RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 65.747 - SP (2021/0039862-0)
RELATORA : MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES
2ª TURMA; UNÂNIME
ADMINISTRATIVO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO DE
PREFERÊNCIA, POR IDOSO, NO RECEBIMENTO DE PRECATÓRIO DE NATUREZA
COMUM. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO ART. 100, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. CONFIGURAÇÃO DE REQUISITOS PARA A OBTENÇÃO
DA PRIORIDADE PARA PAGAMENTO. DÍVIDA ALIMENTAR E TITULARES IDOSOS OU
PORTADORES DE DOENÇA GRAVE. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO EM
MANDADO DE SEGURANÇA IMPROVIDO.
I. Recurso em Mandado de Segurança interposto contra acórdão publicado na vigência do
CPC/2015.
II. No acórdão recorrido, o Tribunal de origem denegou Mandado de Segurança impetrado,
pela recorrente, contra ato do Desembargador Coordenador da Diretoria de Execuções de
Precatórios e Cálculos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que manteve anterior
decisão, não reconhecendo o direito à preferência de pagamento do crédito da impetrante,
como idosa, por ser o crédito de natureza comum, e não alimentar.
III. Conforme art. 100, § 2º, da Constituição Federal, "os débitos de natureza alimentícia cujos
titulares, originários ou por sucessão hereditária, tenham 60 (sessenta) anos de idade, ou
sejam portadores de doença grave, ou pessoas com deficiência, assim definidos na forma da
lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos".
IV. Na forma da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "para a obtenção da
preferência no pagamento de precatório, faz-se necessária a conjugação dos requisitos
constantes do art. 100, § 2º, da Constituição Federal, ou seja, dívida de natureza alimentar e
titular idoso ou portador de doença grave" (STJ, AgInt no RMS 59.676/RO, Rel. Ministro
BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 11/09/2019). Em igual sentido: "A
ampliação permitida pelo acórdão recorrido, com a exclusão do requisito de que o crédito
tenha natureza alimentar, bastando a condição de que o titular seja idoso ou portador de
doença grave, não encontra fundamento no ordenamento jurídico pátrio. O art. 12 da
Resolução 115/CNJ apenas disciplina o conceito de idoso, sem qualquer alusão à preferência
delimitada no dispositivo constitucional" (STJ, RMS 51.943/RO, Rel. Ministro FRANCISCO
FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 27/04/2017). Com a mesma orientação: RMS
54.069/RO, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 21/11/2019.
V. O art. 71 da Lei 10.471/2003 – Estatuto do Idoso – assegura apenas "a prioridade na
tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em
que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta)
anos", não dispondo sobre a prioridade no pagamento de precatórios de natureza alimentar,
ou não, de que sejam titulares idosos, matéria disciplinada no art. 100, § 2º, da CF/88.
VI. O crédito do precatório da impetrante é de natureza comum, decorrente de ação de
desapropriação, pelo que, embora tenha ela idade avançada, a Constituição Federal e a Lei
10.471/2003 não lhe asseguram o pagamento prioritário de tal crédito.
VII. Recurso em Mandado de Segurança improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,
negar provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.
Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Herman Benjamin, Og Fernandes e Mauro
Campbell Marques votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Dr(a). MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES, pela parte RECORRENTE: NILZA
RAPHAELLA LAZZARI DEQUECH
Brasília (DF), 16 de março de 2021(data do julgamento).
RELATÓRIO
MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES: Trata-se de Recurso Ordinário em
Mandado de Segurança, interposto, em 15/07/2020, por NILZA RAPHAELLA LAZZARI
DEQUECH, com fundamento no art. 105, II, b, da Constituição Federal, contra acórdão do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, publicado em 30/06/2020, assim ementado:
"- MANDADO DE SEGURANÇA - Precatório - Natureza comum - Desapropriação - Pedido de prioridade no pagamento, dentro da mesma
lista ordinária, em razão da idade avançada da impetrante - Estatuto do
idoso - Indeferimento - Constituição Federal - Art. 100, §2° - Necessidade
de observância da ordem cronológica posta pelo legislador constituinte,
que não excepcionou - Precatório de 'outras espécies' - Prioridade no
pagamento inexistente - Estatuto do Idoso - Norma infraconstitucional não
pode se sobrepor ao mandamento maior - Direito líquido e certo não
violado - Ilegalidade não verificada - Ação mandamental improcedente.
Ordem denegada" (fl. 57e).
No acórdão objeto do Recurso Ordinário, o Tribunal de origem denegou
Mandado de Segurança, impetrado pela recorrente contra ato do Desembargador
Coordenador da Diretoria de Execuções de Precatórios e Cálculos do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, que manteve anterior decisão, não reconhecendo o direito à
preferência de pagamento do crédito da impetrante, por ser esse de natureza comum, e não
alimentar.
A recorrente sustenta, em síntese, que:
"22. Conforme visto no capítulo acima, o juízo de origem fundamentou a
negativa da ordem de segurança no fundamento de que,
essencialmente, a Ordem Constitucional (artigo 100, § 1°, da
Constituição Federal) e o legislador infraconstitucional não fixaram
comando de prioridade na ordem de pagamento de precatórios de
natureza comum.
23. Asseriu a Corte Estadual de São Paulo que a prioridade na
tramitação dos precatórios em proteção aos beneficiários que
possuam alguma condição de vulnerabilidade (idade avançada,
portadores de doença ou deficiência etc.) só se aplicaria para os
precatórios inseridos no rol de natureza alimentar. Uma vez que o
precatório em questão não estivesse inserido em tal lista, não
faria jus à tramitação conforme pretendida pela impetrante, ora
recorrente.
24. Contudo, com o devido acatamento, discorda-se da compreensão do juízo de origem. Conforme explicitado nas próprias razões do Mandado
de Segurança, de fato, o crédito da recorrente não carrega
natureza alimentar - e essa, inclusive, é uma das premissas
assentadas no writ para a acertada compreensão da demanda.
25. Tal fato, todavia, não afasta a proteção que o ordenamento
jurídico brasileiro contempla em favor de credores que, como a
recorrente, encontram-se em situação de marcada
vulnerabilidade, a qual pode ensejar até mesmo a impossibilidade
de que a credora veja o adimplemento do seu crédito ainda em
vida - crédito esse decorrente de expropriação compulsória de
seu patrimônio ao Estado de São Paulo, ainda no distante ano de
1981.
26. O entendimento adotado pelo TJSP desconsidera que a ordem
jurídica brasileira consagra amplo amparo às pessoas idosas, o que, no
caso vertente, se apresenta mediante a conjugação do princípio da
dignidade da pessoa humana' - porque a recorrente faz jus ao crédito e
corre o risco de não ver o pagamento deste ainda em vida, dada a sua
avançada idade -, e da proteção de cidadãos verificada a sua situação
de sensibilidade social, sob o aspecto da promoção do bem social sem
preconceito ou discriminação à idade da pessoa, como um objetivo
fundamental à República Federativa do Brasil .
27. O pleito da ora recorrente é sustentado também por outro princípio
caro à sistemática processual brasileira: a razoável duração do processo.
Prevista no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, a razoável
doação do processo, alçada ao patamar de Direito Fundamental
mediante a Emenda Constitucional n.º 45/2004, deve ser obtida com os
meios que garantam a sua celeridade na tramitação.
28. É exatamente o que se postula por meio do Mandado de Segurança — que, conjugada a razoável duração do processo, a dignidade da
impetrante idosa e a proteção de seus direitos previstos pela lei
10.741/03, seja concedida a tramitação prioritária a que faz jus.
(...)
31. Visto isso, não pode subsistir o acórdão recorrido ao afirmar
que, no presente caso, inexiste amparo ao direito de prioridade
da recorrente, pessoa idosa. Em que pese a Constituição Federal
estabeleça inicialmente a prioridade em relação aos créditos
alimentares de pessoas vulneráveis (artigo 100, § 2º, CF/88), essa
disposição não afasta a guarida que a legislação
infraconstitucional, recebida pela Constituição Federal, concede
às pessoas idosas.
32. Ora, o Estatuto do Idoso, Lei 10.471/03, ao contrário do que
entendeu o juízo a quo, contempla expressa viabilidade ao pedido
líquido e certo vindicado pela ora recorrente na via do mandado de Segurança. Em seu artigo n° 71, caput e § 1°, a referida norma
prevê, de maneira expressa, a concessão de prioridade de
tramitação de feitos em que sejam partes ou intervenientes
pessoas com idade igual ou superior a 60 anos.
(...)
34. Veja-se que não é objeto da questão a natureza do crédito da
recorrente, tampouco o artigo 100, § 2º, da CF/88, fixa a prioridade de
tramitação para precatórios de natureza alimentar. O pedido aviado em
Mandado de Segurança segue outro prisma, consubstanciado no fato de
que, embora não possua caráter alimentar, o artigo 71, caput e §
1º, do Estatuto do Idoso, lhe emprega expressamente a prioridade
na tramitação do processo de pagamento do precatório em seu
favor.
35. É oportuno, nesse ponto, realizar a mesma distinção efetuada nas
razões do writ. É que nesta pretensão mandamental e recursal NÃO se
pugna pela inserção dos precatórios da recorrente na lista de
preferência prevista no artigo 100, § 2, da CF/88, atinente a precatórios
de natureza alimentar.
36. O pleito da impetrante, ora recorrente, ao contrário do
entendido pelo impetrado, restringe-se à concessão de
tramitação prioritária dentro dos processos ordenados em lista
COMUM de precatórios. Não é disciplinada, de fato, pelo
dispositivo constitucional acima, simplesmente porque não diz
respeito a verbas alimentares.
(...)
39. O que se objetiva com o Mandado de Segurança e, por
consequência, com o presente Recurso Ordinário Constitucional é
buscar que o compromisso de crédito do Estado, proveniente da
desapropriação compulsória que houvera promovido em desfavor da
recorrente, e a prestação jurisdicional sejam tempestivos, efetivos e
adequados ao direito do qual goza a recorrente" (fls. 74/78e).
Ao final, requer o "provimento deste Recurso Ordinário Constitucional em
Mandado de Segurança, a fim de que seja desconstituído o acórdão recorrido, e, enfim,
integralmente acolhido o pleito apresentado no Mandado de Segurança objeto do presente
recurso, para que seja concedida prioridade na tramitação da ordem de pagamento constante
no Processo de nº DEPRE 7006739-20.2003.8.26.0500, em favor da impetrante, ora
recorrente" (fls. 78/79e).
O ESTADO DE SÃO PAULO apresentou contrarrazões ao Recurso Ordinário
(fls. 97/102e).
O Ministério Público Federal, pela Subprocuradora-Geral da República SANDRA
CUREAU, opina pelo provimento do recurso, em parecer assim ementado:
"RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PREFERÊNCIA NO
PAGAMENTO DE PRECATÓRIO A IDOSOS E PORTADORES DE
DOENÇAS GRAVES. I – CREDORES IDOSOS. ARTIGO 71, CAPUT E §
1º DO ESTATUTO DO IDOSO (LEI N . 10.741, DE 1º DE OUTUBRO
2003). II – ART. 97 DO ADCT. PREFERÊNCIA DOS TITULARES
ORIGINAIS DE PRECATÓRIOS QUE TENHAM COMPLETADO 60
(SESSENTA) ANOS DE IDADE. III – RESOLUÇÃO Nº 115 DO CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA. IV – PARECER PELO PROVIMENTO DO
RECURSO" (fl. 120e).
É o relatório.
VOTO
MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES (Relatora): A insurgência não merece
prosperar.
Na origem, a ora recorrente impetrou Mandado de Segurança contra ato do
Desembargador Diretor de Execuções de Precatórios e Cálculos - DEPRE, do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, que manteve anterior decisão, não reconhecendo o direito à
preferência de pagamento do crédito da impetrante, como idosa, por ser o crédito de
natureza comum, e não alimentar.
No acórdão recorrido, publicado em 24/06/2020, o Tribunal de origem denegou
a segurança, com base nos seguintes fundamentos:
"Em vista de sua idade já avançada, com supedâneo no artigo 71,
'caput', e §1°, da Lei n° 10.471/2003 (Estatuto do Idoso), requereu a
concessão de tramitação prioritária de seu precatório na lista
ordinária de pagamento, tendo em vista sua natureza comum. Mencionado pedido foi indeferido pelo Juízo da Diretoria de
Execuções de Precatórios e Cálculos, sob o fundamento de que
'(..) conforme disposto no art. 100, §2° da Constituição Federal e
artigo 102, §2° do ADCT, os créditos de Natureza Comum (Outras
Espécies), como é o presente caso, não estão abrangidos na
preferência de pagamento' (fls. 30).
Irresignada, a impetrante formulou novo pedido a respeito, que restou
igualmente indeferido pelo Exmo. Senhor Desembargador Coordenador
da Diretoria de Execuções de Precatórios e Cálculos, apontado como
autoridade coatora na presente ação mandamental (fls. 32).
Nas informações prestadas, noticia-se que ainda não houve o
pagamento, e que o precatório da impetrante está atualmente na posição
n° 1086 da lista de precatórios pendentes de pagamento da Fazenda do
Estado de São Paulo (fls. 44).
A Constituição Federal estabelece no artigo 100 a ordem cronológica de
apresentação para pagamento dos precatórios, e define no §1° a ordem
de preferência de pagamento para aqueles créditos que têm
natureza alimentar, e, dentre esses, prioriza aqueles que são
titularizados por maiores de 60 (sessenta) anos, ou portadores de
doença grave ou deficiência, em relação aos demais (§2°).
(...)
No caso em exame, a impetrante muito embora seja idosa para os
fins legais, não titulariza crédito de natureza alimentar para fazer
jus à prioridade constitucional pela idade, pois seu crédito
ostenta natureza comum (desapropriação) e em relação a esses o constituinte não excepcionou. A lei não pode diferenciar, priorizando-a, onde a norma constitucional
não o fez e por opção do próprio legislador constituinte ao
estabelecer que preferência terão apenas os créditos com
natureza alimentar e, dentre esses, aqueles titularizados por
idosos, doentes graves ou deficientes, que terão a possibilidade
de ter prioridade no pagamento. Evidente a relevância do pedido impetrado, no entanto, não se deve criar
distinções, inclusive pela existência de outros credores em situação
semelhantes, o que consistiria em inadmissível preterição de outros
idosos e/ou enfermos em situação de igualdade a da impetrante.
Como bem observado pelo i. Procurador de Justiça em seu judicioso
parecer, a fls. 51, últimos parágrafos, a quem se pede licença para
reproduzir parte:
'...
Dentro deste panorama constitucional, embora se trate de
pessoa idosa, o crédito da impetrante não tem qualquer
prioridade no pagamento, pois não se trata de débito de
natureza alimentar, porque decorrente de desapropriação. De outro lado, não se pode confundir tramitação processual
com créditos preferenciais prioritários que tem natureza
material e com requisitos definidos na Constituição Federal. Como lembra ARNOLDO WALD:
'O mandado de segurança só tem fundamento quando a
violação de direito individual é de tal ordem, clara e evidente,
que exclui a necessidade de recorrer-se a interpretações
mais ou menos controvertidas para reconhecer-lhe
procedência; esta deve defluir imediata e pronta do simples
cotejo entre o fato e o mandamento destinado a regê-lo.'
Com efeito, esta pretensão mandamental, de meritis, merece
improcedência, com a denegação da ordem de segurança, uma vez
que inexiste direito líquido e certo a ser protegido.'
Nestes termos, inexistindo violação ao direito líquido e certo
alegado pela impetrante, bem como qualquer ilegalidade na
decisão ora atacada, de rigor a improcedência da ação,
denegando-se a ordem postulada" (fls. 58/61e).
Nesse contexto, o acórdão recorrido merece ser mantido, por seus próprios
fundamentos. Com efeito, o art. 100, § 2º, da Constituição Federal, assim prevê:
"Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal,
Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária,
far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos
precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de
casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos
adicionais abertos para este fim.
(...)
§ 2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares, originários
ou por sucessão hereditária, tenham 60 (sessenta) anos de idade, ou sejam portadores de doença grave, ou pessoas com deficiência,
assim definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre
todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo fixado em lei
para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento
para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem
cronológica de apresentação do precatório".
Assim, tal como destacado pelo acórdão recorrido, na forma da Constituição
Federal, para a obtenção de preferência no pagamento de precatório é necessário que o
titular seja idoso ou portador de doença grave e que o débito seja de natureza alimentar, não
sendo possível dar interpretação extensiva ao comando constitucional. Nesse sentido:
"RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.
INTERPRETAÇÃO DO § 2º DO ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. DIREITO DE PREFERÊNCIA NO RECEBIMENTO DE
PRECATÓRIO DE NATUREZA COMUM POR IDOSO OU POR
PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO
TEXTO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO"
(STJ, RMS 54.069/RO, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA
TURMA, DJe de 21/11/2019).
"AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE
SEGURANÇA. INTERPRETAÇÃO DO § 2º DO ARTIGO 100 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DIREITO DE PREFERÊNCIA NO
RECEBIMENTO DE PRECATÓRIO DE NATUREZA COMUM POR
IDOSO OU POR PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. INTERPRETAÇÃO
EXTENSIVA DO TEXTO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. Para a obtenção da preferência no pagamento de precatório,
faz-se necessária a conjugação dos requisitos constantes do art.
100, § 2º, da Constituição Federal, ou seja, dívida de natureza
alimentar e titular idoso ou portador de doença grave. Portanto, a
interpretação extensiva levada a efeito pela Corte de origem não
encontra amparo no texto constitucional. 2. Agravo interno não provido" (STJ, AgInt no RMS 59.676/RO, Rel.
Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de
11/09/2019).
"PAGAMENTO DE PRECATÓRIO. PREFERÊNCIA DO ART. 100, § 2º,
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONJUGAÇÃO DE REQUISITOS PARA
A OBTENÇÃO. DIVIDA ALIMENTAR E TITULARES IDOSOS OU
PORTADORES DE DOENÇA GRAVE. AMPLIAÇÃO DA PREFERÊNCIA
COM A EXCLUSÃO DO REQUISITO DA DÍVIDA ALIMENTAR.
IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO.
I - Para a obtenção da preferência no pagamento de precatório,
faz-se necessária a conjugação dos requisitos constantes do art.
100, §2º, da Constituição Federal, ou seja, dívida de natureza
alimentar e titular idoso ou portador de doença grave, assim
definidos na forma da lei.
II - A ampliação permitida pelo acórdão recorrido, com a exclusão do
requisito de que o crédito tenha natureza alimentar, bastando a condição
de que o titular seja idoso ou portador de doença grave, não encontra
fundamento no ordenamento jurídico pátrio. O art. 12 da Resolução
115/CNJ apenas disciplina o conceito de idoso, sem qualquer
alusão à preferência delimitada no dispositivo constitucional
acima referido.
III - Recurso ordinário provido" (STJ, RMS 51.943/RO, Rel. Ministro
FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 27/04/2017).
O art. 71 da Lei 10.471/2003 – Estatuto do Idoso – assegura apenas "a
prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e
diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou
superior a 60 (sessenta) anos", não dispondo sobre a prioridade no pagamento de
precatórios de natureza alimentar, ou não, de que sejam titulares idosos, matéria disciplinada
no art. 100, § 2º, da CF/88.
O crédito do precatório da impetrante é de natureza comum, decorrente de
ação de desapropriação, pelo que, embora tenha ela idade avançada, a Constituição Federal
e a Lei 10.471/2003 não lhe asseguram o pagamento prioritário de tal crédito.
Por fim, em atenção às considerações expostas no parecer do Ministério
Público Federal, cumpre destacar que o STJ, ao apreciar o RMS 51.943/MG – no qual "o
Tribunal, a quo, interpretando a Resolução n. 115/2010 do Conselho Nacional de Justiça, em
conjunto com os princípios da dignidade da pessoa humana, igualdade e do direito à saúde,
entendeu que a preferência no pagamento de precatório deve atingir os credores idosos ou
portadores de moléstias graves, para qualquer tipo de precatório e não apenas os de
natureza alimentar" –, deu provimento ao recurso do Estado de Rondônia, também com
fundamento no parecer ministerial, concluindo que "a ampliação permitida pelo acórdão recorrido, com a exclusão do requisito de que o crédito tenha natureza alimentar, bastando a
condição de que o titular seja idoso ou portador de doença grave, não encontra fundamento
no ordenamento jurídico pátrio. O art. 12 da Resolução n. 115/CNJ apenas disciplina o
conceito de idoso, sem qualquer alusão à preferência delimitada no dispositivo
constitucional" (STJ, RMS 51.943/RO, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA
TURMA, DJe de 27/04/2017, anteriormente invocado).
Ademais, a aludida Resolução CNJ 115/2010 foi revogada pela Resolução CNJ
303, de 18/12/2019, que assim passou a regulamentar a matéria:
"Art. 2º. Para os fins desta Resolução:
(...)
II – crédito preferencial é o crédito de natureza alimentar, previsto no art.
100, § 1º, da Constituição Federal;
III – crédito superpreferencial é a parcela que integra o crédito de
natureza alimentar, passível de fracionamento e adiantamento
nos termos do art. 100, § 2º, da Constituição Federal, e art. 102, §
2º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT;
(...)
Seção II
Da Parcela Superpreferencial
Art. 9º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou
por sucessão hereditária, sejam idosos, portadores de doença grave ou
pessoas com deficiência, assim definidos na forma da lei, serão pagos
com preferência sobre todos os demais, até a monta equivalente ao triplo
fixado em lei como obrigação de pequeno valor, admitido o fracionamento
do valor da execução para essa finalidade.
(...)
Art. 11. Para os fins do disposto nesta Seção, considera-se:
I – idoso, o exequente ou beneficiário que conte com sessenta anos de
idade ou mais, antes ou após a expedição do ofício precatório;
(...)
Seção III
Da Organização e Observância da Lista de Ordem Cronológica
Art. 12. O precatório, de acordo com o momento de sua
apresentação, tomará lugar na ordem cronológica de pagamentos,
instituída, por exercício, pela entidade devedora.
§ 1º Para efeito do disposto no caput do art. 100 da Constituição
Federal, considera-se como momento de apresentação do precatório o
do recebimento do ofício perante o tribunal ao qual se vincula o juízo da
execução.
§ 2º O tribunal deverá divulgar em seu portal eletrônico a lista de ordem
formada estritamente pelo critério cronológico, nela identificada:
I – a natureza dos créditos, inclusive com registro da condição de superpreferência;
II – o número e o valor do precatório; e
III – a posição do precatório na ordem.
§ 3º Na lista de que trata o § 2º deste artigo, é vedada a divulgação de
dados da identificação do beneficiário.
§ 4º A lista registrará os pagamentos realizados, sendo que:
I – o pagamento do crédito de natureza alimentar precederá o de
natureza comum; e
II – o pagamento da parcela superpreferencial precederá o do
remanescente do crédito alimentar, e este o do crédito comum.
§ 5º Quando entre dois precatórios de idêntica natureza não for
possível estabelecer a precedência cronológica por data, hora,
minuto e segundo da apresentação, o precatório de menor valor
precederá o de maior valor.
§ 6º Coincidindo todos os aspectos citados no § 5º deste artigo,
preferirá o precatório cujo credor tiver maior idade.
Art. 13. A decisão que retificar a natureza do crédito será cumprida sem
cancelamento do precatório, mantendo-se inalterada a data da
apresentação.
Art. 14. Haverá uma lista de ordem cronológica para cada entidade
devedora, assim consideradas as entidades da administração direta e
indireta do ente federado".
Nesse contexto, não há norma que ampare a pretensão da parte recorrente,
credora de precatório de natureza comum. Como visto, nos termos do art. 100 da
Constituição Federal, "os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais,
Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na
ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos".
Além disso, nos termos do 12, §§ 5º e 6º, da Resolução CNJ 303, de
18/12/2019, o credor de maior idade somente terá preferência quando, entre dois
precatórios de idêntica natureza não foi possível estabelecer a precedência cronológica
por data, hora, minuto e segundo da apresentação e ambos tiverem o mesmo valor.
Ante o exposto, nego provimento ao Recurso Ordinário em Mandado de
Segurança.
É como voto.