TÍTULOS DE CRÉDITO (CÉDULAS DE CRÉDITO): Na execução de cédula de produto rural em formato cartular é necessária a juntada do original
do título de crédito, salvo se comprovado que o título não circulou
A juntada da via original do título executivo extrajudicial é, em regra, requisito essencial à
formação válida do processo de execução. Isso por dois motivos:
• para se ter certeza da autenticidade da cártula apresentada; e
• para se afastar a possibilidade de o título ter circulado e, com isso, o devedor ser obrigado a
pagar duas vezes (para quem está cobrando agora e para uma nova pessoa no futuro que
apresente o original do título).
Se ficar comprovado que:
- o título não circulou ou que, por sua natureza, não é hábil a circular; e
- que não há dúvidas quanto à existência do título e do débito...
... nestes casos, ação de execução pode, excepcionalmente, ser instruída por cópia reprográfica
do título executivo extrajudicial, sendo dispensada a apresentação do documento original.
Por ser a cédula de produto rural título dotado de natureza cambial, tendo como um dos seus
atributos a circularidade, mediante endosso (art. 10, I, da Lei nº 8.929/94), em regra, é
necessária a apresentação do documento original para a execução da CPR.
Não será necessária a apresentação do original da CPR em dois casos:
a) se a emissão da CPR foi feita de forma escritural (eletrônica); ou
b) se ficar comprovado que o título não circulou.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.915.736-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/06/2021 (Info 702).
Títulos de crédito
O título de crédito é um documento por meio do qual se prova que existe uma obrigação entre o(s)
credor(es) e o(s) devedor(es), nos termos do que ali está escrito.
O conceito tradicional de título de crédito foi dado há décadas por um jurista italiano chamado Cesare
Vivante: “título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele
contido ou mencionado”.
Essa definição foi adotada pelo CC-2002:
Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele
contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.
Os títulos de crédito são muito importantes para a economia porque eles facilitam a obtenção e a
circulação do crédito, além de conferirem maior segurança para os credores. Ex: se a pessoa quer comprar
uma mercadoria, mas não tem dinheiro no momento, ela poderá assinar uma nota promissória e entregála ao vendedor, comprometendo-se a pagar a quantia em 30 dias. Houve a concessão de um crédito de
forma simplificada e o credor terá em mãos uma garantia de pagamento. Com isso, mais negócios podem
ser realizados.
Títulos rurais
Existem alguns títulos de crédito que são gerais e mais conhecidos, como é o caso da letra de câmbio,
duplicata, cheque etc.
No entanto, a experiência mostrou que seria interessante que fossem criados alguns títulos de crédito
com características específicas, para facilitar as negociações envolvendo determinados setores da
economia.
Em suma, verificou-se a necessidade de criar títulos de crédito específicos para algumas transações
empresariais.
No caso da atividade rural, por exemplo, foram idealizados quatro títulos de crédito específicos, chamados
de “títulos rurais”. São eles:
a) Cédula de crédito rural;
b) Cédulas de produto rural;
c) Nota promissória rural;
d) Duplicata rural.
Cédulas de Produto Rural (CPR)
As cédulas de produto rural foram criadas pela Lei nº 8.929/94 com o objetivo de estimular o
financiamento privado da atividade rural. Existem duas espécies de CPR:
• CPR física (art. 1º da Lei);
• CPR financeira (art. 4º-A da Lei).
CPR física
A cédula de produto rural física (CPR física) é um título de crédito por meio do qual o produtor rural ou a associação de produtores rurais (inclusive cooperativas) se compromete, em um documento, a entregar produtos rurais em um momento futuro, recebendo, desde já, o pagamento por essa venda. No dia do vencimento, o produtor rural entregará ao credor os produtos rurais prometidos.
Em outras palavras, a CPR física representa a documentalização de um contrato de compra e venda de produtos rurais, por meio do qual o vendedor recebe o pagamento antecipadamente, comprometendo-se a entregar os produtos rurais em uma determinada data.
Caso o emitente seja inadimplente, o credor poderá ajuizar ação de execução para a entrega de coisa.
É parecida com uma duplicata mercantil.
Art. 1º Fica instituída a Cédula de Produto Rural (CPR), representativa de promessa de entrega de produtos rurais, com ou sem garantias cedularmente constituídas.
CPR financeira
Na CPR financeira, o produtor rural ou a
associação de produtores emite a CPR, recebendo
o dinheiro correspondente a “X” produtos rurais
(ex: 100kg de café, tipo tal) e comprometendo-se
a fazer a liquidação financeira da CPR (pagar a
quantia emprestada) em determinada data e
segundo os juros ali estipulados.
Em vez de entregar o produto rural, o produtor irá
pagar ao credor o valor do que tomou
emprestado.
Em outras palavras, a CPR financeira representa a
documentalização de um contrato de
financiamento, por meio do qual o produtor rural
(ou associação) recebe um valor em dinheiro,
comprometendo-se a pagar em uma
determinada data futura.
Caso o emitente seja inadimplente, o credor
poderá ajuizar ação de execução por quantia
certa.
É parecida com uma nota promissória.
Art. 4º-A. Fica permitida a liquidação financeira
da CPR de que trata esta Lei, desde que
observadas as seguintes condições:
I - que sejam explicitados, em seu corpo, os
referenciais necessários à clara identificação do
preço ou do índice de preços, da taxa de juros,
fixa ou flutuante, da atualização monetária ou da
variação cambial a serem utilizados no resgate do título, bem como a instituição responsável por
sua apuração ou divulgação, a praça ou o
mercado de formação do preço e o nome do
índice;
II - que os indicadores de preço de que trata o
inciso anterior sejam apurados por instituições
idôneas e de credibilidade junto às partes
contratantes, tenham divulgação periódica,
preferencialmente diária, e ampla divulgação ou
facilidade de acesso, de forma a estarem
facilmente disponíveis para as partes
contratantes;
III - que seja caracterizada por seu nome, seguido
da expressão "financeira".
Feitas estas considerações, imagine a seguinte situação hipotética:
João, um avicultor, emitiu uma cédula de produto rural financeira (CPR-F), mediante a qual se obrigou a
pagar a quantia de R$ 100 mil (equivalente a 10 toneladas de frango) ao Banco do Brasil, que lhe
emprestou o dinheiro.
João tornou-se inadimplente e o Banco ajuizou execução de título extrajudicial.
O devedor apresentou embargos à execução argumentando que:
- o Banco juntou aos autos da execução apenas a cópia do título executivo extrajudicial (e não a
reprodução digitalizada de seu original), de forma que não há título executivo hábil a embasar a ação;
- aplicam-se às cédulas de produto rural, no que forem cabíveis, as normas de direito cambial. Assim, por
possuírem a característica de serem transmissíveis via endosso, exige-se a apresentação do original do
título para o ajuizamento da ação de execução.
O que o STJ entende a respeito do tema?
Vejamos.
Necessidade, em regra, de apresentação do original do título de crédito (cédula de produto rural financeira)
Nos termos do art. 798, I, do CPC/2015, ao propor a execução, incumbe ao exequente instruir a petição
inicial com o título executivo extrajudicial:
Art. 798. Ao propor a execução, incumbe ao exequente:
I - instruir a petição inicial com:
a) o título executivo extrajudicial;
(...)
A juntada da via original do título executivo extrajudicial é, em regra, requisito essencial à formação válida
do processo de execução. Isso por dois motivos:
• para se ter certeza da autenticidade da cártula apresentada; e
• para se afastar a possibilidade de o título ter circulado e, com isso, o devedor ser obrigado a pagar duas
vezes (para quem está cobrando agora e para uma nova pessoa no futuro que apresente o original do título).
Conforme explica a Min. Nancy Andrighi:
“A exigência de apresentação do original do título cambial em processo de execução justifica-se,
via de regra, pela possibilidade de sua circulação. Isso significa dizer que a apresentação do
documento em sua forma original, em verdade, visa a assegurar a impossibilidade de uma nova
execução baseada no mesmo título de crédito.” (REsp 1.915.736-MG)
Situações nas quais não se exige o documento original
Agora que sabemos os motivos pelos quais se exige, como regra, a juntada do título original, podemos
concluir que, se ficar comprovado que:
- o título não circulou ou que, por sua natureza, não é hábil a circular; e
- que não há dúvidas quanto à existência do título e do débito...
... nestes casos, a ação de execução pode, excepcionalmente, ser instruída por cópia reprográfica do título
executivo extrajudicial, sendo dispensada a apresentação do documento original.
Eu já li que os documentos juntados ao processo eletrônico são considerados originais para todos os
efeitos legais... essa regra existe mesmo?
SIM. Confira o que diz o art. 11 da Lei nº 11.419/2006 (Lei do Processo Eletrônico):
Art. 11. Os documentos produzidos eletronicamente e juntados aos processos eletrônicos com
garantia da origem e de seu signatário, na forma estabelecida nesta Lei, serão considerados
originais para todos os efeitos legais.
Ocorre que o STJ afirma que essa regra deve ser mitigada quando se trata de título executivo extrajudicial,
tendo em vista a possibilidade de determinação de depósito do documento original em cartório ou
secretaria, conforme preconiza o art. 425, § 2º, do CPC/2015:
Art. 425. (...)
§ 2º Tratando-se de cópia digital de título executivo extrajudicial ou de documento relevante à
instrução do processo, o juiz poderá determinar seu depósito em cartório ou secretaria.
Para a execução de uma cédula de produto rural, é necessária a apresentação do documento original?
Em regra, sim.
A CPR é um título de crédito líquido e certo (art. 4º da Lei nº 8.929/94) e, como tal, admite o endosso.
A Lei nº 8.929/94, no seu art. 10, I, admite o endosso em preto, a que chama de completo. Isso significa
que há permissão legal expressa para que o credor de uma CPR possa endossá-la a outrem, desde que
mencione o nome do endossatário que, em verdade, passa a ser o novo credor do título:
Art. 10. Aplicam-se à CPR, no que forem cabíveis, as normas de direito cambial, com as seguintes
modificações:
I - os endossos devem ser completos;
(...)
Diante disso, por ser a cédula de produto rural título dotado de natureza cambial, tendo como um dos
seus atributos a circularidade, mediante endosso, conforme previsão do art. 10, I, da Lei nº 8.929/94, a
apresentação do documento original, em regra, é necessária para o aparelhamento da execução.
Vale ressaltar, contudo, que essa exigência da CPR só existe para a execução de cédula de produto rural
em “formato cartular”.
O que é isso? O que significa esse formato cartular?
A Lei nº 13.986/2020 alterou a Lei da cédula de produto rural (Lei nº 8.929/94) e, a partir dessa mudança,
passou a ser possível que a emissão destas cédulas se dê de forma:
a) cartular (“em papel”); ou
b) escritural (eletrônica).
Dessa forma, a obrigatoriedade de juntada do título original aos autos da execução dependerá do suporte
no qual ele estará inserido no momento de propositura da demanda executiva:
i) sendo título de crédito de suporte cartular, faz-se necessária a juntada da cártula;
ii) sendo título de crédito de suporte eletrônico, desnecessária a juntada do original, pois todos os dados
relativos ao título constarão de certidão expedida pela Entidade de registro de Títulos Eletrônicos (ERTE).
Em suma, tem-se que, a partir da vigência da mencionada lei, a apresentação da CPR original faz-se
necessária ao aparelhamento da execução somente se o título exequendo for apresentado no formato
cartular.
Em suma:
Na execução de cédula de produto rural em formato cartular é necessária a juntada do original do título
de crédito, salvo se comprovado que o título não circulou.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.915.736-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/06/2021 (Info 702).