a citação, honorários advocatícios, custas processuais, e, demais cominações de estilo, até a data do efetivo pagamento. Em suma, em razão da imperícia do Requerido na perda de prazo processual, ficou caracterizado o dano pela incidência ao longo do tempo, de atualização monetária, juros e multa, mais custas processuais envolvidas, sobre o valor de condenação não combatida pela ocorrência da revelia decretada" (fls. 1-8 e-STJ - grifou-se). 

Conforme se observa do trecho supratranscrito, a autora - Excubia Serviços Gerais S/C Ltda. - fez pedido de indenização por danos materiais no valor de R$ 35.587,37 (trinta e cinco mil quinhentos e oitenta e sete reais e trinta e sete centavos), correspondente à quantia atualizada cobrada na Ação Monitória nº 0141408-68.2003.8.26.0100, que tramitou na 9ª Vara Cível - Foro Central Cível - da Comarca de São Paulo. 

Como causa de pedir, a demandante destaca a oposição intempestiva dos embargos monitórios e a ausência de informações quanto à revelia decretada nos autos, levando ao andamento de demanda temerária e impossibilitando, inclusive, a viabilidade de acordo judicial para pôr fim ao processo. 

Dessa forma, por mais que a ora recorrida não tenha falado expressamente acerca da perda de uma chance, a situação fática narrada leva o julgador a compreender que o dano decorreu de uma atuação que poderia ter sido evitada se o advogado tivesse sido diligente na atuação do processo. 

Diante disso, é nítido que a causa de pedir, no caso, faz referência à perda da chance de sair vencedor na ação monitória ou, pelo menos, de reduzir os efeitos de eventual procedência dos pedidos autorais. A conduta de não observar o prazo para apresentar defesa em autos judiciais equivale à perda da chance de obter uma situação mais favorável na demanda judicial. 

É o que se extrai de precedente desta Corte Superior em caso análogo de responsabilização de profissionais da advocacia: 

"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. TEMPESTIVIDADE DO RECURSO COMPROVADA. DECISÃO AGRAVADA RECONSIDERADA. MÉRITO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MATERIAL E MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADVOGADO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. INAPLICABILIDADE. AUSÊNCIA DE PROBABILIDADE DE SUCESSO EM APELAÇÃO NÃO INTERPOSTA. ACÓRDÃO RECORRIDO MANTIDO. AGRAVO INTERNO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. Pretensão de indenização fundada em perda de uma chance, sob a alegação de que os advogados do escritório modelo da instituição recorrida, deixando de interpor recurso de apelação, acarretaram ao autor perda do direito de receber parcelas retroativas de benefício previdenciário. 2. A chamada teoria da perda da chance, de inspiração francesa e citada em matéria de responsabilidade civil, aplica-se aos casos em que o dano seja real, atual e certo, dentro de um juízo de probabilidade, e não de mera possibilidade, porquanto o dano potencial ou incerto, no âmbito da responsabilidade civil, em regra, não é indenizável (REsp 1.104.665/RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, DJe de 4.8.2009). 3. Segundo a jurisprudência desta Corte, "em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da 'perda de uma chance' devem ser solucionadas a partir de detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do postulante, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico" (REsp 993.936/RJ, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe de 23.4.2012). 4. O direito à indenização, nessas circunstâncias, somente existiria diante de situação de real e séria possibilidade de êxito do recurso que os recorridos deixaram de interpor no âmbito da ação previdenciária - o que não é o caso dos autos -, tendo em vista que, conforme anotado pelas instâncias ordinárias, não haveria prova da incapacidade do autor no período pleiteado, requisito imprescindível à obtenção do benefício previdenciário pretendido. 5. Agravo interno provido para, reconsiderando a decisão agravada, conhecer do agravo a fim de negar provimento ao recurso especial." (AgInt no AREsp 1333056/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 03/02/2020) 

Ademais, a postulação na demanda é de indenização por danos materiais, tanto que o autor esclareceu, como exige a legislação processual civil, a extensão da lesão provocada pelo advogado e o valor do ressarcimento pretendido. Em outras palavras, o autor pediu a reparação patrimonial e a sentença, mantida pelo acórdão recorrido, concedeu a pretensão (indenização por lesão material), porém em valor menor (R$ 7.880,00 - sete mil oitocentos e oitenta reais). 

Nesse aspecto, ainda cabe ressaltar que os pedidos formulados devem ser examinados a partir de uma interpretação lógico-sistemática, não podendo o magistrado se esquivar da análise ampla e detida da relação jurídica posta, mesmo porque a obrigatória adstrição do julgador ao pedido expressamente formulado pelo autor pode ser mitigada em observância aos brocardos da mihi factum dabo tibi ius (dá-me os fatos que te darei o direito) e iura novit curia (o juiz é quem conhece o direito). A propósito: 

"RECURSO ESPECIAL. CONTRATO. COMPRA E VENDA DE LINHA DE MONTAGEM INDUSTRIAL. SÓCIOS. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. VALOR FIXADO. RAZOABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO NA VIA ESPECIAL. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. Trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais proposta por 3 (três) empresas integrantes de um mesmo grupo e seus sócios contra outra empresa, fundada em suposto inadimplemento contratual. 2. A legitimidade ativa constitui requisito de natureza processual que se relaciona à admissibilidade do provimento jurisdicional pretendido. A propósito, o que se examina é se a parte autora possui alguma relação jurídica no tocante ao réu que envolva o direito material deduzido. 3. A pessoa jurídica não se confunde com a pessoa dos seus sócios e tem patrimônio distinto. Todavia, essa disciplina não afasta, por si só, a legitimidade dos sócios para pleitearem indenização por danos morais, caso se sintam atingidos diretamente por eventual conduta que lhes causem dor, vexame, sofrimento ou humilhação, que transborde a órbita da sociedade empresária. 4. O acolhimento da pretensão recursal quanto à alegação de ilegitimidade da empresa SETMA demandaria o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, o que se mostra inviável ante a natureza excepcional da via eleita, a teor do enunciado da Súmula nº 7/STJ. 5. Não há falar em julgamento extra petita quando o órgão julgador não afronta os limites objetivos da pretensão inicial, tampouco concede providência jurisdicional diversa da requerida, respeitando o princípio da congruência. Ademais, os pedidos formulados devem ser examinados a partir de uma interpretação lógico-sistemática, não podendo o magistrado se esquivar da análise ampla e detida da relação jurídica posta, mesmo porque a obrigatória adstrição do julgador ao pedido expressamente formulado pelo autor pode ser mitigada em observância aos brocardos da mihi factum dabo tibi ius (dá-me os fatos que te darei o direito) e iura novit curia (o juiz é quem conhece o direito). 6. A reforma do julgado, no tocante à conclusão das instâncias de cognição plena pela existência de dano moral indenizável na hipótese vertente, demandaria o reexame do contexto fático-probatório, procedimento vedado na estreita via do recurso especial, a teor da Súmula nº 7/STJ. 7. O Superior Tribunal de Justiça, afastando a incidência da Súmula nº 7/STJ, tem reexaminado o montante fixado pelas instâncias ordinárias a título de indenização por danos morais apenas quando irrisório ou abusivo, circunstâncias inexistentes no presente caso, em que o valor total foi arbitrado em R$ 436.087, 50 (quatrocentos e trinta e seis mil oitenta e sete reais e cinquenta centavos) para as 3 (três) empresas e seus 2 (dois) sócios. 8. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, não provido". (REsp 1.605.466/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/8/2016, DJe 28/10/2016) 

Também não há falar em julgamento extra petita "quando o Juiz examina o pedido e aplica o direito com fundamentos diversos dos fornecidos na petição inicial ou mesmo na apelação, desde que baseados em fatos ligados à causa de pedir" (REsp 1.087.783/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 1º/9/2009, DJe 10/12/2009 - grifou-se). 

A Quarta Turma, julgando caso análogo ao dos presentes autos, concluiu que "o pedido realizado pelos autores foi não só de lucros cessantes - este negado pela Corte de origem -, mas também de perdas e danos em geral, não havendo, portanto, falar em julgamento extra petita, relativamente à indenização por perda de chance" (AgInt no Recurso Especial nº 1.260.150-PR, Rel. Ministro Raul Araújo, julgado em 25/06/2019, DJe 28/06/2019). 

A partir desse entendimento, havendo pedido de indenização por perdas e danos em geral, pode o juiz reconhecer a aplicação da perda de uma chance sem que isso implique em julgamento fora da pretensão autoral, como igualmente ocorreu na hipótese dos autos. 

Diferentemente é o caso do Recurso Especial nº 1.190.180-RS, no qual a Quarta Turma deste Tribunal assentou a ocorrência de julgamento extra petita na hipótese em que o autor formula indenização por danos materiais e a sentença, ao aplicar a teoria da perda de uma chance, condena o réu a pagar a reparação por danos morais. Por oportuno, transcreve-se a ementa do referido julgado: 

"RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOCACIA. PERDA DO PRAZO PARA CONTESTAR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS FORMULADA PELO CLIENTE EM FACE DO PATRONO. PREJUÍZO MATERIAL PLENAMENTE INDIVIDUALIZADO NA INICIAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS. JULGAMENTO EXTRA PETITA RECONHECIDO. 1. A teoria da perda de uma chance (perte d'une chance) visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance - desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética - é considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de terceiro. 2. Em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da "perda de uma chance" devem ser solucionadas a partir de uma detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do processo, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico. Vale dizer, não é o só fato de o advogado ter perdido o prazo para a contestação, como no caso em apreço, ou para a interposição de recursos, que enseja sua automática responsabilização civil com base na teoria da perda de uma chance. É absolutamente necessária a ponderação acerca da probabilidade - que se supõe real - que a parte teria de se sagrar vitoriosa. 3. Assim, a pretensão à indenização por danos materiais individualizados e bem definidos na inicial, possui causa de pedir totalmente diversa daquela admitida no acórdão recorrido, de modo que há julgamento extra petita se o autor deduz pedido certo de indenização por danos materiais absolutamente identificados na inicial e o acórdão, com base na teoria da "perda de uma chance", condena o réu ao pagamento de indenização por danos morais. 4. Recurso especial conhecido em parte e provido". (REsp 1.190.180/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/11/2010, DJe 22/11/2010 - grifou-se) 

Assim, no caso dos autos, diante de todas essas considerações, inexiste o alegado julgamento extra petita, pois o autor postulou indenização por danos materiais e as instâncias ordinárias condenaram o réu em conformidade com o pedido, apenas concedendo a reparação em menor extensão. 

4. Da alegada inexistência do dano 

No tocante à alegação de que inexiste o dano, o recorrente limita-se a alegar que "a atuação do advogado recorrente não gerou qualquer dano à Recorrida. Isto porque, a decisão que reconheceu a dívida foi independente da revelia" (fl. 262 e-STJ). 

As razões recursais não impugnam o argumento de que a defesa não foi apresentada em tempo hábil e de que houve conduta negligente do advogado. Ao contrário, somente afirma que a sua atuação não gerou danos à recorrida porque a decisão proferida na referida demanda judicial foi independente da revelia. 

Assim, a insurgência trazida no presente recurso não ataca os fundamentos do acórdão recorrido, motivo porque incidem, por analogia, as Súmulas nºs 283 e 284/STF. Para o conhecimento da matéria nesta Corte Superior, não basta apenas alegar a inexistência de dano, mas demonstrar os motivos pelos quais a tese sustentada merece acolhimento, conforme o princípio da dialeticidade. Nesse sentido: 

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. ÓBICE DAS SÚMULAS 283 E 284 DO STF. MANUTENÇÃO. 1. Ofende o princípio da dialeticidade o recurso que não impugna especificamente os fundamentos do aresto impugnado. 2. A admissibilidade do recurso especial reclama a indicação clara dos dispositivos tidos por violados, bem como a exposição das razões pelas quais o acórdão teria afrontado cada um, não sendo suficiente a mera alegação genérica. 3. Agravo interno a que se nega provimento". (AgInt no AREsp 1.540.345/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/2/2020, DJe 27/2/2020) 

"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO. FUNDAMENTOS AUTÔNOMOS DO ACÓRDÃO. IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. AUSÊNCIA. 1. Conforme estabelecido pelo Plenário do STJ "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC" (Enunciado Administrativo n. 3/STJ). 2. Pelo princípio da dialeticidade, impõe-se à parte recorrente o ônus de motivar seu recurso, expondo as razões hábeis a ensejar a reforma da decisão, sendo inconsistente o recurso que não ataca concretamente os fundamentos utilizados no acórdão recorrido. 3. Incidem as Súmulas 283 e 284 do STF, em aplicação analógica, quando não impugnado fundamento autônomo e suficiente à manutenção do aresto recorrido, sendo considerada deficiente a fundamentação do recurso. 4. Agravo desprovido". (AgInt no RMS 58.200/BA, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/10/2018, DJe 28/11/2018) 

Além do mais, cumpre ressaltar que a jurisprudência desta Corte Superior firmou o entendimento no sentido de que a reparação de danos decorrentes da perda de chance exige a demonstração dos elementos ensejadores do dever de reparar, além da necessidade de comprovar que a chance perdida é séria e real. Confira-se: 

"RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS. REALITY SHOW. FASE SEMIFINAL. CONTAGEM DOS PONTOS. ERRO. ELIMINAÇÃO. ATO ILÍCITO. INDENIZAÇÃO. DANO MATERIAL. PERDA DE UMA CHANCE. CABIMENTO. DANOS MORAIS DEMONSTRADOS. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a discutir o cabimento de indenização por perda de uma chance na hipótese em que participante de reality show é eliminado da competição por equívoco cometido pelos organizadores na contagem de pontos. 3. A teoria da perda de uma chance tem por objetivo reparar o dano decorrente da lesão de uma legítima expectativa que não se concretizou porque determinado fato interrompeu o curso normal dos eventos e impediu a realização do resultado final esperado pelo indivíduo. 4. A reparação das chances perdidas tem fundamento nos artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002 e é reforçada pelo princípio da reparação integral dos danos, consagrado no art. 944 do CC/2002. 5. Deve ficar demonstrado que a chance perdida é séria e real, não sendo suficiente a mera esperança ou expectativa da ocorrência do resultado para que o dano seja indenizado. 6. Na presente hipótese, o Tribunal de origem demonstrou que ficaram configurados os requisitos para reparação por perda de uma chance, tendo em vista (i) a comprovação de erro na contagem de pontos na rodada semifinal da competição, o que tornou a eliminação do autor indevida, e (ii) a violação das regras da competição que asseguravam a oportunidade de disputar rodada de desempate. 7. O acolhimento da pretensão recursal, no sentido de afastar a indenização por danos morais ou de reduzir o valor arbitrado, demandaria o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos (Súmula nº 7/STJ). 8. O montante arbitrado a título de indenização por danos morais (R$ 25.000,00 - vinte e cinco mil reais) encontra-se em conformidade com os parâmetros adotados por esta Corte, não se mostrando excessivo diante das particularidades do caso concreto. 9. Recursos especiais não providos". (REsp 1.757.936/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/8/2019, DJe 28/8/2019) 

Segundo o aresto recorrido, "é inafastável o reconhecimento da presença de danos perpetrados à autora em decorrência da desídia do réu. Se apresentados os embargos monitórios em tempo hábil, a mandante poderia ter algum proveito, ainda que parcial ou ínfimo, pela aplicação do direito material" (fls. 225-226 e-STJ). Em seguida, conclui que "sob qualquer ângulo que se analise, resulta evidenciada a conduta negligente do advogado, tipificando-se o ato ilícito a ele imputável" (fl. 230 e-STJ). 

Dessa forma, as conclusões da Corte local acerca do mérito da demanda, inclusive quantos aos efeitos da revelia na ação monitória, decorreram inquestionavelmente da análise do conjunto fático-probatório. Portanto, o acolhimento da pretensão recursal, nos termos em que posta, demandaria o reexame de matéria fática e das demais provas constantes dos autos, o que é inviável em recurso especial, consoante o óbice da Súmula nº 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial". A propósito: 

"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. MATÉRIA QUE DEMANDA REEXAME DE FATOS E PROVAS. SUMULA 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. O STJ possui entendimento no sentido de que em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da 'perda de uma chance' devem ser solucionadas a partir de detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do postulante, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico. Precedentes. 2. O acolhimento da pretensão recursal, a fim de reconhecer a inexistência do dever de indenizar, exigiria a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão recorrido, com o revolvimento das provas carreadas aos autos, atraindo o óbice da Súmula 7 do STJ. (...) 4. Agravo interno não provido". (AgInt no AREsp 1.488.134/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 3/9/2019, DJe 10/9/2019) 

5. Do dispositivo 

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial. 

É o voto. 

7 de maio de 2021

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. BUSCA E APREENSÃO. RELAÇÃO CONTRATUAL. EXTINÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. JULGAMENTO EXTRA PETITA. OCORRÊNCIA.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.779.751 - DF (2018/0299259-5) 

RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA 

RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. BUSCA E APREENSÃO. RELAÇÃO CONTRATUAL. EXTINÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. JULGAMENTO EXTRA PETITA. OCORRÊNCIA. 

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 

2. Cinge-se a controvérsia a definir se há julgamento extra petita na hipótese em que, julgado procedente o pedido de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, o juiz, sem o requerimento expresso do autor, extingue o contrato firmado entre o devedor fiduciante e o credor fiduciário. 

3. O contrato de alienação fiduciária em garantia de bem móvel não se extingue somente por força da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário. 

4. O julgamento extra petita está configurado quando o magistrado concede prestação jurisdicional diversa da pleiteada na inicial. 

5. Na hipótese, à míngua do pedido de rescisão do contrato de alienação fiduciária, a sentença que reconhece extinta a relação contratual é extra petita. 

6. Recurso especial provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília (DF), 16 de junho de 2020(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por BV FINANCEIRA S.A. CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, com fundamento no art. 105, III, "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios assim ementado: 

"APELAÇÃO. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO GARANTIDO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO. ALEGAÇÃO DE SENTENÇA INOCORRÊNCIA. CONSEQUÊNCIA DA ULTRA PETITA. EXECUÇÃO DA GARANTIA. SALDO DEVEDOR. RESPONSABILIDADE PESSOAL DO DEVEDOR FIDUCIANTE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. O princípio da congruência ou adstrição refere-se à necessidade de o magistrado decidir a lide dentro dos limites objetivados pelas partes, não podendo proferir sentença de forma extra, ultra ou infra petita. 2. Embora não exista requerimento expresso na petição inicial quanto à rescisão contratual, verifica-se que tal medida é consequência lógica do pedido, pois no caso de implemento da cláusula resolutiva no contrato de financiamento garantido por alienação fiduciária, tem-se que o contrato principal, de financiamento, é resolvido, afinal houve a consolidação da propriedade e da posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, nos termos do art. 3º, § 1º, do Decreto-Lei n. 911/69. 3. A busca e apreensão do bem, com a subsequente resolução do contrato de financiamento, não implica extinção da dívida do fiduciante. A teor do que dispõe o art. 1.366 do Código Civil, de aplicabilidade subsidiária ao Decreto-Lei n. 911/69, naquilo que não lhe for incompatível, o débito perdurará até que seja plenamente satisfeito pelo adquirente, caso comprovado que o valor apurado com a alienação do bem é insuficiente para saldar a totalidade do déficit e demais encargos contratuais decorrentes da inadimplência. 4. Recurso conhecido e não provido" (fl. 76 e-STJ). 

Nas presentes razões (fls. 86-96 e-STJ), a ora recorrente alega, além de divergência jurisprudencial, violação dos arts. 1º, § 5º, do Decreto Lei nº 911/1969, 141 e 492 do Código de Processo Civil de 2015 e 1.366 do Código Civil de 2002. 

Aduz que o magistrado não poderia rescindir o contrato de alienação fiduciária em garantia, por não ter sido postulado na inicial. 

Acrescenta que, "por se tratar de Ação de Busca e Apreensão de bem alienado fiduciariamente, a rescisão do contrato impossibilitará o recorrente de ajuizar ação própria se caso houver algum débito remanescente a ser recebido" (fl. 87 e-STJ). 

Assevera que o juiz deve resolver a demanda de acordo com os limites propostos pelas partes, sendo vedado proferir decisão de natureza diversa da pedida. 

Defende que, segundo a legislação civil, "não há permissão expressa para que o juiz rescinda o contrato e, pelo contrário, reafirma que em contrato de alienação fiduciária é possível, após a venda da coisa, cobrar saldo remanescente" (fl. 89 e-STJ). 

Sem as contrarrazões (fl. 104 e-STJ), a Presidência do Tribunal de origem admitiu o processamento do presente recurso (fls. 105-106 e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 

A irresignação merece prosperar. 

Cinge-se a controvérsia a definir se há julgamento extra petita na hipótese em que, julgado procedente o pedido de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, o juiz, sem o requerimento expresso do autor, extingue o contrato firmado entre o devedor fiduciante e o credor fiduciário. 

I. Do histórico da demanda 

Na origem, BV FINANCEIRA S.A. CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (ora recorrente) ajuizou ação de busca e apreensão contra CÉLIO DE SIQUEIRA SANTOS (ora recorrido) em razão do inadimplemento do contrato mútuo garantido por veículo automotor em regime de alienação fiduciária (fls. 16-19 e-STJ). 

O magistrado piso julgou procedente o pedido para "declarar rescindido o contrato firmado entre as partes e consolidar nas mãos da parte autora a posse e o domínio do bem alienado fiduciariamente objeto do contrato que instrui a petição inicial" (fl. 54 e-STJ). 

Interposta apelação (fls. 61-66 e-STJ), o Tribunal de origem negou provimento ao recurso, conforme se extrai da fundamentação a seguir transcrita: 

"(...) O objeto do recurso cinge-se em aferir se houve julgamento ultra petita do decisum objurgado, porque, conquanto a autora tenha pedido na inicial tão somente a consolidação da propriedade com a posse plena e exclusiva do bem, a Magistrada sentenciante julgou procedente o pedido inicial também para declarar a rescisão contratual. Consoante disciplina o art. 2º do Decreto-Lei n. 911/69, 'no caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas'. Na hipótese vertente, inexiste controvérsia quanto à mora do apelado, circunstância que permitiu à apelante o exercício da faculdade legal de reputar vencidas todas as obrigações contratuais, na exata dicção do art. 2º, § 3º, do Decreto-Lei n. 911/69. Igualmente, com fundamento no art. 3º do citado diploma normativo, requereu contra a devedora a busca do bem alienado fiduciariamente, que se demonstrou exitosa. Nesse quadro, havendo o implemento da cláusula resolutiva, com a subsequente execução da garantia, tem-se que o contrato principal, de financiamento, deve ser resolvido, afinal houve a consolidação da propriedade e da posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, nos termos do art. 3º, § 1º, do Decreto-Lei n. 911/69. Inclusive, a resolução contratual faculta ao credor fiduciário a alienação do bem a terceiros, na forma do art. 2º do Decreto-Lei n. 911/69. Por sua vez, não se torna inviável, como tenta levar a crer a apelante, que o remanescente da dívida seja posteriormente cobrado, na hipótese de ser considerado resolvido o contrato. Isso porque, após a busca e apreensão do bem ao alienante e resolvido o contrato de financiamento, a dívida residual não será extinta. A teor do que dispõe o art. 1.366 do Código Civil, de aplicabilidade subsidiária ao Decreto-Lei n. 911/69 naquilo que não lhe for incompatível, o débito perdurará até que seja plenamente satisfeito pelo adquirente, caso comprovado que o valor apurado com a alienação do bem é insuficiente para saldar a totalidade do déficit e demais encargos contratuais decorrentes da inadimplência. Em outras palavras, o devedor fiduciante continuará pessoalmente responsável pelo restante da dívida que será ao final contabilizada. Apenas não mais haverá a garantida fiduciária, justamente em virtude da anterior alienação do bem e da insuficiência do seu valor de venda para saldar todo o débito oriundo da avença celebrada entre as partes. Com efeito, permanecerá o credor fiduciário, ora apelante, com os meios legais para buscar a satisfação do saldo devedor, se houver saldo a ser liquidado. Nessa toada, rejeita-se a nulidade invocada pela apelante, não havendo que se falar em sentença ultra afinal, como visto, a execução da garantia ocasionou a extinção do vínculo contratual. Pelo exposto, nego provimento ao recurso, mantendo incólume a r. sentença apelada. Deixo de aplicar a majoração prevista no art. 85, § 11, do CPC, uma vez que na sentença o apelante não foi condenado ao pagamento de honorários advocatícios" (fls. 78-79 e-STJ - grifou-se). 

Feitos esses esclarecimentos, passa-se à análise do presente recurso. 

II. Da rescisão do contrato de alienação fiduciária em garantia e do julgamento ultra ou extra petita 

A recorrente alega que, nos autos da ação de busca e apreensão de veículo automotor, o magistrado não poderia rescindir o contrato de alienação fiduciária em garantia, visto não ter sido postulado na inicial pelo credor fiduciário. 

Conforme o Decreto-Lei nº 911/1969, "a alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário". Como consequência, ocorre o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel. 

Na busca e apreensão, o credor fiduciário busca prioritariamente a satisfação da dívida, somente após esgotadas a possibilidade de purgação da mora e do cumprimento da obrigação, ocorre a apropriação do bem (CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária de bens móveis, busca e apreensão, purgação da mora e consolidação da propriedade. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 11, n. 41, 2008). 

Por sua vez, esta Corte Superior já se pronunciou no sentido de que, "na ação de busca e apreensão amparada no Decreto-Lei n. 911/1969, o provimento jurisdicional pleiteado tem natureza executiva, fundado em título a que a lei atribui força comprobatória do direito do autor" (REsp 1.591.851/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, julgado em 9/8/2016, DJe 19/8/2016 - grifou-se). 

Além do mais, o credor não pretende, por meio da busca e apreensão, a resolução do contrato, mas, como afirmado, persegue apenas o direito de ver cumprida a obrigação por parte do devedor. Assim, a "sentença na ação de busca e apreensão não visa à desconstituição do contrato, mas apenas à sua execução, com a consolidação da propriedade e posse plena nas mãos do proprietário fiduciário" (REINALDO FILHO, Demócrito Ramos. Breves comentários às alterações na ação de busca e apreensão em sede de alienação fiduciária. Revista Juris Plenum, Caxias do Sul (RS), v. 1, n. 5, págs. 7-18, set. 2005 - grifou-se). 

Ao julgar procedente o pedido apresentado na ação de busca e apreensão, o magistrado apenas consolida a propriedade do bem – no caso, um veículo automotor - com vistas a garantir que o credor se utilize dos meios legais (alienação do bem) para obter os valores a que faz jus decorrente do contrato (art. 2º, § 3º, do Decreto-Lei nº 911/1969). Nesses termos, a reversão da propriedade plena (consolidação) em favor do credor fiduciário constitui apenas uma etapa da execução do contrato, não pondo fim a ele. 

Em situação análoga, a Terceira Turma desta Corte assentou que, em caso de alienação fiduciária de imóveis em garantia regida pela Lei nº 9.514/1997, o contrato não se extingue por força da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, mas, sim, pela alienação em leilão público do bem objeto da alienação fiduciária, após a lavratura do auto de arrematação. Confira, por oportuno, a ementa do referido julgado: 

"RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE COISA IMÓVEL. LEI Nº 9.514/1997. PURGAÇÃO DA MORA APÓS A CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DO CREDOR FIDUCIÁRIO. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO DECRETO-LEI Nº 70/1966. 1.Cinge-se a controvérsia a examinar se é possível a purga da mora em contrato de alienação fiduciária de bem imóvel (Lei nº 9.514/1997) quando já consolidada a propriedade em nome do credor fiduciário. 2. No âmbito da alienação fiduciária de imóveis em garantia, o contrato não se extingue por força da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, mas, sim, pela alienação em leilão público do bem objeto da alienação fiduciária, após a lavratura do auto de arrematação. 3. Considerando-se que o credor fiduciário, nos termos do art. 27 da Lei nº 9.514/1997, não incorpora o bem alienado em seu patrimônio, que o contrato de mútuo não se extingue com a consolidação da propriedade em nome do fiduciário, que a principal finalidade da alienação fiduciária é o adimplemento da dívida e a ausência de prejuízo para o credor, a purgação da mora até a arrematação não encontra nenhum entrave procedimental, desde que cumpridas todas as exigências previstas no art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966. 4. O devedor pode purgar a mora em 15 (quinze) dias após a intimação prevista no art. 26, § 1º, da Lei nº 9.514/1997, ou a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação (art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966). Aplicação subsidiária do Decreto-Lei nº 70/1966 às operações de financiamento imobiliário a que se refere a Lei nº 9.514/1997. 5. Recurso especial provido". (REsp 1.462.210/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/11/2014, DJe 25/11/2014 - grifou-se) 

Em idêntica linha de raciocínio, eis os fundamentos adotados pelo STJ na apreciação do Recurso Especial nº 1.255.179-RJ, desta relatoria:

"(...) O crédito remanescente, assim, ainda que considerado de menor importância quando comparado à parcela já adimplida da obrigação contratual, pode ser perseguido pelo credor a partir da utilização dos meios admitidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, dentre os quais se encontram, por exemplo, a própria ação de busca e apreensão de que trata o Decreto-Lei nº 911/1969, que, por razões óbvias, não pode ser confundida com ação de rescisão contratual - essa, sim, potencialmente indevida em virtude do substancial adimplemento da obrigação. Daí porque, analisado o caso dos autos também por esse prisma, não há falar em ilicitude na conduta do banco recorrente. Nesse particular, impõe-se rememorar que, diante da própria natureza do contrato de financiamento de automóvel com cláusula de alienação fiduciária em garantia, a medida de busca e apreensão do veículo em virtude da mora ou inadimplemento do devedor não tem por finalidade a extinção do contrato. Traduz-se, em verdade, em meio posto à disposição do credor fiduciário para possibilitar a satisfação do seu crédito independentemente de ato voluntário do devedor" (grifou-se). 

Dessa forma, sem razão o Tribunal local ao concluir que "havendo o implemento da cláusula resolutiva, com a subsequente execução da garantia, tem-se que o contrato principal, de financiamento, deve ser resolvido" (fl. 78 e-STJ). 

Todavia, resta analisar igualmente a controvérsia à luz da alegada violação dos arts. 141 e 492 do CPC/2015, que encontram-se assim redigidos: 

"Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte." 

"Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. Parágrafo único. A decisão deve ser certa, ainda que resolva relação jurídica condicional". 

Conforme o princípio da congruência ou da adstrição, o juiz deve decidir a lide dentro dos limites formulados pelas partes, não podendo proferir sentença de forma extra, ultra ou citra petita. Em conformidade com o art. 322, § 2º, do CPC/2015, a interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé. 

Na hipótese dos autos, o pedido foi formulado nos seguintes termos: 

"(...) 8. Assim, com fundamento no artigo 3º. e seus parágrafos do já citado diploma legal, com as alterações dadas pela Lei 10.931/2004 e Lei 13.043/2014, pede a Vossa Excelência para: a) conceder liminarmente, a BUSCA E APREENSÃO do(s) bem(ns) descrito(s) no item 2 (dois) retro, com a consequente expedição de OFÍCIO AO DETRAN para retirada de quaisquer ônus incidentes sobre o bem junto ao Registro Nacional de Veículos Automotores - RENAVAM (IPVA, multa, taxas, alugueres de pátio etc.) anteriormente à consolidação da propriedade, bem como OFÍCIO À SECRETARIA DA FAZENDA ESTADUAL comunicando a transferência da propriedade, para que esta se abstenha à cobrança de IPVA junto ao Banco autor ou a quem este indicar, anteriormente à consolidação da propriedade. b) determinar a inclusão da presente Busca e Apreensão no RENAVAM para impossibilitar a circulação do veículo (art. 3°, § 9º) através do Sistema Renajud ou, caso indisponível, seja feita através de ofício ao Departamento competente, ordenando sua restrição à circulação, e autorizando o recolhimento do bem pelas forças policiais, com imediata comunicação ao representante do credor fiduciário, adiante nominado. c) determinar a citação da ré (réu) na pessoa de seu representante legal (caso a ré seja empresa) para querendo no prazo de 05 (cinco) dias, pagar a integralidade da dívida indicada no item 03 (três) da presente inicial, acrescida dos encargos pactuados, custas processuais e honorários advocatícios sobre o valor total, conforme julgamento do STJ, proferido no Recurso Repetitivo n. 1.418.593- MS, hipótese na qual o(s) bem(ns) lhe será(ão) restituído(s) livre do ônus da alienação fiduciária e ou para no prazo de 15 (quinze), sob pena de revelia, contestar e acompanhar a presente ação, até final decisão. d) decorrido o prazo de 5 (cinco) dias após executada a liminar sem que a ré efetue o pagamento da totalidade do débito, tornar definitiva a consolidação da propriedade com a posse plena e exclusiva do(s) bem(s) objeto da demanda, em mãos do autor, tudo conforme disposição legal, conforme previsto no parágrafo primeiro do artigo 3.º do Dec. Lei 911/69, com a redação que lhe foi dada pelo artigo 56 da Lei 10.931/04. e) o devedor, por ocasião do cumprimento do mandado de busca e apreensão, deverá entregar o bem e seus respectivos documentos, de acordo com o §14 do art. 3º, do Dec. Lei 911/69, com a redação que lhe foi dada pela Lei 10.931/04. f) na hipótese do descumprimento §14 do art. 3º, do Dec. Lei 911/69, com a redação que lhe foi dada pela Lei 10.931/04, requer seja arbitrado multa diária, a ser paga pelo réu, até o efetivo cumprimento. g) condenar a ré (réu) ao pagamento das custas e honorários advocatícios" (fls. 17-18 e-STJ). 

Como se vê, o autor, em nenhum momento, postulou a resolução do contrato de alienação fiduciária na petição inicial, sendo tal fato expressamente reconhecido pelas instâncias ordinárias, caracterizando, assim, o julgamento extra petita. Portanto, à míngua de requerimento da parte nesse sentido, não poderia o julgador declarar a extinção do vínculo contratual. 

3. Do dispositivo 

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para afastar a extinção do contrato de alienação fiduciária em garantia de bem móvel, mantendo a procedência do pedido de busca a apreensão. 

É o voto. 

19 de abril de 2021

Princípio da adstrição, congruência ou correlação - REsp 1909451-SP

"Por certo, se, de um lado, não há dúvidas de que o juízo pode decidir a norma aplicável, mesmo sem provocação das partes e contra eventual interesse delas, definindo o correto enquadramento da controvérsia, de outro lado, parece mesmo irrefutável o compromisso com a promoção de princípios fundamentais que são parte indissociável do processo. 

Ora, é intuitivo concluir que a solução de questão estranha ao que fora estabelecido pelo recorrente – mesmo que exclusivamente referente à matéria de ordem pública –, ao ensejo de decidir o processo ou algum incidente no seu curso, comprometerá a efetividade do contraditório". 

REsp 1909451-SP

2 de abril de 2021

RELEVANTE: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. SEGURO DPVAT. LEI 6.194/74. COMPLEMENTAÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PRINCÍPIOS DA ADSTRIÇÃO E DA CONGRUÊNCIA. SENTENÇA ALÉM DO PEDIDO (ULTRA PETITA). GRAU DE INVALIDEZ. PERÍCIA. IML. INDISPENSABILIDADE. PEDIDO. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. ART. 322, § 2º, DO CPC/15. FATO CONSTITUTIVO SUPERVENIENTE. CONSIDERAÇÃO. POSSIBILIDADE. ART. 493 DO CPC/15.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.793.637 - PR (2019/0019483-5) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

3ª TURMA

UNANIMIDADE

1. Cuida-se de ação de cobrança de complementação de indenização securitária do DPVAT por invalidez permanente. 

2. Recurso especial interposto em: 18/06/2018; conclusos ao gabinete em: 05/02/2019; aplicação do CPC/15. 

3. O propósito recursal consiste em determinar se configura julgamento para além do pedido (ultra petita) a sentença que concede à vítima de acidente automobilístico o valor da indenização pelo DPVAT condizente com o grau de sua invalidez, segundo apurado em perícia do IML superveniente ao ajuizamento da ação e em valores diversos dos constantes no final da petição inicial. 

4. Agindo o juiz fora dos limites definidos pelas partes e sem estar amparado em permissão legal que o autorize examinar questões de ofício, haverá violação ao princípio da congruência, haja vista que o pedido delimita a atividade do juiz, que não pode dar ao autor mais do que ele pediu, julgando ultra petita (além do pedido). 

5. O CPC/15 contém, contudo, expressa ressalva aos limites do pedido, permitindo ao juiz considerar fatos supervenientes que constituam o direito envolvido na lide, na forma do art. 493 do CPC/15. 

6. Cabe ao julgador, ademais, a interpretação lógico-sistemática do pedido formulado na petição inicial a partir da análise dos fatos e da causa de pedir, o que atende à necessidade conceder à parte o que foi efetivamente requerido por ela, interpretando o pedido a partir de um exame completo da petição inicial, e não apenas da parte da petição destinada aos requerimentos finais, sem que isso implique decisão extra ou ultra petita. Precedentes. 

7. É indispensável a realização de perícia para verificar o grau de invalidez do segurado a fim de estabelecer o valor da indenização por invalidez permanente do seguro obrigatório DPVAT, pois o valor da referida indenização somente pode ser aferido de acordo com a quantificação da extensão das lesões sofridas pela vítima. Precedentes. 

8. O seguro obrigatório DPVAT é seguro de nítido caráter social cuja indenização deve ser paga pelas seguradoras sem qualquer margem de discricionariedade e sempre que atendidos os requisitos da Lei 6.194/74. Precedente. 

9. Assim, o pedido de complementação da indenização paga a menor deve ser interpretado sistematicamente, a fim de garantir à vítima o valor correspondente à lesão por ela sofrida, segundo o grau de sua invalidez, ainda que o pedido específico, formulado ao final da peça inicial, tenha sido formulado equivocadamente, com a fixação de valor definido; e, não o suficiente, a eventual realização de laudo pericial pelo Instituto Médico Legal (IML) no curso do processo deve ser considerado fato superveniente constitutivo do direito do autor, na forma do art. 493 do CPC/15. 

10. Na hipótese concreta, por aplicação da norma constante no art. 493 do CPC/15, o acórdão que concede ao recorrente a indenização conforme a posterior perícia médica do IML não pode ser considerada para além do pedido (ultra petita), razão pela qual não havia motivos para a limitação da complementação da indenização aos valores numéricos referidos à inicial. 

11. Recurso especial provido.


O propósito recursal consiste em determinar se configura julgamento para além do pedido (ultra petita) a sentença que concede à vítima de acidente automobilístico o valor da indenização pelo DPVAT condizente com o grau de sua invalidez, segundo apurado em perícia do IML superveniente ao ajuizamento da ação e em valores diversos dos constantes no final da petição inicial. 

Recurso especial interposto em: 18/06/2018; 

Conclusos ao gabinete em: 05/02/2019; 

Aplicação do CPC/15. 


1. DO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA OU ADSTRIÇÃO E DA SENTENÇA ALÉM DO PEDIDO (ULTRA PETITA) 

Um dos mais importantes princípios que instruem o Direito Processual Civil é o dispositivo, ou da inércia da jurisdição, segundo o qual o direito de ação pertence às partes ou interessados, sendo o processo instaurado somente mediante sua provocação, conforme previsto, de forma expressa, no art. 2º do CPC/15. 

O princípio da congruência ou adstrição entre o pedido e a sentença é, por sua vez, manifestação necessária do princípio dispositivo, “daí por que, sendo o objeto da causa o pedido do autor, não pode o juiz decidir fora dele” (THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 55ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2014, pág. 559). 

O princípio da congruência se encontra previsto no art. 141 do CPC/15, e pode ser decomposto em pelo menos duas regras: a) “o conflito de interesses que surgir entre duas pessoas será decidido pelo juiz não totalmente, mas apenas nos limites que elas o levarem ao processo” (BARBI. Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. 1, 14ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2010, pág. 403); e b) o juiz não pode “conhecer de questões não suscitadas, a cujo respeito a lei exige iniciativa das partes” (Idem, ibidem, pág. 404). 

As ressalvas a essas duas regras, que correspondem à atuação de ofício do magistrado, são excepcionais e estão previstas de forma expressa no texto legal. 

1.1. DA SENTENÇA ALÉM DO PEDIDO (ULTRA PETITA) 

Agindo o juiz fora dos limites definidos pelas partes e sem estar amparado em permissão legal que o autorize examinar questões de ofício, haverá violação ao princípio da congruência, haja vista que “o pedido delimita a atividade do juiz (CPC, arts. 2º, 128, 459, 1º parte, e 460), que naÞo pode dar ao autor mais do que ele pediu, julgando ultra petita (aleìm do pedido), nem conceder ao autor coisa diversa da pedida, julgando extra petita (fora do pedido), como naÞo pode deixar de se pronunciar sobre todo o pedido, julgando, neste uìltimo caso, citra petita (aqueìm do pedido)” (BERMUDES, Sergio. Introdução ao Processo Civil. 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2010, pág. 44, sem destaque no original). 

As sentenças extra petita e ultra petita representam a atuação jurisdicional para mais do que fora delimitado pelas partes com a propositura da ação, mas, na sentença extra petita, o juiz decide para fora do que estava em causa (prestação jurisdicional mal executada, porque se presta o que não estava para ser prestado, se resolve o que não se tinha de resolver), e na ultra petita, decide além do pedido (prestando às partes mais do que se tinha de prestar). 

O julgamento além do pedido (ultra petita) se refere estritamente ao pedido mediato, isto é, ao bem da vida objeto da tutela jurisdicional, pois, conforme ressalta a doutrina “o juiz está condicionado a ele para a prolação de sua sentença, ou seja, indicada a quantidade de bem da vida que se pretende obter no caso concreto, o juiz não poderá ir além dessa quantificação, concedendo ao autor a mais do que foi pedido” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume único, 8ª ed., Salvador: JusPodivum, 2016, livro digital, sem destaque no original). 

De fato, no julgamento para além do pedido, o juiz decide o pedido relativo ao bem da vida que foi formulado na causa, mas vai além dele, dando às partes mais do que fora pleiteado na inicial, conforme prevê a segunda parte do art. 492 do CPC/15. 

1.2. DA RESSALVA AO JULGAMENTO ULTRA PETITA E DA POSSIBILIDADE DE O JUIZ, DE OFÍCIO, TOMAR EM CONSIDERAÇÃO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO QUE INFLUENCIE NO JULGAMENTO DO MÉRITO (ART. 493 DO CPC/15) 

A previsão do art. 492 do CPC/15, que proíbe o julgamento diverso do pedido (extra petita) e o para além do pedido (ultra petita), é objeto de expressa ressalva no próprio texto legal. 

Com efeito, à luz do disposto no art. 493 do CPC/15, é dever do julgador tomar em consideração, mesmo de ofício, fatos supervenientes que influam no julgamento da lide, constituindo, modificando ou extinguindo o direito material alegado, sob pena de a prestação jurisdicional se tornar desprovida de eficácia ou inapta à justa composição da lide. 

Esse dispositivo se alinha à a jurisprudência desta Corte segundo a qual “a prestação jurisdicional há de compor a lide como esta se apresenta no momento da entrega” (REsp 156.752/RS, 4ª Turma, DJ de 08/06/1999, sem destaque no original), sob pena de se tornar contraditória aos fatos revelados e inapta à justa composição do conflito de interesses. 

De fato, por força da previsão do art. 493 do CPC/15, “o julgador deve sentenciar o processo tomando por base o estado em que o mesmo se encontra, recepcionando, se for o caso, fato constitutivo que se implementou supervenientemente ao ajuizamento da ação” (REsp 1720288/RS, Terceira Turma, DJe 29/05/2020, sem destaque no original), o que é realizado com o objetivo de “de evitar decisões contraditórias e prestigiar os princípios da economia processual e da segurança jurídica” (AgInt no REsp 1387812/PR, Quarta Turma, DJe 13/03/2020). 

O art. 492 deve, pois, ser interpretado sistematicamente com a previsão do art. 493 do CPC/15, de forma a se extrair a norma de que esse reconhecimento de fatos supervenientes que interfiram no julgamento justo da lide respeita integralmente os princípios da adstrição e da congruência, sobretudo porque não pode implicar alteração da causa de pedir ou do pedido. 

Realmente, o fato novo levado em consideração no julgamento não modifica a causa de pedir e/ou o pedido, haja vista que o fato superveniente que deve ser considerado no decidir é aquele estreitamente vinculado a lide posta à apreciação, levando em conta a causa de pedir já deduzida. 

Portanto, consoante lição de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR: 

"A proibição de mudar o pedido e aquela que impede o juiz de julgar ultra ou extra petita não excluem a possibilidade de o juiz levar em conta fato superveniente à propositura da ação. A tanto autoriza o art. 493, desde que o fato novo tenha influência no julgamento da lide, se refira, obviamente, ao mesmo fato jurídico que já constitui o objeto da demanda e possa ser tido, em frente a ele, como fato constitutivo, modificativo ou extintivo. (Curso de Direito Processual Civil, Vol. 1, 56ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2015, livro digital, sem destaque no original)"

1.3. DA INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO PEDIDO DA INICIAL 

Seguindo essa mesma linha de justa composição da lide e de preservação da economia processual e da segurança jurídica, o CPC/15 previu expressamente em seu art. 322, § 2º, que a interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé. 

Conforme ressalta a doutrina, o objetivo dessa previsão é impor ao julgador uma visão mais ampla, de forma a observar que “a leitura do pedido não pode limitar-se à sua literalidade, devendo ser feita sistematicamente, ou seja, dentro da visão total do conjunto da postulação” (THEODORO JÚNIOR. Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Vol. 1, 56ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2015, livro digital, sem destaque no original). 

A orientação sedimentada no citado dispositivo legal se coaduna com a jurisprudência desta Corte, que firmou entendimento no sentido de que cabe ao julgador a interpretação lógico-sistemática do pedido formulado na petição inicial a partir da análise dos fatos e da causa de pedir, considerados em todo o seu conteúdo. Nesse sentido: REsp 1.255.398/SP, 3ª Turma, DJe de 30/05/2014; AgInt no AREsp 667.492/MS, DJe de 30/04/2018. 

Esta posição consolidada do STJ atende à necessidade conceder à parte o que foi efetivamente requerido por ela, interpretando o pedido a partir de um exame completo da petição inicial, e não apenas da parte da petição destinada aos requerimentos finais, sem que isso implique decisão extra ou ultra petita. Nesse sentido: REsp 1.639.016/RJ, 3ª Turma, DJe de 04/04/2017; EDcl no REsp 1.331.100/BA, 4ª Turma, DJe de 10/08/2016; AgRg no Ag 886.219/RS, 3ª Turma, DJe de 07/05/2008 e REsp 440.221/ES, 4ª Turma, DJ de 11/10/2004. 

2. DA INDENIZAÇÃO DO DPVAT POR INVALIDEZ PERMANENTE E DA AFERIÇÃO DA GRAVIDADE DAS LESÕES POR PERÍCIA PELO INSTITUTO MÉDICO LEGAL 

As previsões de interpretação sistemática do pedido e a possibilidade expressa de o juiz levar em consideração os fatos supervenientes constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que influam no julgamento da causa, na forma dos arts. 322, § 2º, e 493 do CPC/15, encontram completa adequação nas ações de complementação de valor indenizatório do DPVAT. 

Em primeiro lugar, porque a jurisprudência da e. Segunda Seção reconhece o caráter social do seguro obrigatório DPVAT, aduzindo que as “seguradoras, [...] não possuem qualquer margem discricionária para efetivação do pagamento da indenização securitária, sempre que presentes os requisitos estabelecidos na lei”, porquanto “a Lei n. 6.194/74, em atendimento a sua finalidade social, é absolutamente protetiva à vítima do acidente” (REsp 1091756/MG, Segunda Seção, DJe 05/02/2018, sem destaque no original). 

Em segundo, porque a leitura conjugada dos artigos 3º e 5º da Lei 6.194/74 permite inferir que o legislador estabeleceu apenas o limite máximo do valor da indenização por invalidez permanente, correspondente a até R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais), na redação dada pela Lei 11.482/2007, o que justifica a necessidade de que as lesões sejam quantificadas pelo instituto médico legal competente para que se possa apurar o grau de incapacidade do segurado, fixando-se, em razão da extensão das lesões por ele sofridas, a respectiva compensação indenizatória. 

É, assim, indispensável a realização de perícia para verificar o grau de invalidez do segurado a fim estabelecer o valor da indenização por invalidez permanente do seguro obrigatório DPVAT, pois o valor da referida indenização somente pode ser aferido de acordo com a quantificação da extensão das lesões sofridas pela vítima. 

A doutrina salienta que, mesmo nas hipóteses em que a gravidade das lesões impliquem uma evidente e imediata invalidez permanente, é “necessária a obtenção de laudo do Instituto Médico-Legal da jurisdição do acidente ou da residência da vítima para 'verificação da existência e quantificação das lesões permanentes, totais ou parciais' [...]"(BERMUDES, Sérgio e FERREIRA, Frederico. Termo inicial da prescrição do Seguro DPVAT. in: DPVAT: um seguro em evolução. Rio de Janeiro: Renovar, 2013, p. 262, sem destaque no original). 

Nesse mesmo sentido da indispensabilidade do laudo pericial do IML se posiciona a jurisprudência desta Corte, que, ao examinar os Temas 668 e 875 do STJ, que se referiam à “discussão sobre o termo inicial da prescrição nas demandas por indenização do seguro DPVAT nos casos de invalidez permanente da vítima”, firmou a tese de que “exceto nos casos de invalidez permanente notória, ou naqueles em que o conhecimento anterior resulte comprovado na fase de instrução, a ciência inequívoca do caráter permanente da invalidez depende de laudo médico” (REsp 1388030/MG, Segunda Seção, julgado em 11/06/2014, DJe 01/08/2014). 

Essa orientação jurisprudencial é reiterada e aprofundada em julgados recentes, que consignam que “quando, porém, referida pretensão estiver fundada na natureza permanente da invalidez, o termo inicial da prescrição será a data da ciência inequívoca dessa condição clínica, o que, salvo nas hipóteses de invalidez notória, se dá com a elaboração do laudo médico” (AgInt no REsp 1804683/MT, Rel. Terceira Turma, DJe 14/05/2020). 

2.1. DA INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO PEDIDO DE COMPLEMENTAÇÃO DE INDENIZAÇÃO E DA PERÍCIA MÉDICA COMO FATO SUPERVENIENTE CONSTITUTIVO DO DIREITO DO AUTOR QUE DEVE SER TOMADO EM CONSIDERAÇÃO PELO JUIZ (ART. 493 DO CPC/15) 

Nesse contexto, como o seguro obrigatório DPVAT é seguro de nítido caráter social cuja indenização deve ser paga pelas seguradoras sem qualquer margem de discricionariedade e sempre que atendidos os requisitos da Lei 6.194/74, (REsp 1091756/MG, Segunda Seção, DJe 05/02/2018), o pedido de complementação da indenização paga a menor administrativamente deve ser interpretado sistematicamente, a fim de garantir à vítima o valor correspondente à lesão por ela efetivamente sofrida, segundo o grau de sua invalidez, ainda que o pedido específico, formulado ao final da peça inicial, tenha sido formulado equivocadamente, com a fixação de valor definido, mas inadequado à previsão legal. 

Não o suficiente, a eventual realização de laudo pericial pelo Instituto Médico Legal (IML) no curso do processo deve ser considerada fato superveniente constitutivo do direito do autor, na forma do art. 493 do CPC/15. 

Sob esta perspectiva, a fixação da indenização segundo os parâmetros legais efetiva e concretamente apurados na hipótese concreta não acarretará a configuração de sentença para além do pedido (ultra petita). 

3. DA HIPÓTESE CONCRETA 

Na hipótese concreta, o recorrente ajuizou ação de complementação da indenização securitária do DPVAT, aduzindo que o valor recebido administrativamente, de R$ 843,75 (oitocentos e quarenta e três reais e setenta e cinco centavos) não condizia com a gravidade da lesão por ele sofrida. 

Para tanto, apresentou apenas os seus “documentos pessoais, prontuário hospitalar e boletim de ocorrência, deixando de exigir o Laudo de Exames de Lesões Corporais confeccionado pelo Instituto Médico Legal – IML, uma vez que os documentos apresentados foram suficientes, por si só, para a configuração do fato social (acidente), o dano (óbito/invalidez) e o liame de causalidade entre o acidente e as lesões permanentes” (e-STJ, fl. 5, sem destaque no original). 

Consoante se infere da sentença, a própria seguradora recorrida teria sustentado a “necessidade de prova pericial a ser realizada pelo IML, tendo em vista que o laudo médico particular não é meio idôneo para fundamentar a condenação” (e-STJ, fl. 288). 

O referido laudo foi juntado aos autos às fls. 266-267 (e-STJ), tendo sido a recorrida intimada para se manifestar sobre a citada documentação. 

Na oportunidade, a recorrida ressaltou que “em caso de eventual condenação, o que não se espera, deve ser o valor indenizatório fixado nos termos previsto em lei, ou seja, de acordo com o grau da lesão sofrida e dentro do valor estipulado na tabela constante em lei” (e-STJ, fl. 279). 

No primeiro grau de jurisdição, o pedido foi julgado parcialmente procedente, para condenar a seguradora recorrida ao pagamento da diferença de indenização no valor de R$ 506,25 (quinhentos e seis reais e vinte e cinco centavos), ao fundamento de que “o laudo pericial elaborado pelo IML constatou a impotência funcional do membro inferior direito do autor na proporção de 50%” e de que “conforme a tabela de indenizações do seguro DPVAT, a anquilose total de um dos tornozelos admite indenização equivalente a 20% da importância assegurada (R$ 13.500,00), o que corresponde ao valor máximo de R$ 2.700,00” (e-STJ, fls. 289-290, sem destaque no original). 

Ambas as partes apelaram, tendo sido a apelação da seguradora parcialmente provida, para modificar os critérios de correção monetária da diferença indenizatória, e o apelo do recorrente provido, para “condenar a seguradora ao pagamento de R$3.881,25 (três mil, oitocentos e oitenta e um reais e vinte e cinco centavos) à título de complementação indenizatória do seguro obrigatório DPVAT” (e-STJ, fl. 403). 

Em sua apelação, o recorrente alegava que foi submetido “a perícia médica oficial do Estado pelo Instituto Médico Legal – IML, de Maringá-PR, onde constatou que o acidente automobilístico em questão acarretou a perda de 50% (cinquenta por cento) do membro inferior direito” (e-STJ, fl, 344). Aduziu que o laudo do IML deveria prevalecer para a apuração do percentual de invalidez que lhe havia acometido (e-STJ, fl. 345). 

O Tribunal de origem considerou que “a perícia confeccionada pelo IML (fls. 266/267) atestou que o autor apresenta 'déficit funcional moderado em 50% do membro inferior direito, conforme art. 3° da Lei 11.945/2009'”, concluindo que, “assim, deveria ser pago R$4.725,00 (quatro mil, setecentos e vinte e cinco reais), vez que a indenização deve ser 70% (setenta por cento) de R$13.500,00 (que é o previsto na tabela anexa à Lei 6.194/74 para a perda anatômica e/ou funcional completa de um dos membros inferiores), multiplicado por 50% (cinquenta por cento), tendo em vista a natureza moderada da lesão” (e-STJ, fl. 401, sem destaque no original). 

No entanto, em vista da oposição de embargos de declaração pela seguradora recorrida, foram atribuídos efeitos modificativos ao referido recurso, restringindo o valor da complementação da indenização ao montante expresso na petição inicial, de R$ 2.859,53 (dois mil, oitocentos e cinquenta e nove reais e cinquenta e três centavos), por se ter reconhecido ofensa ao princípio da congruência e julgamento para além do pedido (ultra petita), desbordando do ao pedido inicial. 

As conclusões do acórdão recorrido, de que teria ficado configurado o julgamento para além do pedido (ultra petita), não encontram respaldo na lei e tampouco na jurisprudência desta Corte. 

Como se observa, na hipótese dos autos, supervenientemente ao ajuizamento da ação, foi elaborado laudo pericial pelo IML (e-STJ, fls. 266-267) que constatou que a lesão sofrida pelo recorrente foi mais grave do que se imaginou a princípio a própria vítima no momento de elaboração de sua petição inicial. 

Esse fator, essencial para a justa composição da lide, com a fixação do valor da complementação da indenização segundo os parâmetros expressamente definidos no art. 3º da Lei 6.194/74, é portanto, fato constitutivo do direito do autor posterior ao ajuizamento da ação que deve ser levado em consideração pelo juiz ao proferir a sentença. 

A manutenção do entendimento adotado pelo Tribunal de origem implicaria em ofensa aos princípios da segurança jurídica e da celeridade processual, haja vista que imporia à vítima a necessidade de ingressar com novo pedido de complementação da indenização, a fim de que seu valor alcançasse o montante efetivamente devido pela seguradora, segundo a gravidade da lesão por si sofrida, nos termos da gradação legal. 

Nessa linha, por aplicação da norma constante no art. 493 do CPC/15, a sentença que concede ao recorrente a indenização conforme esse fato posterior não pode ser considerada para além do pedido (ultra petita), razão pela qual não havia motivos para a limitação da complementação da indenização aos valores numéricos referidos à inicial. 

4. CONCLUSÃO 

Forte nessas razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para, reformando o acórdão recorrido, restabelecer a condenação fixada pelo acórdão que apreciou deu provimento à apelação do recorrente, inclusive quanto aos ônus da sucumbência.