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5 de maio de 2021

Filigrana doutrinária: Fundos de Investimento - Eduardo Montenegro Dotta

"(...) Em que pese a conceituação regulatória referir-se aos fundos de investimento enquanto condomínios, adentrando, desta forma, em sua natureza jurídica, parcela da doutrina tem compreendido que a natureza jurídica do instituto não se amolda integralmente à estrutura condominial prevista pela legislação civil (cf. artigos 1.314 e seguintes do Código Civil). Os fundos de investimento, seguindo a orientação regulatória da Comissão de Valores Mobiliários, possuem patrimônio que, em atenção à política de segregação de recursos a que se submetem, não se mistura com o patrimônio de seu administrador, possuem também órgão interno de decisão com poderes deliberativos limitados – que corresponde à assembleia de cotistas – além de escrituração contábil própria, formulada por auditor independente, com balanço destacado da instituição administradora, elementos estes que não se observam na figura do condomínio tradicional descrito pelo Código Civil. A estrutura jurídica dos fundos, considerados os itens que acabamos de listar, aproximam-no muito mais de uma fórmula societária do que de um condomínio, dado que, embora destituídos de personalidade jurídica, aos fundos de investimento são imputados direitos e deveres. Trata-se de entidade detentora de representatividade em suas relações internas e externas, a ponto da Comissão de Valores Mobiliários lhe garantir o direito, mediante deliberação tomada por quórum qualificado de cotistas, de realizar operações societárias de fusão, cisão ou incorporação. Além disso, as prerrogativas inseridas no artigo 1.314 do Código Civil não podem ser exercitadas pelo cotista de um fundo de investimento, uma vez que este não desfruta – de forma plena – de direitos em face dos ativos subjacentes ao fundo constituído, tal qual o condômino possui em relação à copropriedade condominial, mas somente direitos ligados à fração representativa da sua participação proporcional no fundo. A tese de Ricardo de Santos Freitas é precisa neste ponto: 'O artigo 1314 do Código Civil estabelece que 'cada condômino pode usar da coisa conforme a sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a divisão, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la. Assim, não obstante a pluralidade de titulares, o condomínio, enquanto instituto típico regulado pelo Código Civil representa direito real de domínio que confere a cada co-titular o direito de uso, gozo e disposição sobre a sua parte ideal. As estruturas de fundo reguladas pela CVM, no entanto, não permitem que os investidores exerçam plenamente os direitos mencionados no artigo 1314 do Código Civil. Com efeito, a regulamentação dos FI´s, por exemplo, estabelece que, no caso de fundo aberto, suas cotas são intransferíveis. Como se vê, as normas específicas aplicáveis no Direito Brasileiro aos diferentes tipos de fundos não permitem a livre disposição pelo titular de sua parte ideal, divergindo, portanto, do tratamento dado ao condomínio geral no Código Civil. Ao estudar a natureza jurídica dos fundos de investimento imobiliário – uma das modalidades de fundos admitidos pela Comissão de Valores Mobiliários – Arnoldo Wald compreendeu que: 'Quer se cogite de um condomínio especialíssimo ou sui generis de uma sociedade sem personalidade jurídica, na terminologia do Código de Processo Civil, ou de uma forma de trust já adaptado e consagrado pelo Direito brasileiro, a designação e a semântica são secundários, pois o importante é a capacidade substantiva e adjetiva do Fundo para adquirir e transmitir direitos, atuar em Juízo e praticar todos os atos da vida comercial, embora só possa exercer sua atividade por intermédio de seu gestor. Não se trata de contrato de comissão, pois os bens não são adquiridos em nome do gestor e por conta dos condôminos, mas em nome do Fundo e para o mesmo'. Para o respeitado jurista, o fundo de investimento 'é uma fórmula fiduciária pela qual os investimentos podem ser realizados em nome do fiduciário e no interesse do fiduciante, assemelhando-se ao trust, sob forma que também tem sido aceita e consagrada no Direito Comparado, não só nos países que admitem o trust como os Estados Unidos, mas também nas legislações de tradição romana, como acontece em Portugal e na França, segundo pudemos verificar nas transcrições de texto legislativo que fizemos. Não há, assim, qualquer dúvida quanto à possibilidade do Fundo Imobiliário ser titular em nome próprio de direitos e obrigações'. Na nossa compreensão os fundos de investimento adotam uma disciplina jurídica que não se confunde com o instituto civil do condomínio, melhor se caracterizando, tal qual ponderado pelo Professor Arnoldo Wald como uma estrutura jurídica por intermédio da qual os investidores admitem um administrador – investido na capacidade de representação e administração dos negócios do fundo – e que, por intermédio de sua gestão, realiza operações nos mercados financeiro, de capitais, e de futuros, obrigando-se, de acordo com as especificações constantes do regulamento do fundo e das normas regentes da sua atividade, a envidar os melhores esforços para obter a maior rentabilidade possível ao capital investido, dentro do perfil de exposição – indicado na política de investimentos – aos possíveis elementos de risco." 

DOTTA, Eduardo Montenegro. Responsabilidade civil dos administradores e gestores de fundos de investimento, São Paulo: Almedina, 2018, págs. 90-94