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9 de novembro de 2021

Os fatos incriminados que sejam investigados, anteriores a 24 de dezembro de 2019, impõem, para fins de extradição, o compromisso do Estado estrangeiro em estabelecer o cumprimento de pena máxima de 30 anos para o extraditando

 Extradição: Pacote Anticrime e irretroatividade da lei penal mais gravosa Ext 1652/Governo do Chile 

 

Resumo:

 

Os fatos incriminados que sejam investigados, anteriores a 24 de dezembro de 2019, impõem, para fins de extradição, o compromisso do Estado estrangeiro em estabelecer o cumprimento de pena máxima de 30 anos para o extraditando.

O Estado estrangeiro que requer extradição deve assumir o compromisso de observar o tempo máximo de cumprimento de pena previsto no ordenamento jurídico brasileiro à época dos fatos delituosos atribuídos ao extraditando. Dessa forma, o limite temporal fixado pela Lei 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”) (1) em 40 anos aplica-se somente em relação a crimes imputados ao extraditando praticados após a entrada em vigor desse diploma legal.

Com efeito, trata-se de norma de conteúdo material, razão pela qual incide o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa inscrito no art. 5º, XL, da Constituição Federal (CF) (2) (3).

A Primeira Turma, por unanimidade, deferiu pedido de extradição por estarem presentes os requisitos legais e, por maioria, fixou o entendimento supracitado. Vencidos, nesse ponto, os ministros Alexandres de Moraes e Dias Toffoli, que admitiram a possibilidade de aplicação da novel legislação de 40 anos para o compromisso.

 

(1) CF: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;”

(2) Lei 13.964/2019: “Art. 2º O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações: (...) Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos.”

(3) Precedentes citados: Ext 1.599Ext 1.641.

 

Ext 1652/Governo do Chile, relatora Min. Rosa Weber, julgamento em 19.10.2021

23 de junho de 2021

O Poder Judiciário pode impor ao MP a obrigação de ofertar ANPP?

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://www.dizerodireito.com.br/2021/06/o-poder-judiciario-pode-impor-ao-mp.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed:+com/rviB+(Dizer+o+Direito)

O Poder Judiciário pode impor ao MP a obrigação de ofertar ANPP?


O julgado a seguir comentado trata sobre acordo de não persecução penal (ANPP).

Antes de verificar o que foi decidido, vamos fazer uma breve revisão sobre o tema com base na excelente obra de Leonardo Barreto (Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2021):

 

Acordo de não persecução penal (ANPP)

A Lei nº 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”) inseriu o art. 28-A ao CPP, prevendo o instituto do acordo de não persecução penal (ANPP) que pode ser assim conceituado:

- é um acordo (negócio jurídico)

- celebrado entre o Ministério Público e o investigado, mas com a necessidade de homologação judicial

- firmado, em regra, antes do início da ação penal (em regra, é pré-processual)

- ajuste esse permitido apenas para certos tipos de crimes

- no ajuste, o investigado se compromete a cumprir determinadas condições

- e caso cumpra integralmente o acordo, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade.

 

Mitigação ao princípio da obrigatoriedade da ação penal

Segundo o princípio da obrigatoriedade, havendo justa causa e estando preenchidos todos os requisitos legais, o membro do Ministério Público é obrigado a oferecer a denúncia.

Trata-se de um dever, e não uma faculdade, não sendo reservado ao Ministério Público um juízo discricionário sobre a conveniência e oportunidade de seu ajuizamento.

Pode-se dizer, então, que o ANPP é uma exceção ao princípio da obrigatoriedade. Outro exemplo de exceção: o acordo de colaboração premiada na qual o MP pode conceder ao colaborador como benefício o não oferecimento da denúncia.

 

Justiça Penal Consensual

O instituto do ANPP está diretamente ligado ao movimento chamado Justiça Penal Consensual ou Negociada ou Pactual.

O Min. Reynaldo Soares da Fonseca afirma que se trata de instrumento para otimização dos recursos públicos e a efetivação da chamada Justiça multiportas, com a perspectiva restaurativa (HC 607003-SC).

 

Formalidades do acordo

O acordo será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor (§ 3º do art. 28-A).

A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para ficar registrado que esse mesmo investigado não poderá fazer novo ANPP no prazo de 5 anos (§ 12 do art. 28-A).

 

O acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia

A Lei nº 13.964/2019, no ponto em que institui o ANPP, é considerada lei penal de natureza híbrida, admitindo conformação entre a retroatividade penal benéfica e o tempus regit actum.

O ANPP se esgota na etapa pré-processual, sobretudo porque a consequência da sua recusa, sua não homologação ou seu descumprimento é inaugurar a fase de oferecimento e de recebimento da denúncia.

O recebimento da denúncia encerra a etapa pré-processual, devendo ser considerados válidos os atos praticados em conformidade com a lei então vigente.

Dessa forma, a retroatividade penal benéfica incide para permitir que o ANPP seja viabilizado a fatos anteriores à Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia.

Assim, mostra-se impossível realizar o ANPP quando já recebida a denúncia em data anterior à entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019.

STJ. 5ª Turma. HC 607003-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 24/11/2020 (Info 683).

STF. 1ª Turma. HC 191464 AgR, Rel. Roberto Barroso, julgado em 11/11/2020.

 

Requisitos (caput e § 2º do art. 28-A)

REQUISITOS PARA QUE O MP POSSA PROPOR O ANPP

1) não ser o caso de arquivamento

Se não houver justa causa ou existir alguma outra razão que impeça a propositura da ação penal, não é caso de oferecer o acordo, devendo o MP pedir o arquivamento do inquérito policial ou investigação criminal.

2) o investigado deve ter confessado a prática da infração penal

O ANPP exige que o investigado tenha confessado formal (em ato solene) e circunstancialmente (com detalhes) a prática da infração penal.

O art. 18, § 2º, da Res. 181/2017-CNMP exige que a confissão seja registrada em áudio e vídeo.

3) infração penal foi cometida sem violência e sem grave ameaça

A infração penal não pode ter sido cometida com violência ou grave ameaça.

Prevalece que é cabível ANPP se a infração foi cometida com violência contra coisa.

Assim, o ANPP somente é proibido se a infração foi praticada com grave ameaça ou violência contra pessoa.

4) a pena mínima da infração penal é menor que 4 anos

A infração penal cometida deve ter pena mínima inferior a 4 anos.

Se a pena mínima for igual ou superior a 4 anos, não cabe.

Para aferição da pena mínima, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto.

Aplicam-se ao ANPP, por analogia, as súmulas 243-STJ e 723-STF.

5) o acordo deve se mostrar necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime no caso concreto

Esse requisito revela que a propositura, ou não, do acordo está atrelada a certo grau de discricionariedade do membro do MP que avaliará se essa necessidade e suficiência estão presentes no caso concreto.

6) não caber transação penal

Se for cabível transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95), o membro do MP deve propor a transação (e não o ANPP). Isso porque se trata de benefício mais vantajoso ao investigado.

Por outro lado, mesmo que seja cabível a suspensão condicional do processo, ainda assim, o membro do MP pode propor o ANPP.

7) o investigado deve ser primário

Se o investigado for reincidente (genérico ou específico), não cabe ANPP.

8) não haver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas

Regra: se houver elementos probatórios que indiquem que o investigado possui uma conduta criminal habitual, reiterada ou profissional não cabe ANPP.

Exceção: se essas infrações pretéritas que o investigado se envolveu forem consideradas “insignificantes”, será possível propor ANPP.

9) o agente não pode ter sido beneficiado nos 5 anos anteriores ao cometimento da infração, com outro ANPP, transação penal ou suspensão condicional do processo

No momento de decidir se vai propor o ANPP, o membro do MP deverá analisar se, nos últimos 5 anos (contados da infração), aquele investigado já foi beneficiado:

· com outro ANPP;

· com transação penal ou

· com suspensão condicional do processo.

10) a infração praticada não pode estar submetida à Lei Maria da Penha

Não cabe ANPP nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.

 

Condições

O Ministério Público irá propor que o investigado cumpra as seguintes condições “ajustadas cumulativa e alternativamente”:

I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;

II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;

III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de 1/3 a 2/3, em local a ser indicado pelo juízo da execução;

IV - pagar prestação pecuniária a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou

V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

 

Recusa do MP de oferecer o acordo

No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 do CPP (§ 14º do art. 28-A).

 

Obrigatória a realização de audiência

Conforme vimos acima, o ANPP precisa de homologação judicial.

Antes de decidir pela homologação, o juiz deverá designar audiência para analisar:

a) a legalidade do acordo, isto é, se todos os requisitos do art. 28-A do CPP foram cumpridos; e

b) a voluntariedade, ou seja, se o investigado deseja realmente o ajuste. Para isso, o magistrado irá fazer oitiva do investigado na presença do seu defensor.

 

“Quanto à voluntariedade, o magistrado verificará a ocorrência de algum tipo de vício de vontade, como o erro, o dolo e a coação. Além disso, deverá observar se o agente possui pleno e integral conhecimento do conteúdo do acordo por ele celebrado. No que diz respeito à legalidade, o juiz deverá examinar se o ANPP foi firmado em atendimento às hipóteses legais, assim como se as suas cláusulas estão em consonância com o regramento contido no art. 28-A do CPP. Certo é que o magistrado não poderá apreciar o mérito/conteúdo do acordo, matéria privativa do Ministério Público e do investigado, dentro do campo de negociação reconhecido pela Justiça Penal Consensual, sob pena de violação da sua imparcialidade e do próprio sistema acusatório.” (MOREIRA ALVES, Leonardo Barreto. Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 356).

 

Devolução dos autos ao MP

Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor (§ 5º do art. 28-A).

 

Recusa à homologação

O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o § 5º do art. 28-A acima mencionado (§ 7º do art. 28-A).

Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia (§ 8º do art. 28-A).

 

Homologação do acordo

Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal (§ 6º do art. 28-A).

 

Vítima deverá ser informada da celebração do acordo e de eventual descumprimento

A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução penal e de seu descumprimento (§ 9º do art. 28-A).

 

Cumprimento do acordo

Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade (§ 13 do art. 28-A).

 

Descumprimento do acordo

Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia (§ 10 do art. 28-A).

O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo (§ 11 do art. 28-A).

 

Feita essa revisão, imagine agora a seguinte situação adaptada:

Beatriz foi denunciada pela prática do crime de tráfico transnacional de drogas, na forma do caput do art. 33 c/c art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

 

Durante a instrução penal, ficou demonstrado que Beatriz é primária, possui bons antecedentes, não se dedicava a atividades criminosas nem integrava organização criminosa. Logo, o Ministério Público requereu a sua condenação, mas pediu que fosse a ela aplicada a causa de diminuição de pena do § 4º do art. 33 (tráfico privilegiado):

Art. 33 (...)

§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

 

Diante disso, a defesa sustentou a seguinte tese:

- a pena mínima do crime de tráfico de drogas é 5 anos;

- logo, em regra, não cabe acordo de não persecução penal (ANPP);

- ocorre que o próprio MP reconhece que a acusada tem direito à redução da pena de 1/6 a 2/3;

- se a pena original (5 anos) for reduzida em 1/6, ficará em 4 anos e 2 meses (não terá direito ao ANPP);

- se a pena original (5 anos) for reduzida em 1/5, ficará em 4 anos (também não terá direito ao ANPP);

- porém, se houver a redução em 1/4, 1/3, 1/2 ou 2/3, a pena ficará abaixo de 4 anos, de maneira que a acusada teria, em tese, direito ao ANPP;

- desse modo, diante do reconhecimento do tráfico privilegiado pelo Parquet, deveria ser oferecida proposta de ANPP mesmo nesta fase processual.

 

O juiz abriu vista ao MP que, no entanto, não manifestou interesse na formulação da proposta ao fundamento de que a pena em concreto seria superior a 4 anos.

A defesa pediu, então, que o caso fosse analisado pelo órgão superior do MP.

O magistrado, contudo, não aceitou a argumentação da defesa, tendo proferido sentença que condenou a ré à pena de 4 anos e 10 meses de reclusão.

A defesa da ré, irresignada, impetrou habeas corpus perante o TRF3, pretendendo o reconhecimento do referido benefício, tendo a Corte, denegado a ordem.

Ao julgar recurso ordinário, o STJ também negou o pedido da defesa.

O caso chegou, então, ao STF por meio de habeas corpus.

 

O STF determinou que o Ministério Público ofereça o ANPP? É possível ordem judicial nesse sentido?

NÃO.

O Poder Judiciário não pode impor ao Ministério Público a obrigação de ofertar acordo de não persecução penal (ANPP).

Não cabe ao Poder Judiciário, que não detém atribuição para participar de negociações na seara investigatória, impor ao MP a celebração de acordos.

STF. 2ª Turma. HC 194677/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/5/2021 (Info 1017).

 

No caso concreto, o juiz agiu corretamente?

Para o STF, não.

No caso, a defesa pediu que fosse proposto o acordo. O MP se recusou. A defesa pediu que a recusa fosse analisada pelo órgão superior do Parquet.

Diante disso, o que o magistrado deveria ter feito era aplicar § 14 do art. 28-A do CPP, determinando a remessa dos autos ao órgão superior do MPF que iria analisar se a recusa do Procurador da República foi correta, ou não.

Essa é a solução prevista no § 14 do art. 28-A do CPP:

Art. 28-A (...)

§ 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código.

 

Se o MP se recusar a oferecer o acordo e a defesa requerer a remessa dos autos ao órgão superior, o juiz é obrigado a remeter?

Regra: sim. Em regra, não cabe ao Poder Judiciário analisar a recusa do MP e, portanto, se a defesa não se conformar, deverá remeter os autos ao órgão superior do Parquet.

Exceção: o STF afirmou que o juiz não precisa remeter ao órgão superior do MP em caso de manifesta inadmissibilidade do ANPP.

 

Nas palavras do Min. Gilmar Mendes:

“Não se tratando de hipótese de manifesta inadmissibilidade do ANPP, a defesa pode requerer o reexame de sua negativa, nos termos do art. 28-A, § 14, do CPP, não sendo legítimo, em regra, que o Judiciário controle o ato de recusa, quanto ao mérito, a fim de impedir a remessa ao órgão superior no MP. Isso porque a redação do art. 28-A, § 14, do CPP determina a iniciativa da defesa para requerer a sua aplicação.”

 

Com base nesse entendimento, a 2ª Turma do STF concedeu parcialmente a ordem, para determinar a remessa dos autos à Câmara de Revisão do Ministério Público Federal, a fim de que seja apreciado o ato que negou a oferta de ANPP.

15 de abril de 2021

Exigência de representação no crime de estelionato não retroage a ações iniciadas antes do Pacote Anticrime

 A Terceira Seção consolidou o entendimento das turmas criminais do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao definir que a exigência de representação da vítima como pré-requisito para a ação penal por estelionato – introduzida pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019) – não pode ser aplicada retroativamente para beneficiar o réu nos processos que já estavam em curso.

Com essa conclusão, o colegiado indeferiu pedido da Defensoria Pública de São Paulo para aplicar retroativamente a regra do parágrafo 5º do artigo 171 do Código Penal e reconhecer a extinção da punibilidade pela decadência em processo no qual um professor foi condenado por estelionato.

O Pacote Anticrime alterou a natureza jurídica da ação penal no delito de estelionato e passou a exigir a representação da vítima, como condição de procedibilidade, tornando-a, assim, ação pública condicionada à representação.

Irretroatividade

Para o ministro Ribeiro Dantas, relator do caso julgado na Terceira Seção, a nova norma não deve retroagir aos processos que estavam em curso quando do início da vigência do Pacote Anticrime. Ele lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou no sentido de considerar inaplicável a retroatividade do dispositivo às hipóteses em que o Ministério Público tiver oferecido a denúncia antes da entrada em vigor da Lei 13.964/2019.

Segundo o magistrado, o STF entendeu que, anteriormente à nova lei, a norma processual em vigor definia a ação para o delito de estelionato como pública incondicionada, não exigindo qualquer condição de procedibilidade para a instauração da persecução penal em juízo.

Ribeiro Dantas mencionou também o primeiro precedente sobre o tema, de relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que, em junho do ano passado, concluiu pela irretroatividade da norma – posicionamento que se repetiu em outros julgados do tribunal.

Condição de prosseguibilidade

O ministro ponderou ainda que a irretroatividade do parágrafo 5º do artigo 171 do Código Penal decorre da própria mens legis (finalidade da lei), pois o legislador previu apenas a condição de procedibilidade, nada dispondo – embora pudesse fazê-lo – sobre a condição de prosseguibilidade, isto é, condição necessária para o prosseguimento do processo.

Ribeiro Dantas ressaltou a necessidade de respeito aos princípios constitucionais do direito adquirido e do ato jurídico perfeito quando já oferecida a denúncia.  

Além disso, o relator acrescentou que, na jurisprudência do STJ, a representação do ofendido não exige qualquer formalidade, sendo suficiente que a vítima leve o fato ao conhecimento das autoridades. Segundo o ministro, na quase totalidade dos processos, a persecução penal apenas começou em razão da manifestação da vítima.

Leia o acórdão.​

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):HC 610201

9 de abril de 2021

Terceira Seção vai decidir sobre retroatividade das alterações do Pacote Anticrime para progressão de regime

 A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai submeter a julgamento, sob o rito dos recursos repetitivos, a questão referente ao "reconhecimento da retroatividade das alterações promovidas pela Lei 13.964/2019 nos lapsos para progressão de regime, previstos na Lei de Execução Penal, dada a decorrente necessidade de avaliação da hediondez do delito, bem como da ocorrência ou não do resultado morte e a primariedade, a reincidência genérica ou, ainda, a reincidência específica do apenado".

Cadastrada como Tema 1.084, a controvérsia tem relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz. O colegiado optou por não suspender o trâmite dos processos que tratam da mesma matéria, pois o julgamento dos repetitivos deve ocorrer em breve.

No REsp 1.910.240 e no REsp 1.918.338 – representativos da controvérsia –, o Ministério Público de Minas Gerais e o de Mato Grosso, respectivamente, pedem a reelaboração dos cálculos de pena de dois homens, após as alterações promovidas pela Lei 13.964/2019.

Recursos repetitivos

O Código de Processo Civil de 2015 regula, nos artigos 1.036 e seguintes, o julgamento por amostragem, mediante a seleção de recursos especiais que tenham controvérsias idênticas. Ao afetar um processo, ou seja, encaminhá-lo para julgamento sob o rito dos repetitivos, os ministros facilitam a solução de demandas que se repetem nos tribunais brasileiros.

A possibilidade de aplicar o mesmo entendimento jurídico a diversos processos gera economia de tempo e segurança jurídica.

No site do STJ, é possível acessar todos os temas afetados, bem como saber a abrangência das decisões de sobrestamento e as teses jurídicas firmadas nos julgamentos, entre outras informações.

Leia o acórdão de afetação do REsp 1.910.240.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1910240REsp 1918338