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26 de fevereiro de 2022

O herdeiro que seja autor, coautor ou partícipe de ato infracional análogo ao homicídio doloso praticado contra os ascendentes fica excluído da sucessão

Processo

REsp 1.943.848-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/02/2022, DJe 18/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Ato infracional análogo a homicídio contra ascendentes. Ato doloso, consumado ou tentado. Reconhecimento de indignidade. Exclusão de herdeiro. Cabimento. Art. 1.814 do Código Civil/2002. Rol taxativo. Diferença técnico-jurídica com homicídio. Irrelevância para fins civis.

 

DESTAQUE

O herdeiro que seja autor, coautor ou partícipe de ato infracional análogo ao homicídio doloso praticado contra os ascendentes fica excluído da sucessão.


INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a definir se o ato infracional análogo ao homicídio, doloso e consumado, praticado contra os pais, está abrangido pela regra do art. 1.814, I, do CC/2002, segundo a qual será excluído da sucessão o herdeiro que seja autor, coautor ou partícipe de homicídio doloso, consumado ou tentado, contra os ascendentes de cuja sucessão se trata.

Na esteira da majoritária doutrina, o rol do art. 1.814 do CC/2002, que prevê as hipóteses autorizadoras de exclusão de herdeiros ou legatários da sucessão, é taxativo, razão pela qual se conclui não ser admissível a criação de hipóteses não previstas no dispositivo legal por intermédio da analogia ou da interpretação extensiva.

Contudo, o fato do rol ser taxativo não induz à necessidade de interpretação literal de seu conteúdo e alcance, uma vez que a taxatividade do rol é compatível com as interpretações lógica, histórico-evolutiva, sistemática, teleológica e sociológica das hipóteses taxativamente listadas.

A diferenciação entre o texto de lei, enquanto proposição física, textual e escrita de um dispositivo emanado do Poder Legislativo, e a norma jurídica, enquanto produto da indispensável atividade interpretativa por meio da qual se atribui significado ao texto, conduz à conclusão de que a interpretação literal é uma das formas, mas não a única forma, de obtenção da norma jurídica que se encontra descrita no dispositivo em análise.

A regra do art. 1.814, I, do CC/2002, se interpretada literalmente, prima facie, de forma irreflexiva, não contextual e adstrita ao aspecto semântico ou sintático da língua, induziria ao resultado de que o uso da palavra homicídio possuiria um sentido único, técnico e importado diretamente da legislação penal para a civil, razão pela qual o ato infracional análogo ao homicídio praticado pelo filho contra os pais não poderia acarretar a exclusão da sucessão, pois, tecnicamente, homicídio não houve.

Registra-se que a exclusão do herdeiro que atenta contra a vida dos pais, cláusula geral com raiz ética, moral e jurídica existente desde o direito romano, está presente na maioria dos ordenamentos jurídicos contemporâneos e, no Brasil, possui, como núcleo essencial, a exigência de que a conduta ilícita do herdeiro seja dolosa, ainda que meramente tentada, sendo irrelevante investigar se a motivação foi ou não o recolhimento da herança.

A finalidade da regra que exclui da sucessão o herdeiro que atenta contra a vida dos pais é, a um só tempo, prevenir a ocorrência do ato ilícito, tutelando bem jurídico mais valioso do ordenamento jurídico, e reprimir o ato ilícito porventura praticado, estabelecendo sanção civil consubstanciado na perda do quinhão por quem praticá-lo.

Assim, se o enunciado normativo do art. 1.814, I, do CC/2002, na perspectiva teleológica-finalística, é de que não terá direito à herança quem atentar, propositalmente, contra a vida de seus pais, ainda que a conduta não se consuma, independentemente do motivo, a diferença técnico-jurídica entre o homicídio doloso e o ato análogo ao homicídio doloso, conquanto relevante para o âmbito penal diante das substanciais diferenças nas consequências e nas repercussões jurídicas do ato ilícito, não se reveste da mesma relevância no âmbito civil, sob pena de ofensa aos valores e às finalidades que nortearam a criação da norma e de completo esvaziamento de seu conteúdo.



19 de agosto de 2021

A inexistência jurídica da sentença pode ser declarada em ação autônoma (querela nullitatis insanabilis) e também no próprio processo em que proferida, na fase de cumprimento de sentença ou até antes dela, se possível, especialmente na hipótese em que a matéria foi previamente submetida ao crivo do contraditório e não havia a necessidade de dilação probatória

RECURSO ESPECIAL Nº 1.904.374 - DF (2020/0143768-8) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DAS SUCESSÕES. OMISSÕES. INOCORRÊNCIA. QUESTÕES DECIDIDAS PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. QUESTÃO CONSTITUCIONAL QUE DEVE SER EXAMINADA EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. EFEITO EX TUNC COMO REGRA. MODULAÇÃO TEMPORAL DE EFEITOS E EFICÁCIA EX NUNC COMO EXCEÇÃO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA MODULAÇÃO DE EFEITOS. NECESSIDADE. TEMA 809/STF. APLICABILIDADE AOS PROCESSOS EM QUE NÃO TENHA HAVIDO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA DE PARTILHA. TUTELA DA CONFIANÇA E PREVISIBILIDADE DAS RELAÇÕES PROCESSUAIS FINALIZADAS SOB A ÉGIDA DO ART. 1.790 DO CC/2002. PRÉ-EXISTÊNCIA DE DECISÃO EXCLUINDO HERDEIRO DA SUCESSÃO À LUZ DO DISPOSITIVO POSTERIORMENTE DECLARADO INCONSTITUCIONAL. IRRELEVÂNCIA. AÇÃO DE INVENTÁRIO SEM SENTENÇA DE PARTILHA E SEM TRÂNSITO EM JULGADO. EQUIPARAÇÃO COM DECISÃO PROFERIDA NO CURSO DO INVENTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE DE ARGUIÇÃO EM IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA QUE IMPLICA NA POSSIBILIDADE DE SEU EXAME NA FASE DE CONHECIMENTO. 

1- Ação proposta em 03/02/2004. Recurso especial interposto em 25/11/2019 e atribuído à Relatora em 07/10/2020. 

2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se o acórdão recorrido possui omissões relevantes; (ii) se a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do tema 809, segundo a qual “é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”, deve ser aplicada ao inventário em que a exclusão da concorrência entre herdeiros ocorreu em decisão anterior à tese. 

3- Inexiste omissão quando o acórdão recorrido enfrenta amplamente a questão controvertida, ainda que contrariamente aos interesses da parte recorrente, bem como inexiste omissão quando a questão que se alega deveria ter sido enfrentada possui natureza constitucional e não houve a interposição de recurso extraordinário pela parte. 

4- Considerando que a lei incompatível com o texto constitucional padece do vício de nulidade, a declaração de sua inconstitucionalidade, de regra, produz efeito ex tunc, ressalvadas as hipóteses em que, no julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, houver a modulação temporal dos efeitos, que é excepcional. 

5- Da excepcionalidade da modulação decorre a necessidade de que o intérprete seja restritivo, a fim de evitar inadequado acréscimo de conteúdo sobre aquilo que o intérprete autêntico pretendeu proteger e salvaguardar. 

6- Ao declarar a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 (tema 809), o Supremo Tribunal Federal modulou temporalmente a aplicação da tese para apenas “os processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha”, de modo a tutelar a confiança e a conferir previsibilidade às relações finalizadas sob as regras antigas (ou seja, às ações de inventário concluídas nas quais foi aplicado o art. 1.790 do CC/2002). 

7- Aplica-se a tese fixada no tema 809/STF às ações de inventário em que ainda não foi proferida a sentença de partilha, ainda que tenha havido, no curso do processo, a prolação de decisão que, aplicando o art. 1.790 do CC/2002, excluiu herdeiro da sucessão e que a ela deverá retornar após a declaração de inconstitucionalidade e a consequente aplicação do art. 1.829 do CC/2002. 

8- Não são equiparáveis, para os fins da aplicação do tema 809/STF, as sentenças de partilha transitadas em julgado e as decisões que, incidentalmente, versam sobre bens pertencentes ao espólio, uma vez que a inconstitucionalidade de lei, enquanto questão de ordem pública, é matéria suscetível de arguição em impugnação ao cumprimento de sentença e que, com muito mais razão, pode ser examinada na fase de conhecimento. 

9- Recurso especial conhecido e desprovido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso especial nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Dr. GUSTAVO HENRIQUE CAPUTO BASTOS, pela parte RECORRENTE: TIAGO BASTOS DE MIRANDA RIBEIRO e Outro 

Brasília (DF), 13 de abril de 2021(Data do Julgamento) 

MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora 


RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): 

Cuida-se de recurso especial interposto por VITOR BASTOS DE MIRANDA RIBEIRO e TIAGO BASTOS DE MIRANDA, com base no art. 105, III, alínea “a” do permissivo constitucional, contra o acórdão do TJ/DFT que, por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento por eles interposto. 

Recurso especial interposto e m: 25/11/2019. 

Atribuído ao gabinete e m: 07/10/2020. 

Ação: de inventário e partilha de bens de SADY CARNOT ASSIS DE MIRANDA RIBEIRO. 

Decisão interlocutória: diante da declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 pelo Supremo Tribunal Federal (tema 809/STF), que equiparou o regime sucessório entre cônjuges e companheiros, determinou fosse aplicado ao inventário e partilha de bens de SADY a regra do art. 1.829 do CC/2002, razão pela qual a recorrida ROSANE DE AZAMBUJA VILLANOVA, companheira de SADY, passou a concorrer com os descendentes em relação aos bens particulares deixados pelo falecido (fls. 843/844 e fl. 849, e-STJ). 

Acórdão do TJ/DFT: por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento interposto pelos recorrentes, nos termos da seguinte ementa: 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DISTINÇÃO DE REGIME SUCESSÓRIO ENTRE CÔNJUGES E COMPANHEIROS. INCONSTITUCIONALIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 1829 DO CÓDIGO CIVIL. RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS Nº 646.721/RS E Nº 878.694/MG. DECISÃO MANTIDA. 1. A hipótese consiste em verificar se determinado bem imóvel deve, ou não, ser incluído na herança da ex-companheira do falecido. 2. Ressalta-se que por ocasião do julgamento realizado no dia 10 de maio de 2017, ao apreciar os Recursos Extraordinários nº 646.721/RS e nº 878694/MG, o Excelso Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil e fixou a seguinte tese: “É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”. 3. No caso, o processo principal ainda não foi sentenciado, razão pela qual os efeitos da mencionada declaração de inconstitucionalidade certamente atingiram a decisão que aplicou o art. 1790 do Código Civil e excluiu a ex-companheira da partilha referente ao bem imóvel questionado, tendo em vista que ela foi fundamentada essencialmente na aplicação de disposição que deixou de ser válida perante o sistema normativo pátrio. 4. Frise-se que a consequência prática dessa afirmação é a aplicação do art. art. 1829, e seguintes, do Código Civil e não o art. 1790 anteriormente mencionado. Isso porque o companheiro passou a ser tratado de forma isonômica, atraindo para si o mesmo regime jurídico aplicável ao cônjuge. 5. Recurso conhecido e desprovido (fls. 875/881, e-STJ). 

Embargos de declaração: opostos pelos recorrentes, foram rejeitados, por unanimidade (fls. 883/888, e-STJ). 

Recurso especial: alega-se, em síntese: (i) violação ao art. 1.022, I e parágrafo único, II, e ao art. 489, §1º, IV e V, ambos do CPC/15, ao fundamento de que o acórdão recorrido possuiria omissões relevantes acerca da existência de coisa julgada formal e de impossibilidade de a decisão do STF produzir efeitos vinculantes; (ii) violação aos arts. 203, §2º, 503, §1º, 505, 507 e 927, todos do CPC/15, ao fundamento de que, em decisão interlocutória acobertada pela preclusão, a recorrida ROSANE foi excluída da concorrência com os herdeiros em relação a um determinado bem imóvel, razão pela qual a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no tema 809 não se aplicaria à hipótese e não poderia ela ser considerada, posteriormente, herdeira do referido bem (fls. 401/431, e-STJ). 

Parecer do Ministério Público Federal: opinou pelo não conhecimento do recurso especial (fls. 908/924, e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): 

Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se o acórdão recorrido possui omissões relevantes; (ii) se a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do tema 809, segundo a qual “é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”, deve ser aplicada ao inventário em que a exclusão da concorrência entre herdeiros ocorreu em decisão anterior à tese. 

EXISTÊNCIA DE OMISSÕES RELEVANTES. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 1.022, I E PARÁGRAFO ÚNICO, II, E ART. 489, §1º, IV E V, AMBOS DO CPC. 

01) De início, anote-se que os recorrentes alegaram a violação aos arts. 1.022, I, parágrafo único, II, e 489, §1º, IV e V, ambos do CPC/15, especialmente ao fundamento de que existiriam duas omissões relevantes no acórdão recorrido, que não teria examinado: (i) a existência de coisa julgada formal decorrente de decisão versando sobre a concorrência hereditária proferida antes da fixação da tese pelo Supremo Tribunal Federal e acobertada pela preclusão temporal; (ii) a inexistência de efeito vinculante na decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em controle difuso de constitucionalidade por ocasião do julgamento do tema 809. 

02) Em relação ao primeiro ponto, não há omissão, na medida em que a questão controvertida – existência de coisa julgada formal ou de preclusão que impediria novo exame da matéria – foi amplamente enfrentada pelo acórdão recorrido, que, interpretando a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do tema 809, concluiu ser ela aplicável em virtude de ainda não existir, na hipótese, sentença de partilha transitada em julgado. 

03) No que se refere ao segundo aspecto, sublinhe-se que que a eficácia vinculante da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal em controle difuso de constitucionalidade, a despeito de positivada nos arts. 525, §12, e 535, §5º, ambos do CPC/15, é matéria de índole constitucional – os próprios recorrentes afirmam que o acórdão recorrido deveria ter se pronunciado sobre os arts. 52, X, e 102, III e §2º, ambos da Constituição Federal – razão pela qual eventual omissão sobre a questão constitucional deveria ter sido objeto de oportuna impugnação em recurso extraordinário não interposto pelas partes. 

04) Diante desse cenário, não há que se falar em existência de omissões relevantes no acórdão recorrido. 

DA APLICABILIDADE DA TESE FIXADA NO JULGAMENTO DO TEMA 809/STF À HIPÓTESE. VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 203, §2º, 503, §1º, 505, 507 E 927, TODOS DO CPC/15. 

05) Para melhor contextualizar a controvérsia, sublinhe-se que o juízo do inventário de SADY CARNOT ASSIS DE MIRANDA RIBEIRO, diante de sentença que reconheceu a existência de união estável entre o falecido e a recorrida ROSANE no período entre 1997 e janeiro de 2004, proferiu em 09/10/2014 a decisão de fl. 517 (e-STJ) que, aplicando expressamente o art. 1.790 do CC/2002, reconheceu que ROSANE apenas teria direito aos bens adquiridos onerosamente durante a união estável com o falecido, a serem identificados pelo inventariante e pelos demais herdeiros. 

06) Sobrevieram, então, petições do inventariante e das partes em cumprimento das referidas determinações judiciais e, após o contraditório, o juízo do inventário proferiu em 22/05/2015 a decisão de fls. 534/535 (e-STJ), vazada nos seguintes termos: 

Em relação ao imóvel de fl. 167, está evidenciada a data de sua aquisição conforme certidão de matrícula em referência, não participando a Sra. Rosane da sua aquisição visto que o registro de compra e venda data o ano de 1995, anterior ao início de sua relação com o inventariado. Consequentemente os valores decorrentes da locação do imóvel também serão devidos somente aos filhos. 

07) Por ocasião do julgamento do RE 878.694/MG com repercussão geral reconhecida (tema 809), cujo acórdão foi publicado no DJe de 06/02/2018, o Pleno do Supremo Tribunal Federal fixou a tese de que “é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”. 

08) Naquela assentada, o Supremo Tribunal Federal, levando em “consideração o fato de que as partilhas judiciais e extrajudiciais que versam sobre as referidas sucessões encontram-se em diferentes estágios de desenvolvimento (muitas já finalizadas sob as regras antigas)”, entendeu por bem modular temporalmente os efeitos da aplicação da tese acima enunciada, de modo que a referida solução deve “ser aplicada apenas aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tenha sido lavrada escritura pública”. 

09) Em face dessa nova realidade, o juízo do inventário proferiu a decisão de fls. 843/844 (e-STJ) em que determinou a inclusão, no rol de bens partilháveis entre a recorrida e os recorrentes, do bem imóvel que havia sido outrora excluído da partilha mediante a aplicação do art. 1.790 do CC/2002. Ao julgar os embargos de declaração opostos pelos recorrentes (fl. 849, e-STJ), o juízo do inventário consignou expressamente a aplicação do precedente do Supremo Tribunal Federal: 

O Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida no julgamento dos Recursos Extraordinários nos 646721 e 878694, ambos com repercussão geral reconhecida, declarou inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no artigo 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do artigo 1.829 do CC/2002. Assim, a companheira concorre com os descendentes em relação aos bens particulares deixados pelo falecido, nos termos do inciso I do artigo 1.829 do Código Civil de 2002. 

10) O acórdão recorrido, mantendo a decisão acima reproduzida, assim se pronunciou quanto ao ponto: 

A decisão de fl. 12 (Id. 7177331), proferida em 9 de outubro de 2014, aplicou o art. 1790 do Código Civil e excluiu a ex-companheira da partilha referente ao bem imóvel questionado, pois o referido bem foi adquirido pelo falecido antes da constância da união estável. Dessa forma, sob o fundamento da aludida regra, a ex-companheira não poderia ter sido incluída na partilha do mencionado bem imóvel, seja na posição de meeira ou de herdeira. Ocorre que por ocasião do julgamento realizado no dia 10 de maio de 2017, ao apreciar os Recursos Extraordinários nº 646.721/RS e nº 878694/MG, o Excelso Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil... (...) Na ocasião, excepcionou-se a regra geral da invalidade da norma inconstitucional (efeitos ex tunc) com a modulação dos efeitos do acórdão, em respeito ao princípio da segurança jurídica. Assim, a afirmada inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil produz efeitos apenas em relação aos inventários não acobertados pela eficácia do trânsito em julgado da sentença. O processo principal ainda não foi sentenciado, como os próprios agravantes ressaltaram nas razões do agravo. Portanto, os efeitos da supracitada declaração de inconstitucionalidade certamente atingiram a decisão de fl. 12 (Id. 7177331), tendo em vista que esse provimento jurisdicional foi fundamentado essencialmente na aplicação do dispositivo que não mais se afigura válido em nosso sistema normativo. A consequência prática dessa conclusão é a aplicação do art. 1829, e seguintes, do Código Civil ao presente caso e não o art. 1790 acima referido. Isso porque o companheiro passou a ser tratado de forma isonômica, atraindo para si o mesmo regime jurídico aplicável ao cônjuge. Por isso, a recorrida deve ser admitida como herdeira para concorrer com os descendentes na sucessão do falecido, inclusive em relação ao bem imóvel situado no (...), de acordo com o art. 1829, inc. I, do Código Civil. 

11) A tese dos recorrentes é de que as decisões que, aplicando o art. 1.790 do CC/2002, excluíram o bem imóvel da concorrência hereditária entre a recorrida e os recorrentes estariam acobertadas pelo manto da imutabilidade decorrente da preclusão e da coisa julgada formal, motivo pelo qual não poderiam ser alcançadas pela superveniente declaração de inconstitucionalidade da regra legal pelo Supremo Tribunal Federal. 

12) A esse respeito, registre-se que a lei incompatível com o texto constitucional padece do vício de nulidade e que a consequência disso é que, como regra, a declaração de inconstitucionalidade de lei produz efeito ex tunc. Quanto ao ponto, leciona Luís Roberto Barroso: 

A lógica do raciocínio é irrefutável. Se a Constituição é a lei suprema, admitir a aplicação de uma lei com ela incompatível é violar sua supremacia. Se uma lei inconstitucional puder reger dada situação e produzir efeitos regulares e válidos, isso representaria a negativa de vigência da Constituição naquele mesmo período, em relação àquela matéria. A teoria constitucional não poderia conviver com essa contradição sem sacrificar o postulado sobre o qual se assenta. Daí por que a inconstitucionalidade deve ser tida como uma forma de nulidade, conceito que denuncia o vício de origem e a impossibilidade de convalidação do ato. Corolário natural da teoria da nulidade é que a decisão que reconhece a inconstitucionalidade tem caráter declaratório – e não constitutivo – limitando-se a reconhecer uma situação preexistente. Como consequência, seus efeitos se produzem retroativamente, colhendo a lei desde o momento de sua entrada no mundo jurídico. Disso resulta que, como regra, não serão admitidos efeitos válidos à lei inconstitucional, devendo todas as relações jurídicas constituídas com base nela voltar ao status quo ante. (BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 16). 

13) Todavia, é conhecida a lição e o entendimento que conferem eficácia prospectiva (efeito ex nunc) às decisões que declaram a inconstitucionalidade de lei, fundando-se em razões de diversas ordens – proteção à boa-fé, tutela da confiança, previsibilidade, pragmatismo e consequencialismo jurídico são algumas delas. A partir desses ideais é que se concebeu a denominada modulação temporal dos efeitos da decisão que declara a inconstitucionalidade. 

14) Não se pode perder de vista, entretanto, que a retroatividade é a regra e que a modulação de efeitos é a exceção. Nesse sentido, leciona Teresa Arruda Alvim: 

Importante consignar, todavia, que a utilização indevida da modulação, transformando-a em regra, quando, na verdade, é exceção, pode ensejar mais insegurança jurídica e estimular a edição de leis inconstitucionais. A excepcionalidade desse instituto exige fundamentação qualificada. Trata-se de instituto que deve ser excepcionalmente usado, tanto no ambiente do controle concentrado, quanto no da alteração de precedentes/jurisprudência firme, sendo este último o objeto principal deste estudo. À época de sua concepção, foi visto como algo tão excepcional que o quórum para modular era (é) maior do que o exigido para a própria declaração de inconstitucionalidade. (ALVIM, Teresa Arruda. Modulação: na alteração da jurisprudência firme ou de precedentes vinculantes. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 27). 

15) Diante desse cenário, é correto afirmar que as interpretações subsequentes da modulação de efeitos devem ser restritivas, a fim de que não haja inadequado acréscimo de conteúdo exatamente aquilo que o intérprete autêntico pretendeu, em caráter excepcional, proteger e salvaguardar. 

16) Estabelecidas essas premissas, é preciso examinar o acórdão do Supremo Tribunal que deu origem à tese fixada no tema 809, especificamente no que tange à modulação de efeitos: 

Por fim, não se pode esquecer que o tema possui enorme repercussão na sociedade, em virtude da multiplicidade de sucessões de companheiros ocorridas desde o advento do CC/2002. Levando-se em consideração o fato de que as partilhas judiciais e extrajudiciais que versam sobre as referidas sucessões encontram-se em diferentes estágios de desenvolvimento (muitas já finalizadas sob as regras antigas), entendo ser recomendável modular os efeitos da aplicação do entendimento ora afirmado. Assim, com o intuito de reduzir a insegurança jurídica, a solução ora alcançada deve ser aplicada apenas aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tenha sido lavrada escritura pública. 

17) Como se percebe, a preocupação do Supremo Tribunal Federal é tutelar a confiança e conferir previsibilidade às relações finalizadas sob as regras antigas (isto é, nas ações de inventário concluídas nas quais foi aplicado o art. 1.790 do CC/2002), razão pela qual se fixou a tese de que a declaração de inconstitucionalidade somente deverá alcançar os processos judiciais em que não houve trânsito em julgado da sentença de partilha. 

18) É incontroverso que, na hipótese, ainda não houve trânsito em julgado da sentença de partilha, mas, ao revés, somente a prolação de decisões que versaram sobre a concorrência hereditária sobre um bem específico. 

19) Considerando ser incontroverso que a inconstitucionalidade é uma questão de ordem pública, conclui-se que era lícito ao juízo do inventário, que havia deliberado, em anteriores decisões, pela exclusão da recorrida da sucessão hereditária em virtude da regra do art. 1.790 do CC/2002, rever seu posicionamento, incluindo-a na sucessão, antes da prolação da sentença de partilha, em virtude do reconhecimento da inconstitucionalidade do dispositivo legal pelo Supremo Tribunal Federal. 

20) Isso porque, desde a reforma promovida pela Lei 11.232/2005, a declaração superveniente de inconstitucionalidade de lei pelo Supremo Tribunal Federal torna inexigível o título que nela se funda, tratando-se de matéria suscetível de arguição em impugnação ao cumprimento de sentença – ou seja, após o trânsito em julgado da sentença (art. 475, II e §1º, do CPC/73) –, motivo pelo qual, com muito mais razão, deverá o juiz deixar de aplicar a lei inconstitucional antes da sentença de partilha, marco temporal eleito pelo Supremo Tribunal Federal para modular os efeitos da tese fixada no julgamento do tema 809. 

21) Assim, aplica-se à hipótese, por analogia, o recente entendimento desta Corte, que, também interpretando o tema 809/STF, concluiu que “a inexistência jurídica da sentença pode ser declarada em ação autônoma (querela nullitatis insanabilis) e também no próprio processo em que proferida, na fase de cumprimento de sentença ou até antes dela, se possível, especialmente na hipótese em que a matéria foi previamente submetida ao crivo do contraditório e não havia a necessidade de dilação probatória”. (REsp 1.857.852/SP, 3ª Turma, DJe 22/03/2021). 

CONCLUSÃO. 

22) Forte nessas razões, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO ao recurso especial. 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA 

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Terceira Turma, por unanimidade, conheceu e negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

17 de agosto de 2021

Inconstitucionalidade da distinção de regimes sucessórios alcança decisão anterior que prejudicou companheira

 Ao analisar a modulação dos efeitos do Tema 809 da repercussão geral, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que a tese fixada pelo Supremo Tr​ibunal Federal (STF) se aplica às ações de inventário em que ainda não foi proferida a sentença de partilha, mesmo que tenha havido, no curso do processo, decisão que excluiu companheiro da sucessão.

No precedente do STF, foi declarada a inconstitucionalidade da distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, prevista no artigo 1.790 do Código Civil de 2002. Entretanto, o STF modulou os efeitos da decisão para aplicá-la "aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tenha sido lavrada escritura pública".

Herdeiros questionaram no STJ a decisão do juízo do inventário que incluiu a companheira de seu falecido pai na partilha de um imóvel comprado por ele antes da união estável, pois ela já havia sido excluída da divisão desse bem, com base no artigo 1.790 do CC/2002, em decisão anterior ao julgamento do STF.

A decisão do juízo do inventário foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, segundo o qual, com a declaração de inconstitucionalidade do artigo 1.790 pelo STF, deveria ser aplicado ao caso o artigo 1.829, inciso I, do Código Civil, admitindo-se a companheira como herdeira concorrente na sucessão, inclusive em relação ao imóvel submetido à partilha.

Para os herdeiros, as decisões que, antes do precedente do STF, aplicaram o artigo 1.790 do CC/2002 e excluíram o imóvel da concorrência hereditária, estariam acobertadas pela imutabilidade decorrente da preclusão e da coisa julgada formal, motivo pelo qual não poderiam ser alcançadas pela superveniente declaração de inconstitucionalidade.

Modulação de efeitos tem interpretação restritiva

A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que a lei incompatível com o texto constitucional padece do vício de nulidade e, como regra, a declaração da sua inconstitucionalidade produz efeitos ex tunc (retroativos). Contudo, ela lembrou que, excepcionalmente – por razões como a proteção à boa-fé, tutela da confiança e previsibilidade –, pode ser conferida eficácia prospectiva (efeito ex nunc) às decisões que declaram a inconstitucionalidade de lei.

"As interpretações subsequentes da modulação de efeitos devem ser restritivas, a fim de que não haja inadequado acréscimo de conteúdo exatamente sobre aquilo que o intérprete autêntico pretendeu, em caráter excepcional, proteger e salvaguardar", ressaltou.

Segundo Nancy Andrighi, a preocupação do STF, ao modular os efeitos de sua decisão no Tema 809, foi a de tutelar a confiança e conferir previsibilidade às relações finalizadas sob as regras antigas – isto é, nas ações de inventário concluídas em que foi aplicado o artigo 1.790 do CC/2002.

Sentença baseada em lei inconstitucional é inexigível

No caso em análise, a ministra verificou que não houve trânsito em julgado da sentença de partilha, mas somente a prolação de decisões sobre a concorrência hereditária de um bem específico.

Para a magistrada, foi lícito ao juízo do inventário rever a decisão que havia excluído a companheira do falecido da sucessão hereditária com base no artigo 1.790 do CC/2002, incluindo-a na sucessão antes da prolação da sentença de partilha, em virtude do reconhecimento da inconstitucionalidade do dispositivo legal pelo STF.

A relatora lembrou que, desde a reforma promovida pela Lei 11.232/2005, a declaração superveniente de inconstitucionalidade de uma lei pelo STF torna inexigível a sentença baseada nela – matéria suscetível de ser arguida na impugnação ao cumprimento de sentença, ou seja, após o trânsito em julgado. Por esse motivo, o juízo deve deixar de aplicar a lei inconstitucional antes da sentença de partilha, marco temporal eleito pelo STF para modular os efeitos da tese fixada no julgamento do Tema 809.

Leia o acórdão no REsp 1.904.374.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1904374

10 de maio de 2021

SUCESSÕES - Aplica-se a tese fixada no Tema 809/STF ao inventário em que ainda não foi proferida a sentença de partilha, ainda que tenha havido, no curso do processo, a prolação de decisão que, aplicando o art. 1.790 do CC, excluiu herdeiro da sucessão

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-692-stj.pdf


SUCESSÕES - Aplica-se a tese fixada no Tema 809/STF ao inventário em que ainda não foi proferida a sentença de partilha, ainda que tenha havido, no curso do processo, a prolação de decisão que, aplicando o art. 1.790 do CC, excluiu herdeiro da sucessão 

Compare com o Info 689 do STJ 

A tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do tema n. 809/STF, segundo a qual "é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002", deve ser aplicada ao inventário em que a exclusão da concorrência entre herdeiros ocorreu em decisão anterior à tese. STJ. 3ª Turma. REsp 1.904.374/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/04/2021 (Info 692). 


Imagine a seguinte situação hipotética: 

João faleceu e deixou como herdeiros Regina (com quem vivia em união estável) e três filhos. Em 2016, iniciou-se o inventário. Vale ressaltar que, na época, os direitos sucessórios da companheira (união estável) eram regidos pelo art. 1.790 do Código Civil: 

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. 

O juiz proferiu decisão na qual, aplicando expressamente o art. 1.790 do Código Civil, afirmou que Regina teria direito apenas aos bens adquiridos onerosamente durante a união estável com o falecido, a serem identificados pelo inventariante e pelos demais herdeiros. 

Ocorre que, alguns dias depois disso, houve um novo fato que mudou tudo: a decisão do STF no Tema 809 (RE 646721/RS). 

Tema 809/STF 

O STF, ao julgar o RE 646721/RS e o RE 878694/MG, ambos com repercussão geral reconhecida, fixou a tese de que: 

É inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do Código Civil. STF. Plenário RE 646721/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso e RE 878694/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 10/5/2017 (Repercussão Geral – Tema 809) (Info 864). 

O STF disse: o art. 1.790 do CC é inconstitucional porque viola o princípio da igualdade, a dignidade da pessoa humana, o princípio da proporcionalidade (na modalidade de proibição à proteção deficiente) e o princípio da vedação ao retrocesso. Já que o art. 1.790 é inconstitucional, o que se deve fazer no caso de sucessão de companheiro? Quais as regras que deverão ser aplicadas caso um dos consortes da união estável morra? O STF entendeu que a união estável deve receber o mesmo tratamento conferido ao casamento. Logo, em caso de sucessão causa mortis do companheiro deverão ser aplicadas as mesmas regras da sucessão causa mortis do cônjuge, regras essas que estão previstas no art. 1.829 do CC: 

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais. 

Logo, no caso concreto que estamos analisando: 

• a situação antes era enquadrada no art. 1.790 do CC: a companheira não tinha nenhum direito sobre os imóveis adquiridos antes da união estável. 

• com a decisão do STF, a situação passa a se enquadrar no art. 1.829: a companheira (por ser equiparada a cônjuge) passa a ter também direitos sobre os imóveis adquiridos antes da união estável. Isso porque a companheira concorre com os descendentes em relação aos bens particulares deixados pelo falecido, nos termos do inciso I do art. 1.829 do Código Civil. 

Voltando ao caso concreto: 

O juiz, que sempre acompanhava os Informativos do STF, aplicou imediatamente o entendimento fixado no RE 646721/RS, consignando que Regina também passaria a concorrer com os demais herdeiros em relação aos bens que o falecido já tinha antes do início da união estável. Os demais herdeiros recorreram alegando que a decisão que, aplicando o art. 1.790 do CC, excluiu Regina dos bens anteriores estaria acobertada pelo manto da imutabilidade decorrente da preclusão e da coisa julgada formal, motivo pelo qual não poderia ser alcançada pela superveniente declaração de inconstitucionalidade da regra legal pelo STF. 

O STJ deu provimento ao recurso dos demais herdeiros? NÃO. 

Considerando que a lei incompatível com o texto constitucional padece do vício de nulidade, a declaração de sua inconstitucionalidade, de regra, produz efeito ex tunc, ressalvadas as hipóteses em que, no julgamento pelo STF, houver a modulação temporal dos efeitos, que é excepcional. Ao declarar a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 (Tema 809), o STF modulou temporalmente a aplicação da tese para apenas “os processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha”, de modo a tutelar a confiança e a conferir previsibilidade às relações finalizadas sob as regras antigas (ou seja, às ações de inventário concluídas nas quais foi aplicado o art. 1.790 do CC/2002). 

Dessa forma, aplica-se a tese fixada no Tema 809/STF às ações de inventário em que ainda não foi proferida a sentença de partilha, ainda que tenha havido, no curso do processo, a prolação de decisão que, aplicando o art. 1.790 do CC/2002, excluiu herdeiro da sucessão e que a ela deverá retornar após a declaração de inconstitucionalidade e a consequente aplicação do art. 1.829 do CC/2002. Isso porque, desde a reforma promovida pela Lei nº 11.232/2005, a declaração superveniente de inconstitucionalidade de lei pelo Supremo Tribunal Federal torna inexigível o título que nela se funda, tratando-se de matéria suscetível de arguição em impugnação ao cumprimento de sentença - ou seja, após o trânsito em julgado da sentença (art. 475, II e §1º, do CPC/1973) -, motivo pelo qual, com muito mais razão, deverá o juiz deixar de aplicar a lei inconstitucional antes da sentença de partilha, marco temporal eleito pelo Supremo Tribunal Federal para modular os efeitos da tese fixada no julgamento do tema n. 809/STF. 

Em suma: A tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do tema n. 809/STF, segundo a qual “é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”, deve ser aplicada ao inventário em que a exclusão da concorrência entre herdeiros ocorreu em decisão anterior à tese. STJ. 3ª Turma. REsp 1.904.374/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/04/2021 (Info 692).

4 de maio de 2021

Filigrana doutrinária: Sucessão processual e Ação Rescisória - José Carlos Barbosa Moreira

Merece consideração especial a hipótese de sucessão intercorrente, quanto a alguma pessoa que, por haver sido parte no outro feito, devesse ser citada para a rescisória. Na sucessão causa mortis e na sucessão a título universal entre pessoas jurídicas (por exemplo: fusão ou incorporação de sociedades), não há dúvida de que a legitimação passiva se transfere aos sucessores. 

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil – Vol. 5 – Arts. 476 a 565. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 174/175.

11 de abril de 2021

DIREITO SUCESSÓRIO: Declarada a inexistência jurídica da sentença na própria ação de inventário, deve ser aplicada a tese firmada pelo STF no julgamento do Tema 809, por meio da qual foi declarada a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-689-stj.pdf

É imperiosa a aplicação da tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 809/STF, que impõe a igualdade de tratamento no regime sucessório entre cônjuges e companheiros, em processo cuja inexistência jurídica da sentença de partilha, ante a ausência de citação de litisconsorte necessário, impede a formação da coisa julgada material. STJ. 3ª Turma. REsp 1.857.852/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/03/2021 (Info 689). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

João faleceu sem deixar filhos e cônjuge. Deixou, contudo, três irmãos: Pedro, Paulo e Tiago. Pedro ajuizou ação de inventário e partilha dos bens deixados por João. Na ação, Pedro indicou como únicos herdeiros ele mesmo, Paulo e Tiago, pedindo a citação dos dois. Pedro, Paulo e Tiago fizeram um acordo dividindo a herança. O juiz proferiu sentença homologando a partilha e atribuindo aos três os devidos quinhões. Não houve recurso contra a sentença, tendo transcorrido o prazo recursal. Ocorre que, logo em seguida, antes que o formal de partilha fosse expedido, apareceu uma nova personagem que iria mudar a história: Maria. Maria peticionou nos autos informando que vivia em união estável com João até a data do óbito e, como consequência, pediu a sua habilitação. Em razão desse fato, o juízo do inventário suspendeu a expedição do formal de partilha e, após regular contraditório e oitiva do Ministério Público, declarou insubsistente a sentença homologatória anteriormente proferida, consignando que “deverá o inventário prosseguir com a elaboração de nova partilha, com a inclusão de Maria como meeira e herdeira dos bens adquiridos onerosamente na constância da união.” Desse modo, o processo de inventário voltou a tramitar. Vale ressaltar que Pedro, Paulo e Tiago, mesmo chateados com o aparecimento da nova herdeira, ainda tinham a plena convicção de que iriam receber uma parte da herança. Isso porque a sucessão dos companheiros, nessa época, ainda era regida pelo art. 1.790 do Código Civil: 

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: 

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; 

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; 

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

 IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. 

Assim, Pedro, Paulo e Tiago estavam pensando: ora, nos termos do inciso III do art. 1.790, Maria terá direito a 1/3 da herança e nós ficaremos com o restante. Ocorre que, alguns dias depois disso, houve um novo fato que mudou tudo: a decisão do STF no Tema 809 (RE 646721/RS) . 

Tema 809/STF 

O STF, ao julgar o RE 646721/RS e o RE 878694/MG, ambos com repercussão geral reconhecida, fixou a tese de que: 

É inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do Código Civil. STF. Plenário RE 646721/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso e RE 878694/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 10/5/2017 (Repercussão Geral – Tema 809) (Info 864). 

O STF disse: o art. 1.790 do CC é inconstitucional porque viola o princípio da igualdade, a dignidade da pessoa humana, o princípio da proporcionalidade (na modalidade de proibição à proteção deficiente) e o princípio da vedação ao retrocesso. Já que o art. 1.790 é inconstitucional, o que se deve fazer no caso de sucessão de companheiro? Quais as regras que deverão ser aplicadas caso um dos consortes da união estável morra? O STF entendeu que a união estável deve receber o mesmo tratamento conferido ao casamento. Logo, em caso de sucessão causa mortis do companheiro deverão ser aplicadas as mesmas regras da sucessão causa mortis do cônjuge, regras essas que estão previstas no art. 1.829 do CC: 

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: 

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; 

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; 

III - ao cônjuge sobrevivente; 

IV - aos colaterais. 

Logo, no caso concreto que estamos analisando: 

• a situação antes era enquadrada no inciso III do art. 1.790 do CC: a companheira receberia 1/3 da herança e os irmãos (colaterais) ficariam com 2/3. 

• com a decisão do STF, a situação passa a se enquadrar no inciso IV do art. 1.829: a companheira (por ser equiparada a cônjuge) fica com tudo. Os irmãos (colaterais) não terão mais direito a nada. 

Voltando ao caso concreto: 

O juiz, que sempre acompanhava os Informativos do STF, aplicou imediatamente o entendimento fixado no RE 646721/RS, consignando que “Maria, a companheira supérstite, além da meação, sucede também no restante do patrimônio, em razão da ausência de descendentes ou ascendentes do de cujus, conforme estabelece o art. 1.829 do Código Civil, em seu inciso III”. Os colaterais interpuseram agravo de instrumento contra a decisão. O Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso e afastou a aplicação da tese firmada pelo STF no Tema 809 sob o fundamento de que o juízo do inventário não poderia ter declarado a insubsistência da sentença homologatória outrora proferida, uma vez que ela estaria acobertada pelo manto da coisa julgada material. 

Agiu corretamente o TJ? 

O STJ entendeu que não. Em primeiro lugar, é importante ressaltar que o STF modulou os efeitos da decisão proferida no RE 646721/RS (Tema 809). Na ementa oficial constou o seguinte: 

“3. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública.” 

Ocorre que o STJ afirmou o seguinte: no caso concreto, “não há sentença de partilha transitada em julgado”. Isso porque o juízo do inventário, ao declarar a insubsistência da sentença homologatória de acordo de partilha entre os colaterais, nada mais fez do que declarar a sua inexistência jurídica em virtude da ausência de citação daquela que, à época, seria litisconsorte necessária, a saber, a companheira Maria. Não há que se falar em coisa julgada na sentença proferida em processo em que não se formou a relação jurídica apta ao seu desenvolvimento. 

Para a declaração de inexistência jurídica da sentença em virtude da ausência de citação não seria necessário o ajuizamento da querela nullitatis insanabilis? 

NÃO. Na forma do art. 525, §1º, I, do CPC/2015, a falta ou a nulidade da citação, desde que tenha havido a revelia da parte que deveria figurar no polo, são suscetíveis de reconhecimento em impugnação ao cumprimento de sentença (isto é, após a sentença irrecorrida), de modo que, a fortiori, esses gravíssimos vícios podem ser igualmente cognoscíveis antes de iniciada essa fase procedimental. Anote-se, por oportuno, que ainda que se pudesse cogitar da formação de coisa julgada material a partir de sentença homologatória de acordo de partilha e consequente possibilidade de execução do formal de partilha que, na hipótese, sequer foi expedido, não se pode olvidar que a execução seria ineficaz em relação à companheira, que, relembre-se, apenas ingressou na ação de inventário após a prolação da sentença homologatória de acordo entre os colaterais. 

A esse respeito, sublinhe-se que há regra específica quanto à ação de inventário e partilha, como bem pontua Rodrigo Frantz Becker: 

“De início, é importante observar que o formal e a certidão de partilha serão títulos executivos judiciais tão somente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal, não alcançando terceiros. Trata-se de limitação subjetiva estabelecida pelo código, evidenciando que, assim como toda sentença, a sentença que julga a partilha fará coisa julgada apenas entre as partes, ou seja, a eficácia será executiva perante os que forem partes na ação de inventário – o inventariante, os herdeiros e sucessores do de cujus.” (BECKER, Rodrigo Frantz. Manual do processo de execução dos títulos judiciais e extrajudiciais. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 205). 

Diante desse cenário, inexistindo sentença de partilha com trânsito em julgado, é imperiosa a aplicação da tese firmada pelo STF no julgamento do tema 809, de modo a reconhecer a companheira Maria como única herdeira dos bens deixados por João, na forma do art. 1.829, III, do CC/2002. 

Em suma: É imperiosa a aplicação da tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 809/STF, que impõe a igualdade de tratamento no regime sucessório entre cônjuges e companheiros, em processo cuja inexistência jurídica da sentença de partilha, ante a ausência de citação de litisconsorte necessário, impede a formação da coisa julgada material. STJ. 3ª Turma. REsp 1.857.852/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/03/2021 (Info 689).

5 de abril de 2021

Se não exceder herança, valor doado antes da morte não é partilhável

 Para ser decretada a nulidade é imprescindível que resulte provado que o valor dos bens doados exceda o que o doador podia dispor por testamento, no momento da liberalidade, bem como qual o excesso. Em caso contrário, prevalece a doação.

A matéria foi objeto de Agravo em Recurso Especial.

Eis a decisão agravada:

“Ação de inventário Decisão agravada reconhecendo que a doação feita em espécie pelo “de cujus” a uma das herdeiras deve ser imputada na parte disponível, dispensada a colação Insurgência das requerentes Não acolhimento Montante doado, com o devido pagamento do ITCMD, a uma das herdeiras que não ultrapassou a legítima Dicção do disposto no artigo 2.005 do Código Civil Decisão mantida Recurso não provido.” (fl. 187)

Afirmou o min. Relator:

“Nesse contexto, a modificação do entendimento lançado no v. acórdão recorrido no que tange a formalização da doação por parte do genitor da agravada por meio de recolhimento do ITCMD, sendo que o montante doado não atingiu o valor da legítima (ou seja, realizado nos limites da parte disponível), demandaria revolvimento do suporte fático-probatório dos autos, o que é inviável em sede de recurso especial, a teor do que dispõe a súmula 7 deste Pretório.

A propósito:

 “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INVENTÁRIO. DOAÇÃO INOFICIOSA. REVISÃO DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 283 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

  1. Não se viabiliza o recurso especial pela indicada violação do art. 1.022 do CPC/2015. Isso porque, embora rejeitados os embargos de declaração, todas as matérias foram devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte recorrente. 2. O Tribunal de origem, amparado no acervo fático – probatório dos autos, concluiu que: “Diferentemente do sustentado pelas embargantes, não há que se falar em preclusão, visto que as matérias objeto da apelação que deu ensejo ao acórdão embargado, também foram matéria da apelação anteriormente interposta que ensejou a nulidade da sentença proferida anteriormente (fl. 298/303) e que sequer foram objeto de análise ante a cassação de oficio, da sentença (fl. 350/352).”. Assim, alterar o entendimento do acórdão recorrido sobre a não ocorrência da preclusão, demandaria, reexame de fatos e provas, o que é vedado em razão do óbice da Súmula 7 do STJ.
  2. O STJ possui firme o entendimento no sentido de que não é possível o conhecimento de recurso especial em que os recorrrentes afirmam que a doação feita pelo de cujus é inválida, e a Corte de origem alega que doações feitas pelo falecido às recorridas não teriam sido inoficiosas, não violando o princípio da intangibilidade da legítima dos herdeiros necessários, pois para alterar a decisão do tribunal a quo é necessário o reexame de matéria fático – probatória dos autos, o que é vedado em razão do óbice da Súmula 7 do STJ.
  3. O v. acórdão recorrido está assentado em mais de um fundamento suficiente para mantê-lo e o recorrente não cuidou de impugnar todos eles, como seria de rigor. A subsistência de fundamento inatacado apto a manter a conclusão do aresto impugnado impõe o não-conhecimento da pretensão recursal, a teor do entendimento disposto na Súmula nº 283/STF: “É inadmissível o recurso extraordinário quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.”.
  4. Agravo não provido.” (AgInt no AREsp 1359787/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/04/2019, DJe 08/04/2019, g.n.)

“DIREITO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA FUNDADA NO ART. 485, V, DO CPC. SUCESSÃO. DOAÇÕES SUPOSTAMENTE INOFICIOSAS. INEXISTÊNCIA DE OFENSA LITERAL AO ART. 1.176 DO CCB/2002. Preliminar de incidência da Súmula 343/STF afastada, por maioria. Não incorre em ofensa literal ao art. 1.176 do Código Civil/2002 o acórdão que, para fins de anulação de doação por suposta ofensa à legítima dos herdeiros necessários, considera preciso observar se no momento da liberalidade o doador excedeu a parte de que poderia dispor em testamento. “Para ser decretada a nulidade é imprescindível que resulte provado que o valor dos bens doados exceda o que o doador podia dispor por testamento, no momento da liberalidade, bem como qual o excesso. Em caso contrário, prevalece a doação” (SANTOS, J. M. Carvalho, in Código Civil Brasileiro Interpretado, vol. XVI, 12 ed., Editora Livraria Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1986, p. 402). “O sistema da lei brasileira, embora possa resultar menos favorável para os herdeiros necessários, consulta melhor aos interesses da sociedade, pois não deixa inseguras as relações jurídicas, dependentes de um acontecimento futuro e incerto, tal o eventual empobrecimento do doador” (RODRIGUES, Silvio. in Direito Civil – Direito das Sucessões, vol. 7, 19 ed., Editora Saraiva, São Paulo, 1995, p. 189). Ação rescisória improcedente.” (AR 3.493/PE, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/12/2012, DJe 06/06/2013, g.n.)”

Com esses argumentos negou provimento ao Agravo para manter a doação que não ultrapassou o limite da herança.

STJ

4 de abril de 2021

Sucessão causa mortis. União estável. Bem particular. Frutos civis. Comunicabilidade exclusivamente durante a constância da união estável. Data da celebração do contrato de locação e período de sua vigência. Irrelevância.

 REsp 1.795.215/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 23/03/2021

O montante recebido a título de aluguéis de imóvel particular do "de cujus" não se comunica à companheira supérstite após a data da abertura da sucessão.

Inicialmente, o art. 1.660, V, do CC dispões que se comunicam os frutos dos bens particulares de cada cônjuge ou companheiro percebidos durante a constância da união ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.

No que concerne à divisão dos frutos civis após a extinção do casamento ou da união estável, esta Corte Superior já teve a oportunidade de se manifestar no sentido de que o direito à meação se dá com relação aos valores que foram auferidos durante a constância da convivência.

Na oportunidade, ficou assentado que "o reconhecimento da incomunicabilidade daquela rubrica [ocorre] apenas quando percebidos os valores em momento anterior ou posterior ao casamento".

Vale dizer, o que autoriza a comunicabilidade dos frutos é a data da ocorrência do fato que dá ensejo à sua percepção, ou, em outros termos, o momento em que o titular adquiriu o direito ao seu recebimento.

No particular, a meação, quanto aos valores reclamados, cinge-se aos aluguéis relativos ao período aquisitivo compreendido no curso da união estável, a qual teve como termo final a data do falecimento do companheiro, proprietário exclusivo do imóvel locado.

Impende destacar que a Lei n. 8.245/1991 (Lei do Inquilinato) dispõe, em seu art. 10, que, "morrendo o locador, a locação transmite-se aos herdeiros".

Isso significa que, a partir da data do falecimento do locador - momento em que houve a transmissão dos direitos e deveres decorrentes do contrato de locação aos herdeiros -, todo e qualquer vínculo, ainda que indireto, apto a autorizar a recorrente a partilhar dos aluguéis (como aquele previsto na norma do inc. V do art. 1.660 do CC) foi rompido, cessando, por imperativo lógico, seu direito à meação sobre eles.

Ademais, a data da celebração do contrato de locação ou o termo final de sua vigência em nada influenciam na resolução da questão, pois os aluguéis somente podem ser considerados pendentes se deveriam ter sido recebidos na constância da união estável ou casamento e não o foram.

Nesse contexto, portanto, somente podem ser considerados eventuais aluguéis vencidos e não pagos ao tempo do óbito do proprietário, circunstância que, caso verificada, autorizaria sua integração à meação da companheira.