Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-710-stj-2.pdf
ESTATUTO DO DESARMAMENTO
A apreensão de ínfima quantidade de munição desacompanhada
da arma de fogo não implica, por si só, a atipicidade da conduta
O simples fato de os cartuchos apreendidos estarem desacompanhados da respectiva arma de
fogo não implica, por si só, a atipicidade da conduta, de maneira que as peculiaridades do caso
concreto devem ser analisadas a fim de se aferir:
a) a mínima ofensividade da conduta do agente;
b) a ausência de periculosidade social da ação;
c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e
d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
No caso concreto, embora o réu tenha sido preso com apenas uma munição de uso restrito,
desacompanhada de arma de fogo, ele foi também condenado pela prática dos crimes
descritos nos arts. 33 e 35, da Lei nº 11.343/2006 (tráfico de drogas e associação para o
tráfico), o que afasta o reconhecimento da atipicidade da conduta, por não estarem
demonstradas a mínima ofensividade da ação e a ausência de periculosidade social exigidas
para tal finalidade.
STJ. 3ª Seção. EREsp 1.856.980-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 22/09/2021 (Info 710).
Imagine a seguinte situação hipotética:
João foi preso em flagrante com :
• uma munição de arma de fogo de uso restrito;
• 66,9g de crack; e
• uma balança de precisão.
Vale ressaltar que não foi encontrado com ele qualquer arma de fogo (apenas essa munição).
Diante disso, João foi denunciado e condenado pela prática de:
• tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006);
• associação para o tráfico (art. 35 da Lei nº 11.343/2006);
• posse ilegal de munição de uso restrito (art. 16 da Lei nº 10.826/2003).
O réu recorreu alegando que a apreensão de ínfima quantidade de munição, aliada à ausência de artefato
apto ao disparo (ausência de arma), implica o reconhecimento, no caso concreto, da incapacidade de se
gerar perigo à incolumidade pública, o que impõe a sua absolvição.
O argumento do acusado foi acolhido pelo STJ?
NÃO.
A apreensão de ínfima quantidade de munição desacompanhada da arma de fogo não implica, por si só,
a atipicidade da conduta.
STJ. 3ª Seção. EREsp 1.856.980-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 22/09/2021 (Info 710).
O STJ tem entendido que o simples fato de os cartuchos apreendidos estarem desacompanhados da
respectiva arma de fogo não implica, por si só, a atipicidade da conduta, de maneira que as peculiaridades
do caso concreto devem ser analisadas a fim de se aferir:
a) a mínima ofensividade da conduta do agente;
b) a ausência de periculosidade social da ação;
c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e
d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
No caso concreto, embora o réu tenha sido preso com apenas uma munição de uso restrito,
desacompanhada de arma de fogo, ele foi também condenado pela prática dos crimes descritos nos arts.
33 e 35, da Lei nº 11.343/2006 (tráfico de drogas e associação para o tráfico), o que afasta o
reconhecimento da atipicidade da conduta, por não estarem demonstradas a mínima ofensividade da
ação e a ausência de periculosidade social exigidas para tal finalidade.
Quando o crime de posse de munição é praticado dentro do contexto do delito de tráfico de drogas (art.
33, caput, da Lei nº 11.343/2006), não cabe a aplicação do princípio da insignificância.
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1695811/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 14/09/2021.
É possível aplicar o princípio da insignificância para os crimes de posse ou porte de munição de arma de
fogo?
Os delitos de posse e de porte de arma de fogo são crimes de perigo abstrato, de forma que, em regra, é
irrelevante a quantidade de munição apreendida.
Esse entendimento configura a regra geral. No entanto, o STF e o STJ, a depender do caso concreto,
reconhecem a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância para o crime de posse ou porte
ilegal de pouca quantidade de munição desacompanhada da arma. Confira:
(...) I – Recorrente que guardava no interior de sua residência uma munição de uso permitido, calibre 22.
II – Conduta formalmente típica, nos termos do art. 12 da Lei 10.826/2003.
III – Inexistência de potencialidade lesiva da munição apreendida, desacompanhada de arma de fogo.
Atipicidade material dos fatos. (...)
STF. 2ª Turma. RHC 143449, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 26/09/2017.
É atípica a conduta daquele que porta, na forma de pingente, munição desacompanhada de arma.
STF. 2ª Turma. HC 133984/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 17/5/2016 (Info 826).
O atual entendimento do STJ é no sentido de que a apreensão de pequena quantidade de munição,
desacompanhada da arma de fogo, permite a aplicação do princípio da insignificância ou bagatela.
STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 517.099/MS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 06/08/2019.
O STJ, alinhando-se ao STF, tem entendido pela incidência do princípio da insignificância aos crimes
previstos na Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), afastando a tipicidade material da conduta
quando evidenciada flagrante desproporcionalidade da resposta penal.
A aplicação do princípio da insignificância deve, contudo, ficar restrita a hipóteses excepcionais que
demonstrem a inexpressividade da lesão, de forma que a incidência do mencionado princípio não pode levar ao esvaziamento do conteúdo jurídico do tipo penal em apreço - porte de arma, incorrendo em
proteção deficiente ao bem jurídico tutelado.
STJ. 6ª Turma. HC 473.334/RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 21/05/2019.
Isso significa que a apreensão apenas da munição tornou-se conduta atípica?
NÃO. Não significa isso.
A apreensão da munição desacompanhada de arma de fogo é, em princípio, conduta típica, que preenche
não apenas a tipicidade formal, mas também a material, uma vez que o tipo penal visa à proteção da
incolumidade pública, não sendo suficiente a mera proteção à incolumidade pessoal.
Assim, a posse de munição, mesmo desacompanhada de arma apta a deflagrá-la, continua a preencher a
tipicidade penal, não podendo ser considerada atípica a conduta.
No entanto, a jurisprudência passou a admitir a incidência do princípio da insignificância quando se tratar
de posse de pequena quantidade de munição, desacompanhada de armamento capaz de deflagrá-la e
desde que considerado todo o contexto fático a indicar a patente ausência de lesividade jurídica ao bem
tutelado. Nesse sentido:
Para que exista, de fato, a possibilidade de incidência do princípio da insignificância, deve-se examinar o
caso concreto, afastando-se o critério meramente matemático, de forma que deve ser considerado todo
o contexto fático no qual houve a apreensão da munição, a indicar a patente ausência de lesividade
jurídica ao bem tutelado.
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1960029/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 05/10/2021.
Desse modo, a situação terá que ser analisada no caso concreto