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17 de novembro de 2021

São absolutamente impenhoráveis os recursos públicos recebidos pela Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM)

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-709-stj.pdf


IMPENHORABILIDADE São absolutamente impenhoráveis os recursos públicos recebidos pela Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM) 

São impenhoráveis os recursos públicos recebidos por instituições privadas destinados exclusivamente ao fomento de atividades desportivas. Os recursos transferidos pela União para a CBTM a fim de que sejam aplicados nas atividades esportivas são quantias que se enquadram no inciso IX do art. 833 do CPC/2015: Art. 833. São impenhoráveis: (...) IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social; STJ. 4ª Turma. REsp 1.878.051-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/09/2021 (Info 709). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

O banco ajuizou execução de título extrajudicial contra a Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM). O juiz determinou a penhora on line de R$ 500 mil que estavam depositados em contas da executada. A devedora interpôs agravo de instrumento alegando que a penhora foi indevida porque este valor corresponderia a recursos públicos que foram repassados pela União (Ministério do Esporte) à CBTM e que seriam aplicados compulsoriamente em atividades de fomento ao tênis de mesa, além de constituírem patrimônio separado, indisponível e impenhorável. Logo, seriam verbas impenhoráveis, nos termos do art. 833, IX, do CPC: 

Art. 833. São impenhoráveis: (...) IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social; 

O argumento da executada foi acolhido pelo STJ? Tais verbas são impenhoráveis? 

SIM. A Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM) é uma instituição privada sem fins lucrativos e o dinheiro penhorado consiste em recursos públicos recebidos pela devedora e destinados para aplicação exclusiva e integral em programas e em projetos de fomento do desporto nacional. De acordo com a doutrina, o inciso IX do art. 833 do CPC/2015 - que reproduziu o inciso IX do art. 649 do CPC de 1973 - contempla hipótese de impenhorabilidade absoluta fundada no interesse público, que exibe elevado espírito social e se harmoniza com os princípios político-constitucionais contidos no art. 1º da Carta Magna de 1988, os quais retratam os fundamentos do Estado brasileiro. Assim, a doutrina ensina que a impenhorabilidade das verbas públicas - recebidas por pessoas jurídicas de direito privado, com destinação compulsória a finalidades específicas albergadas pela Constituição - caracteriza uma projeção da intangibilidade dos recursos do próprio ente de direito público que os transfere a tais instituições. É como se fossem recursos públicos. Nessa ordem de ideias, as verbas públicas objeto de repasse para instituições privadas - com destinação especial atrelada à satisfação de tarefas públicas -, em razão dessa natureza, não se acham entregues à livre disposição da vontade de quem as possui e as administra, sobressaindo, inclusive, o dever de prestação de contas previsto no parágrafo único do art. 70 da Constituição Federal. Em outras palavras, a CBTM terá o dever de prestar contas, inclusive para o TCU. Tal inferência não significa, decerto, uma blindagem de todo o patrimônio da pessoa jurídica de direito privado que receba verbas públicas atreladas compulsoriamente a uma destinação de cunho social. Isso porque os recursos públicos obtidos para fins de remuneração ou de contraprestação por serviços prestados, assim como os bens e os recursos privados (mesmo quando voltados a um desígnio social), continuarão sendo objeto de possível excussão forçada, por integrarem o patrimônio disponível da devedora obrigada. Postas tais premissas, é certo que, para além do princípio da supremacia do interesse público, o dinheiro repassado pelos entes estatais - para aplicação exclusiva e compulsória em finalidade de interesse social - não chega sequer a ingressar na “esfera de disponibilidade” da instituição privada, o que constitui fundamento apto a justificar a sua impenhorabilidade não apenas por força do disposto no inciso IX do artigo 833 do CPC (que remete, expressamente, às áreas de educação, saúde e assistência social), mas também em virtude do princípio da responsabilidade patrimonial enunciado nos arts. 789 e 790 do mesmo diploma. No caso, a natureza eminentemente pública das verbas - dadas a sua afetação a uma finalidade social específica estampada nos planos de trabalho a serem obrigatoriamente seguidos pela CBTM e a previsão dos deveres de prestação de contas e de restituição do saldo remanescente - torna evidente o fato de que a instituição privada não detém a disponibilidade das referidas quantias, as quais, por conseguinte, não se incorporam ao seu patrimônio jurídico para fins de subordinação ao processo executivo. 

Em suma: São impenhoráveis os recursos públicos recebidos por instituições privadas destinados exclusivamente ao fomento de atividades desportivas. STJ. 4ª Turma. REsp 1.878.051-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/09/2021 (Info 709)


15 de outubro de 2021

Não é possível a penhora de percentual do auxílio emergencial para pagamento de crédito constituído em favor de instituição financeira

  Fonte: Dizer o Direito

Referência:  https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/10/info-703-stj-1.pdf


IMPENHORABILIDADE - Não é possível a penhora de percentual do auxílio emergencial para pagamento de crédito constituído em favor de instituição financeira 

O Auxílio Emergencial é um benefício financeiro, instituído pela Lei nº 13.982/2020, pago pela União a trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados, e que foi criado com o objetivo de fornecer proteção emergencial, pelo prazo de poucos meses, às pessoas que perderam sua renda em virtude da crise causada pela Covid19. O valor do auxílio emergencial pode ser penhorado? Em regra, não. Isso porque se trata de verba de natureza alimentar, sendo impenhorável, nos termos do art. 833, IV, do CPC. Há duas exceções previstas no § 2º do art. 833: 1) para pagamento de prestação alimentícia (qualquer que seja a sua origem). 2) sobre o montante que exceder 50 salários-mínimos. É possível a penhora do auxílio emergencial para pagamento de dívidas com bancos? Não. As dívidas comuns não podem gozar do mesmo status diferenciado da dívida alimentar a permitir a penhora indiscriminada das verbas remuneratórias, sob pena de se afastarem os ditames e a própria ratio legis do Código de Processo Civil (art. 833, IV, c/c o § 2º). STJ. 4ª Turma. REsp 1.935.102-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 29/06/2021 (Info 703). 

O que é o chamado “auxílio emergencial” 

O Auxílio Emergencial é um benefício financeiro, instituído pela Lei nº 13.982/2020, pago pela União a trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados, e que foi criado com o objetivo de fornecer proteção emergencial, pelo prazo de poucos meses, às pessoas que perderam sua renda em virtude da crise causada pela Covid-19. 

O valor do auxílio emergencial pode ser penhorado? 

Em regra, não. Isso porque se trata de verba de natureza alimentar, sendo impenhorável, nos termos do art. 833, IV, do CPC: 

Art. 833. São impenhoráveis: (...) IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º ; 

O CNJ expediu, inclusive, a Resolução nº 318/2020, na qual recomenda que os magistrados não efetuem a penhora do auxílio emergencial para pagamento de dívidas: 

Art. 5º Recomenda-se que os magistrados zelem para que os valores recebidos a título de auxílio emergencial previsto na Lei no 13.982/2020 não sejam objeto de penhora, inclusive pelo sistema BacenJud, por se tratar de bem impenhorável nos termos do art. 833, IV e X, do CPC. Parágrafo único. Em havendo bloqueio de valores posteriormente identificados como oriundos de auxílio emergencial, recomenda-se que seja promovido, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, seu desbloqueio, diante de seu caráter alimentar. V

ale ressaltar que esta recomendação tem um caráter mais orientativo do que compulsório, considerando que a decisão sobre o enquadramento ou não da referida parcela como impenhorável está dentro do livre convencimento judicial, não podendo ser punido disciplinarmente o magistrado que, de forma fundamentada, decida em sentido contrário à orientação do CNJ que, como se sabe, é um órgão administrativo. 

A hipótese de impenhorabilidade do inciso IV do art. 833 do CPC é absoluta ou admite exceções? 

Há duas exceções previstas no § 2º do art. 833: 

Art. 833 (...) § 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º . 

Desse modo, é possível a penhora de verbas salariais em duas hipóteses: 

1) para pagamento de prestação alimentícia (qualquer que seja a sua origem, ou seja, pode ser pensão alimentícia decorrente de poder familiar, de parentesco ou mesmo derivada de um ato ilícito). 

Observação: essa primeira exceção é plenamente aplicável para o caso do auxílio emergencial. Assim, se o sujeito recebeu os R$ 600,00 do auxílio emergencial, mas está devendo pensão alimentícia, é possível, de acordo com o CPC, que o juiz determine a penhora de até metade desse valor para pagamento da dívida. 

2) sobre o montante que exceder 50 salários-mínimos.

 Observação: essa segunda hipótese não se aplica para o caso do auxílio emergencial, considerando que seu valor era, inicialmente, de apenas R$ 600,00 e com duração inicial de 3 meses. Mesmo com as prorrogações, ainda que a pessoa acumulasse no banco o valor das parcelas do auxílio, isso não superaria 50 salários-mínimos. 

Vale ressaltar que nessas duas hipóteses excepcionais de penhora, o valor penhorado não poderá exceder 50% dos ganhos líquidos do devedor: 

Art. 529 (...) § 3º Sem prejuízo do pagamento dos alimentos vincendos, o débito objeto de execução pode ser descontado dos rendimentos ou rendas do executado, de forma parcelada, nos termos do caput deste artigo, contanto que, somado à parcela devida, não ultrapasse cinquenta por cento de seus ganhos líquidos. 

Resumindo: Em regra, o valor recebido a título de auxílio emergencial é impenhorável, por se enquadrar como verba de natureza alimentar. Excepcionalmente, é possível a penhora de 50% desse valor para pagamento de prestação alimentícia, nos termos do art. 833, § 2º c/c art. 529, § 3º, do CPC. Ex: Pedro recebeu o auxílio emergencial de R$ 600,00; ocorre que ele está devendo a pensão alimentícia a seu filho menor; o magistrado poderá penhorar até 50% desse valor (R$ 300,00) para pagamento da prestação alimentícia. 

É possível a penhora do auxílio emergencial para pagamento de dívidas com bancos? NÃO. 

Não é possível a penhora de percentual do auxílio emergencial para pagamento de crédito constituído em favor de instituição financeira. 

STJ. 4ª Turma. REsp 1.935.102-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 29/06/2021 (Info 703). 

As dívidas comuns não podem gozar do mesmo status diferenciado da dívida alimentar a permitir a penhora indiscriminada das verbas remuneratórias, sob pena de se afastarem os ditames e a própria ratio legis do Código de Processo Civil (art. 833, IV, c/c o § 2º), sem que tenha havido a revogação do dispositivo de lei ou a declaração de sua inconstitucionalidade. A verba emergencial da covid-19 foi pensada e destinada a salvaguardar pessoas que, em razão da pandemia, presume-se estejam com restrições em sua subsistência, cerceadas de itens de primeira necessidade; por conseguinte, é intuitivo que a constrição judicial sobre qualquer percentual do benefício, salvo para pagamento de prestação alimentícia, acabará por vulnerar o mínimo existencial e a dignidade humana dos devedores. 

Impossibilidade de o banco efetuar descontos ou compensações envolvendo o valor do auxílio emergencial 

Imagine a seguinte situação hipotética: João fez um mútuo bancário e autorizou que as parcelas a serem pagas deste empréstimo fossem descontadas diretamente de sua conta todas as vezes em que fosse depositado algum dinheiro. Ocorre que João perdeu seu emprego e passou a não mais receber qualquer valor na conta bancária. Neste período de pandemia, foi aprovado para receber o auxílio emergencial do governo. 

Quando o valor do auxílio emergencial for depositado na conta de João, o banco poderá reter esse valor, no todo ou, pelo menos, em parte, para pagamento da dívida? 

NÃO. Essa proibição consta expressamente no § 13 do art. 2º da Lei nº 13.982/2020, incluído pela Lei nº 13.998/2020: 

Art. 2º (...) § 13. Fica vedado às instituições financeiras efetuar descontos ou compensações que impliquem a redução do valor do auxílio emergencial, a pretexto de recompor saldos negativos ou de saldar dívidas preexistentes do beneficiário, sendo válido o mesmo critério para qualquer tipo de conta bancária em que houver opção de transferência pelo beneficiário

10 de outubro de 2021

A exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista para o crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, estende-se ao imóvel adquirido com os recursos oriundos da venda daquele bem

 BEM DE FAMÍLIA: A exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista para o crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, estende-se ao imóvel adquirido com os recursos oriundos da venda daquele bem 

Exemplo hipotético: João contraiu empréstimo para a aquisição de um apartamento. Ele conseguiu obter o dinheiro com o Banco e se comprometeu a pagar o mútuo em 60 prestações mensais. Com os recursos obtidos, João comprou o referido apartamento e nele passou a viver com a sua família. Algum tempo depois, João alienou o apartamento e, com o dinheiro, comprou uma casa. Se o devedor atrasar as parcelas, será possível que o banco execute o contrato e consiga a penhora da casa com base na autorização excepcional prevista no inciso II do art. 3º da Lei nº 8.009/90. Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (...) II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; STJ. 3ª Turma. REsp 1.935.842-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/06/2021 (Info 702). 

Espécies de bem de família

 No Brasil, atualmente, existem duas espécies de bem de família: 

a) bem de família convencional ou voluntário (arts. 1711 a 1722 do Código Civil); 

b) bem de família legal (Lei nº 8.009/90). 

Bem de família legal 

O bem de família legal consiste no imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar. Considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do Código Civil (bem de família convencional). 

Qual é a proteção que o ordenamento jurídico confere ao bem de família legal? 

• REGRA: como regra, o bem de família legal é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam.

• EXCEÇÕES: o art. 3º da Lei nº 8.009/90 prevê exceções nas quais será possível a penhora do bem de família. 

Imagine agora a seguinte situação hipotética: 

João contraiu empréstimo para a aquisição de um apartamento. Ele conseguiu obter o dinheiro com o Banco e se comprometeu a pagar o mútuo em 60 prestações mensais. Com os recursos obtidos, João comprou o referido apartamento e nele passou a viver com a sua família. 

Caso João atrase o pagamento, será possível que o Banco execute o contrato e consiga, na Justiça, a penhora do apartamento para pagamento da dívida? SIM. 

Mesmo sendo bem de família? SIM. 

Isso porque a situação se enquadra na exceção prevista no inciso II do art. 3º da Lei nº 8.009/90: 

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (...) 

II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; 

Voltando ao caso concreto: 

Depois de 20 meses do financiamento, João decidiu vender o apartamento e, com o dinheiro, comprou uma casa. Ele e a família se mudaram para a casa. Eles não possuem qualquer outro imóvel. Assim, a casa pode ser enquadrada como bem de família legal. Passados mais alguns meses, João deixou de pagar as parcelas do financiamento ao Banco. Diante disso, a instituição financeira ingressou com execução do contrato (execução de título executivo extrajudicial) e o juiz determinou a penhora da casa onde João mora. O devedor apresentou exceção de pré-executividade alegando que essa penhora não seria possível porque se trata de bem de família. 

O argumento do devedor será acolhido? 

NÃO. Será possível a manutenção da penhora da casa. A autorização excepcional para penhora do bem de família, prevista no inciso II do art. 3º da Lei nº 8.009/90, aplica-se também para o imóvel adquirido com os recursos oriundos da venda do primeiro imóvel que foi objeto do financiamento. O apartamento foi adquirido com dinheiro do financiamento. Posteriormente, o apartamento foi vendido e a casa comprada com o produto dessa alienação. O imóvel atual de sua moradia foi adquirido com recursos obtidos a partir da venda do primeiro. Daí porque a situação jurídica de um se sub-roga no outro. Se o primitivo bem de família pode ser penhorado para a satisfação de dívida relativa ao próprio bem, o novo bem de família, adquirido com os recursos da alienação do primeiro, também estará sujeito à referida exceção. Desse modo, não pode o devedor adquirir novo bem de família com os recursos provenientes da venda de bem de família anterior para, posteriormente, se furtar ao adimplemento da dívida contraída com a compra do primeiro, notadamente tendo em vista a máxima de que a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza. 

Em suma: 

A exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista para o crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, estende-se ao imóvel adquirido com os recursos oriundos da venda daquele bem. STJ. 3ª Turma. REsp 1.935.842-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/06/2021 (Info 702). 

Indispensável a comprovação de que o dinheiro foi utilizado para a aquisição do segundo bem 

Importante registrar uma última observação. Muito embora seja certo que a exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no inciso II do art. 3º da Lei nº 8.009/90 transmite-se ao novo bem de família adquirido, é imprescindível que se comprove que este, de fato, foi adquirido com os recursos da venda daquele.

Não é possível a penhora de percentual do auxílio emergencial para pagamento de crédito constituído em favor de instituição financeira

 O que é o chamado “auxílio emergencial”

O Auxílio Emergencial é um benefício financeiro, instituído pela Lei nº 13.982/2020, pago pela União a trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados, e que foi criado com o objetivo de fornecer proteção emergencial, pelo prazo de poucos meses, às pessoas que perderam sua renda em virtude da crise causada pela Covid-19.

 

O valor do auxílio emergencial pode ser penhorado?

Em regra, não. Isso porque se trata de verba de natureza alimentar, sendo impenhorável, nos termos do art. 833, IV, do CPC:

Art. 833. São impenhoráveis:

(...)

IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º ;

 

O CNJ expediu, inclusive, a Resolução nº 318/2020, na qual recomenda que os magistrados não efetuem a penhora do auxílio emergencial para pagamento de dívidas:

Art. 5º Recomenda-se que os magistrados zelem para que os valores recebidos a título de auxílio emergencial previsto na Lei no 13.982/2020 não sejam objeto de penhora, inclusive pelo sistema BacenJud, por se tratar de bem impenhorável nos termos do art. 833, IV e X, do CPC.

Parágrafo único. Em havendo bloqueio de valores posteriormente identificados como oriundos de auxílio emergencial, recomenda-se que seja promovido, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, seu desbloqueio, diante de seu caráter alimentar.

 

Vale ressaltar que esta recomendação tem um caráter mais orientativo do que compulsório, considerando que a decisão sobre o enquadramento ou não da referida parcela como impenhorável está dentro do livre convencimento judicial, não podendo ser punido disciplinarmente o magistrado que, de forma fundamentada, decida em sentido contrário à orientação do CNJ que, como se sabe, é um órgão administrativo.

 

A hipótese de impenhorabilidade do inciso IV do art. 833 do CPC é absoluta ou admite exceções?

Há duas exceções previstas no § 2º do art. 833:

Art. 833 (...)

§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º .

 

Desse modo, é possível a penhora de verbas salariais em duas hipóteses:

1) para pagamento de prestação alimentícia (qualquer que seja a sua origem, ou seja, pode ser pensão alimentícia decorrente de poder familiar, de parentesco ou mesmo derivada de um ato ilícito).

 

Observação: essa primeira exceção é plenamente aplicável para o caso do auxílio emergencial. Assim, se o sujeito recebeu os R$ 600,00 do auxílio emergencial, mas está devendo pensão alimentícia, é possível, de acordo com o CPC, que o juiz determine a penhora de até metade desse valor para pagamento da dívida.

 

2) sobre o montante que exceder 50 salários-mínimos.

 

Observação: essa segunda hipótese não se aplica para o caso do auxílio emergencial, considerando que seu valor era, inicialmente, de apenas R$ 600,00 e com duração inicial de 3 meses. Mesmo com as prorrogações, ainda que a pessoa acumulasse no banco o valor das parcelas do auxílio, isso não superaria 50 salários-mínimos.

 

Vale ressaltar que nessas duas hipóteses excepcionais de penhora, o valor penhorado não poderá exceder 50% dos ganhos líquidos do devedor:

Art. 529 (...)

§ 3º Sem prejuízo do pagamento dos alimentos vincendos, o débito objeto de execução pode ser descontado dos rendimentos ou rendas do executado, de forma parcelada, nos termos do caput deste artigo, contanto que, somado à parcela devida, não ultrapasse cinquenta por cento de seus ganhos líquidos.

 

Resumindo:

Em regra, o valor recebido a título de auxílio emergencial é impenhorável, por se enquadrar como verba de natureza alimentar.

Excepcionalmente, é possível a penhora de 50% desse valor para pagamento de prestação alimentícia, nos termos do art. 833, § 2º c/c art. 529, § 3º, do CPC.

Ex: Pedro recebeu o auxílio emergencial de R$ 600,00; ocorre que ele está devendo a pensão alimentícia a seu filho menor; o magistrado poderá penhorar até 50% desse valor (R$ 300,00) para pagamento da prestação alimentícia.

 

É possível a penhora do auxílio emergencial para pagamento de dívidas com bancos?

NÃO.

Não é possível a penhora de percentual do auxílio emergencial para pagamento de crédito constituído em favor de instituição financeira.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.935.102-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 29/06/2021 (Info 703).

 

As dívidas comuns não podem gozar do mesmo status diferenciado da dívida alimentar a permitir a penhora indiscriminada das verbas remuneratórias, sob pena de se afastarem os ditames e a própria ratio legis do Código de Processo Civil (art. 833, IV, c/c o § 2º), sem que tenha havido a revogação do dispositivo de lei ou a declaração de sua inconstitucionalidade.

A verba emergencial da covid-19 foi pensada e destinada a salvaguardar pessoas que, em razão da pandemia, presume-se estejam com restrições em sua subsistência, cerceadas de itens de primeira necessidade; por conseguinte, é intuitivo que a constrição judicial sobre qualquer percentual do benefício, salvo para pagamento de prestação alimentícia, acabará por vulnerar o mínimo existencial e a dignidade humana dos devedores.

 

Impossibilidade de o banco efetuar descontos ou compensações envolvendo o valor do auxílio emergencial

Imagine a seguinte situação hipotética:

João fez um mútuo bancário e autorizou que as parcelas a serem pagas deste empréstimo fossem descontadas diretamente de sua conta todas as vezes em que fosse depositado algum dinheiro.

Ocorre que João perdeu seu emprego e passou a não mais receber qualquer valor na conta bancária.

Neste período de pandemia, foi aprovado para receber o auxílio emergencial do governo.

 

Quando o valor do auxílio emergencial for depositado na conta de João, o banco poderá reter esse valor, no todo ou, pelo menos, em parte, para pagamento da dívida?

NÃO. Essa proibição consta expressamente no § 13 do art. 2º da Lei nº 13.982/2020, incluído pela Lei nº 13.998/2020:

Art. 2º (...)

§ 13. Fica vedado às instituições financeiras efetuar descontos ou compensações que impliquem a redução do valor do auxílio emergencial, a pretexto de recompor saldos negativos ou de saldar dívidas preexistentes do beneficiário, sendo válido o mesmo critério para qualquer tipo de conta bancária em que houver opção de transferência pelo beneficiário.

5 de outubro de 2021

São impenhoráveis os recursos públicos recebidos por instituições privadas destinados exclusivamente ao fomento de atividades desportivas

Processo

REsp 1.878.051-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/09/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Saúde e Bem-Estar
  •  
  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Execução de título extrajudicial contra a Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM). Fomento de atividades desportivas. Repasses de recursos públicos. Afetação. Finalidade social. Impenhorabilidade.

 

DESTAQUE

São impenhoráveis os recursos públicos recebidos por instituições privadas destinados exclusivamente ao fomento de atividades desportivas.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a definir se, no âmbito de execução ajuizada em face da Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM), podem ser penhorados os recursos públicos recebidos pela devedora (instituição privada sem fins lucrativos) e destinados para aplicação exclusiva e integral em programas e em projetos de fomento do desporto nacional.

Recentemente, a Quarta Turma, ao apreciar o Recurso Especial 1.691.882/SP, tratou da hipótese de mitigação da tutela executiva, apontando o intuito do legislador (em juízo ex ante de ponderação e numa perspectiva de sociabilidade) de prestigiar os recursos públicos com desígnios sociais e, por conseguinte, salvaguardar o direito coletivo de sujeitos indeterminados favorecidos pelos investimentos nas áreas de educação, saúde ou assistência social.

De acordo com a doutrina, o inciso IX do artigo 833 do CPC de 2015 - que reproduziu o inciso IX do artigo 649 do CPC de 1973 - contempla hipótese de impenhorabilidade absoluta fundada no interesse público, que exibe elevado espírito social e se harmoniza com os princípios político-constitucionais contidos no artigo 1º da Carta Magna de 1988, os quais retratam os fundamentos do Estado brasileiro.

No entanto, o dinheiro originariamente público - mas objeto de repasse - integra o patrimônio das pessoas jurídicas de direito privado, assim a necessidade da definição da "origem" e da "finalidade" dos recursos para a incidência da regra de impenhorabilidade.

Assim, a doutrina ensina que a impenhorabilidade das verbas públicas - recebidas por pessoas jurídicas de direito privado, com destinação compulsória a finalidades específicas albergadas pela Constituição - caracteriza, "no plano técnico-processual, uma projeção da intangibilidade dos recursos do próprio ente de direito público que os transfere a tais instituições".

Nessa ordem de ideias, as verbas públicas objeto de repasse para instituições privadas - com destinação especial atrelada à satisfação de tarefas públicas -, em razão dessa natureza, não se acham entregues à livre disposição da vontade de quem as possui e as administra, sobressaindo, inclusive, o dever de prestação de contas previsto no parágrafo único do artigo 70 da Constituição Federal.

Tal inferência não significa, decerto, uma blindagem de todo o patrimônio da pessoa jurídica de direito privado que receba verbas públicas atreladas compulsoriamente a uma destinação de cunho social. Isso porque os recursos públicos obtidos para fins de remuneração ou de contraprestação por serviços prestados, assim como os bens e os recursos privados (mesmo quando voltados a um desígnio social), continuarão sendo objeto de possível excussão forçada, por integrarem o patrimônio disponível da devedora obrigada.

Postas tais premissas, é certo que, para além do princípio da supremacia do interesse público, o dinheiro repassado pelos entes estatais - para aplicação exclusiva e compulsória em finalidade de interesse social - não chega sequer a ingressar na "esfera de disponibilidade" da instituição privada, o que constitui fundamento apto a justificar a sua impenhorabilidade não apenas por força do disposto no inciso IX do artigo 833 do CPC (que remete, expressamente, às áreas de educação, saúde e assistência social), mas também em virtude do princípio da responsabilidade patrimonial enunciado nos artigos 789 e 790 do mesmo diploma.

No caso, a natureza eminentemente pública das verbas - dadas a sua afetação a uma finalidade social específica estampada nos planos de trabalho a serem obrigatoriamente seguidos pela CBTM e a previsão dos deveres de prestação de contas e de restituição do saldo remanescente - torna evidente o fato de que a instituição privada não detém a disponibilidade das referidas quantias, as quais, por conseguinte, não se incorporam ao seu patrimônio jurídico para fins de subordinação ao processo executivo.

3 de setembro de 2021

VALORES DECORRENTES DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DEPÓSITO EM CONTA SALÁRIO. NATUREZA SALARIAL NÃO CONFIGURADA. IMPENHORABILIDADE AFASTADA

RECURSO ESPECIAL Nº 1931432 - DF (2020/0235304-6) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

EMENTA RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. NÃO CABIMENTO. VALORES DECORRENTES DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DEPÓSITO EM CONTA SALÁRIO. NATUREZA SALARIAL NÃO CONFIGURADA. IMPENHORABILIDADE AFASTADA. JULGAMENTO: CPC/2015. 

1. Ação de execução de título extrajudicial ajuizada em 2018, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 25/05/2020 e concluso ao gabinete em 08/04/2021. 

2. O propósito recursal é decidir sobre a penhora de valores oriundos de empréstimo consignado, depositados na conta salário do executado. 

3. É incabível a interposição de recurso especial fundada em suposta violação de dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo que não se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, "a" da CF/88. 

4. O fato de o pagamento das parcelas incidir diretamente sobre a contraprestação recebida como fruto do trabalho não equipara os valores oriundos de empréstimo consignado aos vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios, montepios, ou às quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, aos ganhos de trabalhador autônomo e aos honorários de profissional liberal, aos quais o legislador conferiu a proteção da impenhorabilidade (art. 833, IV, CPC/2015). 

5. Se nem mesmo o salário e verbas assemelhadas, que têm natureza alimentar, gozam de impenhorabilidade absoluta, não é razoável que se confira tal blindagem aos valores decorrentes de empréstimo consignado, apenas porque se encontram depositados na conta salário do devedor. 

6. Hipótese em que, diferentemente do decidido pela Terceira Turma no REsp 1.820.477/DF, (julgado em 19/05/2020, DJe 27/05/2020), o Tribunal de origem, ao analisar o conjunto fático-probatório dos autos, registrou que a penhora recaiu sobre valores cuja origem não foi comprovada pelo devedor, não havendo, pois, falar em impenhorabilidade. 

7. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília, 08 de junho de 2021. MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora 

RELATÓRIO 

Cuida-se de recurso especial interposto por ROBERTO MIGUEL BULAT, fundado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão do TJ/DFT. 

Ação: de execução de título extrajudicial ajuizada por COOPERATIVA DE ECONOMIA E CREDITO MUTUO DOS SERV DO PODER EXEC FED, DOS SERV DA SEC DE SAUDE E DOS TRAB EM ENSINO DO DF LTDA - SICOOB EXECUTIVO em face de BRAZUNI GESTÃO E ADMINISTRAÇÃO DE BENEFÍCIOS EIRELI – ME, ROBERTO MIGUEL BULAT e ISABEL SARAIVA DE SOUZA, referente à cédula de crédito bancário no valor de R$ 74.508,39 (setenta e quatro mil quinhentos e oito reais e trinta e nove centavos). 

Decisão: o Juízo de primeiro grau rejeitou a impugnação oferecida por ROBERTO à penhora, via Bacenjud, das quantias de R$ 11.929,94 (Banco BRB) e R$ 251,57 (Banco do Brasil) existentes em suas contas bancárias (fls. 262-263, e-STJ). 

Acórdão: o TJ/DFT, à unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento interposto por ROBERTO, nos termos da seguinte ementa: 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DECISÃO QUE REJEITA IMPUGNAÇÃO E MANTÉM PENHORA REALIZADA NA CONTA DO DEVEDOR. VALORES BLOQUEADOS SE REFEREM A EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INEXISTÊNCIA DE NATUREZA SALARIAL. FALTA DE PROVAS DE QUE A PENHORA RESULTOU EM SALDO NEGATIVO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Cuida-se de agravo de instrumento, com pedido de liminar, interposto contra decisão proferida na execução de título extrajudicial, em que o juiz determinou o levantamento apenas da restrição do valor comprovadamente de salário e manteve penhora realizada em parte do valor constante em conta bancária do executado, por entender que inexiste previsão legal que confira natureza salarial a empréstimos consignados. 1.1. Em seu agravo, o recorrente pede que seja julgada insubsistente e indeferida a penhora dos autos principais, que recaiu sobre numerário impenhorável de verba de caráter estritamente salarial, de empréstimo consignado e de saldo negativo em conta salarial do agravante. 2. Os empréstimos consignados não estão relacionados no inciso IV do art. 833 do Código de Processo Civil, que prevê quais são as verbas impenhoráveis. 2.1. Precedentes deste Tribunal: “A proteção conferida às verbas de natureza salarial não pode ser estendida aos empréstimos consignados disponibilizados pela instituição financeira ao correntista, por absoluta falta de previsão legal.” (07005606520198070000, Relator: Eustáquio De Castro, 8ª Turma Cível, PJe: 7/6/2019).” 3. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.837.702 – DF, passou a permitir a constrição de percentual dos proventos dos devedores, de modo a garantir a efetividade do processo, sem afrontar a dignidade ou a subsistência destes e de sua família. 4. Não consta nos autos comprovação de que os valores bloqueados sejam verbas salariais. Ademais, não há no extrato do executado qualquer informação que possa denotar que o bloqueio culminou com o saldo negativo da conta. 5. Agravo improvido 

Recurso especial: aponta violação do art. 1º, III, da CF/1988, do art. 833, IV, do CPC/2015, bem como dissídio jurisprudencial. 

Alega que a penhora recaiu sobre “valor disponibilizado em conta a título de empréstimo consignado de natureza salarial, que fora depositado em sua conta justamente para cobrir o valor que o Recorrente devia à Recorrida, não caracterizado como uma fonte de renda, tampouco renda estável do Recorrente, bem como valor de sua propriedade (R$ 11.929,94)”, e que “tal numerário, enquanto não utilizado pelo correntista, constitui patrimônio da própria SICOOB, retirado de sua conta devido a penhora deferida nos autos n° 0703098- 44.2018.8.07.0003” (fls. 413-414, e-STJ). 

Afirma que “todos os empréstimos, taxados como consignados, como no caso dos presentes autos, são descontados diretamente da aposentadoria do ora Recorrente, o que lhe confere natureza salarial e impenhorável” e que “não se considerou a real situação de penúria do Recorrente, porque já vem cumprindo outra decisão judicial de pagar pensão alimentícia à sua ex-esposa, fixada em 40% (quarenta por cento) de seus rendimentos, conforme sentença de divórcio/alimentos (ID n° 11817571) e demais deduções na fonte demonstradas nos contracheques, que, somados, estão comprometendo 60% (sessenta por cento) da sua renda mensal” (fl. 414, e-STJ). 

Pleiteia o provimento do recurso especial para que seja reconhecida a impenhorabilidade dos valores bloqueados. 

Juízo prévio de admissibilidade: o TJ/DFT inadmitiu o recurso, dando azo à interposição do AREsp 1.757.790/DF, do qual não conheceu a e. Presidência do STJ. 

Agravo interno: interposto por ROBERTO, foi provido para reconsiderar a decisão agravada e determinar a autuação em recurso especial. 

É o relatório.

VOTO 

O propósito recursal é decidir sobre a penhora de valores oriundos de empréstimo consignado, depositados na conta salário do executado. 

DA VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL 

É incabível a interposição de recurso especial fundada em suposta violação de dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo que não se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, "a" da CF/88. 

DA POSSIBILIDADE DE PENHORA DE VALORES ORIUNDOS DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO, DEPOSITADOS NA CONTA SALÁRIO DO EXECUTADO 

Sustenta o recorrente ROBERTO que os valores depositados em sua conta salário, decorrentes de empréstimo consignado, são impenhoráveis, por força do disposto no art. 833, IV, do CPC/2015. 

Para o TJ/DFT, no entanto, “os empréstimos consignados não estão relacionados no inciso IV do art. 833 do Código de Processo Civil” (fl. 379, e-STJ), razão pela qual foi mantida a penhora realizada. 

Sobre o tema, a Lei 10.820/2003 estabelece que os empregados regidos pela CLT, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos. 

Assim também previu o legislador quanto aos benefícios da Previdência Social (art. 115, da Lei 8.213/1991) e à remuneração ou proventos dos servidores públicos civis federais (art. 45, § 2º, da Lei 8.112/1990). 

Nessa toada, o empréstimo consignado, como informa o Banco Central do Brasil, “é uma operação de crédito (empréstimo pessoal) cujo pagamento é descontado diretamente, em parcelas mensais fixas, da folha de pagamento ou do benefício previdenciário do contratante” (informação disponível em: https://www.bcb.gov.br/pre/pef/port/folder_serie_I_emprestimo_consignado.pdf, acesso em 23/04/2021). 

Trata-se, portanto, de uma espécie de empréstimo com garantia, sendo esta representada pela própria remuneração do trabalhador, o que explica ser uma das linhas de crédito mais baratas do mercado, na medida em que o risco reduzido de inadimplência possibilita a cobrança de taxas de juros mais baixas. 

E, justamente por incidir diretamente sobre a remuneração do trabalhador, o percentual de comprometimento desta renda com o pagamento das parcelas do empréstimo consignado é limitado por lei, no intuito de preservar a dignidade do devedor: a Lei 14.131/2021 aumentou, até 31/12/2021, de 35% para 40% o percentual máximo de consignação. 

O fato de essas parcelas incidirem diretamente sobre a contraprestação recebida pelo trabalho, entretanto, não equipara os valores oriundos de empréstimo consignado aos vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios, montepios, aos ganhos de trabalhador autônomo e aos honorários de profissional liberal, aos quais o legislador conferiu a proteção da impenhorabilidade (art. 833, IV, CPC/2015). 

Como afirmado por esta Turma, no julgamento do REsp 1.820.477/DF, (julgado em 19/05/2020, DJe 27/05/2020), “o recebimento desses valores [salário e crédito decorrente do empréstimo consignado] encontra respaldo em bases jurídicas distintas: o salário tem origem no contrato de trabalho ou na prestação do serviço; o empréstimo tem origem em contrato de mútuo celebrado entre o trabalhador (mutuário) e a instituição financeira ou cooperativa de crédito (mutuante)”. 

Logo, não há falar em natureza salarial dos valores decorrentes de empréstimo consignado, como afirma o recorrente. 

De mais a mais, se nem mesmo o salário e verbas assemelhadas, que têm natureza alimentar, gozam da proteção da impenhorabilidade absoluta, segundo decidiu a Corte Especial no julgamento do EREsp 1.582.475/MG (julgado em 3/10/2018, DJe de 16/10/2018), não é razoável que se confira tal blindagem aos valores decorrentes de empréstimo consignado, apenas porque se encontram depositados na conta salário do devedor. 

Firmadas essas premissas, verifica-se, no particular, que o TJ/DFT, ao analisar o conjunto fático-probatório dos autos, concluiu que “havia diversos créditos sem a comprovação da sua origem, totalizando R$ 18.633,68 (R$ 819,00 + 4.928,34 + 12.886,34)”; que se “determinou a manutenção da penhora do valor de R$ 12.181,51, que seria uma quantia inferior aos créditos sem a demonstração da sua origem”; que “no extrato de ID 12931030 - Pág. 239 há informação de que apenas o montante de R$ 6.559,50 é decorrente de salário, os demais depósitos são decorrentes de empréstimos consignados ou verbas em que não houve comprovação da origem”; que “não há no extrato de ID 12931030 - Pág. 239 qualquer informação que possa denotar que o bloqueio culminou com o saldo negativo da conta”; e, por fim, que “está claramente demonstrado que o valor penhorado não se refere a verba salarial” (fl. 379, e-STJ). 

Nesse contexto, diferentemente do decidido pela Terceira Turma no REsp 1.820.477/DF, (julgado em 19/05/2020, DJe 27/05/2020), constata-se que a penhora recaiu sobre valores cuja origem não foi comprovada pelo devedor, não havendo, pois, falar em impenhorabilidade. 

DA CONCLUSÃO 

Forte nessas razões, CONHEÇO EM PARTE do recurso especial e, nessa extensão, NEGO-LHE PROVIMENTO. 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA 

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Direito processual civil – Execução: Vencimentos. Impenhorabilidade. Flexibilização. Possibilidade?

"Em sua mais recente decisão sobre o tema, a Corte Especial do STJ entendeu: 'A regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 649, IV, do CPC/1973; art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família' (EREsp 1.582.475/MG, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Corte Especial, DJe 16.10.2018)."

AREsp 1747007/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 22/06/2021, DJe 03/08/2021.

Entre salários e dívidas: questões sobre a (im)penhorabilidade da remuneração

 Nos termos do artigo 833 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015, a regra geral da impenhorabilidade de salários pode ser excepcionada quando for para o pagamento de prestação alimentícia, de qualquer origem, independentemente do valor da verba remuneratória; e para o pagamento de qualquer outra dívida não alimentar, quando os valores recebidos pelo executado forem superiores a 50 salários mínimos mensais.

Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, o legislador, com o objetivo de preservar o patrimônio mínimo indispensável à sobrevivência digna do executado, limitou a tutela executiva ao garantir a impenhorabilidade da renda de natureza alimentar. Ao mesmo tempo, previu, na própria norma, exceções autorizadoras da penhora, "que refletem a não menos relevante preocupação com a dignidade da pessoa do exequente quando o crédito pleiteado envolve seu próprio sustento e o de sua família".

O magistrado observou que a maioria dos países civilizados estabelece que os salários de alto valor podem ser parcialmente penhorados sem sacrifício de digna subsistência do devedor. "Nesse passo, vem o STJ tentando estabelecer um norte a guiar as mais diversas situações em que se deva autorizar, de forma excepcional, a penhora dos vencimentos (ou verba equivalente) do devedor", ressaltou.

Flexibilizaç​​ão

Salomão lembrou que o tribunal – em casos envolvendo o CPC de 1973, que estabelecia exceção à regra apenas nos casos de pagamento de prestação alimentícia – se posicionou no sentido de que as sobras salariais podem ser objeto de constrição (EREsp 1.330.567), bem como admitiu a flexibilização quando a verba remuneratória (em sentido amplo) alcançasse montante considerável (REsp 1.514.931).

De acordo com o magistrado, a jurisprudência do STJ sempre foi firme no entendimento de que a impenhorabilidade de tais rubricas salariais só cederia espaço para situações que envolvessem crédito de natureza alimentar. No entanto, observou que, por construção jurisprudencial, as turmas integrantes da Segunda Seção também estenderam a flexibilização a situações em que haja expressa autorização de desconto, pelo devedor, de empréstimos consignados.

"Destaca-se, nessa hipótese, que não se trata efetivamente de uma exceção à impenhorabilidade, já que, em verdade, penhora não há; ocorre, sim, uma disponibilização voluntária, pelo devedor, de parte de seus vencimentos, tendo ele renunciado espontaneamente à proteção preconizada", afirmou.

Manutenção da dignid​​ade

Em outubro de 2018, a Corte Especial, no julgamento do EREsp 1.582.475, reconheceu divergência entre as turmas integrantes da Primeira Seção – que só admitiam a penhora das verbas previstas no artigo 649, IV, do CPC/1973 nos casos de crédito de natureza alimentar – e as turmas integrantes da Segunda Seção – que, num viés mais abrangente, permitiram a penhora em casos de empréstimo consignado e em situações nas quais a constrição parcial não acarretasse prejuízo à dignidade e à subsistência do devedor e de sua família.

Naquela oportunidade, o colegiado definiu que a regra legal comporta, para além da exceção explícita, a possibilidade de reconhecimento de outras exceções à impenhorabilidade da verba remuneratória.

De acordo com o voto do relator, ministro Benedito Gonçalves, a interpretação mais adequada ao texto legal é a que admite a flexibilização da impenhorabilidade quando a constrição dos vencimentos do devedor não atingir a dignidade ou a subsistência dele e de sua família.

Despe​​​sas de aluguel

Com base no precedente da Corte Especial, a Quarta Turma autorizou a penhora de 15% da remuneração bruta de um devedor que, além de ter renda considerada alta, contraiu dívida em locação de imóvel residencial (AREsp 1.336.881).

Para o relator, ministro Raul Araújo, além de a penhora nesse percentual não comprometer a subsistência do devedor, não seria adequado manter a impenhorabilidade no caso de créditos provenientes de aluguel para moradia, que compõe o orçamento de qualquer família.

"Descabe, então, que se mantenha imune à penhora para satisfação de créditos provenientes de despesa de aluguel com moradia, sob o pálio da regra da impenhorabilidade da remuneração, a pessoa física que reside ou residiu em imóvel locado, pois a satisfação de créditos de tal natureza compõe o orçamento familiar normal de qualquer cidadão" – concluiu o ministro, para quem não é justo que a dívida seja suportada unicamente pelo credor dos aluguéis.

Mínimo existe​​ncial

Seguindo essa mesma orientação, em 2019, a Quarta Turma, em processo sob a relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, entendeu que o benefício previdenciário do auxílio-doença é impenhorável para pagamento de crédito constituído em favor de pessoa jurídica, quando se verifica que a penhora violaria o mínimo existencial e a dignidade do devedor (REsp 1.407.062).

O colegiado deu provimento ao recurso de um devedor que, em ação de execução, teve 30% do seu auxílio-doença penhorado para quitar dívida com uma fornecedora de bebidas.

Apesar de verificar que o acórdão recorrido – que permitiu a penhora do benefício do devedor – estava em conformidade com o entendimento da Corte Especial, o relator afirmou que não se poderia conferir interpretação tão ampla ao julgado, a ponto de afastar qualquer diferença, para fins de exceção à impenhorabilidade, entre as verbas de natureza alimentar e aquelas que não possuem tal caráter.

"Caso se leve em conta apenas o critério da preservação de percentual de verba remuneratória capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família, estar-se-á, em verdade, deixando de lado o regramento expresso do Código de Processo Civil e sua ratio legis, que estabelecem evidente diferença entre as verbas, sem que tenha havido para tanto a revogação do dispositivo de lei ou a declaração de sua inconstitucionalidade", declarou.

Em relação ao recorrente, o ministro avaliou que, por se tratar de pessoa doente, a penhora sobre qualquer percentual dos seus rendimentos – no valor de R$ 927,46 – comprometeria sua subsistência e a de sua família, dificultando o acesso a itens de primeira necessidade.

Honorários advoc​​atícios

Em agosto de 2020, a Corte Especial estabeleceu importante precedente ao concluir que os honorários advocatícios não são equiparados às prestações alimentícias para efeito de incidência da exceção à impenhorabilidade prevista no parágrafo 2º do artigo 833 do CPC/2015 (REsp 1.815.055).

A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que as verbas remuneratórias, ainda que sejam destinadas à subsistência do credor, não são equivalentes aos alimentos de que trata o Código Civil, isto é, àqueles oriundos de relações familiares ou de responsabilidade civil, fixados por sentença ou título executivo extrajudicial.

Segundo a magistrada, uma verba tem natureza alimentar quando é destinada à subsistência do credor e de sua família, mas apenas se constitui em prestação alimentícia se é devida por quem tem a obrigação de prestar alimentos familiares, indenizatórios ou voluntários em favor de uma pessoa que deles depende para sobreviver.

A ministra esclareceu que as exceções destinadas à execução de prestação alimentícia, como a possibilidade de penhora dos bens descritos no artigo 833, IV e X, do CPC/2015, e do bem de família (artigo 3º, III, da Lei 8.009/1990), assim como a prisão civil, não se estendem aos honorários advocatícios, "como não se estendem às demais verbas de natureza alimentar, sob pena de eventualmente termos de cogitar sua aplicação a todos os honorários devidos a quaisquer profissionais liberais, como médicos, engenheiros, farmacêuticos e todas as outras categorias".

Contudo, no caso em análise, por verificar que a penhora do salário do devedor para o pagamento dos honorários devidos não comprometeria a sua subsistência digna nem a da sua família, a relatora admitiu a constrição de parte da remuneração.

CDR e crédito ​​​trabalhista

Ainda em 2019, a Quarta Turma estabeleceu que os bens dados em garantia cedular rural, vinculados à Cédula de Produto Rural (CPR), são impenhoráveis em virtude da Lei 8.929/1994, não podendo ser usados para satisfazer crédito trabalhista (REsp 1.327.643).

A turma reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o qual entendeu que a impenhorabilidade de bens empenhados em CPR por uma cooperativa seria relativa, não prevalecendo diante da preferência do crédito trabalhista.

Segundo o relator, ministro Luis Felipe Salomão, a instituição dos títulos de financiamento rural pelo Decreto-Lei 167/1967 reformou a política agrícola do Brasil, conduzindo-a ao financiamento privado. Essa orientação, explicou, ganhou mais força com a CPR, estabelecida na Lei 8.929/1994.

"Tendo em vista sua função social e visando garantir eficiência e eficácia à CPR, o artigo 18 da Lei 8.929/1994 prevê que os bens vinculados à CPR não serão penhorados ou sequestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro prestador da garantia real, cabendo a estes comunicar tal vinculação a quem de direito", destacou.

Com apoio na jurisprudência e na doutrina, o ministro afirmou que "não se sustenta a afirmação de que a impenhorabilidade dos bens dados em garantia cedular seria voluntária, e não legal, por envolver ato pessoal de constituição do ônus por parte do garante, ao oferecer os bens ao credor. A parte voluntária do ato é a constituição da garantia real, que, por si só, não tem o condão de gerar a impenhorabilidade. Esta, indubitavelmente, decorre da lei, e só dela".

Poder de cau​​tela

Com base no poder geral de cautela, em outubro de 2018, a Terceira Turma considerou válida a penhora decidida pelo juízo da execução cível nos autos de execução trabalhista, após o falecimento do devedor cível, que figurava como credor na Justiça do Trabalho (REsp 1.678.209).

No caso, o juízo da execução cível entendeu que, após a morte do devedor, a verba trabalhista a que teria direito perdeu seu caráter alimentar, e poderia, assim, haver penhora dos créditos nos autos da execução trabalhista. No entanto, os herdeiros recorreram ao STJ, argumentando que tal penhora não seria possível, pois a verba ainda estaria protegida pela impenhorabilidade legal.

Para o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a decisão judicial não contrariou a regra do CPC, uma vez que a penhora foi decidida com a finalidade de assegurar as deliberações do juízo do inventário, competente para a ponderação sobre quem deveria receber os créditos bloqueados na execução trabalhista.

"Embora não concorde com a perda do caráter alimentar das verbas trabalhistas em razão da morte do reclamante, tenho por possível a reserva dos valores lá constantes para satisfação do juízo do inventário dos bens do falecido, tudo com base no poder geral de cautela do juiz", afirmou.

O magistrado ponderou ainda que o juízo do inventário seria competente para analisar a qualidade do crédito e sua eventual impenhorabilidade, sobretudo pelo fato de o falecido ter deixado um filho menor, presumidamente dependente da verba alimentar que seria herdada do pai.​

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):EREsp 1582475AREsp 1336881REsp 1407062REsp 1815055REsp 1327643REsp 1678209