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16 de fevereiro de 2022

A cessão fiduciária de título de crédito não se submete à recuperação judicial, independentemente de registro em cartório

 STJ. 2ª Seção. REsp 1.629.470-MS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 30/11/2021 (Info 721)

A cessão fiduciária de título de crédito não se submete à recuperação judicial, independentemente de registro em cartório

Caso Julgado

empresa recebeu mútuo bancário

empresa cedeu ao banco títulos e direitos que ela possuía para receber (operações de desconto de recebíveis de cartões de crédito)

empresa tinha valores para receber no futuro (daqui a alguns dias, meses ou anos) de alguns devedores e cedeu fiduciariamente tais créditos para o banco

Sendo pago o empréstimo, o banco “devolveria” os créditos

caso se tornasse inadimplente, o banco se tornaria, em definitivo, proprietário dos valores

Alguns meses após a assinatura desse contrato, a referida empresa entrou em recuperação judicial

Estes créditos cedidos ao banco fiduciariamente como garantia da dívida não deverão entrar na recuperação judicial

se enquadram na exceção à regra do caput do art. 49, nos termos do § 3º do mesmo artigo

Não é necessário que a cessão de crédito realizada tenha sido registrada em cartório

A cessão fiduciária de título de crédito não depende de registro em RTD para ser constituída, não se lhe aplicando a regra do art. §1º do art. 1.361 do CC, regente da cessão fiduciária de coisa móvel infungível

Recuperação judicial

recuperação judicial surgiu para substituir a antiga “concordata”

objetivo de viabilizar a superação da situação de crise do devedor

Finalidade de permitir que a atividade empresária se mantenha e, com isso, sejam preservados os empregos dos trabalhadores e os interesses dos credores

Consiste em um processo judicial, no qual será construído e executado um plano com o objetivo de recuperar a empresa que está em vias de efetivamente ir à falência

Plano de recuperação

Em até 60 dias após o despacho de processamento da recuperação judicial

devedor deverá apresentar em juízo um plano de recuperação da empresa

sob pena de convolação (conversão) do processo de recuperação em falência

plano deve conter

discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a serem empregados (art. 50);

demonstração de sua viabilidade econômica; e

laudo econômico-financeiro e laudo de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada

créditos sujeitos à recuperação judicial

Na recuperação judicial, a empresa devedora, que está “sufocada” por dívidas

irá pagar os seus credores de uma forma mais “suave”

para que consiga quitar todos os débitos e se manter funcionando

credores da empresa em recuperação judicial são inscritos no “quadro geral de credores”

Cada um receberá seu crédito de acordo com o que for definido no plano de recuperação

Definir quais créditos / credores terão que receber seus créditos conforme o plano de recuperação

Regra

estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido de recuperação judicial, ainda que não vencidos

art. 49, caput, da Lei nº 11.101/2005

em regra, as ações e execuções que tramitam contra a empresa em recuperação são suspensas para poder não atrapalhar a execução do plano (art. 6º, LRF)

Exceções

art. 49, §§ 3º e 4º, da Lei nº 11.101/2005

determinados créditos que não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial.

Art. 49, § 3º, LRF: “Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial”.

créditos cedidos ao banco fiduciariamente como garantia da dívida não deverão entrar na recuperação judicial, ou seja, estarão excluídos das regras da recuperação judicial

propriedade fiduciária

alienação fiduciária de coisa fungíve

cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis

cessão fiduciária de títulos de créditos

não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial (art. 49, §3º, LRF)

não precisa de registrado no cartório do Registro de Títulos e Documentos (CRD)

alienação fiduciária bens móveis fungíveis, credor fiduciário instituição financeira: art. 66-B, Lei 4728/65

A lei não prevê o registro como requisito para essa garantia

direitos cedidos fiduciariamente

integram patrimônio credor fiduciário e não empresa em recuperação

não se enquadram como bens de capital essenciais à atividade empresarial

15 de fevereiro de 2022

O locatário do imóvel cuja propriedade foi consolidada nas mãos do credor fiduciário diante da inadimplência do devedor fiduciante (antigo locador do bem) não é parte legítima para responder pela taxa de ocupação, prevista no art. 37-A da Lei nº 9.514/97, por não fazer parte da relação jurídica que fundamenta a cobrança da taxa em questão.

 STJ. 4ª Turma. REsp 1.966.030-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 23/11/2021 (Info 720)

O locatário do imóvel cuja propriedade foi consolidada nas mãos do credor fiduciário diante da inadimplência do devedor fiduciante (antigo locador do bem) não é parte legítima para responder pela taxa de ocupação, prevista no art. 37-A da Lei nº 9.514/97, por não fazer parte da relação jurídica que fundamenta a cobrança da taxa em questão.

Alienação fiduciária em garantia

A alienação fiduciária de bens imóveis é regida precipuamente pela Lei nº 9.514/97

Personagens

Mutuário /fiduciante

Mutuário - pessoa beneficiada por um contrato de mútuo (quem toma dinheiro emprestado)

Fiduciante - pessoa que transmite a propriedade do bem ao credor como forma de garantia da dívida (fidúcia = confiança)

Mutuante /fiduciário

Mutuante - pessoa que empresta dinheiro em um contrato de mútuo

Fiduciário - pessoa que recebe a propriedade do bem do devedor como forma de garantia da dívida

Inadimplemento

art. 26, Lei nº 9.514/97: “Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário”.

apesar de a lei falar que a propriedade do imóvel consolida-se em nome do fiduciário, isso não significa que ele tenha se tornado o proprietário pleno do bem

A Lei impõe ao fiduciário a obrigação de tentar alienar o imóvel por meio de leilão:

art. 27, Lei nº 9.514/97: “Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel”.

Taxa de ocupação do imóvel

art. 37-A, Lei 9.514/97 prevê que, se fiduciante, mesmo estando inadimplente, continuar morando no imóvel, o fiduciário (credor) poderá exigir o pagamento de um valor chamado de “taxa de ocupação”

“remuneração” paga ao fiduciário p/ fiduciante continuar posse imóvel, mesmo estando inadimplente

a exigibilidade da taxa de ocupação tem início na data da consolidação da propriedade

Lei nº 13.465/2017 alterou o art. 37-A da Lei nº 9.514/97

art. 37-A, Lei nº 9.514/97: “O devedor fiduciante pagará ao credor fiduciário, ou a quem vier a sucedê-lo, a título de taxa de ocupação do imóvel, por mês ou fração, valor correspondente a 1% (um por cento) do valor a que se refere o inciso VI ou o parágrafo único do art. 24 desta Lei, computado e exigível desde a data da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciante até a data em que este, ou seus sucessores, vier a ser imitido na posse do imóvel.

Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se às operações do Programa Minha Casa, Minha Vida, instituído pela Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, com recursos advindos da integralização de cotas no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR)”.

Aluguel do imóvel pelo fiduciante

Fiduciante pode alugar o imóvel mesmo estando alienado fiduciariamente ao banco

art. 24, V, Lei nº 9.514/97: “Art. 24. O contrato que serve de título ao negócio fiduciário conterá: (...)

V - a cláusula assegurando ao fiduciante, enquanto adimplente, a livre utilização, por sua conta e risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária”;

O locatário do imóvel, não tem responsabilidade pelo pagamento da taxa de ocupação.

taxa de ocupação tem por fundamento a posse injusta exercida pelo devedor fiduciante a partir do momento em que consolidada a propriedade no patrimônio do credor, sendo sua finalidade compensar o legítimo proprietário do imóvel - o credor fiduciário, ou quem vier a sucedê-lo - pela ocupação ilegítima

art. 37-A da Lei nº 9.514/97 deixa claro quem são os sujeitos da relação jurídica que envolve a cobrança da taxa de ocupação: de um lado o devedor/fiduciante e de outro o credor/fiduciário (ou quem o sucedeu)

a cessão da posse do imóvel objeto de alienação fiduciária, por meio da celebração de contrato de locação com terceiros, é uma faculdade assegurada ao devedor fiduciante, pois a lei lhe confere, “enquanto adimplente, a livre utilização por sua conta e risco do imóvel objeto da alienação fiduciária” (art. 24, V, da Lei nº 9.514/97)

havendo anuência do credor fiduciário, a locação deve ser respeitada, passando o credor (banco) a figurar na relação locatícia como sucessor do locador, e os valores que o credor poderá cobrar do ocupante imóvel, após consolidação propriedade são aqueles decorrentes do contrato de locação.

não havendo essa anuência, inexiste qualquer vínculo entre o locatário e o credor fiduciário (banco). Desse modo, o banco poderá, apenas, denunciar a locação, nos termos do art. 27, § 7º, Lei 9514/97

art. 27, § 7º, Lei 9514/97: “Se o imóvel estiver locado, a locação poderá ser denunciada com o prazo de trinta dias para desocupação, salvo se tiver havido aquiescência por escrito do fiduciário, devendo a denúncia ser realizada no prazo de noventa dias a contar da data da consolidação da propriedade no fiduciário, devendo essa condição constar expressamente em cláusula contratual específica, destacando-se das demais por sua apresentação gráfica. (Incluído Lei 10.931/2004)

 

19 de novembro de 2021

Aplica-se o § 3º do art. 49 da Lei 11.101/2005 mesmo que o bem dado em alienação judiciária seja de propriedade de terceiros, isto é, mesmo que o fiduciante não seja a empresa em recuperação judicial

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-710-stj-2.pdf 


RECUPERAÇÃO JUDICIAL Aplica-se o § 3º do art. 49 da Lei 11.101/2005 mesmo que o bem dado em alienação judiciária seja de propriedade de terceiros, isto é, mesmo que o fiduciante não seja a empresa em recuperação judicial 

O afastamento dos créditos de titulares de posição de proprietário fiduciário dos efeitos da recuperação judicial da devedora independe da identificação pessoal do fiduciante ou do fiduciário com o bem imóvel ofertado em garantia ou com a própria recuperanda. Art. 49 (...) § 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, (...) seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais (...) O fato de o bem imóvel alienado fiduciariamente não integrar o acervo patrimonial da empresa devedora não tem o condão de afastar a regra prevista no § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005. STJ. 3ª Turma. REsp 1.938.706-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/09/2021 (Info 710). 

Quais créditos estão sujeitos à recuperação judicial 

Na recuperação judicial, a empresa devedora, que está “sufocada” por dívidas, irá pagar os seus credores de uma forma mais “suave”, a fim de que consiga quitar todos os débitos e se manter funcionando. Assim, os credores da empresa em recuperação judicial são inscritos no “quadro geral de credores”, e cada um receberá seu crédito de acordo com o que for definido no plano de recuperação. Um dos temas importantes sobre esse assunto é saber quais créditos estão sujeitos à recuperação judicial, ou seja, quais credores terão que receber seus créditos conforme o plano de recuperação.  

Regra 

Em regra, estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido de recuperação judicial, ainda que não vencidos (art. 49, caput, da Lei nº 11.101/2005). Ex.: a empresa tem que pagar uma dívida com um fornecedor daqui a 9 meses; se o pedido de recuperação foi feito hoje, esse crédito já será incluído nas regras da recuperação judicial, mesmo que ainda não tenha chegado a data do vencimento. 

Consequência dessa regra: 

Como vimos acima, tendo sido decretada a recuperação judicial, os credores irão receber conforme o plano. Como consequência disso, em regra, as ações e execuções que tramitam contra a empresa em recuperação são suspensas para poder não atrapalhar a execução do plano. Veja: 

Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica: I - suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei; II - suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência; III - proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência. (...) § 4º Na recuperação judicial, as suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo perdurarão pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado do deferimento do processamento da recuperação, prorrogável por igual período, uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal. 

Exceções à regra: 

A regra acima exposta (caput do art. 49) possui exceções, que estão elencadas nos §§ 3º e 4º. Dessa feita, nesses parágrafos estão previstos determinados créditos que não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial. Veja o § 3º, que interessa para explicar o julgado: 

Art. 49 (...) § 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

 Créditos decorrentes de alienação fiduciária enquadram-se no § 3º 

Se a empresa em recuperação tinha um contrato de alienação fiduciária com o credor “X” e este credor tinha, como garantia da dívida, a propriedade fiduciária de um bem que está na posse da empresa, esse “crédito” enquadra-se no § 3º. Ex.: a empresa tinha feito uma alienação fiduciária para adquirir um caminhão “XYZ”; como não tinha dinheiro para pagar à vista, fez um financiamento e o veículo ficou na propriedade fiduciária do banco “ABC”, sendo usado pela empresa (que tinha a posse direta do bem). Se a empresa entra com pedido de recuperação judicial, esse crédito do banco não está submetido aos efeitos do plano de credores. Em outras palavras, a empresa terá que continuar pagando as prestações da mesma forma que já estava ajustada no contrato e, se atrasar, o banco poderá propor a ação de busca e apreensão. 

Imagine agora a seguinte situação hipotética: 

A sociedade empresária Medical Line Comércio Ltda. celebrou contrato de empréstimo com o Banco e, como garantia de que a dívida seria paga, João, um dos sócios da empresa, transferiu seu imóvel para a instituição financeira. Na prática, foi feito um contrato de alienação fiduciária, no entanto, a garantia relativa à alienação fiduciária de imóvel foi prestada por terceiro, não afetando nenhum bem do patrimônio da empresa devedora. Passado algum tempo, foi decretada a recuperação judicial da empresa. A Medical Line Comércio Ltda ainda não pagou a dívida com o banco, devendo ainda R$ 500 mil. 

Daí surgiu a seguinte divergência: esse crédito de R$ 500 mil está fora dos efeitos da recuperação judicial? Aplica-se, ao caso, o § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005? 

1ª posição: NÃO. O administrador judicial defendeu que não. Para o administrador judicial, o banco deverá pleitear o crédito segundo o plano de credores. Isso porque a garantia relativa à alienação fiduciária de imóvel foi prestada por terceiro, de forma que a situação não se amoldaria ao § 3º do art. 49 da Lei nº 11. A 101/2005. 

2ª posição: SIM. O Banco sustentou que seu crédito estaria fora dos efeitos da recuperação judicial (o que, para ele é bom, já que é mais fácil de receber). Para a instituição financeira, o crédito em questão possui natureza extraconcursal, na medida em que o art. 49, § 3º, da Lei “não faz qualquer distinção quanto ao fato do bem dado em alienação fiduciária ser de propriedade de terceiros, ou seja, não exige que o fiduciante seja empresa em recuperação judicial”. 

Qual das duas posições foi acolhida pelo STJ? 

A segunda. O fato de o bem imóvel alienado fiduciariamente não integrar o acervo patrimonial da empresa devedora não tem o condão de afastar a regra prevista no § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005. Esse dispositivo legal estabelece que o crédito que o proprietário fiduciário possui não se submete aos efeitos da recuperação. O legislador não delimitou o alcance da regra em questão exclusivamente aos bens alienados fiduciariamente originários do acervo patrimonial da própria sociedade empresária recuperanda, tendo apenas estipulado a não sujeição aos efeitos da recuperação do crédito titularizado pelo “credor titular da posição de proprietário fiduciário”. Portanto, o dispositivo legal em análise afasta por completo dos efeitos da recuperação judicial não apenas o bem alienado fiduciariamente, mas o próprio contrato por ele garantido. Tal compreensão se coaduna com a sistemática legal arquitetada para albergar o instituto da propriedade fiduciária, de modo que, estando distanciado referido instituto jurídico dos interesses dos sujeitos envolvidos - haja vista estar o bem alienado vinculado especificamente ao crédito garantido - afigura-se irrelevante a identificação pessoal do fiduciante ou do fiduciário com o objeto da garantia ou com a própria sociedade recuperanda. Nesse sentido: 

(...) 1. Debate-se nos autos a necessidade de o bem imóvel objeto de propriedade fiduciária ser originariamente vinculado ao patrimônio da recuperanda para fins de afastamento do crédito por ele garantido dos efeitos da recuperação judicial da empresa. 2. Na propriedade fiduciária, cria-se um patrimônio destacado e exclusivamente destinado à realização da finalidade de sua constituição, deslocando-se o cerne do instituto dos interesses dos sujeitos envolvidos para o escopo do contrato. 3. O afastamento dos créditos de titulares de propriedade fiduciária dos efeitos da recuperação, orientado por esse movimento que tutela a finalidade de sua constituição, independe da identificação pessoal do fiduciante ou do fiduciário com o bem imóvel ou com o próprio recuperando, simplifica o sistema de garantia e estabelece prevalência concreta da propriedade fiduciária e das condições contratuais originárias, nos termos expressos pelo art. 49, § 3º, da Lei n. 11.101/05. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 1549529/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 18/10/2016. 

Em suma: O afastamento dos créditos de titulares de posição de proprietário fiduciário dos efeitos da recuperação judicial da devedora independe da identificação pessoal do fiduciante ou do fiduciário com o bem imóvel ofertado em garantia ou com a própria recuperanda. STJ. 3ª Turma. REsp 1.938.706-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/09/2021 (Info 710).

19 de agosto de 2021

Suspensão do leilão a pedido do devedor fiduciante permite antecipar cobrança pela ocupação do imóvel

 Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a suspensão judicial do leilão, por iniciativa do devedor fiduciante, autoriza que a taxa pela ocupação indevida do imóvel seja cobrada desde o momento da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário – mesmo na vigência da antiga redação do artigo 37-A da Lei 9.514/1997, que fixava o termo inicial da taxa na data de alienação do bem em leilão.

Com esse entendimento, o colegiado deu provimento ao recurso de uma cooperativa de crédito para determinar que a taxa de ocupação do imóvel – retomado do comprador depois que ele deixou de pagar o contrato garantido por alienação fiduciária – incida na data da consolidação da propriedade. Atualmente, este é o marco inicial de incidência da taxa, conforme a Lei 13.465/2017, que alterou o artigo 37-A da Lei 9.514/1997.

Segundo o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, autor do voto que prevaleceu no julgamento, o fato de o devedor ter obtido na Justiça a suspensão do leilão, postergando a reintegração na posse, justifica a incidência da taxa antes da alienação do imóvel (ou da sua adjudicação pelo credor, na hipótese de frustração do leilão), pois assim se indeniza o credor fiduciário pelo tempo em que esteve alijado da posse do bem.

Propriedade fiduciária não é propriedade plena

Sanseverino ressaltou, porém, que a interpretação do artigo 37-A, em sua redação original, "não pode levar à conclusão de que em qualquer situação o credor possua direito à taxa de ocupação desde a consolidação da propriedade, e não da arrematação do imóvel, sob pena de fazer do Poder Judiciário legislador positivo".

Ele destacou que a propriedade fiduciária não se equipara à propriedade plena, por estar vinculada ao propósito de garantia da dívida, como expressamente dispõe o artigo 1.367 do Código Civil. O titular da propriedade fiduciária – acrescentou o magistrado – não goza de todos os poderes inerentes ao domínio, não tendo os direitos de usar e usufruir do bem.

"Essa limitação de poderes se mantém após a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário, pois essa consolidação se dá exclusivamente com o propósito de satisfazer a dívida", explicou.

Perdas compensadas pela multa contratual

Em seu voto, o ministro ressaltou ainda que a lei dá o prazo de apenas 30 dias após o registro da consolidação da propriedade para a realização da alienação extrajudicial, independentemente da desocupação do imóvel – período no qual as perdas experimentadas pela instituição financeira já são compensadas pela multa contratual.

Se o primeiro leilão for frustrado, a lei prevê a realização de um segundo em 15 dias, após o qual a dívida será extinta e as partes ficarão livres de suas obrigações.

"Havendo extinção da dívida, o imóvel deixa de estar afetado ao propósito de garantia, passando a integrar o patrimônio do credor de forma plena, o que se assemelha a uma adjudicação. A partir de então, o credor passa a titularizar todos os poderes inerentes ao domínio, fazendo jus aos frutos imóvel, inclusive na forma da taxa de ocupação", afirmou Sanseverino.

Leia o acórdão no REsp 1.862.902.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1862902

8 de maio de 2021

Filigrana doutrinária: Propriedade fiduciária - Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald

 coexistência de um duplo regime jurídico da propriedade fiduciária: a) o regime jurídico geral do Código Civil, que disciplina a propriedade fiduciária sobre coisas móveis infungíveis, sendo o credor fiduciário qualquer pessoa natural ou jurídica; b) o regime jurídico especial, formado por um conjunto de normas extravagantes, basicamente divididas em: (b1) Decreto-Lei 911/69, acrescido do art. 66-B da Lei 4.728/65 (Lei do Mercado de Capitais), atualizados pela redação da Lei 10.931/2004, tratando de propriedade fiduciária sobre coisas móveis fungíveis e infungíveis, além da cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou de títulos de crédito, restrito o credor fiduciário à pessoa jurídica instituição financeira; (b2) Lei 9.514/97, também modificada pela Lei 10.931/2004, que trata da propriedade fiduciária imobiliária, seja o credor instituição financeira ou não 


Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald. Curso de Direito Civil: direitos reais, 14ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 557. 

19 de abril de 2021

Filigrana Doutrinária: Duplo regime da propriedade fiduciária - Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald

 duplo regime jurídico da propriedade fiduciária: a) o regime jurídico geral do Código Civil, que disciplina a propriedade fiduciária sobre coisas móveis infungíveis, sendo o credor fiduciário qualquer pessoa natural ou jurídica; b) o regime jurídico especial, formado por um conjunto de normas extravagantes, basicamente divididas em: (b1) Decreto-Lei 911/69, acrescido do art. 66-B da Lei 4.728/65 (Lei do Mercado de Capitais), atualizados pela redação da Lei 10.931/2004, tratando de propriedade fiduciária sobre coisas móveis fungíveis e infungíveis, além da cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou de títulos de crédito, restrito o credor fiduciário à pessoa jurídica instituição financeira; (b2) Lei 9.514/97, também modificada pela Lei 10.931/2004, que trata da propriedade fiduciária imobiliária, seja o credor instituição financeira ou não (Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald. Curso de Direito Civil: direitos reais, 14ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 557).

18 de abril de 2021

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C PEDIDO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. INADIMPLEMENTO. REGIME JURÍDICO APLICÁVEL. DECRETO-LEI 911/69. INSCRIÇÃO DO NOME DO AVALISTA EM ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO DE CRÉDITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.833.824 - RS (2019/0251597-0) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C PEDIDO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. INADIMPLEMENTO. REGIME JURÍDICO APLICÁVEL. DECRETO-LEI 911/69. INSCRIÇÃO DO NOME DO AVALISTA EM ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO DE CRÉDITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. 

1. Ação ajuizada em 18/04/2016. Recurso especial interposto em 16/05/2019 e concluso ao Gabinete em 26/08/2019. Julgamento: Aplicação do CPC/2015. 

2. O propósito recursal consiste em definir se o credor fiduciário, na hipótese de inadimplemento do contrato, é obrigado a promover a venda do bem alienado fiduciariamente, na forma do art. 1.364 do CC/02, antes de proceder à inscrição dos nomes dos devedores em cadastros de proteção ao crédito. 

3. No ordenamento jurídico brasileiro, coexiste um duplo regime jurídico da propriedade fiduciária: a) o regime jurídico geral do Código Civil, que disciplina a propriedade fiduciária sobre coisas móveis infungíveis, sendo o credor fiduciário qualquer pessoa natural ou jurídica; b) o regime jurídico especial, formado por um conjunto de normas extravagantes, dentre as quais o Decreto-Lei 911/69, que trata da propriedade fiduciária sobre coisas móveis fungíveis e infungíveis, além da cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou de títulos de crédito, restrito o credor fiduciário à pessoa jurídica instituição financeira. 

4. Hipótese dos autos que envolve cédula de crédito bancário com alienação fiduciária de veículo em garantia firmada com instituição financeira, a atrair o regime do DL 911/69. 

5. Nos termos expressos do art. 5º do DL 911/69, é facultado ao credor fiduciário, na hipótese de inadimplemento ou mora no cumprimento das obrigações contratuais pelo devedor, optar pela excussão da garantia ou pela ação de execução. 

6. De todo modo, independentemente da via eleita pelo credor, a inscrição dos nomes dos devedores solidários em bancos de dados de proteção ao crédito, em razão do incontroverso inadimplemento do contrato, não se reveste de qualquer ilegalidade, tratando-se de exercício regular do direito de crédito. 

7. Recurso especial conhecido e não provido, com majoração dos honorários advocatícios. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso especial, com majoração dos honorários advocatícios, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 05 de maio de 2020(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): 

Cuida-se de recurso especial interposto por ODANIR BRUNO SARTORI, com fundamento, exclusivamente, na alínea "a" do permissivo constitucional. 

Ação: declaratória c/c pedido de obrigação de fazer, ajuizada pelo recorrente em face de BANCO VOLKSWAGEN S.A. 

Em breve síntese, alega o autor que, na condição de então sócio da empresa Concresart Tecnologia em Concreto LTDA, firmou com o Banco réu, em 30/08/2011, contrato de abertura de crédito fixo com garantia de alienação fiduciária, no qual figurou como avalista. 

No entanto, em fevereiro de 2016 – após a sua retirada do quadro societário, em maio de 2013 –, a empresa entrou em recuperação judicial e se tornou inadimplente com relação às parcelas do contrato, o que ocasionou a inscrição do nome do autor em cadastros de restrição ao crédito. 

Ante esses fatos, argumenta o autor que, por se tratar de contrato garantido por alienação fiduciária, cabia ao Banco réu primeiramente efetivar a venda do bem com vistas ao pagamento da dívida e, assim, apurar eventual saldo devedor, na forma do art. 1.364 do CC/02, para só então proceder à negativação do nome do avalista. 

Dessa maneira, requer a exclusão das anotações já realizadas e que seja determinado ao réu que não efetue a inscrição do nome do autor em cadastro de restrição ao crédito no tocante ao contrato em apreço antes de promovida a venda do bem alienado fiduciariamente. 

Sentença: julgou procedente o pedido, para declarar o direito do autor, ora recorrente, de não ter o seu nome incluído em rol de inadimplentes antes de observado o procedimento de excussão da garantia, confirmando a decisão que, em sede de tutela antecipada, determinou a exclusão das anotações negativas. 

Acórdão: deu provimento à apelação interposta pelo recorrido para julgar improcedentes os pedidos iniciais, nos termos da seguinte ementa: 

“APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DECLARATÓRIA E INDENIZATÓRIA. DANO MORAL. INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO. 1. Inexiste obrigação de o credor buscar antes a garantia real e depois a pessoal. Inaplicabilidade do artigo 1.364 do Código Civil no caso concreto. 2. Em sendo o débito devido, pois, regular a inscrição em órgão(s) de proteção ao crédito, inexistindo ato ilícito, razão pela qual não há falar-se em indenização por danos morais. Exercício regular de direito. APELO PROVIDO” (e-STJ fl. 92). 

Recurso especial: alega violação do art. 1.364 do CC/02, reiterando que, na hipótese de inadimplemento de contrato garantido por alienação fiduciária, o credor, a fim de buscar a satisfação de seu crédito, deve obrigatoriamente promover a venda do bem alienado e aplicar o preço obtido no pagamento e/ou abatimento parcial da dívida. Defende que, antes desse procedimento, que permite apurar eventual débito remanescente, não é lícita a inclusão do nome do devedor em órgãos de restrição ao crédito. 

Juízo de admissibilidade: o recurso foi admitido pelo TJ/RS. 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): 

O propósito recursal consiste em definir se o credor fiduciário, na hipótese de inadimplemento do contrato, é obrigado a promover a venda do bem alienado fiduciariamente antes de proceder à inscrição dos nomes dos devedores em cadastros de proteção ao crédito. 

I. DA DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA 

1. O debate trazido a julgamento gira em torno da interpretação do art. 1.364 do CC/02, segundo o qual “vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor”. 

2. A partir de tal dispositivo legal, o ora recorrente defende que a venda do bem alienado fiduciariamente é obrigatória, pois somente após implementada é que se poderia constatar eventual saldo devedor remanescente, que, de seu turno, legitimaria a inscrição do nome do devedor e seus avalistas em cadastros de restrição ao crédito. 

3. O Tribunal de origem, no entanto, rejeitou essa linha argumentativa, ao entendimento de que “inexiste obrigação de o credor buscar antes a garantia real e depois a pessoal, até porque lhe é de direito promover a execução do crédito da maneira que lhe pareça mais exitosa, restando inaplicável o referido artigo do códex no caso presente” (e-STJ fl. 94). 

II. DO DUPLO REGIME JURÍDICO DA PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA 

4. Em linhas gerais, o negócio fiduciário é aquele mediante o qual um sujeito (fiduciante), a fim de garantir uma obrigação, transmite a propriedade de uma coisa ou a titularidade de um direito a outro (fiduciário), que, se cumprido o encargo, devolve o bem ou o direito ao transmitente. Considera-se fiduciária, assim, a propriedade resolúvel de coisa ou direito que o devedor fiduciante, com escopo de garantia, transfere ao credor fiduciário. 

5. No ordenamento jurídico brasileiro, a matéria é disciplinada pelo Código Civil e por uma profusa legislação extravagante. Por isso, aponta a doutrina a coexistência de um duplo regime jurídico da propriedade fiduciária: a) o regime jurídico geral do Código Civil, que disciplina a propriedade fiduciária sobre coisas móveis infungíveis, sendo o credor fiduciário qualquer pessoa natural ou jurídica; b) o regime jurídico especial, formado por um conjunto de normas extravagantes, basicamente divididas em: (b1) Decreto-Lei 911/69, acrescido do art. 66-B da Lei 4.728/65 (Lei do Mercado de Capitais), atualizados pela redação da Lei 10.931/2004, tratando de propriedade fiduciária sobre coisas móveis fungíveis e infungíveis, além da cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou de títulos de crédito, restrito o credor fiduciário à pessoa jurídica instituição financeira; (b2) Lei 9.514/97, também modificada pela Lei 10.931/2004, que trata da propriedade fiduciária imobiliária, seja o credor instituição financeira ou não (Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald. Curso de Direito Civil: direitos reais, 14ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 557). 

6. Aliás, a coexistência de ambos os regimes jurídicos e a solução de eventual conflito de leis foi enfrentada pela Lei 10.931/2004, que acrescentou o art. 1.368-A ao Código Civil para esclarecer que “as demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária” (vale dizer, aquelas que não tratam de negócio fiduciário envolvendo bem móvel infungível e firmado entre quaisquer pessoas, naturais ou jurídicas) “submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial”. 

III. DO REGIME JURÍDICO APLICÁVEL À HIPÓTESE DOS AUTOS: DECRETO-LEI 911/69 

7. Essa distinção acerca da disciplina legal da propriedade fiduciária segundo a sua natureza mostra-se relevante no presente julgamento pois permite concluir, de início, que o dispositivo legal invocado pelo recorrente, a saber, o art. 1.364 do CC/02, não é aplicável à relação jurídica travada entre as partes. 

8. Com efeito, verifica-se que a hipótese dos autos trata de aval prestado pelo recorrente em cédula de crédito bancário com alienação fiduciária de veículo em garantia, que fora firmada junto ao Banco recorrido (e-STJ fl. 65). 

9. Dessa maneira, em se tratando de alienação fiduciária de coisa móvel infungível envolvendo instituição financeira, o regime jurídico aplicável é aquele do Decreto-Lei 911/69, devendo as disposições gerais do Código Civil incidir apenas em caráter supletivo. 

10. Essa aplicação supletiva do Código Civil, todavia, não se faz necessária na espécie, haja vista que o DL 911/69 contém disposição expressa que faculta ao credor fiduciário, na hipótese de inadimplemento ou mora no cumprimento das obrigações contratuais pelo devedor, optar por recorrer diretamente à ação de execução, caso não prefira retomar a posse do bem e vendê-lo a terceiros. 

11. Nesse sentido é o contido no art. 5º do DL 911/69, in verbis: 

Art. 5º. Se o credor preferir recorrer à ação executiva, direta ou a convertida na forma do art. 4º, ou, se for o caso ao executivo fiscal, serão penhorados, a critério do autor da ação, bens do devedor quantos bastem para assegurar a execução” (grifou-se). 

12. Logo, já se constata que não prospera o argumento do recorrente quanto à obrigatoriedade de o credor proceder à excussão da garantia na hipótese de inadimplemento do contrato garantido por alienação fiduciária. 

IV. DO EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO PELO CREDOR 

13. Não obstante, cabe salientar que, independentemente de optar o credor pela venda do bem alienado fiduciariamente a terceiros ou pela execução direta, a inscrição do nome dos devedores solidários em bancos de dados de proteção ao crédito, na hipótese de inadimplemento, não se reveste de qualquer ilegalidade, tratando-se de exercício regular de direito do credor. 

14. Com efeito, a partir do inadimplemento das obrigações pactuadas pelo devedor, nasce para o credor uma série de prerrogativas, não apenas atreladas à satisfação do seu crédito em particular – do que é exemplo a excussão da garantia ou a cobrança da dívida –, mas também à proteção do crédito em geral no mercado de consumo. 

15. Inclusive, destaca a doutrina, o próprio CDC, ao invés de proibir, aceita e disciplina as atividades desenvolvidas pelos bancos de dados de proteção ao crédito, sinalizando, ademais, a sua relevância para a atividade econômica no país, tão dependente do crédito. 

16. Nesse sentido, veja-se a precisa lição de Leonardo ROSCOE BESSA: “Como evidenciado nos itens anteriores, coletar, armazenar e divulgar informações pessoais são atos, em tese, ofensivos à privacidade. Do mesmo modo, difundir, por qualquer meio, a notícia de que alguém não cumpre pontualmente com suas obrigações caracteriza ofensa à honra. Admite-se, excepcionalmente, que os bancos de dados de proteção ao crédito, considerando a presença de outros valores em jogo – em síntese, a importância do crédito para o indivíduo e para a economia nacional, bem como o direito à informação –, realizem, observados determinados requisitos legais, o tratamento de informações pessoais negativas. Desde que atendidos rigorosamente os limites impostos pelo ordenamento jurídico, há exercício regular de direito. O direito brasileiro aceita – e controla – a existência dos bancos de dados de proteção ao crédito. Desse modo, os atos praticados pelas entidades que os administram, desde que atendidos, rigorosamente, os limites impostos pelo ordenamento jurídico, são lícitos, não configurando ofensa à dignidade do consumidor (direito à privacidade e à honra)” (Manual de Direito do Consumidor, 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 320). 

17. Assim, em conclusão, independentemente da via eleita pelo credor para a satisfação de seu crédito, não há ilicitude na inscrição do nome do devedor e seu avalista nos órgãos de proteção ao crédito, ante o incontroverso inadimplemento da obrigação. 

Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial e NEGO-LHE PROVIMENTO. 

Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/15, considerando o trabalho adicional imposto ao advogado da parte recorrida em virtude da interposição deste recurso, majoro os honorários advocatícios fixados anteriormente em R$ 2.000,00 (e-STJ fl. 95) para R$ 3.000,00.