Mostrando postagens com marcador Inventário e partilha. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Inventário e partilha. Mostrar todas as postagens

18 de outubro de 2021

A contratação de advogado por representante de incapaz, para atuar em inventário, configura ato de simples administração e, por isso mesmo, não depende de autorização judicial

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/10/info-705-stj.pdf


INVENTÁRIO - A contratação de advogado por representante de incapaz, para atuar em inventário, configura ato de simples administração e, por isso mesmo, não depende de autorização judicial 

O fato de ter sido concedida a gestão da herança a terceiro não implica restrição do exercício do poder familiar do genitor sobrevivente para promover a contratação de advogado, em nome dos herdeiros menores, a fim de representar os interesses deles no inventário. Exemplo hipotético: Carlos faleceu e deixou como herdeiros Andrea (viúva), Lucas e Gabriela (filhos menores). Carlos deixou um testamento no qual nomeou sua irmã (Elisângela) como testamenteira. O juiz nomeou Elisângela como inventariante dos bens deixados por Carlos, cabendo a ela a administração do patrimônio deixado para os filhos pelo de cujus. A mãe dos menores contratou advogados para defender os interesses de seus filhos menores no inventário e pactuou honorários de 3% sobre o valor real dos bens móveis e imóveis inventariados. Os advogados do escritório ajuizaram execução cobrando os honorários. Elisângela, na qualidade de tia dos menores executados, testamenteira e única administradora, ofereceu exceção de pré-executividade em favor dos devedores Lucas e Gabriela, filhos do de cujus, alegando que o contrato de serviços advocatícios onerou o patrimônio deles sem que houvesse sua expressa autorização, tendo o negócio sido firmado por pessoa (Andrea) que não possuía ingerência sobre tais bens, dando-os em garantia de pagamento da obrigação. O STJ não concordou com a alegação de nulidade do contrato. A contratação de advogado por representante de incapaz, para atuar em inventário, como ocorreu no presente caso, configura ato de simples administração e, por isso mesmo, não depende de autorização judicial. Por se tratar de ato de simples administração, independe de prévia autorização judicial a contratação de advogado para patrocinar a ação de inventário de bens do falecido, realizada pela genitora dos menores que herdarão o patrimônio deixado pelo de cujus. STJ. 4ª Turma. REsp 1.566.852-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, julgado em 17/08/2021 (Info 705). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

Carlos faleceu e deixou como herdeiros: 

• Andrea (viúva) 

• Lucas e Gabriela (filhos menores de 18 anos) 

Carlos deixou um testamento no qual nomeou sua irmã (Elisângela) como testamenteira, nos termos do art. 1.976 do Código Civil: 

Art. 1.976. O testador pode nomear um ou mais testamenteiros, conjuntos ou separados, para lhe darem cumprimento às disposições de última vontade. 

O juiz nomeou Elisângela como inventariante dos bens deixados por Carlos, cabendo a ela a administração do patrimônio deixado para os filhos pelo de cujus. A mãe dos menores contratou advogados para defender os interesses de seus filhos menores no inventário e pactuou honorários de 3% sobre o valor real dos bens móveis e imóveis inventariados. Os advogados do escritório ajuizaram execução cobrando os honorários. Elisângela, na qualidade de tia dos menores executados, testamenteira e única administradora, ofereceu exceção de pré-executividade em favor dos devedores Lucas e Gabriela, filhos do de cujus, alegando que o contrato de serviços advocatícios onerou o patrimônio deles sem que houvesse sua expressa autorização, tendo o negócio sido firmado por pessoa (Andrea) que não possuía ingerência sobre tais bens, dando-os em garantia de pagamento da obrigação. A excipiente argumentou que a mãe dos infantes herdeiros não poderia ter disposto dos bens herdados pelos filhos assinando um contrato sem autorização judicial e anuência do Ministério Público. 

A discussão jurídica é, portanto, a seguinte: esse contrato foi, em tese, com a representação da genitora? A mãe dos menores, no caso concreto, poderia ter representado seus filhos na assinatura desse contrato mesmo não tendo a gestão dos bens da herança? SIM. 

O fato de ter sido concedida a gestão da herança a terceiro não implica restrição do exercício do poder familiar do genitor sobrevivente para promover a contratação de advogado, em nome dos herdeiros menores, a fim de representar os interesses deles no inventário. STJ. 4ª Turma. REsp 1.566.852-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, julgado em 17/08/2021 (Info 705). 

O art. 1.691 do CC/2002 prevê que: 

Art. 1.691. Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz. 

Vale ressaltar, contudo, que a contratação de advogado por representante de incapaz, para atuar em inventário, como ocorreu no presente caso, configura ato de simples administração e, por isso mesmo, não depende de autorização judicial. Nesse sentido: 

Por se tratar de ato de simples administração, independe de prévia autorização judicial a contratação de advogado para patrocinar a ação de inventário de bens do falecido, realizada pela inventariante que também é a genitora do menor que herdará com exclusividade o patrimônio deixado pelo falecido. STJ. 3ª Turma. REsp 1694350/ES, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/10/2018. 

Assim, embora se reconheça mais prudente, sem dúvida, a prévia obtenção de autorização judicial, temse que a atuação da genitora, ao constituir advogados para defesa dos interesses patrimoniais de seus filhos, configura exercício do poder familiar, compatível com o conceito de ato de simples administração, que pode prescindir da autorização judicial. Com efeito, estando aberta a sucessão do genitor dos menores, herdeiros legítimos e testamentários do morto, não poderiam os sucessores deixar de comparecer nos autos respectivos. E, para fazê-lo, necessitavam da constituição de patronos judiciais. A constituição válida de advogado para os filhos passava, necessariamente, pela pessoa da única legítima representante dos menores, sua genitora. Ademais, não se tem nos autos informação sobre a existência de conflito de interesses entre os filhos menores e a mãe, de modo que é devido presumir-se tenha a genitora exercido o poder familiar no proveito, interesse e proteção de sua prole. Deve-se se considerar, inclusive, a provável hipótese de a genitora dos menores herdeiros e a inventariante, testamenteira e administradora dos bens deixados pelo pai dos menores, não se acreditarem mutuamente, nem se relacionarem bem a ponto de nutrirem confiança recíproca. Em tal contexto, de sentimento antagônico, de mútua desconfiança e insegurança, entre a genitora e a administradora dos bens, havia suficiente motivação a justificar a contratação, pela mãe em favor dos filhos, de advogados que pudessem acompanhar a adequada condução do inventário e a correta administração do espólio dos bens deixados por morte do genitor dos menores, verificando a existência de eventual conflito com os interesses dos herdeiros. Com isso, afasta-se a nulidade do contrato de prestação de serviços advocatícios, em razão de vício formal, quer decorrente de ausência de legitimidade da mãe para representar os filhos menores na contratação, quer em razão de falta de prévia autorização judicial ou mesmo de outra formalidade inerente ao ato.

4 de setembro de 2021

Para fins de determinação da legitimidade ativa em ação de inventário, a adoção realizada na vigência do CC/1916 é suscetível de revogação consensual pelas partes após a entrada em vigor do Código de Menores (Lei 6.697/1979), mas antes da entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90).

Processo

REsp 1.930.825-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 24/08/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Adoção realizada na vigência do CC/1916 e revogada na vigência do Código de Menores (Lei n. 6.697/1979), antes da entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente. Legitimidade ativa do filho adotivo para o ajuizamento da ação de inventário. Revogação bilateral e consensual da adoção. Compatibilidade do CC/1916 com o art. 227, §6º, da CF/1988. Possibilidade de flexibilização excepcional da regra de irrevogabilidade para atender aos melhores interesses da criança e do adolescente. Ilegitimidade ativa configurada.

 

DESTAQUE

Para fins de determinação da legitimidade ativa em ação de inventário, a adoção realizada na vigência do CC/1916 é suscetível de revogação consensual pelas partes após a entrada em vigor do Código de Menores (Lei 6.697/1979), mas antes da entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90).

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Na vigência do CC/1916, a adoção possuía natureza de ato jurídico negocial, tratando-se de convenção celebrada entre os pais biológicos e os pais adotivos por meio da qual determinada pessoa passaria a pertencer a núcleo familiar distinto do natural, admitida a sua revogação nas seguintes hipóteses: (i) unilateralmente, pelo adotado, em até um ano após a cessação da menoridade; (ii) unilateralmente, pelos adotantes, quando o adotado cometesse ato de ingratidão contra eles; (iii) bilateralmente, por consenso entre as partes.

Na hipótese em exame, a adoção ocorreu em junho de 1964, quando vigoravam no Brasil as regras do CC/1916 com as alterações introduzidas pela Lei n. 3.133/1957, ao passo que, ao tempo da revogação da adoção, realizada de forma bilateral e consensual, ocorrida em Janeiro de 1990, vigoravam no Brasil, concomitantemente, apenas o CC/1916 e o Código de Menores (Lei n. 6.697/1979), sobretudo porque o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) somente passou a vigorar em Outubro de 1990, não se aplicando à hipótese.

Conquanto o CC/1916 permitisse, em seu art. 374, I, a revogação bilateral e consensual da adoção, o Código de Menores tornou irrevogável a adoção plena (art. 37 da Lei n. 6.679/1979), que veio a substituir a legitimidade adotiva anteriormente prevista no art. 7º da Lei n. 4.655/1965.

Dado que a adoção plena, irrevogável, possuía uma série de pressupostos específicos, não se pode afirmar que a adoção concretizada na vigência do CC/1916 tenha automaticamente se transformado em uma adoção plena após a entrada em vigor do Código de Menores, razão pela qual a regra do art. 37 da Lei n. 6.679/1979, embora represente uma tendência legislativa, cultural e social no sentido da vinculação definitiva decorrente da adoção que veio a se concretizar amplamente com a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente, não se aplica à adoção realizada em junho de 1964 e revogada em Janeiro de 1990, bilateral e consensualmente pelos pais adotivos e pelo filho que, naquele momento, possuía 28 anos.

A revogação, realizada em 1990 de forma bilateral e consensual, de adoção celebrada na vigência do CC/1916, é compatível com o art. 227, §6º, da Constituição Federal de 1988, uma vez que a irrevogabilidade de qualquer espécie de adoção somente veio a ser introduzida no ordenamento jurídico com o art. 39, §1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, regra que, ademais, tem sido flexibilizada, excepcionalmente, quando não atendidos os melhores interesses da criança e do adolescente.

24 de agosto de 2021

O fato de ter sido concedida a gestão da herança a terceiro não implica restrição do exercício do poder familiar do genitor sobrevivente para promover a contratação de advogado, em nome dos herdeiros menores, a fim de representar os interesses deles no inventário

Processo

REsp 1.566.852-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por maioria, julgado em 17/08/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Execução. Contrato de honorários. Terceiro inventariante e administrador dos bens. Herdeiros menores. Contratação de advogado pela genitora. Poder familiar. Nulidade formal. Inocorrência.

DESTAQUE

O fato de ter sido concedida a gestão da herança a terceiro não implica restrição do exercício do poder familiar do genitor sobrevivente para promover a contratação de advogado, em nome dos herdeiros menores, a fim de representar os interesses deles no inventário.

 

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O art. 1.691 do CC/2002 dispõe não poderem os pais "alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz".

Sobre a questão, esta Corte já se pronunciou no sentido de que a contratação de advogado por representante de incapaz, para atuar em inventário, como ocorre na presente hipótese, configura ato de simples administração e independe de autorização judicial. A propósito: REsp 1.694.350/ES, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 18/10/2018.

Na hipótese, a mãe dos menores e únicos herdeiros contratou advogados para defender os interesses de seus filhos menores e pactuou honorários de 3% sobre o valor real dos bens móveis e imóveis inventariados.

Assim, embora se reconheça mais prudente, sem dúvida, a prévia obtenção de autorização judicial, tem-se que a atuação da genitora ao constituir advogados para defesa dos interesses patrimoniais de seus filhos configura exercício do poder familiar, compatível com o conceito de ato de simples administração, que pode prescindir da autorização judicial.

Com efeito, estando aberta a sucessão do genitor dos menores, herdeiros legítimos e testamentários do morto, não poderiam os sucessores deixar de comparecer nos autos respectivos. E, para fazê-lo, necessitavam da constituição de patronos judiciais. A constituição válida de advogado para os filhos, passava necessariamente pela pessoa da única legítima representante dos menores, sua genitora.

Ademais, não se tem nos autos informação sobre a existência de conflito de interesses entre os filhos menores e a mãe, de modo que é devido presumir-se tenha a genitora exercido o poder familiar no proveito, interesse e proteção de sua prole.

Deve-se se considerar, inclusive, a provável hipótese de a genitora dos menores herdeiros e a inventariante, testamenteira e administradora dos bens deixados pelo pai dos menores, não se acreditarem mutuamente, nem se relacionarem bem a pondo de nutrirem confiança recíproca.

Em tal contexto, de sentimento antagônico, de mútua desconfiança e insegurança, entre a genitora e a administradora dos bens, havia suficiente motivação a justificar a contratação, pela mãe em favor dos filhos, de advogados que pudessem acompanhar a adequada condução do inventário e a correta administração do espólio dos bens deixados por morte do genitor dos menores, verificando a existência de eventual conflito com os interesses dos herdeiros.

Com isso, afasta-se a nulidade do contrato de prestação de serviços advocatícios, em razão de vício formal, quer decorrente de ausência de legitimidade da mãe para representar os filhos menores na contratação, quer em razão de falta de prévia autorização judicial ou mesmo de outra formalidade inerente ao ato.

Porém, noutro aspecto, não se pode reconhecer, de imediato, a plena validade de todo o conteúdo material da contratação, a ponto de se lhe certificar os atributos de liquidez, certeza e exigibilidade em face dos menores contratantes, antes do exame desses aspectos substanciais pelo órgão ministerial, atuando no interesse dos menores, máxime quando há questionamento acerca do valor do ajuste.



17 de agosto de 2021

Inconstitucionalidade da distinção de regimes sucessórios alcança decisão anterior que prejudicou companheira

 Ao analisar a modulação dos efeitos do Tema 809 da repercussão geral, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que a tese fixada pelo Supremo Tr​ibunal Federal (STF) se aplica às ações de inventário em que ainda não foi proferida a sentença de partilha, mesmo que tenha havido, no curso do processo, decisão que excluiu companheiro da sucessão.

No precedente do STF, foi declarada a inconstitucionalidade da distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, prevista no artigo 1.790 do Código Civil de 2002. Entretanto, o STF modulou os efeitos da decisão para aplicá-la "aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tenha sido lavrada escritura pública".

Herdeiros questionaram no STJ a decisão do juízo do inventário que incluiu a companheira de seu falecido pai na partilha de um imóvel comprado por ele antes da união estável, pois ela já havia sido excluída da divisão desse bem, com base no artigo 1.790 do CC/2002, em decisão anterior ao julgamento do STF.

A decisão do juízo do inventário foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, segundo o qual, com a declaração de inconstitucionalidade do artigo 1.790 pelo STF, deveria ser aplicado ao caso o artigo 1.829, inciso I, do Código Civil, admitindo-se a companheira como herdeira concorrente na sucessão, inclusive em relação ao imóvel submetido à partilha.

Para os herdeiros, as decisões que, antes do precedente do STF, aplicaram o artigo 1.790 do CC/2002 e excluíram o imóvel da concorrência hereditária, estariam acobertadas pela imutabilidade decorrente da preclusão e da coisa julgada formal, motivo pelo qual não poderiam ser alcançadas pela superveniente declaração de inconstitucionalidade.

Modulação de efeitos tem interpretação restritiva

A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que a lei incompatível com o texto constitucional padece do vício de nulidade e, como regra, a declaração da sua inconstitucionalidade produz efeitos ex tunc (retroativos). Contudo, ela lembrou que, excepcionalmente – por razões como a proteção à boa-fé, tutela da confiança e previsibilidade –, pode ser conferida eficácia prospectiva (efeito ex nunc) às decisões que declaram a inconstitucionalidade de lei.

"As interpretações subsequentes da modulação de efeitos devem ser restritivas, a fim de que não haja inadequado acréscimo de conteúdo exatamente sobre aquilo que o intérprete autêntico pretendeu, em caráter excepcional, proteger e salvaguardar", ressaltou.

Segundo Nancy Andrighi, a preocupação do STF, ao modular os efeitos de sua decisão no Tema 809, foi a de tutelar a confiança e conferir previsibilidade às relações finalizadas sob as regras antigas – isto é, nas ações de inventário concluídas em que foi aplicado o artigo 1.790 do CC/2002.

Sentença baseada em lei inconstitucional é inexigível

No caso em análise, a ministra verificou que não houve trânsito em julgado da sentença de partilha, mas somente a prolação de decisões sobre a concorrência hereditária de um bem específico.

Para a magistrada, foi lícito ao juízo do inventário rever a decisão que havia excluído a companheira do falecido da sucessão hereditária com base no artigo 1.790 do CC/2002, incluindo-a na sucessão antes da prolação da sentença de partilha, em virtude do reconhecimento da inconstitucionalidade do dispositivo legal pelo STF.

A relatora lembrou que, desde a reforma promovida pela Lei 11.232/2005, a declaração superveniente de inconstitucionalidade de uma lei pelo STF torna inexigível a sentença baseada nela – matéria suscetível de ser arguida na impugnação ao cumprimento de sentença, ou seja, após o trânsito em julgado. Por esse motivo, o juízo deve deixar de aplicar a lei inconstitucional antes da sentença de partilha, marco temporal eleito pelo STF para modular os efeitos da tese fixada no julgamento do Tema 809.

Leia o acórdão no REsp 1.904.374.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1904374

10 de maio de 2021

SUCESSÕES - Aplica-se a tese fixada no Tema 809/STF ao inventário em que ainda não foi proferida a sentença de partilha, ainda que tenha havido, no curso do processo, a prolação de decisão que, aplicando o art. 1.790 do CC, excluiu herdeiro da sucessão

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-692-stj.pdf


SUCESSÕES - Aplica-se a tese fixada no Tema 809/STF ao inventário em que ainda não foi proferida a sentença de partilha, ainda que tenha havido, no curso do processo, a prolação de decisão que, aplicando o art. 1.790 do CC, excluiu herdeiro da sucessão 

Compare com o Info 689 do STJ 

A tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do tema n. 809/STF, segundo a qual "é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002", deve ser aplicada ao inventário em que a exclusão da concorrência entre herdeiros ocorreu em decisão anterior à tese. STJ. 3ª Turma. REsp 1.904.374/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/04/2021 (Info 692). 


Imagine a seguinte situação hipotética: 

João faleceu e deixou como herdeiros Regina (com quem vivia em união estável) e três filhos. Em 2016, iniciou-se o inventário. Vale ressaltar que, na época, os direitos sucessórios da companheira (união estável) eram regidos pelo art. 1.790 do Código Civil: 

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. 

O juiz proferiu decisão na qual, aplicando expressamente o art. 1.790 do Código Civil, afirmou que Regina teria direito apenas aos bens adquiridos onerosamente durante a união estável com o falecido, a serem identificados pelo inventariante e pelos demais herdeiros. 

Ocorre que, alguns dias depois disso, houve um novo fato que mudou tudo: a decisão do STF no Tema 809 (RE 646721/RS). 

Tema 809/STF 

O STF, ao julgar o RE 646721/RS e o RE 878694/MG, ambos com repercussão geral reconhecida, fixou a tese de que: 

É inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do Código Civil. STF. Plenário RE 646721/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso e RE 878694/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 10/5/2017 (Repercussão Geral – Tema 809) (Info 864). 

O STF disse: o art. 1.790 do CC é inconstitucional porque viola o princípio da igualdade, a dignidade da pessoa humana, o princípio da proporcionalidade (na modalidade de proibição à proteção deficiente) e o princípio da vedação ao retrocesso. Já que o art. 1.790 é inconstitucional, o que se deve fazer no caso de sucessão de companheiro? Quais as regras que deverão ser aplicadas caso um dos consortes da união estável morra? O STF entendeu que a união estável deve receber o mesmo tratamento conferido ao casamento. Logo, em caso de sucessão causa mortis do companheiro deverão ser aplicadas as mesmas regras da sucessão causa mortis do cônjuge, regras essas que estão previstas no art. 1.829 do CC: 

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais. 

Logo, no caso concreto que estamos analisando: 

• a situação antes era enquadrada no art. 1.790 do CC: a companheira não tinha nenhum direito sobre os imóveis adquiridos antes da união estável. 

• com a decisão do STF, a situação passa a se enquadrar no art. 1.829: a companheira (por ser equiparada a cônjuge) passa a ter também direitos sobre os imóveis adquiridos antes da união estável. Isso porque a companheira concorre com os descendentes em relação aos bens particulares deixados pelo falecido, nos termos do inciso I do art. 1.829 do Código Civil. 

Voltando ao caso concreto: 

O juiz, que sempre acompanhava os Informativos do STF, aplicou imediatamente o entendimento fixado no RE 646721/RS, consignando que Regina também passaria a concorrer com os demais herdeiros em relação aos bens que o falecido já tinha antes do início da união estável. Os demais herdeiros recorreram alegando que a decisão que, aplicando o art. 1.790 do CC, excluiu Regina dos bens anteriores estaria acobertada pelo manto da imutabilidade decorrente da preclusão e da coisa julgada formal, motivo pelo qual não poderia ser alcançada pela superveniente declaração de inconstitucionalidade da regra legal pelo STF. 

O STJ deu provimento ao recurso dos demais herdeiros? NÃO. 

Considerando que a lei incompatível com o texto constitucional padece do vício de nulidade, a declaração de sua inconstitucionalidade, de regra, produz efeito ex tunc, ressalvadas as hipóteses em que, no julgamento pelo STF, houver a modulação temporal dos efeitos, que é excepcional. Ao declarar a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 (Tema 809), o STF modulou temporalmente a aplicação da tese para apenas “os processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha”, de modo a tutelar a confiança e a conferir previsibilidade às relações finalizadas sob as regras antigas (ou seja, às ações de inventário concluídas nas quais foi aplicado o art. 1.790 do CC/2002). 

Dessa forma, aplica-se a tese fixada no Tema 809/STF às ações de inventário em que ainda não foi proferida a sentença de partilha, ainda que tenha havido, no curso do processo, a prolação de decisão que, aplicando o art. 1.790 do CC/2002, excluiu herdeiro da sucessão e que a ela deverá retornar após a declaração de inconstitucionalidade e a consequente aplicação do art. 1.829 do CC/2002. Isso porque, desde a reforma promovida pela Lei nº 11.232/2005, a declaração superveniente de inconstitucionalidade de lei pelo Supremo Tribunal Federal torna inexigível o título que nela se funda, tratando-se de matéria suscetível de arguição em impugnação ao cumprimento de sentença - ou seja, após o trânsito em julgado da sentença (art. 475, II e §1º, do CPC/1973) -, motivo pelo qual, com muito mais razão, deverá o juiz deixar de aplicar a lei inconstitucional antes da sentença de partilha, marco temporal eleito pelo Supremo Tribunal Federal para modular os efeitos da tese fixada no julgamento do tema n. 809/STF. 

Em suma: A tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do tema n. 809/STF, segundo a qual “é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”, deve ser aplicada ao inventário em que a exclusão da concorrência entre herdeiros ocorreu em decisão anterior à tese. STJ. 3ª Turma. REsp 1.904.374/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/04/2021 (Info 692).

9 de maio de 2021

REsp 1.707.014/MT: Na vigência do CPC/2015, remanesce o interesse de agir do inventariante na ação de prestação de contas, mantido o caráter dúplice da demanda.

 REsp 1.707.014/MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 02/03/2021 

Ação de prestação de contas. Interesse de agir do inventariante. Natureza dúplice da demanda. CPC/2015.

Na vigência do CPC/2015, remanesce o interesse de agir do inventariante na ação de prestação de contas, mantido o caráter dúplice da demanda.


A ação de prestação de contas tem por escopo aclarar o resultado da administração de negócios alheios (apuração da existência de saldo credor ou devedor) e, sob a regência do CPC de 1973, ostentava caráter dúplice quanto à sua propositura, podendo ser deduzida tanto por quem tivesse o dever de prestar contas quanto pelo titular do direito de exigi-las.

Nesse contexto, o dever de prestar contas incumbia àquele que administrava bens ou interesses alheios, ao passo que o direito de as exigir cabia àquele em favor do qual os negócios haviam sido geridos. A apuração de saldo credor, em favor de uma das partes, implicava a prolação de sentença condenatória em detrimento do devedor.

Nessa ordem de ideias, pelo novel diploma, a legitimidade ativa para propor a presente ação é apenas daquele que tem seus bens, valores ou interesses administrados por outrem, isto é, por aquele que detém a pretensão de exigir contas (CPC, art. 550). Como se percebe, o referido procedimento especial é voltado tão somente para a ação de exigir contas, ficando a pretensão de dar contas relegada ao procedimento comum.

No entanto, não se pode olvidar que a pretensão de dar contas sempre teve um procedimento mais simples, já que o autor, de plano, reconhecia o seu dever de prestar as contas, limitando-se o seu mérito a desincumbir de tal mister, recebendo a quitação ou vendo declarado eventual saldo credor/devedor em relação a ele.

Importante destacar, ademais, que embora o dever de dar contas seja único e idêntico, o regime jurídico processual da prestação de contas é diverso, a depender se a administração é legal ou contratual, notadamente em razão dos ditames do novo art. 550 do CPC, voltado às obrigações derivadas de um dever negocial de prestá-las (advogado, depositário, administrador de empresa, síndico, dentre outras), e da contrapartida ao art. 553, destinado processualmente às obrigações determinadas pela lei (inventariante, administrador da falência, tutor, curador, dentre outros).

Ademais, assim como consagrado jurisprudencialmente sob a égide do CPC de 1973, o Codex de 2015 explicitou o dever do autor de, na petição inicial, especificar, detalhadamente, as razões pelas quais exige as contas, instruindo-a com documentos comprobatórios dessa necessidade, se existirem.

São as causas de pedir remota e próxima, as quais devem ser deduzidas, obrigatoriamente, na exordial, a fim de demonstrar a existência de interesse de agir do autor.

Deveras, o inventariante é o administrador e o representante legal do espólio, incumbindo a ele prestar as primeiras e últimas declarações, exibir em cartório os documentos relativos ao espólio, juntar aos autos certidões e documentos, trazer à colação os bens recebidos pelo herdeiro ausente, renunciante ou excluído e requerer a declaração de insolvência (CPC, art. 618). Ainda, ouvidos os interessados e com autorização do juiz, alienar bens, transigir, pagar dívidas e fazer despesas necessárias para conservação e melhoramento dos bens do espólio (CPC, art. 619).

Dentre os deveres do inventariante está - e aqui é importante o destaque -, o dever de "prestar contas de sua gestão ao deixar o cargo ou sempre que o juiz lhe determinar" (CPC, art. 618, VII; CPC/73, art. 991, VII). Portanto, não pode o inventariante encerrar seu mister sem que antes apresente as contas de sua gestão. Com efeito, a atribuição do inventariante é exigência da norma, razão pela qual é obrigado a prestar contas e, por consectário lógico, o seu interesse de agir, para ajuizar a presente ação autônoma de prestação de contas, é presumido.

Não se pode olvidar que, apesar do Código de Processo prever que o incidente de prestação de contas do inventariante deve ser apresentado em apenso aos autos do inventário (CPC, art. 553), pode ocorrer a finalização do processo sucessório sem o acertamento das despesas. Além do mais, como se sabe, o inventariante pode vir, futuramente, a ser civilmente responsável pelos sonegados.

Desse modo, sobressai, nesses casos, o interesse de agir do inventariante na ação de prestação de contas pelo rito especial dos arts. 552 e 553 do CPC/2015 (e não do art. 550 do mesmo código).

Por fim, anote-se que, apesar de não ser um procedimento bifásico, a prestação de contas deve ter mantida o seu caráter dúplice, podendo haver débitos ou créditos a ser liquidados pela sentença.

AÇÃO DE INVENTÁRIO. CELEBRAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL ATÍPICO. CLÁUSULA GERAL DO ART. 190 DO NOVO CPC. AUMENTO DO PROTAGONISMO DAS PARTES, EQUILIBRANDO-SE AS VERTENTES DO CONTRATUALISMO E DO PUBLICISMO PROCESSUAL, SEM DESPIR O JUIZ DE PODERES ESSENCIAIS À OBTENÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA, CÉLERE E JUSTA. CONTROLE DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS QUANTO AO OBJETO E ABRANGÊNCIA. POSSIBILIDADE.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.738.656 - RJ (2017/0264354-5) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INVENTÁRIO. CELEBRAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL ATÍPICO. CLÁUSULA GERAL DO ART. 190 DO NOVO CPC. AUMENTO DO PROTAGONISMO DAS PARTES, EQUILIBRANDO-SE AS VERTENTES DO CONTRATUALISMO E DO PUBLICISMO PROCESSUAL, SEM DESPIR O JUIZ DE PODERES ESSENCIAIS À OBTENÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA, CÉLERE E JUSTA. CONTROLE DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS QUANTO AO OBJETO E ABRANGÊNCIA. POSSIBILIDADE. DEVER DE EXTIRPAR AS QUESTÕES NÃO CONVENCIONADAS E QUE NÃO PODEM SER SUBTRAÍDAS DO PODER JUDICIÁRIO. NEGÓCIO JURÍDICO ENTRE HERDEIROS QUE PACTUARAM SOBRE RETIRADA MENSAL PARA CUSTEIO DE DESPESAS, A SER ANTECIPADA COM OS FRUTOS E RENDIMENTOS DOS BENS. AUSÊNCIA DE CONSENSO SOBRE O VALOR EXATO A SER RECEBIDO POR UM HERDEIRO. ARBITRAMENTO JUDICIAL. SUPERVENIÊNCIA DE PEDIDO DE MAJORAÇÃO DO VALOR PELO HERDEIRO. POSSIBILIDADE DE EXAME PELO PODER JUDICIÁRIO. QUESTÃO NÃO ABRANGIDA PELA CONVENÇÃO QUE VERSA TAMBÉM SOBRE O DIREITO MATERIAL CONTROVERTIDO. INEXISTÊNCIA DE VINCULAÇÃO DO JUIZ AO DECIDIDO, ESPECIALMENTE QUANDO HOUVER ALEGAÇÃO DE SUPERVENIENTE MODIFICAÇÃO DO SUBSTRATO FÁTICO. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL ATÍPICO QUE APENAS PODE SER BILATERAL, LIMITADOS AOS SUJEITOS PROCESSUAIS PARCIAIS. JUIZ QUE NÃO PODE SER SUJEITO DE NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL. INTERPRETAÇÃO ESTRITIVA DO OBJETO E DA ABRANGÊNCIA DO NEGÓCIO. NÃO SUBSTRAÇÃO DO EXAME DO PODER JUDICIÁRIO DE QUESTÕES QUE DESBORDEM O OBJETO CONVENCIONADO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA. REVISÃO DO VALOR QUE PODE SER TAMBÉM DECIDIDA À LUZ DO MICROSSISTEMA DE TUTELAS PROVISÓRIAS. ART. 647, PARÁGRAFO ÚNICO, DO NOVO CPC. SUPOSTA NOVIDADE. TUTELA PROVISÓRIA EM INVENTÁRIO ADMITIDA, NA MODALIDADE URGÊNCIA E EVIDÊNCIA, DESDE A REFORMA PROCESSUAL DE 1994, COMPLEMENTADA PELA REFORMA DE 2002. CONCRETUDE AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO E DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. HIPÓTESE ESPECÍFICA DE TUTELA PROVISÓRIA DA EVIDÊNCIA QUE OBVIAMENTE NÃO EXCLUI DA APRECIAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS PROCESSUAIS DISTINTOS. EXAME, PELO ACÓRDÃO RECORRIDO, APENAS DA TUTELA DA EVIDÊNCIA. ACORDO REALIZADO ENTRE OS HERDEIROS COM FEIÇÕES PARTICULARES QUE O ASSEMELHAM A PENSÃO ALIMENTÍCIA CONVENCIONAL E PROVISÓRIA. ALEGADA MODIFICAÇÃO DO SUBSTRATO FÁTICO. QUESTÃO NÃO EXAMINADA PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. REJULGAMENTO DO RECURSO À LUZ DOS PRESSUPOSTOS DA TUTELA DE URGÊNCIA. 

1- Recurso especial interposto em 19/12/2016 e atribuído à Relatora em 25/01/2018. 

2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se a fixação de determinado valor a ser recebido mensalmente pelo herdeiro a título de adiantamento de herança configura negócio jurídico processual atípico na forma do art. 190, caput, do novo CPC; (ii) se a antecipação de uso e de fruição da herança prevista no art. 647, parágrafo único, do novo CPC, é hipótese de tutela da evidência distinta daquela genericamente prevista no art. 311 do novo CPC. 

3- Embora existissem negócios jurídicos processuais típicos no CPC/73, é correto afirmar que inova o CPC/15 ao prever uma cláusula geral de negociação por meio da qual se concedem às partes mais poderes para convencionar sobre matéria processual, modificando substancialmente a disciplina legal sobre o tema, especialmente porque se passa a admitir a celebração de negócios processuais não especificados na legislação, isto é, atípicos. 

4- O novo CPC, pois, pretende melhor equilibrar a constante e histórica tensão entre os antagônicos fenômenos do contratualismo e do publicismo processual, de modo a permitir uma maior participação e contribuição das partes para a obtenção da tutela jurisdicional efetiva, célere e justa, sem despir o juiz, todavia, de uma gama suficientemente ampla de poderes essenciais para que se atinja esse resultado, o que inclui, evidentemente, a possibilidade do controle de validade dos referidos acordos pelo Poder Judiciário, que poderá negar a sua aplicação, por exemplo, se houver nulidade. 

5- Dentre os poderes atribuídos ao juiz para o controle dos negócios jurídicos processuais celebrados entre as partes está o de delimitar precisamente o seu objeto e abrangência, cabendo-lhe decotar, quando necessário, as questões que não foram expressamente pactuadas pelas partes e que, por isso mesmo, não podem ser subtraídas do exame do Poder Judiciário. 

6- Na hipótese, convencionaram os herdeiros que todos eles fariam jus a uma retirada mensal para custear as suas despesas ordinárias, a ser antecipada com os frutos e os rendimentos dos bens pertencentes ao espólio, até que fosse ultimada a partilha, não tendo havido consenso, contudo, quanto ao exato valor da retirada mensal de um dos herdeiros, de modo que coube ao magistrado arbitrá-lo. 

7- A superveniente pretensão do herdeiro, que busca a majoração do valor que havia sido arbitrado judicialmente em momento anterior, fundada na possibilidade de aumento sem prejuízo ao espólio e na necessidade de fixação de um novo valor em razão de modificação de suas condições, evidentemente não está abrangida pela convenção anteriormente firmada. 

8- Admitir que o referido acordo, que sequer se pode conceituar como um negócio processual puro, pois o seu objeto é o próprio direito material que se discute e que se pretende obter na ação de inventário, impediria novo exame do valor a ser destinado ao herdeiro pelo Poder Judiciário, resultaria na conclusão de que o juiz teria se tornado igualmente sujeito do negócio avençado entre as partes e, como é cediço, o juiz nunca foi, não é e nem tampouco poderá ser sujeito de negócio jurídico material ou processual que lhe seja dado conhecer no exercício da judicatura, especialmente porque os negócios jurídicos processuais atípicos autorizados pelo novo CPC são apenas os bilaterais, isto é, àqueles celebrados entre os sujeitos processuais parciais. 

9- A interpretação acerca do objeto e da abrangência do negócio deve ser restritiva, de modo a não subtrair do Poder Judiciário o exame de questões relacionadas ao direito material ou processual que obviamente desbordem do objeto convencionado entre os litigantes, sob pena de ferir de morte o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal e do art. 3º, caput, do novo CPC. 

10- A possibilidade de revisão do valor que se poderá antecipar ao herdeiro também é admissível sob a lente das tutelas provisórias, sendo relevante destacar, nesse particular, que embora se diga que o art. 647, parágrafo único, do novo CPC seja uma completa inovação no ordenamento jurídico processual brasileiro, a tutela provisória já era admitida, inclusive em ações de inventário, desde a reforma processual de 1994, que passou a admitir genericamente a concessão de tutela antecipatória, em qualquer espécie de procedimento, fundada em urgência (art. 273, I, do CPC/73) ou na evidência (art. 273, II, do CPC/73), complementada pela reforma de 2002, que introduziu a concessão da tutela fundada em incontrovérsia (art. 273, §6º, do CPC/73), microssistema que deu concretude aos princípios constitucionais da inafastabilidade da tutela jurisdicional e da razoável duração do processo. 

11- O fato de o art. 647, parágrafo único, do novo CPC, prever uma hipótese específica de tutela provisória da evidência evidentemente não exclui da apreciação do Poder Judiciário a pretensão antecipatória, inclusive formulada em ação de inventário, que se funde em urgência, ante a sua matriz essencialmente constitucional. 

12- A antecipação da fruição e do uso de bens que compõem a herança é admissível: (i) por tutela provisória da evidência, se não houver controvérsia ou oposição dos demais herdeiros quanto ao uso, fruição e provável destino do referido bem a quem pleiteia a antecipação; (ii) por tutela provisória de urgência, independentemente de eventual controvérsia ou oposição dos demais herdeiros, se presentes os pressupostos legais. 

13- Na hipótese, o acordo celebrado entre as partes é bastante singular, pois não versa sobre bens específicos, mas sobre rendimentos e frutos dos bens que compõem a herança ao espólio, bem como porque fora estipulado com o propósito específico de que cada herdeiro reunisse condições de custear as suas despesas do cotidiano, assemelhando-se, sobremaneira, a uma espécie de pensão alimentícia convencional a ser paga pelo espólio enquanto perdurar a ação de inventário e partilha. 

14- Tendo o acórdão recorrido se afastado dessas premissas, impõe-se o rejulgamento do recurso em 2º grau de jurisdição, a fim de que a questão relacionada à modificação do valor que havia sido arbitrado judicialmente seja decidida à luz da possibilidade de majoração sem prejuízo ao espólio e da necessidade demonstrada pelo herdeiro, o que não se pode fazer desde logo nesta Corte em virtude da necessidade de profunda incursão no acervo fático-probatório. 

15- Recurso especial conhecido e provido, para cassar o acórdão recorrido e determinar que o agravo de instrumento seja rejulgado à luz dos pressupostos da tutela provisória de urgência, observando-se, por fim, que eventual majoração deverá respeitar o limite correspondente ao quinhão hereditário que couber à parte insurgente. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e dar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr(a). SÉRGIO MACHADO TERRA, pela parte RECORRENTE: J A M S. Dr(a). JOANA D'ARC AMARAL BORTONE, pela parte REPR. POR: M A S. Documento: 1894927 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 05/12/2019 Página 4 de 6 Superior Tribunal de Justiça 

Brasília (DF), 03 de dezembro de 2019(Data do Julgamento)

28 de abril de 2021

STJ: Sem citação de companheira, partilha de bens é nula

 A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) restabeleceu decisão de primeiro grau que anulou uma sentença homologatória de partilha e declarou a companheira do falecido como a única herdeira, excluindo os irmãos dele da linha sucessória. Ao anular a homologação da partilha, o juízo levou em conta a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 809 da repercussão geral e, também, a falta de citação da companheira no processo.

Por unanimidade, a Terceira Turma afastou a conclusão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) de que o Tema 809 não seria aplicável ao caso pelo fato de a partilha já estar homologada antes do julgamento em que o STF considerou inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros.

A ação de inventário foi proposta por um irmão do falecido, que indicou os demais irmãos como herdeiros. Diante do consenso das partes até então citadas no processo, o juiz homologou a partilha e atribuiu aos herdeiros os respectivos quinhões. Antes da expedição do formal de partilha, a companheira do falecido requereu a sua habilitação nos autos.

Irmãos excluídos

Em razão desse fato, o juiz declarou insubsistente a sentença homologatória anteriormente proferida. E, após o julgamento do Tema 809 pelo STF, aplicou ao inventário a regra do artigo 1.829 do Código Civil, tornando a convivente herdeira e excluindo os irmãos do falecido da linha sucessória.

O TJSP, porém, reformou a sentença, por considerar que o Tema 809 – como definido pelo próprio STF – só seria aplicável aos inventários cuja sentença de partilha ainda não houvesse transitado em julgado. Considerando que a partilha já se encontrava homologada e que não havia nenhum recurso, o TJSP decretou a nulidade dos atos produzidos após a sentença homologatória e determinou que fosse expedido o formal de partilha.

Inexistência jurídica

A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso no STJ, apontou que o juízo do inventário, ao declarar a insubsistência da sentença homologatória da partilha, nada mais fez do que reconhecer a sua inexistência jurídica em razão da ausência de citação da companheira do autor da herança.

Com base na jurisprudência do STJ, a ministra ressaltou que não é possível falar em coisa julgada de sentença proferida em processo no qual não se formou a relação jurídica necessária ao seu desenvolvimento.

“Ainda que se pudesse cogitar da formação de coisa julgada material a partir de sentença homologatória de acordo de partilha e consequente possibilidade de execução do formal de partilha – que, na hipótese, sequer foi expedido –, não se pode olvidar que a execução seria ineficaz em relação à recorrente, que, relembre-se, apenas ingressou na ação de inventário após a prolação da sentença homologatória de acordo entre os colaterais”, concluiu a magistrada ao restabelecer a decisão que reconheceu a convivente como única herdeira do falecido.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1857852
STJ

24 de abril de 2021

SUCESSÕES. EXISTÊNCIA DE TESTAMENTO. INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL. POSSIBILIDADE, DESDE QUE OS INTERESSADOS SEJAM MAIORES, CAPAZES E CONCORDES, DEVIDAMENTE ACOMPANHADOS DE SEUS ADVOGADOS.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.808.767 - RJ (2019/0114609-4) 

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO 

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSO CIVIL. SUCESSÕES. EXISTÊNCIA DE TESTAMENTO. INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL. POSSIBILIDADE, DESDE QUE OS INTERESSADOS SEJAM MAIORES, CAPAZES E CONCORDES, DEVIDAMENTE ACOMPANHADOS DE SEUS ADVOGADOS. ENTENDIMENTO DOS ENUNCIADOS 600 DA VII JORNADA DE DIREITO CIVIL DO CJF; 77 DA I JORNADA SOBRE PREVENÇÃO E SOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL DE LITÍGIOS; 51 DA I JORNADA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL DO CJF; E 16 DO IBDFAM. 

1. Segundo o art. 610 do CPC/2015 (art. 982 do CPC/73), em havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial. Em exceção ao caput, o § 1° estabelece, sem restrição, que, se todos os interessados forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras. 

2. O Código Civil, por sua vez, autoriza expressamente, independentemente da existência de testamento, que, "se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha amigável, por escritura pública, termo nos autos do inventário, ou escrito particular, homologado pelo juiz" (art. 2.015). Por outro lado, determina que "será sempre judicial a partilha, se os herdeiros divergirem, assim como se algum deles for incapaz" (art. 2.016) – bastará, nesses casos, a homologação judicial posterior do acordado, nos termos do art. 659 do CPC. 

3. Assim, de uma leitura sistemática do caput e do § 1° do art. 610 do CPC/2015, c/c os arts. 2.015 e 2.016 do CC/2002, mostra-se possível o inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem assistidos por advogado, desde que o testamento tenha sido previamente registrado judicialmente ou haja a expressa autorização do juízo competente. 

4. A mens legis que autorizou o inventário extrajudicial foi justamente a de desafogar o Judiciário, afastando a via judicial de processos nos quais não se necessita da chancela judicial, assegurando solução mais célere e efetiva em relação ao interesse das partes. Deveras, o processo deve ser um meio, e não um entrave, para a realização do direito. Se a via judicial é prescindível, não há razoabilidade em proibir, na ausência de conflito de interesses, que herdeiros, maiores e capazes, socorram-se da via administrativa para dar efetividade a um testamento já tido como válido pela Justiça. 

5. Na hipótese, quanto à parte disponível da herança, verifica-se que todos os herdeiros são maiores, com interesses harmoniosos e concordes, devidamente representados por advogado. Ademais, não há maiores complexidades decorrentes do testamento. Tanto a Fazenda estadual como o Ministério Público atuante junto ao Tribunal local concordaram com a medida. Somado a isso, o testamento público, outorgado em 2/3/2010 e lavrado no 18° Ofício de Notas da Comarca da Capital, foi devidamente aberto, processado e concluído perante a 2ª Vara de Órfãos e Sucessões. 

6. Recurso especial provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti. 

Brasília (DF), 15 de outubro de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator): 

1. Lea Cukierman faleceu em 1°/2/2015, deixando em favor do marido, Samuel Cukierman, e dos dois filhos maiores Mauro Cukierman e Rogério Cukierman, testamento público, devidamente processado e concluído perante a 2ª Vara de Órfãos e Sucessões do Rio de Janeiro, com total concordância dos herdeiros e da Procuradoria do Estado, ficando estabelecido que toda a parte disponível da herança seria destinada ao viúvo. 

Em sequência, deu-se início ao inventário judicial, no qual foi requerida a partilha de bens – um imóvel e cotas socias de três empresas –, tendo aquele juízo determinado o processamento da apuração de haveres em três novos processos (distribuídos por dependência). No entanto, por se tratar de sucessão simples, envolvendo herdeiros maiores, capazes e concordes, diante das novas diretrizes da Corregedoria-Geral do Estado, a despeito de existir testamento já cumprido, requereram os interessados a extinção do feito e a autorização para que o processamento do inventário e da partilha de bens ocorresse de forma extrajudicial. 

O magistrado de piso indeferiu o pleito, pelos seguintes fundamentos: 

A pretensão deduzida encontra sólido obstáculo no comando contido no artigo 610 do novo CPC, dispositivo esse que repete integralmente o disposto no artigo 982 do CPC revogado, e determina a abertura de inventário judicial em havendo testamento, não contrariado por qualquer norma processual. Outrossim, ainda que se empreste equivocada interpretação aquela norma, data venia, é de se observar que a lei determina que é o juiz que 'deve dar a interpretação da cláusula testamentária que melhor assegure a observância da vontade do testador' (artigo 1899); que trata da 'escolha do legado' (artigo 1930); que declara a 'caducidade' (artigo 1930); que decide sobre o 'direito de acrescer' (artigo 1941); que decide acerca da 'redução das disposições testamentárias' (artigo 1966); sobre o 'registro (artigo 1979); que é o juiz que 'nomeia o testamenteiro, na falta de indicado ou cônjuge' (artigo 1984); e que é o juiz que fixa o prêmio ou vintena' (artigo 1987). E todas essas questões são próprias do processo de inventário judicial, empeço a que se adote o inventário extrajudicial. Por esses motivos, indefiro a pretensão deduzida, e determino o prosseguimento do feito. 

Interposto agravo de instrumento, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negou provimento ao recurso, nos termos da seguinte ementa: 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE INDEFERIU O PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL PARA O PROCESSAMENTO DO INVENTÁRIO ANTE A EXISTÊNCIA DE TESTAMENTO. DECISÃO QUE NÃO MERECE SER REFORMADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 610 DO CPC. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO § 1°, ANTE A EXISTÊNCIA DE TESTAMENTO. DESPROVIMENTO DO RECURSO. (fls. 43-51) 

Irresignados, interpõem recurso especial com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, por negativa de vigência ao art. 610 e § 1°, do CPC/15, além de dissídio jurisprudencial. 

Sustentam que, "apesar do teor do caput do artigo 610 do novo CPC, o § 1° expressamente permite o processamento do inventário pela via extrajudicial, desde que sejam os herdeiros capazes e concordes"; em verdade "o único impedimento para a aplicação do referido parágrafo primeiro é a existência de incapaz e não a de testamento". 

Destacam que o Tribunais pátrios, por meio de provimento de suas Corregedorias de Justiça, têm admitido o inventário extrajudicial, ainda que envolva testamento, haja vista a celeridade alcançada e a garantia de liberdade de escolha dos herdeiros, considerando, na espécie, que o viúvo-meeiro conta com 85 anos de idade.

 Argumentam que "este procedimento torna mais rápido o cumprimento do testamento, trazendo visíveis benefícios aos interessados, evitando desnecessárias formalidades e desafogando a enormidade de ações que assoberbam o Poder Judiciário, que ficará responsável por processar apenas aqueles inventários em que houver menores e/ou conflitos entre os herdeiros". 

O recurso recebeu crivo de admissibilidade positivo na origem (fls. 105-109). 

É o relatório. 

VOTO 

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator): 

2. Cinge-se a controvérsia em definir se é possível o processamento do inventário extrajudicial quando há testamento do falecido, notadamente em se tratando de interessados maiores, capazes e concordes, devidamente acompanhados de seus patronos. 

O Tribunal de origem, por maioria, seguindo a interlocutória de piso, decidiu pela impossibilidade do inventário administrativo, pelos seguintes fundamentos: 

Inicialmente, destaco ter sido designado como Relator no presente recurso, restado vencido o Des. Jessé Torres. Outrossim, destaco que os requisitos de admissibilidade já foram apreciados pelo Des. Relator, dispensando-se nova análise. No caso em tela os recorrentes almejam dar cumprimento à ultima vontade da testadora quanto à partilha dos bens, procedendo os herdeiros a juntada da certidão do RGI do imóvel e dos contratos sociais das três empresas, não tendo havido até a presente data a nomeação de inventariante. Destacaram que ante a demora no trâmite judicial dos inventários referentes a apuração de haveres das cotas sociais das empresas inventariadas optaram por promover o inventário e a partilha dos bens pela via extrajudicial, com a finalidade de tornar mais célere o cumprimento de última vontade da testadora. Entendo, em dissonância com o aduzido pelo Relator originário que resta inviável a pretensão dos recorrentes no sentido de procederem ao inventário pela via extrajudicial, haja vista a existência de disposição de última vontade do de cujus o que implica na aplicação do disposto no art. 610 do CPC, sendo certo que o § 1° do referido art. 610 não incide nos casos em que exista testamento, sendo esta a mens legis. Diante do exposto, VOTO NO SENTIDO DE CONHECER O RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO, MANTENDO-SE A R. DECISÃO VERGASTADA, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO SUPRA. 

O voto vencido, por sua vez, asseverou que: 

Cuida-se de agravo de instrumento deduzido nos autos de inventário em trâmite perante o Juízo da 2ª Vara de Órfãos e Sucessões da Comarca da Capital, contra decisão que indeferiu o processamento do inventário e da partilha de bens pela via extrajudicial, como requerido pelos herdeiros, ora agravantes. A interlocutória hostilizada (pasta 29, anexo 1) rejeitou a pretensão nos seguintes termos: [...] Narram os agravantes que, no inventário judicial em trâmite, pretendem dar cumprimento à ultima vontade da testadora quanto à partilha dos bens, tendo procedido à juntada da certidão do RGI do imóvel e dos contratos sociais das três empresas, não tendo havido a nomeação de inventariante até a presente data. Requereram a apuração de haveres das cotas sociais das empresas inventariadas, tendo o Juízo a quo determinado o processamento de cada qual separadamente, em três novos processos, distribuídos por dependência ao do inventário. Tendo em vista a demora no processamento de todas as demandas, e de serem os herdeiros maiores, capazes, representados pelos mesmos patronos, com interesses harmoniosos e concordes, postularam o processamento do inventário e da partilha de bens pela via extrajudicial, com a finalidade de tornar mais célere o cumprimento da última vontade da testadora. A decisão ora agravada indeferiu tal pleito e determinou o prosseguimento do inventário em sede judicial. A Procuradoria de Justiça em atuação perante esta Corte opina pelo conhecimento e provimento do recurso (pasta 33), verbis: "Agravo de Instrumento. Inventário. Testamento. Decisão agravada que indeferiu o pedido de realização do inventário e da partilha por instrumento público. Possibilidade de inventário pela via extrajudicial quando existir testamento. Interpretação do art. 610, §1°, do Código de Processo Civil. Enunciado 600 do CJF. Enunciado 16 do IBDF. Art. 297, §1°, da Consolidação Normativa da CGJ. Parecer pelo conhecimento e provimento do recurso." Com razão os agravantes. O testamento público, outorgado aos 02.03.2010, foi aberto, processado e concluído perante o Juízo de Direito da 2ª Vara de Órfãos e Sucessões sob o n° 0132492-26.2015.8.19.0001 (pasta 106 do anexo 01). O inventário judicial (processo n° 0168997-16.2015.8.19.0001) encontra-se em fase de avaliação de bens e apuração de haveres. Dispõe o artigo 610, § 1°, do CPC /15: Art. 610. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial. § 1° Se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras. O Provimento n° 21/2017, da Corregedoria Geral de Justiça deste Estado, alterou o art. 297 da respectiva Consolidação Normativa, que passou à seguinte redação, verbis: "Art. 297. A escritura pública de inventário e partilha conterá a qualificação completa do autor da herança; o regime de bens do casamento; pacto antenupcial e seu registro imobiliário se houver; dia e lugar em que faleceu o autor da herança; data da expedição da certidão de óbito; livro, folha, número do termo e unidade de serviço em que consta o registro do óbito, além da menção ou declaração dos herdeiros de que o autor da herança não deixou testamento e outros herdeiros, sob as penas da lei. § 1. Diante da expressa autorização do juízo sucessório competente nos autos da apresentação e cumprimento de testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qua constituirá título hábil para o registro." No mesmo sentido estabelecem o Enunciado n° 600, aprovado na VIII Jornada de Direito Civil, bem como o Enunciado n° 16, do Instituto Brasileiro de Direito da Família, ambos de 2015: "Enunciado 600: Após registrado judicialmente o testamento e sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflitos de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial". "Enunciado 16: Mesmo quando houver testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflitos de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial". No caso em testilha, sendo todos os herdeiros maiores, capazes, representados pelos mesmos patronos, com interesses harmoniosos e concordes, a partilha de bens poderá ser feita por escritura pública em cartório extrajudicial, mediante acordo e expressa autorização do juízo sucessório. Averbem-se precedentes deste TJRJ, em casos de idêntico teor, de todo aqui aplicáveis, vg: [...] Daí votar por que se dê provimento ao recurso, para que seja autorizada a realização do inventário pela via extrajudicial, nos termos do art. 610, § 1°, do CPC/15. 

3. Nesse passo, observo que o testamento é um negócio jurídico pelo qual a pessoa capaz faz disposições de caráter patrimonial ou extrapatrimonial, para depois de sua morte (CC, art. 1857), fazendo o testador amplo exercício de sua autonomia de vontade, seja quanto ao patrimônio seja em relação às questões existenciais, respeitados os limites da norma. 

Com a morte, por meio da saisine, transmite-se a herança aos sucessores legítimos e testamentários, momento em que a universalidade de bens é definida em sua composição, por meio do inventário, bem como há a individualização da cota hereditária em relação a cada sucessor, por intermédio da partilha. 

Nessa ordem de ideias, a Lei n. 11.441/2007, em normativo inovador, seguindo a linha da desjudicialização que atinge diversos países do mundo, autorizou a realização de alguns atos de jurisdição voluntária pela forma extrajudicial. A Resolução n. 35/2007, do CNJ, disciplinou especificamente o inventário e a partilha pela via administrativa, sem afastar, por óbvio, a via judicial, haja vista não se tratar de procedimento obrigatório. 

Deveras, a partilha extrajudicial é instituto crescente e cada vez mais consagrado no direito comparado: 

O Código Civil francês, artigo 819, prevê: "Si tous les héritiers sont présents et capables, le partage peut être fait dans la forme et par tel acte que les parties jugent convenables" ("Se todos os herdeiros estão presentes e são capazes, a partilha pode ser feita na forma e pelo ato que as partes julguem conveniente"). O Código Civil português, artigo 2.102,1, afirma que a partilha pode fazer-se extrajudicialmente, quando houver acordo de todos os interessados, ou por inventário judicial, nos termos previstos na lei do processo; a partilha extrajudicial deve ser feita por escritura pública se na herança existirem bens imóveis, como exige o Código do Notariado. O Código Civil espanhol, artigo 1.058, permite que a partilha da herança seja feita extrajudicialmente, se os herdeiros forem maiores, tiverem a livre administração de seus bens e houver acordo unanime {nemim discrepante) de todos eles. O artigo 3.462 do Código Civil argentino, reformado pela Lei n° 17.711/68, admite a partilha extrajudicial ou privada, que pode ser feita pelos herdeiros presentes e capazes, desde que haja acordo entre eles. Na Suíça, o artigo 607, 2, do Código Civil, estabelece o princípio da liberdade da convenção em matéria de partilha. No mesmo sentido: artigo 2.530 do Código Civil paraguaio; artigo 853 do Código Civil peruano; artigo 907,1, do Código Civil japonês; artigo 838, al. 1, do Código Civil de Québec. O artigo 2.048 do Código Civil alemão (BGB) e o artigo 733, II, do Código Civü italiano afirmam que o testador pode determinar que a partilha seja feita segundo o critério (que deve ser equitativo, justo) de um terceiro. (VELOSO, ZENO. Lei n° 11.441, de 04.01.2007 – Aspectos práticos da separação, divórcio, inventário e partilha consensuais. In: Família e responsabilidade. Coord. Rodrigo da Cunha Pereira. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2010, p. 115) 

O advento do novo Código de Processo Civil trouxe consigo a concretização de importantes mecanismos de pacificação, inclusive em relação às serventias extrajudiciais, enfatizando a desjudicialização da contenda. 

Com relação especificamente ao inventário extrajudicial, o Código cristalizou o tema sem exauri-lo, definindo a escritura pública como o meio formal adequado ao seu processamento, equiparando-a "à sentença judicial quanto à sua eficácia executiva" (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1025). 

4. A dicção do art. 610 do CPC/2015 (art. 982 do CPC/73) é a seguinte: 

Art. 610. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial. 

§ 1 o Se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras. 

§ 2 o O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial. 

Em relação ao contexto da norma, ainda quando da entrada em vigor da Lei n. 11.441/2007, pontuou Zeno Veloso que: 

Não há nenhum exagero ao afirmar que a Lei n° 11.441/07 é de extrema importância, introduziu um avanço notável, representa verdadeiro marco no Direito brasileiro, porque faculta aos interessados adotar um procedimento abreviado, simplificado, fora do Poder Judiciário, sem burocracia, sem intermináveis idas e vindas. O cidadão passou a ter razoável certeza do momento em que começa e da hora em que acaba o procedimento, a solução de seu problema. E isso é fundamental, sobretudo quando se trata de superar a crise dolorosa e aduda na relação familiar. (Lei n° 11.441, de 04.01.2007 – Aspectos práticos da separação, divórcio, inventário e partilha consensuais. In: Família e responsabilidade. Coord. Rodrigo da Cunha Pereira. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2010, p. 103) 

De fato, deve-se ter em mente que o norte interpretativo de todos os diplomas citados foi o de fomentar a utilização dos procedimentos com reflexos na ordem social, econômica e jurídica, diante das "reduções de burocracias e de formalidades para os atos de transmissão hereditária, bem como a celeridade, na linha da tendência atual de desjudicialização das contendas e pleitos" (TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito das sucessões, Vol. 6, Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 589). 

Ademais, na linha do art. 5° da LINDB e dos arts. 3°, § 2°, 4° e 8° do novo CPC, os fins sociais e as exigências do bem comum em relação à norma autorizativa de inventário extrajudicial são a redução de formalidades e burocracias, com o incremento do maior número de procedimentos e de solução de controvérsias por meios alternativos ao aparato estatal. 

Nesse contexto, havendo a morte e estando todos os herdeiros e interessados, maiores e capazes, de pleno e comum acordo quanto à destinação e partilha dos bens, não haverá necessidade de judicialização do inventário, podendo a partilha ser definida e formalizada conforme a livre vontade das partes no âmbito extrajudicial. 

Foi autorizada, assim, a via extrajudicial do inventário mediante a lavratura de escritura pública, cujo pressuposto-base é a ausência de litigiosidade e que os envolvidos sejam capazes e estejam de acordo com a vontade manifestada pelo testador. 

No entanto – e aqui reside a polêmica – a redação do dispositivo deixa margem à dúvida, que, no limite, pode inviabilizar o processamento do inventário extrajudicial quando há disposição de última vontade do de cujus. Penso que o só fato de existir testamento não pode ser impeditivo para que o inventário siga pela via administrativa. 

Data venia, não parece razoável obstar a realização do inventário e da partilha por escritura pública quando há registro judicial do testamento (já que haverá definição precisa dos seus termos) ou autorização do juízo sucessório (ao constatar que inexistem discussões incidentais que não possam ser dirimidas na via administrativa), sob pena de violação a princípios caros de justiça, como a efetividade da tutela jurisdicional e a razoável duração do processo. 

Decorrente da própria técnica legislativa, o caput do dispositivo de lei deve ser tido como o responsável pela ideia central do artigo, cabendo aos parágrafos a definição dos seus desdobramentos, explicações, complementações, condições e exceções à cabeça do dispositivo. 

Com efeito, "os parágrafos têm por finalidade explicar ou modificar a regra constante do artigo ao qual se submetem. Possuem função de escrita secundária e não devem estabelecer regra geral. As alíneas, incisos e itens devem ter apenas uma função esclarecedora ou enunciativa" (VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito: primeiras linhas. São Paulo: Atlas, 2006, p. 209). 

Nessa ordem de ideias, o caput do art. 610 estabelece a regra: em havendo testamento ou interessado incapaz, o inventário se dará pela via judicial. Não obstante, conforme exceção à regra disposta no § 1°, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública sempre que os herdeiros forem capazes e concordes e não façam nenhuma restrição, o que engloba, por óbvio, a situação em que exista testamento. 

Ademais, o Código Civil autoriza expressamente, independentemente da existência de testamento, que, "se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha amigável, por escritura pública, termo nos autos do inventário, ou escrito particular, homologado pelo juiz" (art. 2.015). Por outro lado, determina que "será sempre judicial a partilha, se os herdeiros divergirem, assim como se algum deles for incapaz" (art. 2.016). Bastará, nesses casos, a homologação judicial posterior do acordado, nos termos do art. 659 do CPC. 

Aliás, importante destacar que, antes mesmo da Lei n. 11.441/2007, o notário já lavrava escrituras públicas de partilha amigável, ainda que houvesse testamento, desde que a escritura fosse submetida à homologação do juiz. 

É o destaque da doutrina: 

De modo que, se antes da vigência da lei era possível a prática do ato notarial, não há razão para sustentar que desde o dia 5 de janeiro de 2007 não é mais possível a realização de inventário e partilha por escritura pública quando houver testamento, devendo ficar a ressalva de que, nesses casos, a escritura precisa ser homologada judicialmente. Interpretar de outro modo seria até mesmo absurdo, pois, nesse caso, o notário teria competência legal exclusiva para elaborar o testamento público e não poderia elaborar a escritura pública de partilha. (CAHALI, Francisco José [et al.]. Escrituras públicas: separação, divórcio, inventário e partilha consensuais. São Paulo: RT, 2008, p. 66). 

Assim, a mens legis que autorizou o inventário extrajudicial foi justamente a de desafogar o Judiciário, afastando a via judicial de processos nos quais não se necessita da chancela judicial, assegurando solução mais célere e efetiva em relação ao interesse das partes. 

Realmente, "entre maiores e capazes que se acham em pleno acordo quanto ao modo de partilhar o acervo hereditário, nada recomenda ou justifica o recurso ao processo judicial e a submissão a seus custos, sua complexidade e sua inevitável demora. Por outro lado, a retirada do inventário da esfera judicial contribui para aliviar a justiça de uma sobrecarga significativa de processos. Essa sistemática, portanto, só merece aplausos" (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, v. 2, Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 257).

 Por óbvio, sempre será possível a discussão judicial de eventuais controvérsias a respeito da validade do testamento ou de alguma de suas cláusulas. Da mesma forma, "a existência de débitos do autor da herança, bem como de eventual direito de terceiros, não impedem a lavratura da escritura pública amigável de inventário e partilha. Contudo, ficam ressalvados esses eventuais direitos porque o sistema jurídico brasileiro não admite sejam realizados negócios jurídicos em fraude contra credores, que ficam sujeitos à anulação (CC 158), nem em fraude de execução, que são ineficazes relativamente à ação judicial pendente quando da alienação ou oneração do bem (CPC, 792)" (NERY JR. Nelson. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 1.432). 

Nessa esteira, "todo testamento, para o seu cumprimento, deve, antes de mais nada, ser registrado em juízo, ou seja, em processo judicial específico, regulado pelos arts. 1.225 a 1.129 do Código de Processo Civil de 1973 (arts. 735 a 737 do CPC de 2015)". 

Deveras, o inventário extrajudicial com testamento exige o provimento judicial para o ato de abertura, registro e cumprimento de testamento. "Nesse ato de abertura e registro de testamento, que é judicial, possíveis vícios formais serão apreciados e o testamento somente será executado se atender os requisitos formais. Assim, de um modo ou de outro, o inventário extrajudicial somente poderá ser iniciado após o registro do testamento e da ordem de cumprimento em processo judicial específico" (FIGUEIREDO, Ivanildo. Inventário extrajudicial na sucessão testamentária: possibilidade, legalidade, alcance e eficácia. Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões n. 8 - set./out./2015, pp. 97-98). 

No mesmo sentido, é a lição de Cristiano Chaves: 

Todavia, em proibição pouco coerente, a legislação não admite o uso da via administrativa de inventário se o falecido deixou testamento. Nesse caso, imperativo o manejo de inventário em juízo, por conta da necessidade de prévia homologação do testamento. O argumento não convence. Ora, o que se mostra necessário proceder em juízo é a homologação do testamento. Assim, se o testamento já foi homologado judicialmente, garantida está a sua idoneidade, não se vislumbra qualquer óbice a impedir a partilha amigável, entre capazes, pela via cartorária. Injustificável, portanto, a vedação. (Curso de direito civil: sucessões. Salvador: Juspodvm, 2016, p. 518) 

De outra parte, o processamento do inventário extrajudicial sempre exigirá a assistência e o acompanhamento de advogado ou defensor público. Com efeito, não obstante o testamento, "o inventário extrajudicial exige a concordância de todos os interessados com os termos da partilha dos bens, os quais devem ser assistidos pelos seus advogados, garantia de segurança quanto ao conhecimento dos direitos e obrigações de cada um" (ARAÚJO, Luciano Vianna. Comentários ao Código de Processo Civil. Coord. Cassio Scarpinella Bueno. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 178). 

Em se tratando de direitos disponíveis, não há razão de ordem pública para proibir o inventário extrajudicial quando o testamento já tiver sido homologado judicialmente, até porque o herdeiro maior e capaz nem sequer é obrigado a receber o seu quinhão hereditário estipulado pelo testador. 

Ainda porque, ao lavrar o testamento – ato solene por natureza –, o notário o faz com a observância de todas as suas formalidades, sendo efetivado na presença do testador e de duas testemunhas, discutido, lido, escrito e assinado no livro de notas, com a certeza e a segurança de assim representar a vontade manifestada pelo testador (CC, art. 1.864), além do absoluto cuidado e elevado grau de segurança na qualificação do testador, na aferição da sua capacidade e do seu discernimento, na limitação do seu poder de disposição, com respeito, inclusive, à legítima dos herdeiros necessários (CC, art. 1.857, § 1º). 

A doutrina bem destaca a atuação do referido profissional: 

O tabelião, ao colher a declaração de vontade e lavrar o testamento, representa o principal agente formalizador do ato, como titular da fé pública. Não serão as testemunhas instrumentárias que poderão, futuramente, comprovar ou afirmar a existência real do ato de testamento lavrado no cartório de notas, perante o tabelião. Tampouco o Juiz ou o representante do Ministério Público poderão expressar a vontade do testador em vida, visto que sequer conheceram a pessoa do testador. A responsabilidade pela certeza e pela perfeição jurídica do testamento é do tabelião, cujo instrumento lavrado vai assegurar a perpetuação da vontade do testador após a sua morte. Todavia, o tabelião conheceu e teve contato direto com o testador, quando este expressou sua vontade testamentária para dispor dos seus bens e interesses, instituindo condições especiais e particulares para o processamento da sua sucessão. Coube ao tabelião, nesse contato personalíssimo com o testador, conversar, discutir e esclarecer os requisitos estabelecidos em lei para o ato de testar, explicando sobre a limitação do poder de disposição, esclarecendo a respeito da intangibilidade da legítima dos herdeiros necessários. Assim, ainda que o inventário extrajudicial venha a ser processado, no futuro, por outro tabelião que não tenha lavrado o testamento, os critérios de elaboração e formalização do testamento adotados foram os mesmos, o grau de segurança jurídica esteve garantido pelo cumprimento de todas as solenidades definidas e exigidas no art. 1.864 do Código Civil. (FIGUEIREDO, Ivanildo. ob.cit., p. 95-96). 

5. Assim, de uma leitura sistemática do caput e do § 1° do art. 610, do CPC/2015, penso ser possível o inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem assistidos por advogado, desde que o testamento tenha sido previamente registrado judicialmente ou haja a expressa autorização do juízo competente . 

Com efeito, penso que a só existência de testamento não pode servir de motivo para impedir que o inventário seja levado a efeito administrativamente. "Não existindo litígio ou conflito de interesses, sendo todas as partes maiores e capazes, nada mais justifica, pois, que tais questões continuem a ser levadas ao Poder Judiciário, que, na maioria desses casos, terá sua função limitada a mero papel homologatório, de chancelar aquilo que já foi decidido pela livre-vontade das partes" (FIGUEIREDO, Ivanildo. ob.cit., p. 90). 

Ora, o processo deve ser um meio, e não um entrave, para a realização do direito. Se a via judicial é prescindível, não há razoabilidade em proibir, na ausência de conflito de interesses, que herdeiros, maiores e capazes, socorram-se da via administrativa para dar efetividade a um testamento já tido como válido pela Justiça. 

Trata-se, aliás, do posicionamento amplamente aceito pela doutrina e pela jurisprudência, na dicção de diversos enunciados e provimentos das Corregedorias dos Tribunais. Confira-se: 

– Enunciado n. 600 da VII Jornada de Direito Civil do CJF: "Após registrado judicialmente o testamento e sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial." 

– Enunciado n. 77 da I Jornada sobre Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios: "Havendo registro ou expressa autorização do juízo sucessório competente, nos autos do procedimento de abertura e cumprimento de testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes, o inventário e partilha poderão ser feitos por escritura pública, mediante acordo dos interessados, como forma de pôr fim ao procedimento judicial." 

– Enunciado n. 51 da I Jornada de Direito Processual Civil do CJF: "Havendo registro judicial ou autorização expressa do juízo sucessório competente, nos autos do procedimento de abertura, registro e cumprimento de testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes, poderão ser feitos o inventário e a partilha por escritura pública." 

– Enunciado n. 16 do IBDFAM: "Mesmo quando houver testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial." 

Ademais, já é a realidade adotada pelas Corregedorias dos Tribunais do país, que vêm autorizando o inventário extrajudicial, ainda que presente disposição de última vontade (testamento), desde que os interessados sejam capazes e concordes, como soem, por exemplo, as determinações do TJSP (Provimento n. 37 da Corregedoria-Geral), do TJRJ (nova redação do art. 297, § 1°, da Consolidação Normativa da Corregedoria-Geral - Provimento n. 21/2017), do TJPB (art. 310 do Código Geral de Normas Judicial e Extrajudicial da Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba) e do TJPR (Ofício-circular 155/2018 da Corregedoria da Justiça do Paraná). 

Também é o entendimento da doutrina especializada: 

Se houver testamento com conteúdo patrimonial, pode-se fazer partilha por escritura pública se herdeiros forem capazes, seguida de homologação judicial. É possível o inventário extrajudicial ainda que haja testamento, desde que previamente registrado em juízo ou homologado posteriormente pelo juízo competente (Enunciado n. 1 do Colégio Notarial do Brasil) [...] Realmente, a existência de testamento não deveria coibir inventário extrajudicial, desde que haja: a) homologação judicial do ato de última vontade; b) plena capacidade dos herdeiros; c) ausência de conflito entre os interessados; e d) invocação da cláusula geral de negócios processuais atípicos (CPC, art. 190). (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil: vol. 6: direito das sucessões. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 446)

Com o devido respeito, os diplomas legais que exigem a inexistência de testamento para que a via administrativa do inventário seja possível devem ser mitigados, especialmente nos casos em que os herdeiros são maiores, capazes e concordam com esse caminho facilitado. Nos termos do art. 5° da Lei de Introdução, o fim social da Lei 11.441/2007 foi a redução de formalidades, devendo essa sua finalidade sempre guiar o intérprete do Direito. O mesmo deve ser dito quanto ao Novo CPC, inspirado pelas máximas de desjudicialização e de celeridade. (TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito das sucessões, Vol. 6, Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 548)

Nos termos da Lei n° 11.441/07, o inventário e partilha por escritura pública só podem ser feitos se todos os interessados forem capazes e concordes, devendo estar assistidos por advogado. Mas a utilização deste expediente, extrajudicial, não pode ocorrer se o falecido deixou testamento. Não importa a forma do testamento – ordinário ou especial – ou da natureza das disposições testamentárias, ou de o testamento já ter sido registrado ou confimado em juízo e com o 'cumpra-se' do juiz (CPC, arts. 1.125 a 1.134). Dada a expressa vedação legal, não há como fugir à conclusão de que a existência do testamento impede a utilização da partilha extrajudicial. Mas, se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha amigável, por escritura pública, na forma do art. 2.015 do Código Civil, mesmo que o autor da herança tenha deixado testamento, todavia, como prevê o art. 1.0131 do CPC [art. 659 do novo CPC] – com a redação dada pelo art. 2° da Lei n° 11.441/07 –, a partilha, neste caso, tem de ser homologada pelo juiz. Entretanto, o falecido pode ter morrido sem testamento, mas ter deixado um codicilo (Código Civil, art. 1.881), que é disposição de última vontade, de conteúdo e objeto limitados, e testamento não é. Penso que, neste caso, é possível fazer-se a partilha extrajudicial, por escritura pública. (cf. Juliana da Fonseca Bonates, Separação, divórcio, partilhas e inventários extrajudiciais, coordenadores Antônio Carlos Mathias Coltro e Mário Luiz Delgado, São Paulo: Editora Método, 007, p. 318). (VELOSO, ZENO. Lei n° 11.441, de 04.01.2007 – Aspectos práticos da separação, divórcio, inventário e partilha consensuais. In: Família e responsabilidade. Coord. Rodrigo da Cunha Pereira. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2010, p. 114)

 Unicamente quando da existência de testamento, ou de incapazes, ou de falta de acordo, é obrigatória a via judicial. Na existência de testamento, entretanto, passou a entender-se a possibilidade da escritura pública, bastando, em passo posterior, a mera homologação do juiz. (RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 604)

Não se pode olvidar que a partilha amigável feita pelos serviços notariais e registrais, além de aprimorar a justiça colaborativa, permite que o jurisdicionado e os advogados tenham "um ambiente com acessibilidade e segurança jurídica, além de baixo custo e celeridade" (SILVA, Érica Barbosa e. O novo CPC e o inventário extrajudicial - uma análise crítica. Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões n. 10 - jan./fev./2016, p. 201). 

6. No caso dos autos, quanto à parte disponível da herança, verifica-se que todos os herdeiros são maiores, com interesses harmoniosos e concordes, devidamente representados por advogado. De resto, não há maiores complexidades decorrentes do testamento, já que, "conforme disposto no testamento de fls. 101/103 do anexo, é importante destacar que a falecida legou a parte disponível de todos os bens que possui ou venha possuir para seu marido Samuel Cukierman, incluindo nesta parte, as ações do Centro de Correção Ocular Ltda., dos Serviços Médicos Oftalmológicos Ltda., e as ações do Pro-Oftalmo MicroCirurgia Ocular, e que a legítima de seus filhos Rogério e Mauro deverá recair na parte que a testadora possui no imóvel na Rua Marechal Taumaturgo n° 205 casa 1, Teresópolis" (fl. 39). 

Tanto a Fazenda Estadual como o Ministério Público atuante junto ao Tribunal local concordaram com a medida. 

Somado a isso, o testamento público, outorgado em 2/3/2010, lavrado no 18° Ofício de Notas da Comarca da Capital, folhas 199/200, Livro 76T, foi devidamente aberto, processado e concluído perante a 2ª Vara de Órfãos e Sucessões sob o n. 0132492-26.2015.8.19.0001. 

Portanto, segundo penso, não há razão para indeferir o processamento do inventário extrajudicial. 

7. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para autorizar que o inventário dos recorrentes ocorra pela via extrajudicial. 

É o voto.