A DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DO
CONTRADITÓRIO E SEUS REFLEXOS NO PROJETO DO NOVO CPC
Revista de Processo | vol. 232/2014 | p. 13 - 35 | Jun / 2014
DTR\2014\2179
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Darci
Guimarães Ribeiro
Doutor em
Direito pela Universitat de Barcelona. Especialista e Mestre pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Professor Titular de
Direito Processual Civil da Unisinos e PUC-RS. Professor do Programa de
Pós-Graduação em Direito da Unisinos (Mestrado e Doutorado). Membro do
Instituto Brasileiro de Direito Processual Civil. Membro do Instituto
Ibero-americano de Direito Processual Civil. Membro da International
Association of Procedural Law. Membro representante do Brasil no Projeto
Internacional de Investigação sobre o Processo Concursal financiado pelo
Ministério de Educação e Cultura - MEC - da Espanha. Advogado.
Área
do Direito: Constitucional;
Processual
Resumo:
O presente artigo trata do princípio
do contraditório no Estado Constitucional, levando-se em consideração sua
evolução para, então, revelar sua repercussão no projeto do novo CPC. Foram
analisados os institutos mais tocados pelo referido princípio, desde as normas
fundamentais do processo civil até o sistema recursal que é o último título do
último livro do projeto.
Palavras-chave:
Contraditório - Evolução - Projeto do novo CPC.
Abstract:
This article deals with the
adversarial principle in the Constitutional State, taking into account its
evolution to then reveal its impact on the new CPC project. Institutes more
touched by that principle were analyzed, from the basic rules of civil
procedure to the appellate system that is the last title of the last book of
the project.
Keywords:
Adversarial - Evolution - The new CPC project.
Sumário:
- 1.O
contraditório no Estado Constitucional - 2.A dialética processual e o
contraditório - 3.A evolução do contraditório: da fase formal à constitucional
- 4.O contraditório no projeto do novo CPC
Recebido
em: 03.12.2013
Aprovado
em: 07.05.2014
1.
O contraditório no Estado Constitucional
Este princípio
também é conhecido como princípio da bilateralidade da audiência1
ou, como preferem os alemães, o direito a ser ouvido legalmente,2
ou simplesmente igualdad,3 traduzido no brocardo latino por
audiatur et altera pars. Ele é uma garantia fundamental da justiça, erigido
em dogma constitucional na maioria dos países e se manifesta, também, como um
princípio do Estado de Direito.4 Podemos encontrá-lo, e.g., na
Costituzione della Repubblica Italiana, art. 24, 2.º;5 na
Constitución Española, art. 24, 1,6 na Grundgesetz, art.
103, 1,7 bem como no art. 6.º da Convention Européenne des Droits
de L’Homme que trata do Droit à un procès équitable.8 No
Brasil, este princípio tem guarida no inc. LV, do art. 5.º da CF.9
Esse princípio
é tão essencial que a própria Constituição Federal procura igualar a condição
de acesso ao processo às partes, dando àqueles que não disponham de recursos
para os gastos da demanda, os favores da assistência judiciária gratuita,10
inc. LXXIV do art. 5.º da CF, quer por meio defensoria pública, art. 134 da CF,
ou não. Porém, não se pode negar que desde muito tempo este princípio tem
insistentemente cedido lugar a uma nova exigência legal surgida com a
modernidade: a efetividade da prestação jurisdicional.
A
desvalorização do contraditório começa a partir do final do século XIX, segundo
o valioso estudo de Picardi, porquanto o espírito positivista impõe“o
exaurimento da função axiológica do princípio do contraditório“.11
No entanto, a
partir da metade do século XX, o princípio do contraditório voltou a ser
revalorizado, especialmente por intermédio de Carnelutti,12 Satta13
e Fazzalari,14 na medida em que ficou evidenciado, ainda mais, o
caráter dialético, dialógico do processo, em uma relação simbiótica entre
partes e juiz. Desde esta perspectiva, pois, é oportuno destacar a acertada
advertência realizada por Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, segundo a qual o
contraditório é“um poderoso fator de contenção do arbítrio do juiz“.15
2.
A dialética processual e o contraditório
O referido
princípio caracteriza-se pelo fato de o juiz, tendo o dever de ser imparcial,
não poder julgar a demanda sem que tenha ouvido autor e réu, ou seja, deverá
conceder às partes a possibilidade de exporem suas razões, mediante a prova e
conforme o seu direito, pois, doutrina Chiovenda:“Como quem reclama justiça,
devem as partes colocar-se no processo em absoluta paridade de condições“.16
Isso traz como consequência necessária a igualdade de tratamento entre as
partes, em todo o curso do processo, não se limitando somente à formação da
litis contestatio.17-18 É o que se depreende do
caput do art. 5.º da CF, bem como do art. 7.º do projeto do novo CPC.19
Mas essa igualdade entre as partes, no dizer de Couture,“no es una igualdad
numérica, sino una razonable igualdad de posibilidades en el ejercicio de la
acción y de la defensa“.20
A importância
desse princípio está diretamente relacionada à dialética do processo e ao
conceito de lide.21 Quanto à dialética é sabido que o processo
contemporâneo é um processo de partes,22 em que há uma tese
(afirmação do autor), uma antítese (negação do réu) e, finalmente, uma síntese
(sentença do juiz). Daí a importância das partes, quer para iniciar e fixar os
limites da controvérsia, quer para desenvolvê-la, a ponto de Carnelutti salientar
que“es un hecho que 'las partes no son juzgadas si no ayudan a juzgar“,23
tanto pelas provas que apresentem quanto pelo comportamento que desenvolvam; é
por isso que se diz que as partes, em relação ao juiz, não têm papel de
antagonistas, mas, sim, de colaboradoras.24 E, no que diz respeito à
lide,25 o princípio do contraditório só tem razão de ser se houver
um conflito de interesses. Por isso, para Chiovenda,“a demanda judicial existe
no momento em que se comunica regularmente à outra parte; nesse momento existe
a relação processual“,26 pois, do contrário, como ocorre na
jurisdição voluntária, segundo doutrina dominante, não há lide, nem há partes,27
visto que a relação processual apresenta somente um polo, o que logicamente faz
com que inexista um tratamento igualitário, porquanto a igualdade de tratamento
pressupõe partes antagônicas. Tanto é isso verdadeiro que os alemães têm um
provérbio que diz:“Eines mannes red ist keine red, der richter soll die dell
verhoeren beed“ (A alegação de um só homem não é alegação; o juiz deve ouvir
ambas as partes).28
Esse princípio
confere o direito subjetivo às partes de serem ouvidas em juízo. Se, por
negligência da parte, ela não comparecer a juízo, em hipótese alguma fica
violado o dito princípio, pois o contraditório se estabelece pela
oportunidade da defesa e não pela defesa em si.29
Apesar de
certos princípios processuais poderem, em certas circunstâncias, admitir
exceções, o do contraditório é absoluto e não admite exceção, devendo sempre
ser respeitado, sob pena de nulidade do processo, inclusive no âmbito
administrativo, conforme determinação da própria CF, art. 5.º, LV. Por ser
inseparável da administração da justiça, constitucionalmente organizada, Wyness
Millar considera esse princípio como“el más destacado de los principios
cuestionados“,30 enquanto Calamandrei o define como“la più pregiata
e tipica del processo moderno“.31
Cumpre
salientar, por derradeiro, que o contraditório se estabelece entre as partes no
processo e não com o juízo. Este foi o principal argumento utilizado pelo STF
por ocasião do julgamento da ADI 1.105-7/DF, para declarar a
inconstitucionalidade do inciso IX do art. 7.º da Lei 8.906/1994 (Estatuto da
Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil).32
Tecnicamente o
contraditório pode ser classificado como prévio, diferido ou
eventual. Na primeira hipótese, prévio, o contraditório apresenta-se
na sua acepção clássica, audiatur et altera pars, vale dizer, o juiz
houve ambas as partes para posteriormente decidir. No caso dele ser diferido,
o juiz primeiro decide para só depois realizá-lo, como pode ocorrer, por
exemplo, na concessão de uma liminar inaudita altera parte, ou seja, o
juiz concede a medida liminar sem ouvir o réu, postergando, assim, o
contraditório para o momento seguinte. Na última hipótese, eventual, ele
somente ocorrerá se o interessado propuser uma demanda para ampliar ou exaurir
a cognição realizada no processo anterior, ou seja, o contraditório irá ocorrer
noutro processo na eventualidade de o interessado assim o requerer, como irá
ocorrer no instituto conhecido como estabilidade da tutela antecipada
satisfativa, art. 305 do projeto do novo CPC.33
3.
A evolução do contraditório: da fase formal à constitucional
O
contraditório, a meu sentir, pode ser mais bem compreendido levando-se em
consideração seu desenvolvimento através dos tempos, vale dizer, ao longo de
três fases marcantes. A primeira, que denomino formal e está
caracterizada pela necessidade de informar; a segunda, material que
se caracteriza pela possibilidade de participação e a terceira,
constitucional, identificada pelo direito de influenciar.
A primeira e a
segunda fase são bem conhecidas e podem ser identificadas por meio deste tropo:
o contraditório é como uma moeda que apresenta, em uma das faces, a
necessidade de informar e, na outra face, a possibilidade de
participação.34 A soma desse binômio designa, para Couture, as
garantias do due process of law, pois, segundo ele, é necessário que:“a)
el demandado haya tenido debida noticia, la que puede ser actual o implícita;
b) que se le haya dado una razonable oportunidad de comparecer y exponer sus
derechos“.35
A redação
deste princípio contida em vários códigos processuais remonta a esta fase, pese
a doutrina insistentemente ter direcionado seus esforços para ampliar seu
alcance. Entre as legislações estrangeiras, podemos citar o art. 101 do
Codice di Procedura Civile italiano,36 o art. 278, III, da ZPO
alemã,37 bem como o art. 16 do Nouveau Code de Procédure Civile Francês,38
entre outras.
A terceira e
atual fase, que denomino constitucional e está reconhecida no direito
de influenciar, ou como quer N. Trocker no“princpio di partecipazione“,39
pode ser bem apreendida por meio das decisões do Tribunal Constitucional
Federal Alemão (Bundesverfassungsgericht), em especial esta, segundo a
qual:“Essa oitiva é, assim, primeiramente, pressuposto de uma decisão correta.
Além disso, a dignidade da pessoa exige que não se disponha sobre seu direito
de maneira leviana, com base [somente] na autoridade [estatal]: o indivíduo não
só deve ser o objeto da decisão do juiz, como deve ser ouvido antes de uma
decisão que envolva seus direitos, a fim de poder ter influência sobre o
processo e o seu resultado (BVerfGE 7, 53 [57]; 7, 275 [279]“40
(grifamos).
Doravante a
reiterada jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão, a doutrina,
nos mais diversos países, passou a ampliar significativamente este princípio.41
Esta garantia constitucional de poder influenciar significa, nas palavras de
Antonio Cabral,“qualquer condicionamento significativo à conduta dos demais
sujeitos do processo, realizado a partir de posições críticas ou omissões
conclusivas, transmitidas comunicativamente e que, caso não existissem,
poderiam, mantidas as demais condições, motivar o sujeito condicionado a agir
de modo diverso“.42
Há maior
proximidade do princípio do contraditório com o princípio dispositivo,43
e não o dispensa naqueles processos com acentuada carga de inquisitório.44
Nesse sentido já se manifestou a Corte di Cassazione da Itália, ao reconhecer
que“la procedibilità ex officio (…) non esclude l’esigenza della tutela del
diritto di difesa dei soggetti interessati e, como mezzo a fine,
dell’attuazione del contraddittorio“.45
É certo que o
direito constitucional de ação e de defesa não mais podem ser estudados e
aplicados sem a devida correspondência com o princípio constitucional do
contraditório, razão pela qual esta tríade constitucional pode ser resumida,
nas palavras de Martinetto,“nella costante possibilità di partecipare
attivamente allo svolgimento del processo cooperando sia alla ricerca dei fatti
ed alla raccolta delle prove, sia alla elaborazione e formazione del
convincimento del giudice“.46
Por tudo isso,
o processo hoje só pode ser compreendido dentro de sua dimensão democrática, como
um espaço público para os debates,47 razão pela qual conceituamos
processo como“um espaço discursivo intersubjetivo de feições públicas e
políticas, na busca de valores socialmente relevantes e que somente pode ser
compreendido numa perspectiva constitucionalmente dialógica entre os vários
sujeitos envolvidos“.
Enfim, podemos
concluir com Trocker que o contraditório, modernamente, deixou de ser
puramente“la difesa intesa in senso negativo“ e passou a significar a“influenza
intesa come“Mitwirkungsbefugnis“ (Zeuner) o“Einwirkungsmöglichkeit“ (BAUR),
ossia come diritto o possibilità di incidere attivamente sullo svolgimento e
sull’esito del giudizio“.48
4.
O contraditório no projeto do novo CPC
Sem lugar a
dúvidas, o princípio processual constitucional mais valorizado dentro do
projeto do novo CPC foi o contraditório. Ele aparece expressamente declarado já
nas normas fundamentais do processo civil e em mais de um artigo, vale dizer,
dos doze (12) artigos que compõe o Capítulo I, Título Único, do Livro I, da
Parte Geral, três (3) referem-se explicitamente ao princípio do contraditório.
Estes três
artigos contidos nas normas fundamentais do processo civil se projetam
inexoravelmente ao longo de todo o projeto do novo CPC. É, definitivamente, a
consagração do contraditório na sua expressão real e efetiva, consubstanciada
na amplitude constitucional do princípio.
No entanto,
essa preocupação excessiva com o princípio do contraditório e da ampla defesa
cria fatalmente um paradoxo, qual seja: o alongamento indevido do processo. Não
se pode menosprezar o fato de que uma maior participação das partes no
desenvolvimento do processo consome, indiscutivelmente, um tempo maior na
resolução das questões processuais ou materiais. Por esta razão, o juiz deve
sempre estar atento para eventuais abusos cometidos pelas partes na má
utilização deste sagrado princípio, aplicando, sempre que necessário, as
medidas coercitivas e sancionatórias ofertadas pelo CPC.
Cumpre
esclarecer, ainda, que os artigos tratados neste texto possuem a única e
exclusiva função de apontar os reflexos do contraditório ao longo do projeto do
novo CPC com pequenos comentários, permitindo, futuramente, um adequado
aprofundamento que cada um deles efetivamente merece.
4.1
Das normas fundamentais do processo civil
No Livro I, da
Parte Geral, existe um capítulo próprio para tratar das normas fundamentais do
processo civil, nos moldes das legislações processuais mais desenvolvidas da
atualidade. Esta previsão está alinhada com os princípios processuais
constitucionais previstos na Constituição Federal de 1988. O presente capítulo
serve para expor claramente as diretrizes em cima das quais todo projeto do
novo CPC está assentado, permitindo, com isso, que o juiz-intérprete possa,
sempre que necessário, buscar valioso auxílio hermenêutico na resolução dos
problemas concretos que vierem surgindo no desenvolvimento do processo. É a
processualização das garantias fundamentais do processo insculpidas no art. 5.º
da CF/1988.
a)
Art. 7.º: “É assegurado
às partes paridade de tratamento no curso do processo, competindo ao juiz velar
pelo efetivo contraditório“.
Como podemos
facilmente perceber, este artigo reflete o inc. LV do art. 5.º da CF.49
Todavia, encontramos na redação do artigo uma amplitude semântica bastante
significativa, quando a lei determina ao juiz“velar pelo efetivo
contraditório“. Aqui o contraditório não pode ser entendido na sua primeira
ou segunda fase, isto é, não basta ao juiz simplesmente informar a
parte, nem tampouco possibilitar sua participação, é necessário, e acima
de tudo, garantir à parte uma efetiva e concreta“possibilità di incidere
attivamente sullo svolgimento e sull’esito del giudizio“.50
b)
Art. 9.º: “Não se
proferirá decisão contra uma das partes sem que esta seja previamente ouvida“.
A função
precípua da redação contida neste artigo é evitar que o juiz possa proferir
qualquer decisão-surpresa. Com isso, impõe-se, ao magistrado, uma obediência
quase cega ao contraditório, na medida em que ele deverá sempre comunicar a
parte contra quem pretende decidir uma questão, seja qual for a natureza da
mesma, processual ou material, preliminar ou mérito, em primeiro ou segundo
grau de jurisdição, interlocutória ou sentença etc.
c)
Art. 10. “Em qualquer
grau de jurisdição, o órgão jurisdicional não pode decidir com base em
fundamento a respeito do qual não se tenha oportunizado manifestação das partes,
ainda que se trate de matéria apreciável de ofício“.
Este artigo
está indissoluvelmente vinculado ao anterior, são dois lados de uma mesma moeda
e devem, portanto, serem lidos conjuntamente. Sua função é acima de tudo
didático-pedagógica, justamente porque se trata da introdução, dentro de um
sistema normativo, de novo referencial, a exigir do juiz uma conduta
democrática, com observância ao contraditório como influência.
Atualmente tem
vigorado nas mais recentes legislações processuais a proibição de o juiz agir
de ofício, mesmo nas questões de ordem pública, e.g., art. 16, parte
final, do Nouveau Code de Procédure Civile francês;51 bem
como o art. 3.º, 352 do recentíssimo CPC português que entrou em
vigor em 01.09.2013. Contudo, a legislação portuguesa é mais avançada e
infelizmente não foi copiada pela legislação brasileira, pois enquanto no
processo português o juiz pode agir excepcionalmente de ofício sem ouvir
previamente as partes, como bem prevê a redação do artigo citado ao dizer“salvo
caso de manifesta desnecessidade“, a redação contida no direito brasileiro
não prevê esta salutar possibilidade.
Esta prática
moderna de proibir o juiz de agir de ofício sem antes ouvir as partes, também
vigora no recente CPC português, antes mencionado, e. g., nos arts.,
372,53 597.54
4.2
Da alegação de incompetência
O
contraditório também se faz presente no âmbito da incompetência, pois segundo a
redação contida no § 2.º do art. 64 do projeto do novo CPC:“§ 2.º Após
manifestação da parte contrária, o órgão jurisdicional decidirá imediatamente a
alegação de incompetência; se acolhida, serão os autos remetidos ao juízo
competente“.
Este § 2.º
deve ser lido em conjunto com o § 1.º e com o art. 10. Reza o § 1.º do art. 64
que:“A incompetência absoluta pode ser alegada em qualquer tempo e grau de
jurisdição e deve ser declarada de ofício“. Vale dizer, qualquer que seja a
espécie de incompetência, seja ela absoluta ou relativa, o juiz somente
decidirá após ter ouvido ambas as partes. Na relativa o problema não é muito complexo,
posto que nesta a súmula 33 do STJ proíbe o juiz de agir ex officio e
sempre existiu o contraditório na exceção de incompetência, agora presente no
referido § 2.º do art. 64. Na absoluta o problema se agudiza, pois o fato de o
§ 1.º do referido artigo permitir que o juiz possa declará-la de ofício, o art.
10, anteriormente citado, não permite ao juiz agir de ofício, mesmo nas
questões de ordem pública, sem antes ter 'oportunizado manifestação das
partes’, ou seja, a partir da nova legislação processual o juiz não mais
poderá declarar a incompetência absoluta sem antes ter ouvido as partes.
4.3
Do incidente de desconsideração da pessoa jurídica
Também no
incidente de desconsideração da pessoa jurídica o contraditório se faz presente
em toda sua amplitude constitucional, inclusive com ampla possibilidade de
produção de provas, pois, de acordo com a clara redação do art. 135,“Instaurado
o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer
as provas cabíveis no prazo de quinze dias“.
O projeto do
novo CPC inova e traz mais segurança jurídica quando obriga a necessidade do
contraditório prévio neste incidente, que deve ser instaurado de forma
incidental para que se possa averiguar a ocorrência ou não das situações
previstas na lei, abuso da personalidade jurídica ou confusão patrimonial
(arts. 28 do CDC e 50 do CC), a fim de poder responsabilizar pessoalmente os
sócios da pessoa jurídica.
4.4
Flexibilização do procedimento
O projeto do
novo CPC também inova em matéria procedimental ao permitir a flexibilização do
procedimento mediante certos requisitos. Esta matéria foi muito combatida,
especialmente pela OAB, que via nesta possibilidade uma ampliação desmesurada
dos poderes do juiz, ainda que em conjunto com as partes. Tanto que após
diversas críticas oriundas de variados setores da sociedade, esta possibilidade
foi retirada e não constou do substitutivo aprovado no Senado Federal, sendo
posteriormente inserido.
Vencido certos
receios, o § 1.º do art. 191 do projeto do novo CPC diz:“De comum acordo, o
juiz e as partes podem estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às
especificidades da causa, fixando calendário para a prática dos atos
processuais, quando for o caso“.
Neste artigo, podemos
constatar, mais uma vez, a presença ineludível do princípio do contraditório e
sua vertente constitucional do direito de influenciar nos rumos do
procedimento. O juiz, em conjunto com as partes, pode ajustar o procedimento
adaptando-o as especificidades do caso concreto. Certo que esta adaptação não é
um ato unilateral do juiz, mas sim fruto de um intenso debate entre as partes e
o juiz.
Também não
pode ser realizado como regra, devendo ser aplicado somente em situações
especiais que permitam a realização da tutela jurisdicional em um prazo
comprovadamente mais razoável.
Outro ponto
importante desta flexibilização reside na previsão de um calendário processual
para a prática dos atos processuais que já não contam com a previsibilidade da
ordem legal prevista na lei processual. Esta previsão de datas deve ser fixada
de maneira adequada para que os atos possam ser cumpridos mais facilmente, sem
a necessidade de sucessivas intimações dirigidas às partes, ou de sucessivos
pedidos de prorrogação de prazos dilatórios.
Esta
flexibilização do procedimento certamente valoriza o diálogo entre o juiz e as
partes, conferindo-lhes, quando necessário e nos limites traçados pelo próprio
sistema, a condição de adaptar o procedimento às exigências específicas do
litígio.
4.5
O contraditório na prova
A prova, como
é cediça, está umbilicalmente ligada ao princípio do contraditório, razão pela
qual sua precisa compreensão exige, neste momento, um aprofundamento maior.55
O
contraditório é condição de validade das provas, porque toda e qualquer
atividade instrutória há de ser produzida em contraditório, razão pela qual
sobreleva o princípio da imediação, pois, segundo Isidoro Eisner, a imediação
é:“el principio en virtud del cual se procura asegurar que el juez o tribunal se
halle en permanente e íntima vinculación personal con los sujetos y elementos
que intervienen en el proceso, recibiendo directamente las alegaciones de las
partes y las aportaciones probatorias; a fin de que pueda conocer en toda su
significación el material de la causa, desde el principio de ella, quien a su
término ha de pronunciar la sentencia que la resuelva“.56 E essa
imediação se dá, tanto das partes em relação ao juiz, como do juiz em relação
às partes. No primeiro caso, a prova é inválida sem a presença das partes; é o
que os alemães chamam de Parteiöffentlichkeit,57 pois,
se o magistrado, mesmo de ofício, colher a prova e não comunicar às partes para
que efetivamente elas possam influenciá-lo, essa prova está manchada, isto é,
inválida para produzir efeitos objetivos sobre a sentença,58 e.
g., a inspeção judicial. Na segunda hipótese, esclarece N. Trocker que“la
assunzione delle prove deve avvenire davanti all’organo giudicante“,59
sob pena de ser considerada inválida, na medida em que o magistrado é o
destinatário direto da prova; e, pelo critério subjetivo, é ele quem deverá
formar a sua convicção interior, que só poderá ser adquirida mediante a
percepção,60 conforme art. 378 do projeto de novo CPC.61
Daí concluir Ada Pellegrini Grinover que“tanto será viciada a prova que for
colhida sem a presença do juiz, como o será a prova que for colhida pelo juiz,
sem a presença das partes“.62
Cumpre
destacar neste momento a distinção entre o princípio do contraditório e da ampla
defesa, que a própria Constituição faz, pois, entre um princípio e outro,
utiliza a conjunção aditiva“e“, que sugere soma, acréscimo. No processo
civil, não existe ampla defesa, só no processo penal, pois neste temos a defesa
considerada técnica e a defesa considerada pessoal. A defesa
técnica é aquela feita por profissional legalmente habilitado, segundo o art.
263 do CPP, e, mesmo que o acusado não a queira, o Estado está obrigado a
assegurá-la, é irrenunciável.63 Com acerto diz Juan Montero Aroca:“Para
la sociedad el derecho de éste ser oído es inviolable, para el acusado se trata
de un derecho irrenunciable“.64 A defesa pessoal é feita pelo
acusado, e esta, por si só, não tem grande importância, pois a própria
confissão do acusado não serve para fundamentar a condenação.65
Ademais, os efeitos da revelia são contrários ao princípio da ampla defesa. No
processo civil vige o contraditório, à medida que se pode aplicar à revelia,
art. 319 do CPC, bem como a sentença pode ter como único fundamento a confissão,
conforme inc. II do art. 352 do CPC.66
A importância
do contraditório já se revela no primeiro artigo que trata da prova. Esta é a
razão pela qual o primeiro artigo sobre prova no projeto do novo CPC, art. 376,
não só reproduz literalmente o atual art. 332 do CPC, mas vai além, destacando
a terceira fase do contraditório, ao afirmar literalmente que:“As partes têm
direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos,
ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em
que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz“
(grifamos).
Considero
oportuno destacar agora, a aplicação deste princípio quando a prova for
documental (ou preconstituída) ou testemunhal (ou casual, constituenda), pois
as provas documentais são essencialmente preconstituídas (Evidence
existing before the trial, Vorbereiteter Beweis). O que equivale
dizer que um documento, uma prova documental é criada, constituída fora dos
autos, razão pela qual o contraditório somente se estabelece em virtude da
obrigatória comunicação à parte contrária para, querendo, impugná-la mediante
os mecanismos legais, vale dizer, o contraditório não se estabelece no plano da
existência, no plano da criação da prova, mas sim no plano da validade desta em
juízo. Jamais uma prova documental será construída dentro do processo com base
no contraditório, isto ocorre, por óbvio, com as provas casuais ou
constituenda, vale dizer, aquelas que são feitas no curso do processo, como
ocorre, v.g., com a prova testemunhal, e muitas vezes com a pericial etc.
Nestas o contraditório se dá exclusivamente no plano da existência, no plano da
criação da prova que é feito em juízo. Por isso, jamais um juiz poderá
indeferir uma gravação clandestina com base no desrespeito ao contraditório.67
Neste exato
sentido, é a redação do art. 415, 2, do CPC português, que diz:“Quanto às
provas constituendas, a parte é notificada, quando não for revel, para todos os
atos de preparação e produção da prova, e é admitida a intervir nesses atos nos
termos da lei; relativamente às provas pré-constituídas, deve facultar-se à
parte a impugnação, tanto da respetiva admissão como da sua força probatória“.
4.5.1
Da prova emprestada
A prova
emprestada mereceu previsão legal no projeto do novo CPC em seu art. 379, assim
redigido:“O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro
processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o
contraditório“.
Como podemos
facilmente perceber da redação, mais uma vez o contraditório se faz presente.
Infelizmente, penso eu, a referência ao princípio é insuficiente para uma
adequada aplicação desta relevante prova prática, muito utilizada no dia a dia
forense, pois o que significa“observado o contraditório“ para o traslado
da prova?
Pensemos no
seguinte caso concreto: Heráclito e Parmênides trabalham na empresa Ágora e
dividem a mesma sala. Imaginemos que Heráclito seja demitido e resolva propor
uma demanda trabalhista pedindo insalubridade em grau máximo. A prova pericial
pode ser-lhe tanto favorável quanto desfavorável neste processo. Agora
imaginemos que a empresa se mude e dois anos depois Parmênides também seja
demitido e resolva propor uma demanda trabalhista com pedido de insalubridade
em grau máximo. Pergunta-se: (a) Caso a prova pericial no processo com
Heráclito tenha sido favorável à empresa Ágora, ela poderá valer-se desta prova
no processo com Parmênides? E mais, (b) agora imaginemos que a prova pericial
no processo com Heráclito tenha sido desfavorável à empresa Ágora, Parmênides
poderá valer-se desta prova no processo com esta empresa? Será que nestes dois
exemplos foi observado o contraditório para permitir o traslado da
prova?
Desde muito
tempo, quando tivemos a oportunidade de escrever sobre o tema,68
sustentamos que somente em uma das hipóteses acima a prova poderia ser
emprestada ao segundo processo, pese a inegável existência do contraditório na
constituição desta prova pericial.
Para responder
adequadamente a esta questão, é mister identificar, primeiro, quais são os
requisitos para o traslado de uma prova. Sobre o tema já tive a oportunidade de
identificar três requisitos essenciais para a validade da mesma em um processo,
a saber:
“a) que a
parte contra quem a prova é produzida deverá ter participado do contraditório
na construção da prova;
b) que haja
uma identidade entre os fatos do processo anterior com os fatos a serem
provados;
c) que seja
impossível ou difícil a reprodução da prova no processo em que se pretenda
demonstrar a veracidade de uma alegação“.69
Para os fins
deste trabalho, analisaremos unicamente o primeiro requisito que trata do
contraditório e é o mais complexo.70
A prova poderá
ser emprestada exclusivamente na hipótese 'b’, isto é, só Parmênides
poderá valer-se desta prova no processo com a empresa Ágora, pois“se a parte
participou do contraditório na colheita da prova esta poderá ser usada contra
ela em qualquer outro processo“71 (sublinhamos). Na hipótese 'a’,
a empresa Ágora jamais poderá usar a prova pericial contra Parmênides,
porquanto“aqui a prova é utilizada contra quem não participou do
contraditório na constituição da prova, sendo, portanto, impossível retirar
qualquer elemento de convicção“,72 vez que não se deu a
Parmênides a oportunidade constitucional de contrariá-la quando a mesma foi
produzida em juízo. Caso aceitássemos a prova emprestada aqui,“estar-se-ia,
segundo Sérgio Bermudes, criando 'mais que a figura da prova emprestada, a
teratológica situação do contraditório emprestado’“,73 o que é
inadmissível.
Infelizmente a
redação deste art. 379 do projeto do novo CPC não se espelhou nem na redação do
art. 421, 1, do CPC Português, muito menos no art. 145 do Código General del
Proceso del Uruguay. Pois, enquanto a redação portuguesa prevê a utilização da
prova emprestada 'contra a mesma parte’, a redação uruguaia afirma ser 'contra
quien se aducen’, porque efetivamente, nestas hipóteses, a parte contra
quem irá ser utilizada a prova emprestada participou do contraditório no
primeiro processo, como sustentamos no requisito 'a’ acima. Reza o art.
421, 1, do CPC Português:“Os depoimentos e perícias produzidos num processo
com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra
a mesma parte, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do art. 355.º do Código Civil;
se, porém, o regime de produção da prova do primeiro processo oferecer às
partes garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e perícias produzidos
no primeiro só valem no segundo como princípio de prova“. Enquanto que a
redação do art. 145 do CGP do Uruguai diz:“Las pruebas practicadas
válidamente en un proceso podrán trasladarse a otro y tendrán eficacia similar
a la que tendrían de haber sido diligenciadas en este último proceso, siempre
que en el primitivo se hubieren practicado a petición de la parte contra quien
se aducen o con audiencia de ella“.
4.6
Coisa julgada nas questões prejudiciais
No sistema
vigente as questões prejudiciais, por expressa disposição de lei, art. 469,
inc. III, do CPC, não produzem coisa julgada. O que significa na prática
forense que as mesmas poderão ser novamente apreciadas pelo juiz, salvo se a
parte teve a preocupação de estender os efeitos da coisa julgada para a questão
incidental através da competente interposição da ação declaratória incidental,
como requer o art. 470 do CPC.
No projeto do
novo CPC, já não será necessário a parte interpor uma ação declaratória
incidental para estender os efeitos da coisa julgada a questão prejudicial,
basta que sobre ela o juiz tenha se pronunciado expressa e incidentalmente no
processo após um prévio e efetivo contraditório, ou seja, a questão prejudicial
incidentalmente decidida no processo exige, para receber os efeitos da coisa
julgada, um contraditório próprio, distinto do contraditório da questão
principal, com amplo debate em que as partes possam ter tido a real
oportunidade de influenciar a decisão do juiz. Tanto é verdade que se a parte
ré for revel, não será possível obter os efeitos da coisa julgada, pela simples
razão de que esta imutabilidade está condicionada ao efetivo exercício do
contraditório.
Esta ideia se
encontra presa ao art. 514, § 1.º, II, do projeto do novo CPC, que vem assim
redigido:“Art. 514. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força
de lei nos limites da questão principal expressamente decidida. § 1.º O
disposto no caput aplica-se à resolução da questão prejudicial, decidida
expressa e incidentemente no processo, se: I – (…); II – a seu respeito tiver
havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia;
(…)“.
Portanto,
podemos concluir aqui que a força do contraditório não só dispensa a
propositura da ação declaratória incidental, como também estende os efeitos da
coisa julgada, próprio da questão principal, à questão prejudicial envolvida.
4.7
Do incidente de arguição de inconstitucionalidade
O art. 10 do
projeto do novo CPC, anteriormente citado, produz seus efeitos também no
incidente de arguição de inconstitucionalidade, vez que agora, no controle difuso,
a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público só poderá
ser realizada mediante a realização concreta do contraditório com a oitiva
tanto do Ministério Público como das partes envolvidas no processo, além das
pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato
questionado. É uma clara compatibilização dos vários dispositivos contidos no
projeto para homenagear a vertente democrática que deve envolver os sujeitos do
processo, inclusive nas questões de ordem pública, como é o caso da
inconstitucionalidade da lei.
A redação do
artigo ainda homenageia a Súmula Vinculante 10 do STF, não deixando margens à
dúvida sobre a competência da turma ou da câmara para declarar a
inconstitucionalidade.
A redação do
art. 960 contida no anteprojeto do novo CPC é a seguinte:“Arguida, em controle
difuso, a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, o
relator, após ouvir o Ministério Público e as partes, submeterá a questão à
turma ou à câmara à qual competir o conhecimento do processo“.
De igual sorte
é a prescrição do art. 962, § 1.º:“(…) § 1.º As pessoas jurídicas de direito
público responsáveis pela edição do ato questionado poderão manifestar-se no
incidente de inconstitucionalidade, se assim o requererem, observados os prazos
e as condições previstos no regimento interno do tribunal“.
4.8
Da concessão do exequatur a carta rogatória
O projeto do
novo CPC contempla a possibilidade de execução em território nacional de
decisão estrangeira concessiva de medida de urgência.74 Ocorre que a
medida de urgência pode ter sido deferida com ou sem a oitiva do réu. Se a
liminar foi concedida após a comunicação da parte contrária, sua execução não
apresentará maiores problemas para ser cumprida no Brasil, logicamente atendidas
as exigências internas da legislação nacional. Agora, se a medida de urgência
foi concedida inaudita altera pars, sua execução em território
brasileiro dependerá necessariamente da realização concreta do contraditório e
do cumprimento dos requisitos legais exigidos pela legislação brasileira. Este
é o sentido do art. 974, § 2.º, do projeto, segundo o qual:“Art. 974. É
passível de execução a decisão estrangeira concessiva de medida de urgência. §
1.º (…) § 2.º A medida de urgência concedida sem audiência do réu poderá ser
executada, desde que garantido o contraditório em momento posterior“. Bem como
do parágrafo único do art. 975, do mesmo projeto:“Art. 975. Constituem
requisitos indispensáveis à homologação da decisão: (…). Parágrafo único. Para
a concessão do exequatur às cartas rogatórias, observar-se-ão os pressupostos
previstos no caput deste artigo e no art. 974, § 2.º“.
4.9
Da reclamação
A reclamação
está prevista no art. 102, I, l, da CF;75 art. 156 do
Regimento Interno do STF76 e art. 7.º da Lei 11.417/2006.77
Sua natureza, de acordo a maioria da doutrina, é de ação e não de recurso.78
O projeto do
novo CPC inova substancialmente nesta matéria, na medida em que estende o
instituto para todos os tribunais, não se limitando mais somente ao STF.
O projeto
segue a orientação da doutrina no que diz respeito à natureza da reclamação
mantendo-a no Livro III, Título I, Capítulo I, Da Ordem dos Processos no
Tribunal, e, portanto, fora do Título II, Dos recursos. Assim se expressa o
art. 1.001 do projeto do novo CPC.79
Deste modo,
sendo a reclamação entendida como ação, necessariamente deverá ser respeitado o
princípio do contraditório. É o que se percebe a través da redação do art.
1002, inc. III do projeto, segundo o qual:“Art. 1002. Ao despachar a reclamação,
o relator: (…) III – determinará a citação do beneficiário da decisão
impugnada, que terá prazo de quinze dias para apresentar a sua contestação“.
Para dar ênfase a esta visão, o artigo faz questão de destacar a forma de
comunicação do beneficiário, citação, bem como do ato a ser pratico pelo
mesmo, contestação.
4.10
Agravo interno
O agravo
interno também sofreu significativa mudança no projeto do novo CPC. Como o
contraditório ganhou no projeto uma dimensão muito ampla, o agravo interno que
já vinha sofrendo várias críticas por parte da doutrina por não respeitar
especialmente este princípio constitucional,80 foi redigido de forma
a contemplá-lo.
Este é o
sentido contido no § 2.º do art. 1.034 do projeto do novo CPC:“Art. 1.034.
Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo
órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento
interno do tribunal. (…).
§ 2.º O agravo
será dirigido ao relator, que intimará o agravado para manifestar-se sobre
recurso no prazo de quinze dias, ao final do qual, não havendo retratação, o
relator levá-lo-á a julgamento pelo órgão colegiado, com inclusão em pauta“.
Outra
alteração digna de registro é sua inclusão em pauta, porquanto altera a
compreensão atual do instituto que não prevê sua inclusão em pauta, como se
pode perceber na redação do § 1.º do art. 557 do CPC,81 bem como na
posição da doutrina.82
Por tudo isso
fica fácil concluir que o agravo interno na redação conferida pelo projeto
respeita o contraditório na sua mais ampla significação, não só permitindo ao
agravado se manifestar no prazo de 15 dias, como também seja incluído em pauta
caso não seja julgado na sessão imediatamente seguinte a sua interposição.
1 WYNESS
MILLAR, Robert. Los principios formativos del procedimiento civil. Trad.
Catalina Grossmann. Buenos Aires: Ediar, 1945. p. 47.
2 Conforme
art. 103, I, da Grundgesetz (Lei Fundamental Alemã) que diz:“Art. 103 (Direitos
fundamentais do acusado) 1. Todos têm o direito de serem ouvidos perante os juízos
e tribunais; (…)“.
3 COUTURE,
Eduardo J. Fundamentos del derecho procesal civil. Buenos Aires:
Depalma, 1988, p. 183. Sobre as relações entre o contraditório e o princípio da
igualdade de armas (Waffengleichheit), consultar NERY JUNIOR, Nelson.
Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: Ed. RT,
2013. p. 255-256.
4 Neste
particular, convém destacar as palavras de Othmar Jauernig, para quem o direito
a ser ouvido é“ 'o princípio processual mais importante’ e elemento irrenunciável
de todo o ordenamento processual de Estado de Direito, (…)“ (Direito
processual civil. Trad. F. Silveira Ramos. Coimbra: Almedina, 2002. § 29,
p. 167); e, também, de Stefan Leible, segundo as quais“El Tribunal Federal de
Constitucionalidad lo deriva del principio de Estado de Derecho (art. 20 párr.
3 LF, 28 párr. 1). (…) También es própio de un procedimento justo, que se le dé
en general oportunidad a las partes de expresarse. El derecho a ser oído
legalmente, es decir a ser oído por el juez, es por ello el más importante
principio procesal y una parte irrenunciable de todo orden procesal de un
Estado de Derecho“ (Proceso civil Alemán. Trad. Rodolfo E. Witthaus.
Colombia: Biblioteca Jurídica Diké e Konrad Adenauer Stiftung, 1999. p.
152-153). No Brasil igualmente sustenta esta ideia NERY JUNIOR, Nelson.
Princípios do processo civil na Constituição Federal cit., n. 24, p. 220.
5 “(…) La
difesa è diritto inviolabile in ogni stato e grado del procedimento. (…)“. O
próprio Codice di procedura civile Italiano, no seu art. 101, define o
princípio do contraditório, quando diz expressamente:“Il giudice, salvo che la
legge disponga altrimenti (p. c. 633, 697, 700, 703, 712), non può statuire
sopra alcuna domanda, se la parte contro la quale è proposta non è stata
regolarmente citata (p. c. 164) e non è comparsa (p. c. 181, 291)“. Esse
princípio é tão influente na legislação italiana que, no processo de execução
forçada, o juiz da execução, regra geral, não pode emanar nenhuma medida
judicial sem ouvir as partes, e.g., arts. 530, 552, 569, 590, 596, 600,
612 e 624.
6 “1. Todas
las personas tienen derecho a obtener la tutela efectiva de los jueces y
tribunales en el ejercicio de sus derechos e intereses legítimos, sin que, en
ningún caso, pueda producirse indefensión. 2. Asimismo, todos tienen derecho al
Juez ordinario predeterminado por la ley, a la defensa y a la asistencia de
letrado, a ser informados de la acusación formulada contra ellos, a un proceso
público sin dilaciones indebidas y con todas las garantías, a utilizar los
medios de prueba pertinentes para su defensa, a no declarar contra sí mismos, a
no confesarse culpables y a la presunción de inocencia. (…)“.
7 “1. Todos
têm o direito de serem ouvidos perante os juízos e tribunais“ (Cinquenta
anos de jurisprudência do tribunal Constitucional Federal Alemão. Org.
Leonardo Martins. Montevideo: Fundación Konrad-Adenauer, 2005. p. 913.
8 “1. Qualquer
pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente,
num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela
lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações
de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria
penal dirigida contra ela. (…)“. Sobre a Corte Europeia dos Direitos Humanos
consultar [www.echr.coe.int/].
9 “Aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes.“
10 No Brasil a
assistência judiciária gratuita é regida pela Lei 1.060/1950. A assistência
judiciária gratuita é tão importante na Espanha, que também há norma expressa
na Constitución Española, art. 119:“La justicia será gratuita cuando así lo
disponga la ley y, en todo caso, respecto de quienes acrediten insuficiencia de
recursos para litigar“, na Ley de Enjuiciamiento Civil 1/2000, art. 394,
III, 3, e principalmente na Ley de Asistencia Jurídica Gratuita 1/1996,
de 10 de janeiro, alterada em 23.02.2013. Sobre a assistência judiciária no
direito brasileiro, consultar a obra de GIANNAKOS, Ângelo Maraninchi.
Assistência judiciária no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2008.
11 Audiatur
et altera pars. As matrizes históricos-culturais do contraditório. In:
OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de (coord.). Jurisdição e processo.
Trad. Luís Alberto Reichelt. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 137.
12 Torniamo al
giudizio. Rivista di Diritto Processuale Civile, 1949, p. 168 e ss.
13 Para quem o
processo“non è altro che giudizio e formazione di giudizio“ (Il mistero del
processo. Rivista di Diritto Processuale Civile, 1949, p. 281). Também
publicado no livro Soliloqui e Colloqui di un Giurista, Nuoro: Ilisso,
2004. p. 45.
14 Diffusione
del processo e compiti della doctrina. Rivista Trimestrale di Diritto e
Procedura Civile, 1958, p. 861 e ss. É deste autor a ideia, hoje bastante
difundida, de que o processo nada mais é do que o procedimento em
contraditório.
15 Do
formalismo no processo civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. n. 14.4, p.
133.
16 Instituições
de direito processual civil. Trad. J. Guimarães Menegale. São Paulo:
Saraiva, 1969. 1.º vol., n. 29, p. 100.
17 Nesse
sentido, PEYRANO, J. El proceso civil. Buenos Aires: Astrea, 1978. p.
146; EISNER. Principios procesales. Revista de Estudios Procesales, n.
4, p. 53.
18 Sobre a
litis contestatio, convém destacar que no período formulário, para chegar a
condemnatio, as partes deveriam realizar antes um pacto processual
diante de testemunhas denominado litis contestatio (litis é
igual a litígio, e con-testatio é igual a“com testemunhas“, já que,
segundo Ihering, testis significa“el que asiste“ (El espíritu
del derecho romano. Trad. Enrique Príncipe y Satorres. Granada: Comares, 1998.
t. I, § 13, p. 115). Deste modo, litis contestatio significa, de acordo
com Scialoja,“invocar testigos para que certifiquen la existencia de la litis y
el contenido de ella“ (Procedimiento civil romano. Trad. Santiago Sentís
Melendo e Marino Ayerra Redin. Buenos Aires: Ejea, 1954. § 15, p. 157), que era
o ponto culminante e a essência mesma desta forma de procedimento. Para Royo, o
pacto processual (litis contestatio) incluía acordos sobre:“El juez que
habría de dictaminar; la aceptación previa de la sentencia y la definición del
asunto que enfrentara a las partes: la aportación de los datos en que cada uno
apoyara la calidad de su poder sobre el asunto controvertido y sus
implicaciones. Como consecuencia del acuerdo de las partes, el pretor habría de
redactar un pequeño documento conocido como 'formula’. De ese documento se
puede afirmar con seguridad que se trata de: a) una orden imperativa del pretor
dirigida al elegido como juez mediante la que le ordena: – que actúe como juez
en ese caso, – que condene o no a una de las partes en función de la
investigación (prueba) de los hechos que subyacen al conflicto; b) un escrito
cuya estructura sintáctica es igual a la de la norma abstracta; c) una norma
substantiva para las partes en cuanto incluye las afirmaciones, excepciones y
argumentos contradictorios incluidos en el acuerdo de la 'litis contestatio’; y
d) una orden de condena o no, según un criterio alternativo: – sea a la
devolución de cosa o a una actividad en favor de la otra parte (…), – sea al pago
de una cantidad de dinero: o concreta, fijada previamente, o a concretar según
apreciación del juez“ (Palabras con poder. Barcelona: Marcial Pons,
1997. cap. IV, p. 96-97). Uma vez realizado o pacto processual diante de
testemunhas, o juiz deveria unicamente dizer o direito, pois, de acordo
com a opinião de Ihering,“el juez del derecho antiguo no impone nada al
demandado, no le da ninguna orden en nombre del Estado: no hace más que dar á
las partes el auxilio de sus conocimientos jurídicos. El idioma ha expresado
exactamente la relación que existe entre la acción del juez y la del
demandante. El juez debe únicamente decir el derecho ( 'dicere’); de aquí su
nombre de 'judex’, y lo hace dando su consejo ( 'sententia’)“ (El espíritu
del derecho romano cit., t. I, § 15, p. 137). Pois, segundo o autor,“la
raíz 'dic’ significa en latín, como en sánscrito y en griego (deicunmi),
señalar, mostrar (por ejemplo, 'dicis causa, digitus, indicare’); 'dicere’,
decir, es mostrar verbalmente“ (El espíritu del derecho romano cit., t.
I, § 14, p. 129, nota 109). Para aprofundar melhor no estudo da influência da
litis contestatio nas diversas legislações, principalmente a espanhola,
vide, por todos, GUILLÉN, Fairén. El juicio ordinario y los plenarios
rápidos. Barcelona: Bosch, 1953. principalmente p. 35 e ss.
19 “Art. 7.º É
assegurado às partes paridade de tratamento no curso do processo, competindo ao
juiz velar pelo efetivo contraditório“. Esta regra atualmente está prevista no
inc. I do art. 125 do CPC.
20 Fundamentos
del derecho procesal civil. Buenos Aires: Depalma, 1988. n. 116, p.185.
21 A lide como
característica da jurisdição foi criada por Carnelutti. Dentro das obras
doutrinais de Carnelutti, podemos distinguir, neste particular, duas fases: a
primeira em que o autor entendia como jurisdicional tanto o processo de
declaração, como o processo de execução, porque, segundo seu conceito, a
resistência é o elemento que qualifica a lide, e essa pode discutir ou
lesionar a pretensão, gerando, por conseguinte, uma pretensão discutida ou
uma pretensão insatisfeita, no primeiro caso estamos diante do processo
de declaração e, no segundo, diante do processo de execução (Sistema de
derecho procesal civil. Trad. Niceto Alcalá-Zamora y Castillo e Santiago
Sentís Melendo. Buenos Aires: Uthea, 1944. vol. 2, n. 124, p. 12; e
Instituciones del nuevo proceso civil italiano. Trad. Jaime Guasp.
Barcelona: Bosch, 1942. vol. 1, n. 9, p. 34). O autor confirma esta ideia em
sua conhecida discussão com Calamandrei, ao dizer que existe lide“quando taluno
pretende la tutela di un suo interesse in contrasto con l’interesse di un altro
e questi vi resiste mediante la lesione dell’interesse o mediante la
contestazione della pretesa“ (Lite e processo. Studi di diritto processuale.
Padova: Cedam, 1939. p. 29. Posteriormente, em sua segunda fase, quando
escreveu sua magnífica obra intitulada Diritto e processo, no ano de
1958, trouxe para dentro da jurisdição o processo voluntário, dizendo
literalmente:“La jurisdicción voluntaria 'es verdaderamente jurisdicción’
resulta tanto del fin como del medio: del fin, porque ella constituye, lo mismo
que la jurisdicción contenciosa, un remedio contra la desobediencia, aun cuando
en potencia más bien que en acto; del medio, porque la reacción se cumple
mediante la declaración de certeza, respecto de la cual ya sabemos que consiste
en una elección oficial que se sustituye a la elección del particular; y
precisamente en una elección hecha super partes y por eso imparcial“
(Derecho y processo. Trad. Santiago Sentís Melendo. Buenos Aires: EJEA,
1971. n. 37, p. 74). Para analisar detalhadamente as diversas criticas sobre
esta visão“funcional“ da jurisdição, consultar o que escrevi em: La
pretensión procesal y la tutela judicial efectiva. Barcelona: Bosch, 2004.
n. 2, nota 38, p. 30.
22 Essa
concepção teve origem na Revolução Francesa, na medida em que os poderes dos
magistrados foram reduzidos e, por conseguinte, aumentaram-se os poderes das
partes, conforme aponta MERRYMAN, La tradición juridica romano-canonica.
México: Fondo de Cultura Económica, 1994. p. 78. Atualmente com a influência do
Estado Democrático de Direito no processo esta visão vem ganhando cada vez mais
força. Neste particular convém citar por todos a obra de NUNES, Dierle.
Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá, 2008. especialmente,
n. 7, p. 201 e ss.
23 Derecho
y processo cit., n. 53, p. 104.
24 Ideia essa
tão forte que Ada Pellegrini Grinover, já em 1990, identificava o procedimento
com“um processo jurisdicional de estrutura cooperatória“, As garantias
constitucionais do processo. Novas tendências do direito processual. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 1990. p. 02. Modernamente esta visão se
difundiu bastante, como podemos perceber na obra de MITIDIERO, Daniel.
Colaboração no processo civil. São Paulo: Ed. RT, 2009.
25 Ao que
parece, a lide é o conceito que maior influência apresenta nos institutos
processuais, v. g., no conceito de jurisdição, no conceito de relação
jurídica, no conceito de partes, no conceito de sentença, no conceito de coisa
julgada etc., tanto que Carnelutti diz,“en el fondo, todos, más o menos, tenían
la intuición de que si no existise la litis no existiría el proceso civil“ (Derecho
y processo cit., n. 33, p. 63).
26 Instituições
de direito processual civil cit., 2.º vol., n. 242, p. 293. Esse
posicionamento equivocado de Chiovenda que coloca a citação como pressuposto
processual de existência, vide, outrossim, 1.º vol., p. 59, influenciou alguns
autores brasileiros, entre eles ARRUDA ALVIM. Manual de direito processual
civil. São Paulo: Ed. RT, 1991. vol. 1, n. 153, p. 302; ALVIM PINTO,
Teresa. Nulidades da sentença. São Paulo: Ed. RT, 1987. p. 15, a
desconsiderarem o art. 263 do CPC, que só exige para a existência da relação
processual uma demanda proposta perante um órgão dotado de jurisdição, como
muito bem esclarece DALL’AGNOL, Jorge L. Pressupostos processuais. Porto
Alegre: Lejur, 1988. especialmente o item 2.2, p. 33; ASSIS, Araken.
Cumulação de ações. São Paulo: Ed. RT, 1989. n. 5.6, p. 37; e LACERDA,
Galeno. Despacho saneador. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1985. p. 75.
27 Nesse
sentido, no Brasil, temos ARRUDA ALVIM. Manual… cit., n. 57, p. 111;
MARQUES, Frederico. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva,
1990. n. 62, p. 89; COSTA, Lopes da. Direito processual civil brasileiro. Rio
de Janeiro: J. Konfino, 1946. n. 116 e 117, p. 160-161; SANTOS, Moacyr A.
Primeira linhas de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1990. 1.º
vol., n. 53, p. 79; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual
civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007. vol. 1, n. 40, p. 44; FIDÉLIS,
Ernane. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1996. n.
21, p. 16. Em sentido contrário, no direito brasileiro, PRATA, Edson.
Jurisdição voluntária. São Paulo: Leud, 1979. p. 58. É interessante notar o
posicionamento de Chiovenda, quando critica os autores que defendem a ausência
de controvérsia, contenciosidade como característica da jurisdição voluntária,
dizendo:“Pode haver processo sem controvérsia (é o que acontece sempre no
processo à revelia)“ (Instituições de direito processual civil cit., 2.º
vol., p. 18, e mais adiante salienta, atribuindo como característica da
jurisdição voluntária a“ausência de duas partes“ (idem, 2.º vol., p. 19).
28 Apud WYNESS
MILLAR, Robert. Los principios… cit, p. 47.
29 Também
nesse diapasão, Lino Palacio, para quem o contraditório“no exige la efectividad
del ejercicio de tal derecho, razón por la cual éste no puede invocarse cuando
la parte interesada no lo hizo valer, por omisión o negligencia, los medios de
defensa, pruebas o recursos de que dispuso en su momento“ (Manual de derecho
procesal civil. 17. ed. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2003. n. 27, p. 66).
30 WYNESS
MILLAR, Robert. Los principios… cit, p. 47.
31 Processo e
democrazia. Opere Giuridiche. Napoli: Morano, 1965. vol. 1, p. 681.
32 No mesmo
sentido é o julgamento da ADIn 1.127, rel. p/ac. Min. Ricardo Lewandowski, j.
17.05.2006, plenário, DJE 11.06.2010, segundo o qual“a sustentação oral
pelo advogado, após o voto do Relator, afronta o devido processo legal, além de
poder causar tumulto processual, uma vez que o contraditório se estabelece
entre as partes“. Em sentido contrário, entendendo que o contraditório também se
estabelece com o juiz, Marinoni e Mitidiero, quando afirmam que“o juiz
encontra-se igualmente sujeito ao contraditório“ (Curso de direito
constitucional. São Paulo: Ed. RT, 2012. p. 648).
33 “Art. 305.
A tutela antecipada satisfativa, concedida nos termos do art. 304, torna-se
estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso. §
1.º No caso previsto no caput, o processo será extinto. § 2.º Qualquer das
partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a
tutela antecipada satisfativa estabilizada nos termos do caput. § 3.º A
tutela antecipada satisfativa conservará seus efeitos, enquanto não revista,
reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o
§ 2.º. § 4.º Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em
que foi concedida a medida, para instruir a petição inicial da ação a que se
refere o § 2.º, prevento o juízo em que a tutela satisfativa foi concedida. §
5.º O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, previsto no
§ 2.º deste artigo, extingue-se após dois anos, contados da ciência da decisão
que extinguiu o processo, nos termos do § 1.º.“
34 Esta visão
formal e material do contraditório, segundo destaca Proto Pisani, está
vinculada“alla ideologia liberale“ e, enquanto“frutto di una concezione
liberal-individualistica della realtà presuppone che all’eguaglianza formale
delle parti corrisponda l’eguaglianza sostanziale“ (Lezioni di diritto
processuale civile. Napoli: Jovene, 1996. p. 224).
35 Fundamentos
del derecho procesal civil cit., p. 150 Também neste sentido e com muita
profundidade DINAMARCO. O princípio do contraditório e sua dupla destinação.
Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
p. 124 e ss; NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na
Constituição Federal cit., p. 222; e GRINOVER, Ada Pellegrini. O conteúdo
da garantia do contraditório. Novas tendências do direito processual cit.,
p. 17-18.
36 “Il
giudice, salvo che la legge disponga altrimenti, non può statuire sopra
alcuna domanda, se la parte contro la quale è proposta non è stata regolarmente
citata e non è comparsa.“
37 “El
tribunal puede basar su decisión en un punto de vista jurídico que la parte ha
pasado por alto de forma perceptible o ha considerado irrelevante, en cuanto no
se refiera únicamente a una reclamación de orden accesorio, sólo si ha dado
ocasión para la declaración sobre él“ (Código Procesal Civil alemán.
Trad. Emilio Eiranova Encinas. Madrid: Marcial Pons, 2001. p. 83).
38 “Le juge
doit, en toutes circonstances, faire observer et observer lui-même le principe
de la contradiction. Il ne peut retenir, dans sa décision, les moyens, les
explications et les documents invoqués ou produits par les parties que si celles-ci
ont été à même d’en débattre contradictoirement. Il ne peut fonder sa décision
sur les moyens de droit qu’il a relevés d’office sans avoir au préalable invité
les parties à présenter leurs observations“.
39 Processo
civile e costituzione: problemi di diritto tedesco e italiano cit., cap.
VI, p. 371.
40 Cinquenta
anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Org.
Leonardo Martins. Trad. Beatriz Hennig e outros. Montevideo: Fundación
Konrad-Adenauer, 2005. § 34, p. 915.
41 Sobre o
tema, consultar obrigatoriamente o excelente artigo de CABRAL, Antonio. Il
principio del contraddittorio come diritto d’influenza e dovere di dibattito.
Rivista di Diritto Processuale, Anno LX, n. 2, aprile-giugno, p. 453 e s.
42 Nulidades
no processo moderno: contraditório, influência e validade 'prima facie’ dos
atos processuais. 2. ed. Rio de janeiro: Forense, 2010. p. 114.
43 Conforme
PEYRANO, J. El proceso civil cit., p. 148; e TESHEINER, José M.R.
Elementos para uma teoria geral do processo. São Paulo: Saraiva, 1993. p.
41.
44 Pactuam com
esse entendimento V. DENTI. Perizie, nullità processuali e contraddittorio.
Rivista di Diritto Processuale, 1967, p. 395 e s; CAPPELLETTI. La
testimonianza della parte nel sistema dell’oralità. Milano: Giuffrè, 1962.
vol. 1, p. 352, nota 30; e TROCKER, N. Processo civile e constituzione:
problemi di diritto tedesco e italiano. Milano: Giuffré, 1974. p. 373 a
379.
45 Apud
TROCKER, N. Processo civile e constituzione… cit., p. 387, nota 38.
46
Contraddittorio (Principio del). Novissimo digesto italiano. Torino:
Utet, 1959. vol. 4, p. 460
47 Por espaço
ou esfera pública devemos compreender, segundo Habermas, o seguinte:“A esfera
pública constitui principalmente uma 'estrutura comunicacional’ do agir
orientado pelo entendimento, a qual tem a ver com o 'espaço social’ gerado no
agir comunicativo, não com as 'funções’ nem com o 'conteúdo’ da comunicação
cotidiana“ (Direito e democracia: entre facticidade e validade. Trad.
Flavio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. vol. 2, p.
92).
48 Processo
civile e costituzione.. cit., cap. VI, p. 371.
49 “LV – aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes“.
50 TROCKER, N.
Processo civile e costituzione… cit., cap. VI, p. 371.
51 “(…) Il ne
peut fonder sa décision sur les moyens de droit qu’il a relevés d’office sans
avoir au préalable invité les parties à présenter leurs observations.“
52 Este artigo
trata da necessidade do pedido e da contradição, e vem assim redigido:“3. O
juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do
contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade,
decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso,
sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem“.
53 Este artigo
trata do contraditório subsequente ao decretamento da providência também vai
neste sentido, ao afirmar:“1. Quando o requerido não tiver sido ouvido antes do
decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da
notificação prevista no n. 6 do art. 366.º: a) Recorrer, nos termos gerais, do
despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela
não devia ter sido deferida; b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos
ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam
afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução,
aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 367.º e
368.º“.
54 Este outro
trata dos termos posteriores aos articulados:“Nas ações de valor não superior a
metade da alçada da Relação, findos os articulados, sem prejuízo do disposto no
n. 2 do art. 590.º, o juiz, consoante a necessidade e a adequação do ato ao fim
do processo: a) Assegura o exercício do contraditório quanto a exceções não
debatidas nos articulados; (…)“.
55 Sobre o
princípio do contraditório, consultar o que escrevi em Provas atípicas,
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 30-35. Para um real aprofundamento
das matrizes histórico-culturais do contraditório, ver por todos PICARDI.
Audiatur et altera pars: as matrizes histórico-culturais do contraditório.
Jurisdição e processo. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 127-143.
56 La
inmediación en el proceso. Depalma, 1963. n. 32, p. 33. Sobre o tema
consultar obrigatoriamente o artigo de CAMPOS, Santiago Pereira. Mecanismos
legales para garantizar la efectiva aplicación del principio de inmediación en
el proceso por audiencias. In: CAMPOS, Santiago Pereira (coord.).
Modernización de la justicia civil. Montevideo: Universidad de Montevideo,
2011. p. 265 a 294.
57 TROCKER, N.
Processo civile e costituzione.. cit., p. 553.
58 Nesse
sentido, citando jurisprudência dos tribunais alemães, TROCKER, N. Processo
civile e costituzione.. cit., p. 536, nota 40; e GRINOVER, Ada Pellegrini.
O conteúdo da garantia do contraditório. Novas tendências do direito
processual cit., p. 24. A Ley de Enjuiciamiento civil Española 1/2000 estabelece
regra expressa a respeito no art. 289, que diz literalmente:“Las pruebas se
practicarán contradictoriamente en vista pública, o con publicidad y
documentación similares si no se llevasen a efecto en la sede del tribunal“. Em
igual sentido, o art. 415, 1, do CPC português que diz:“Salvo disposição em
contrário, não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória
da parte a quem hajam de ser opostas“. Em certa medida o atualíssimo Código
General del Proceso da Colômbia, de 2012, vincula a prova ao devido
processo legal em seu art. 14, quando diz:“(…) Es nula de pleno derecho la
prueba obtenida con violación del debido processo“.
59 TROCKER, N.
Processo civile e costituzione.. cit., p. 548. Nesse sentido, GRINOVER, Ada
Pellegrini. O conteúdo da garantia do contraditório. Novas tendências do
direito processual cit., p. 22 e s.
60 De igual
modo Malatesta, quando afirma“Así como las facultades de la percepción son las
fuentes subjetivas de la certeza, así las pruebas son el modo de manifestación
de la fuente objetiva que es la verdad“ (Lógica de las pruebas en materia
criminal. Buenos Aires: General Lavalle, 1945. p. 71). Apontando uma
enormidade de autores alemães que sustentam que a percepção é a única via para
a prova dos fatos, Carnelutti, que indica Stein como um dos mais destacados,
porquanto o autor alemão sustenta que:“La percepción es la única vía para la
prueba de los hechos“ (La prueba civil. Buenos Aires: Arayú, 1955. p.
53, nota 74).
61 Atual art.
131 do CPC.
62 O
conteúdo da garantia do contraditório cit., p. 22.
63 Nesse
sentido, Juan Montero Aroca, dizendo que ela é“la verdadera defensa, la
técnica, la realizada por abogado es, en general, irrenunciable“ (Introducción
al derecho procesal. Madrid: Tecnos, 1976. p. 241).
64 Introducción
al derecho procesal cit., p. 241.
65 Já decidiu
exatamente neste sentido o STF, no RECrim 91.838, rel. Min. Soares Muños, RT
540/414-415.
66 Sem
correspondência no projeto do novo CPC, o que efetivamente não inviabiliza a
afirmação, já que a confissão no processo civil ainda continua sendo a rainha
das provas.
67 Sobre a
classificação da prova em pré-constituída e casual, consultar o que escrevi em
Provas atípicas, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 70 e ss.,
especialmente p. 74.
68 Provas
atípicas cit., p. 110 a 119.
69 Idem, p.
112.
70 Para uma
análise dos dois outros requisitos, remetemos o leitor para o livro Provas
atípicas cit., p. 114-115.
71 Provas
atípicas cit., p. 113.
72 Idem, p.
113.
73 Parecer
sobre prova. Direito processual civil – Estudos e pareceres. São Paulo:
Saraiva, 1994. 2.ª série, p. 228.
74 Sobre a
concessão de medidas cautelares no Mercosul, consultar o que escrevi em: O
processo cautelar no Mercosul. Da tutela jurisdicional às formas de tutela.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 243-256.
75 “Art. 102.
Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,
cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: (…); 1) a reclamação para
a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;
(…).“
76 “Art. 156.
Caberá reclamação do Procurador-Geral da República, ou do interessado na causa,
para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das suas
decisões.“
77 “Art. 7.º
Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula
vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao
Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis
de impugnação.“
78 Para a
identificação dos diversos autores que se posicionam neste sentido, consultar
ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 874.
79 “Caberá
reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: I – preservar a
competência do tribunal; II – garantir a autoridade das decisões do tribunal;
III – garantir a observância de súmula vinculante e de tese firmada em
julgamento de casos repetitivos ou de incidente de assunção de competência.“
80 Neste
sentido, com acertadas e contundentes críticas à desnecessidade do respeito ao
contraditório, ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Os agravos no CPC brasileiro. 4.
ed. São Paulo: Ed. RT, 2006. n. 10.1, p. 552-554. Em sentido contrário,
sustentando a desnecessidade de contraditório no agravo interno, MARINONI;
MITIDIERO. Código de processo civil comentado. 4. ed. São Paulo: Ed. RT,
2012. p. 605 e 606, e Araken de Assis que fundamenta exaustivamente com base na
doutrina e jurisprudência (Manual dos recursos cit., p. 506 e ss.).
81 “Art. 557.
O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível,
improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência
dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal
Superior. (…); § 1.º Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão
competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator
apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso
terá seguimento.“
82 Consultar
por todos ASSIS, Araken de. Manual dos recursos cit., p. 508.