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15 de janeiro de 2022

Para a adequação de determinado julgado, após a modulação dos efeitos de decisão pelo STF, é necessário que o recurso tenha sido conhecido e que haja relação entre o objeto recursal e o fato superveniente

 PROCESSO CIVIL – MODULAÇÃO DE EFEITOS

STJ. 2ª Turma. EDcl no AgInt no AREsp 1.821.102-SC, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 05/10/2021 (Info 714).

Para a adequação de determinado julgado, após a modulação dos efeitos de decisão pelo STF, é necessário que o recurso tenha sido conhecido e que haja relação entre o objeto recursal e o fato superveniente

Caso

em janeiro de 2018, uma empresa ajuizou ação pedindo para excluir o ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.

Em abril de 2018, o juiz prolatou sentença julgando procedente o pedido da contribuinte, aplicando a decisão do STF no RE 574706/PR

Em fevereiro de 2020, o TRF manteve a sentença.

Em março de 2020, a Fazenda Nacional opôs embargos de declaração dizendo que o TRF deveria sobrestar o processo porque a União havia pedido ao STF a modulação dos efeitos da decisão proferida no RE 574706/PR e o Supremo ainda não havia apreciado esse pedido. . Logo, era mais recomendável esperar

Em junho de 2020, o TRF rejeitou os embargos e a Fazenda Nacional interpôs recurso especial.

O VicePresidente do TRF negou seguimento ao recurso especial sob o argumento de que o Tribunal decidiu a controvérsia sob enfoque eminentemente constitucional.

Vice-Presidente do TRF entendeu que seria inviável a análise da questão, em sede de Recurso Especial, sob pena de usurpação da competência do STF.

A Fazenda Pública interpôs, então, agravo em recurso especial.

Em 17/03/2021, o Presidente do STJ negou provimento ao agravo

A Fazenda Pública interpôs agravo interno contra a decisão do Presidente do STJ e a 2ª Turma do STJ negou provimento ao agravo

Em 11/06/2021, a Fazenda Nacional opôs embargos de declaração alegando que houve um fato superveniente, pois o STF, no dia 13/05/2021, modulou os efeitos da decisão proferida no RE 574706 ED/PR

Logo, para a Fazenda Pública, o STJ deveria rever sua decisão e aplicar a modulação dos efeitos.

Modulação dos efeitos

STF. Plenário. RE 574706 ED/PR, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 13/5/2021 (Info 1017): “A tese, com repercussão geral, fixada no julgamento do RE 574706 (“O ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da Cofins”) produz efeitos a partir de 15/3/2017 (data da sessão de julgamento), ressalvadas as ações judiciais e administrativas protocoladas até essa data”.

para preservar a segurança jurídica do Fisco, esse entendimento (contrário à Fazenda) só produzirá efeitos a partir de 15/03/2017

a rigor, a modulação apanharia o presente feito, impetrado em 31/01/2018, ou seja, data posterior ao termo inicial de produção de efeitos da tese fixada pelo STF.

Não obstante isso, neste momento processual, é tecnicamente inviável a aplicação da modulação de efeitos, pelo STJ, na forma decidida pelo STF, ou a determinação da remessa dos autos à origem, para que o faça.

AgInt no AREsp 850.277/MS, rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe de 11/09/2018: o art. 493 do CPC/2015 “admite o exame de fato superveniente apenas nas hipóteses em que, ultrapassada a barreira do conhecimento do recurso especial, este Tribunal for julgar a causa”

STJ não conheceu do recurso especial, ante a natureza constitucional da controvérsia

para o reconhecimento de fato superveniente, é necessário, além do conhecimento do recurso, que haja relação entre o objeto recursal e o aludido fato superveniente. Trata-se de decorrência lógica do princípio “tantum devolutum quantum apellatum”.

aplicar a modulação de efeitos, na espécie, ou determinar que o Tribunal de origem o faça, implicaria ofensa à coisa julgada

13 de novembro de 2021

Para a adequação de determinado julgado, após a modulação dos efeitos de decisão pelo Supremo Tribunal Federal, é necessário que o recurso tenha sido conhecido e que haja relação entre o objeto recursal e o fato superveniente

Processo

EDcl no AgInt no AREsp 1.821.102-SC, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, por maioria, julgado em 05/10/2021, DJe 18/10/2021.

Ramo do Direito

DIREITO TRIBUTÁRIO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

EDcl no RE 574.706/PR (Tema 69). Modulação dos efeitos pelo STF. Fato superveniente. Adequação de julgado. Conhecimento do recurso e relação com o objeto recursal. Requisitos. Necessidade.

 

DESTAQUE

Para a adequação de determinado julgado, após a modulação dos efeitos de decisão pelo Supremo Tribunal Federal, é necessário que o recurso tenha sido conhecido e que haja relação entre o objeto recursal e o fato superveniente.


INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A questão controvertida trata sobre a ocorrência de fato novo superveniente, relativo ao julgamento, pelo STF, dos Embargos de Declaração no RE 574.706/PR.

Quanto à questão, em 13/05/2021, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, acolheu, em parte, os Embargos de Declaração opostos, pela Fazenda Nacional, apenas "para modular os efeitos do julgado cuja produção haverá de se dar desde 15/03/2017(...), ressalvadas as ações judiciais e administrativas protocoladas até a data da sessão em que proferido o julgamento de mérito".

Assim, a rigor, a modulação apanharia o presente feito, impetrado em 31/01/2018, ou seja, data posterior ao termo inicial de produção de efeitos da tese fixada pelo STF.

Não obstante isso, neste momento processual, é tecnicamente inviável a aplicação da modulação de efeitos, pelo STJ, na forma decidida pelo STF, ou a determinação da remessa dos autos à origem, para que o faça.

Isso porque em sede extraordinária, o art. 493 do CPC/2015 "admite o exame de fato superveniente apenas nas hipóteses em que, ultrapassada a barreira do conhecimento do recurso especial, este Tribunal for julgar a causa" (AgInt no AREsp 850.277/MS, rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe de 11/09/2018), o que não se verifica, na espécie, haja vista que, no mérito, não se conheceu do apelo nobre, ante a natureza constitucional da controvérsia.

Assim, para o reconhecimento de fato superveniente, é necessário, além do conhecimento do recurso, que haja relação entre o objeto recursal e aludido fato superveniente. Trata-se de decorrência lógica do princípio tantum devolutum quantum apellatum.

Desse modo, aplicar a modulação de efeitos, na espécie, ou determinar que o Tribunal de origem o faça, implicaria ofensa à coisa julgada.

19 de agosto de 2021

Filigrana doutrinária: Teresa Arruda Alvim - Excepcionalidade da modulação dos efeitos da decisão em sede de controle de Constitucionalidade

"Importante consignar, todavia, que a utilização indevida da modulação, transformando-a em regra, quando, na verdade, é exceção, pode ensejar mais insegurança jurídica e estimular a edição de leis inconstitucionais. A excepcionalidade desse instituto exige fundamentação qualificada. Trata-se de instituto que deve ser excepcionalmente usado, tanto no ambiente do controle concentrado, quanto no da alteração de precedentes/jurisprudência firme, sendo este último o objeto principal deste estudo. À época de sua concepção, foi visto como algo tão excepcional que o quórum para modular era (é) maior do que o exigido para a própria declaração de inconstitucionalidade". 


ALVIM, Teresa Arruda. Modulação: na alteração da jurisprudência firme ou de precedentes vinculantes. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 27. 

Modulação temporal dos efeitos de decisão de inconstitucionalidade - REsp 1.904.374 - DF

"13) Todavia, é conhecida a lição e o entendimento que conferem eficácia prospectiva (efeito ex nunc) às decisões que declaram a inconstitucionalidade de lei, fundando-se em razões de diversas ordens – proteção à boa-fé, tutela da confiança, previsibilidade, pragmatismo e consequencialismo jurídico são algumas delas. A partir desses ideais é que se concebeu a denominada modulação temporal dos efeitos da decisão que declara a inconstitucionalidade".


RECURSO ESPECIAL Nº 1.904.374 - DF (2020/0143768-8) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

28 de junho de 2021

É inconstitucional o parágrafo único do art. 40 da Lei nº 9.279/96

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-1017-stf.pdf


DIREITO EMPRESARIAL - PATENTE 

É inconstitucional o parágrafo único do art. 40 da Lei nº 9.279/96 


É inconstitucional o parágrafo único do art. 40 da Lei nº 9.279/96: Parágrafo único. O prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção e a 7 (sete) anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior. Essa norma contraria a segurança jurídica, a temporalidade da patente, a função social da propriedade intelectual, a duração razoável do processo, a eficiência da administração pública, a livre concorrência e a defesa do consumidor e o direito à saúde. STF. Plenário. ADI 5529/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 12/5/2021 (Info 1017). 

INPI 

O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Economia, sendo responsável, no Brasil, pela concessão e garantia dos direitos de propriedade intelectual para a indústria. 

Patente 

Patente é um título de propriedade temporária concedido pelo INPI para a pessoa que inventou um novo produto, um novo processo ou para quem fez aperfeiçoamentos destinados à aplicação industrial. A patente, concedida ao autor de uma invenção ou de um modelo de utilidade, é o direito de, durante determinado tempo, só ele explorar economicamente essa invenção ou modelo de utilidade. Veja o que diz o art. 6º Lei nº 9.279/96: 

Art. 6º Ao autor de invenção ou modelo de utilidade será assegurado o direito de obter a patente que lhe garanta a propriedade, nas condições estabelecidas nesta Lei. 

Direitos 

A patente confere os seguintes direitos ao seu titular: 

Art. 42. A patente confere ao seu titular o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar com estes propósitos: I - produto objeto de patente; II - processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado. § 1º Ao titular da patente é assegurado ainda o direito de impedir que terceiros contribuam para que outros pratiquem os atos referidos neste artigo. § 2º Ocorrerá violação de direito da patente de processo, a que se refere o inciso II, quando o possuidor ou proprietário não comprovar, mediante determinação judicial específica, que o seu produto foi obtido por processo de fabricação diverso daquele protegido pela patente. 

Depósito do pedido junto ao INPI 

O procedimento para obtenção da patente tem início com o depósito do pedido no INPI, que deverá ser instruído com uma série de documentos e informações. Em regra, a patente deverá ser requerida junto ao INPI pelo próprio autor, em nome próprio. Poderá também ser requerida pelos herdeiros ou sucessores do autor, pelo cessionário ou por aquele a quem a lei ou o contrato de trabalho ou de prestação de serviços determinar que pertença a titularidade (art. 6º, § 2º, da Lei nº 9.279/96). 

Proteção conferida pela patente retroage 

É importante destacar que, expedida a carta-patente, surge para o titular o direito de obter indenização pela exploração indevida do objeto patenteado, inclusive em relação ao período entre a publicação do pedido e a concessão da patente, como preceitua o art. 44 da Lei: 

Art. 44. Ao titular da patente é assegurado o direito de obter indenização pela exploração indevida de seu objeto, inclusive em relação à exploração ocorrida entre a data da publicação do pedido e a da concessão da patente. 

Assim sendo, uma vez concedida a patente, a proteção por ela conferida retroage a momento inicial do processo, o que funciona como uma contenção (um desestímulo) aos concorrentes que cogitem explorar indevidamente o objeto protegido durante a tramitação do pedido. A proteção patentária, portanto, não se inicia apenas com a decisão final de deferimento do pedido, sendo interessante notar que a lei considera o requerente como presumivelmente legitimado a obter a patente, salvo prova em contrário, conforme o art. 6º, § 1º, da LPI. 

Prazo de vigência das patentes 

Em regra, a vigência da patente observará os prazos fixos de 20 anos para invenções e de 15 anos para modelos de utilidade, contados da data de depósito, conforme o caput do art. 40 da Lei: 

Art. 40. A patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de modelo de utilidade pelo prazo 15 (quinze) anos contados da data de depósito. 

A Lei de Propriedade Intelectual prevê, contudo, uma regra adicional no parágrafo único do mesmo dispositivo: a contar da data de concessão da patente, o prazo de vigência não será inferior a 10 anos para a patente de invenção e a 7 anos para a patente de modelo de utilidade: 

Art. 40 (...) Parágrafo único. O prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção e a 7 (sete) anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior. 

Assim, por exemplo, se o INPI demorar 10 anos para deferir um requerimento de patente de invenção, essa patente vigerá por mais 10 anos, de modo que, ao final do período de vigência, terão transcorrido 20 anos desde o depósito. Repare que, neste caso, o prazo do caput foi respeitado. Por outro lado, se a autarquia demorar 15 anos para deferir o pedido, estando garantido que a patente vigerá por mais 10 anos desde a concessão (regra do parágrafo único), ao final do período de vigência terão transcorrido 25 anos desde a data do depósito. Repare que, neste segundo caso, o titular terá gozado dos privilégios da patente por mais tempo do que o previsto no caput do art. 40. 

Problema do parágrafo único: gera um prazo variável de proteção 

Vê-se, portanto, que o parágrafo único do art. 40 estabelece um prazo variável de proteção, pois esse depende do tempo de tramitação de cada processo administrativo. Ademais, caso o INPI demore mais de 10 anos, no caso da invenção, ou mais de 8 anos, no caso do modelo de utilidade, para proferir uma decisão final, o período total do privilégio ultrapassará o tempo de vigência previsto no caput do art. 40. 

E depois que terminar o prazo da patente? 

Findo o prazo de vigência da patente, a proteção extingue-se e seu objeto passa a ser considerado de domínio público, conforme o art. 78, I e parágrafo único, da Lei: 

Art. 78. A patente extingue-se: I - pela expiração do prazo de vigência; (...) Parágrafo único. Extinta a patente, o seu objeto cai em domínio público. 

ADI 

O Procurador-Geral da República ajuizou ação direta de inconstitucionalidade contra o parágrafo único do art. 40 da Lei nº 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial). O PGR alegou que o parágrafo único, ao impor esse prazo mínimo de vigência contado depois da concessão, acaba por tornar o prazo de proteção indeterminado, já que não se sabe quanto tempo demorará para o INPI conceder. Em caso de atraso na análise dos pedidos por muitos anos (o que acontece em alguns casos), a patente ultrapassaria os prazos máximos previstos no caput do art. 40. Para o autor, essa indeterminação do prazo viola o art. 5º, XXIX, da CF/88, que afirma que o privilégio de utilização dos inventos deve ser temporário: 

Art. 5º (...) XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País; 

O STF concordou com os argumentos do PGR? 

SIM. O STF, por maioria, julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 40 da Lei nº 9.279/96. Vencidos os ministros Roberto Barroso e Luiz Fux. A norma impugnada contraria a segurança jurídica, a temporalidade da patente, a função social da propriedade intelectual, a duração razoável do processo, a eficiência da administração pública, a livre concorrência e a defesa do consumidor e o direito à saúde. 

Segurança jurídica 

Como o prazo do parágrafo único só começa a ser contado a partir da data de concessão da patente e como não se sabe quando o INPI terminará a análise do pedido, a conclusão que se chega é a de que o parágrafo único do art. 40 traz a previsão de um prazo indeterminado. Ocorre que isso gera insegurança jurídica e ofende o próprio Estado Democrático de Direito. A previsibilidade quanto ao prazo de vigência das patentes é essencial para que os agentes de mercado (depositantes, potenciais concorrentes e investidores) possam fazer escolhas racionais. A ausência de regras claras dá margem ao arbítrio e à utilização oportunista e anti-isonômica das regras do jogo, tais como as estratégias utilizadas pelos depositantes para prolongar o período de exploração exclusiva dos produtos. 

Temporalidade da patente 

Para além de representar ofensa à segurança jurídica, a norma questionada subverte a própria essência do art. 5º, XXIX, da Constituição Federal, que determina que seja assegurada por lei a proteção à propriedade industrial mediante um privilégio temporário, com observância do interesse social e do desenvolvimento tecnológico e econômico do País. Conforme já demonstrado, o parágrafo único do art. 40 da Lei de Propriedade Industrial (LPI) não observa o quesito da temporariedade, pois, ao se vincular a vigência da patente à data de sua concessão, ou seja, indiretamente, ao tempo de tramitação do respectivo processo no INPI, se indetermina o prazo de vigência do benefício, o que concorre para a extrapolação dos prazos previstos no caput do art. 40 e para a falta de objetividade e previsibilidade de todo o processo. 

Função social da propriedade 

A norma questionada também enseja violação da função social da propriedade intelectual: 

Art. 5º (...) XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; 

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) III - função social da propriedade; 

Bens incorpóreos não são exceção à imposição constitucional de observância à função social da propriedade e, como tais, demandam a harmonização de interesses individuais e coletivos. A temporariedade da patente permite a harmonização da proteção à inventividade com o cumprimento da função social da propriedade, pois, apesar de resguardar os direitos dos autores de inventos ou modelos de utilidade por um período determinado, incentivando e remunerando os investimentos em inovação, garante ao restante da indústria e à sociedade a possibilidade de se apropriar dos benefícios proporcionados pelos produtos da criatividade, a partir da extinção dos privilégios de sua exploração. Se por um lado a CF/88 concede o privilégio da proteção à propriedade industrial, por outro, garante que, a partir de determinado prazo, os demais agentes da indústria venham a se igualar ao titular da patente na possibilidade de exploração do objeto protegido, liberando-o à lógica concorrencial do mercado. O prolongamento arbitrário do privilégio vem em prejuízo do mercado como um todo, pois proporciona justamente o que a Constituição buscou reprimir, ou seja, a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros, aprofundando a desigualdade entre os agentes econômicos e transformando o que era justificável e razoável em inconstitucional. 

Livre concorrência e a defesa do consumidor 

A falta de justa limitação temporal das patentes evidencia contrariedade à livre concorrência e à defesa do consumidor, pois o adiamento da entrada da concorrência no mercado possui sérios impactos sobre os preços dos produtos e, consequentemente, sobre o acesso dos consumidores a tais produtos. A CF/88, ao promover uma ordem econômica em que haja competição entre os agentes do mercado de forma igualitária, busca garantir, também, a liberdade de escolha dos consumidores, cujo exercício depende da multiplicidade de opções. 

Duração razoável do processo e eficiência da administração pública 

Observa-se, ademais, que a prorrogação do prazo de vigência da patente prevista no parágrafo único do art. 40 da LPI, ao tempo em que não contribui para a solução do atraso crônico dos processos submetidos ao INPI, acaba por induzir o descumprimento dos prazos previstos no caput do dispositivo. A norma ameniza as consequências da mora administrativa e prolonga o período de privilégio usufruído pelos depositantes, em prejuízo dos demais atores do mercado, além da Administração Pública, incorrendo, assim, em direta afronta aos princípios da razoável duração do processo e da eficiência administrativa. 

Direito à saúde 

Por fim, é necessário mencionar que o parágrafo único gera um prolongamento excessivo de patentes relacionadas com a indústria farmacêutica, o que faz com que haja uma violação ao direito à saúde. O domínio comercial proporcionado pela patente por períodos muito longos tem impacto no acesso da população a serviços públicos de saúde, uma vez que onera o sistema ao eliminar a concorrência e impor a aquisição de itens farmacêuticos por preço estipulado unilateralmente pelo titular do direito, acrescido do pagamento de royalties sobre os itens patenteados que o Poder Público adquire e distribui. Consequentemente, a extensão do prazo de vigência das patentes afeta diretamente as políticas públicas de saúde do País e obsta o acesso dos cidadãos a medicamentos, ações e serviços de saúde, dando concretude aos prejuízos causados não apenas a concorrentes e consumidores, mas principalmente àqueles que dependem do SUS para garantir sua integridade física e sua sobrevivência. Em suma: 

É inconstitucional o parágrafo único do art. 40 da Lei nº 9.279/96, segundo o qual os prazos de vigência de patentes e de modelos de utilidade podem ser prorrogados na hipótese de o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior. STF. Plenário. ADI 5529/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 12/5/2021 (Info 1017). 

Modulação dos efeitos 

O Plenário, por maioria, modulou os efeitos da decisão de declaração de inconstitucionalidade, nos seguintes termos: Em regra, a decisão proferida nesta ADI 5529 terá eficácia ex nunc. Assim, os efeitos da decisão de declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 40 da LPI são ex nunc, contados a partir da publicação da ata de julgamento. Logo, ficam mantidas as extensões de prazo concedidas com base no art. 40, parágrafo único, mantendo, assim, a validade das patentes já concedidas e ainda vigentes em decorrência do aludido preceito. 

Exceções. Existem duas situações nas quais a decisão produzirá efeitos ex tunc: 

a) em relação às ações judiciais propostas até o dia 7 de abril de 2021, inclusive (data da concessão parcial da medida cautelar no presente processo); e 

b) as patentes que tenham sido concedidas com extensão de prazo relacionadas a produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos e/ou materiais de uso em saúde. 

Em ambas as situações, opera-se o efeito ex tunc, o que resultará na perda das extensões de prazo concedidas com base no parágrafo único do art. 40 da LPI, respeitado o prazo de vigência da patente estabelecido no caput do art. 40 da Lei nº 9.279/96 e resguardados eventuais efeitos concretos já produzidos em decorrência da extensão de prazo das referidas patentes. 

DOD PLUS – APROFUNDANDO 

Para quem se interessa pelo tema, recomendo ler o excelente voto proferido pelo Ministro Relator e também o parecer do Professor Eros Grau que consta no processo. O Professor Eros Grau sintetiza os desdobramentos do parágrafo único do art. 40: 

“(i) prolonga, injustificadamente, o privilégio de exploração exclusiva de produtos e processos industriais, em prejuízo de quantos possam concorrer como titulares da patente e, ainda, dos consumidores, beneficiários da livre concorrência nos mercados; 

(ii) impede que virtuais concorrentes do depositante do pedido de patente tenham conhecimento da data a partir da qual poderão explorar economicamente os produtos ou processos objeto da patente, o que compromete calculabilidade e previsibilidade indispensáveis à atuação dos agentes econômicos no mercado, vale dizer, certeza e segurança jurídica; e 

(iii) permite, viabiliza, incita comportamentos adversos à livre concorrência da parte de depositantes de pedidos de patente, comportamentos voltados, tanto quanto isso se torne possível, ao retardamento do processo de exame do pedido de patente conduzido pelo Poder Executivo; quanto mais lento for esse exame, mais extenso será o privilégio de utilização exclusiva dos produtos e processos patenteados”. 

 




9 de maio de 2021

REsp 1.721.716-PR: Da superação prospectiva da jurisprudência

Da superação prospectiva da jurisprudência 


Como descrito acima, discute-se, em suma, se a nova orientação jurisprudencial seria aplicável retroativamente, isto é, aos litígios surgidos anteriormente à definição da jurisprudência. 

Para essa discussão, o recorrente se utiliza da doutrina da superação prospectiva da jurisprudência (em inglês, denominada de doutrina da prospective overruling) ou, ainda, chamada simplesmente de modulação dos efeitos.

Essa teoria é invocada nas hipóteses em que há alteração da jurisprudência consolidada dos Tribunais e afirma que, quando essa superação é motivada pela mudança social, seria recomendável que os efeitos sejam para o futuro apenas, isto é, prospectivos, a fim de resguardar expectativas legítimas daqueles que confiaram no direito então reconhecido como obsoleto. 

Também nos EUA, a eficácia temporal na superação dos precedentes é tradicionalmente retroativa. Por exemplo, no ano de 1910, afirmou Oliver Wendell Holmes, então membro da Suprema Corte norte-americana, que “as decisões judiciais tem tido efeitos retroativos por aproximadamente mil anos”, mencionando que a superação de precedentes anteriores, tradicionalmente, sempre teve efeitos retroativos. (Suprema Corte dos Estados Unidos, Kuhn v. Fairmont Coal Co., 215 U.S. 349, 1910, p. 372, dissenting opinion). 

Foi essa preocupação que fundamentou a formulação da chamada superação prospectiva (ou prospective overruling) nos EUA, iniciada por Benjamin Cardozo, em 1932, em um importante julgamento da Suprema Corte daquele país (Great Northern Railway v. Sunburst Oil and Refining Company, 288 U.S. 350, 1932). 

Em sede doutrinária, Cardozo já havia defendido essa possibilidade por ocasião de conferências que havia proferido na Universidade de Yale, em 1921, as quais posteriormente foram reunidas em livro intitulado “A natureza do processo” (The Nature of Judicial Process). 

Assim, quando nos EUA, essa doutrina é aplicada, embora julgando um litígio de acordo com um precedente aplicável, a Corte proclama que nas hipóteses futuras modificará seu entendimento e não mais observará o precedente até então vinculante, com o objetivo de não desiludir a confiança de pelo menos uma das partes que confiou na manutenção dos precedentes até então observados. 

No primeiro precedente mencionado acima, a Suprema Corte Americana fixou os seguintes critérios para a modulação de efeitos: (i) se a aplicação retroativa serve ou não ao objetivo que deverá ser alcançado com o novo entendimento; (ii) a existência de confiança dos jurisdicionados no antigo entendimento, e (iii) os efeitos na administração da justiça pela aplicação retroativa do novo entendimento. 

Ressalte-se que o instituto da superação prospectiva não teve grande aceitação nas outras jurisdições de common law, tendo sido rejeitada na Austrália e na Inglaterra (PEIXOTO, Ravi. A superação prospectiva de precedentes: da origem norte-americana ao novo CPC. In: RBDPro. Belo Horizonte, ano 27, n. 105, p. 271-308, jan./mar. 2019). 

Assim, pode-se resumir que a teoria da superação prospectiva tem a finalidade de proteger a confiança dos jurisdicionados nas orientações exaradas por esta Corte. 

3. Da segurança jurídica sob a ótica jurisdicional 

No Brasil, por muito tempo, aplicou-se de forma praticamente absoluta a eficácia retroativa das decisões de inconstitucionalidade. O tema da retroatividade ou não da superação de precedentes simplesmente não era discutido. 

Contudo, os problemas com esse entendimento clássico começaram a surgir principalmente na seara da jurisdição constitucional, pois, em alguns julgados, a produção de efeitos retroativos seria simplesmente impossível. 

Assim, começaram a surgir situações concretas que passaram a gerar dúvidas quanto ao dogma da eficácia ex tunc do reconhecimento da inconstitucionalidade em decisões judiciais. 

No direito positivo, os primeiros textos normativos a tratarem da questão foram o art. 27 da Lei nº 9.868, de 1999, e o art. 12 da Lei nº 9.882, de 1999, voltados exclusivamente para o controle concentrado. Algum tempo depois, com a introdução da súmula vinculante, o art. 4º da Lei nº 11.417, de 2006, também tratou dessa possibilidade nesse novo instituto. 

No direito processual civil, o CPC/2015 tem como uma de suas grandes novidades a previsão de precedentes obrigatórios. A partir da valorização dos precedentes, uma série de técnicas precisam ser aprimoradas por todos os operadores do direito e uma delas, fortemente relacionada com a segurança jurídica, foi prevista no art. 927, §3º, que é a superação prospectiva de precedentes. 

De fato, o novo CPC se funda em princípios de equilíbrio, instituindo parâmetros à atividade dos juízes e Tribunais, pautados pela previsibilidade de suas manifestações. Trata-se de aproximação ao sistema da common law, ou direito costumeiro, regido pelo princípio do stare decisis, no qual o precedente, por ser a mais importante fonte do Direito, deve ser respeitado nos casos supervenientes. 

Nossa ordem jurídica – que é fundada no sistema da civil law, baseado no direito escrito e no qual os Tribunais seriam, grosso modo, aplicadores do direito objetivo legislado – se flexibilizou, portanto, para se adaptar às exigências de um sistema também baseado em precedentes de observância obrigatória, regido sobretudo, pela estabilidade. 

O propósito maior é garantir a isonomia de ordem material – a partir da qual questões semelhantes devem receber respostas equivalentes, na medida de suas desigualdades – e a proteção da confiança e da expectativa legítima do jurisdicionado, fornecendo-lhe um modelo seguro de conduta de modo a tornar previsíveis as consequências de seus atos. 

4. Da força obrigatória e vinculante dos julgados 

Ainda que se tenha estabelecido o primado da segurança jurídica e o da estabilidade, não é qualquer julgado – assim como no sistema da common law e na teoria do stare decisis – que ostenta caráter vinculante para o julgador sucessivo (precedente), devendo ser averiguada sua força (autorithy), que pode ser obrigatória ou meramente persuasiva (RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 66-67). 

De fato, mesmo que uma determinada decisão seja repetida, de forma uniforme e constante – qualificando-se, assim, como jurisprudência, em sentido formal – seu efeito, em regra, será meramente persuasivo em relação aos demais órgãos julgadores, uma vez não ostentarem a característica da imperatividade e consistirem somente em indícios de uma solução razoável e socialmente adequada. 

A prevalência da segurança jurídica e da estabilidade da jurisprudência impõe certos limites à superação de orientação jurisprudencial consolidada – isto é, a fixação de uma nova tese vinculante acerca de determinada questão, em substituição a anterior. Isso porque o dever imposto aos Tribunais pelo art. 926 do CPC/15 relaciona-se a elementos estruturantes do sistema de precedentes, devendo a modificação de sentido interpretativo preservar a confiança que emana desse sistema sobre os jurisdicionados e o interesse social a ela imanente. 

É com fundamento na confiança legítima e no interesse social que os arts. 927, § 3º, do CPC/15 prevê a possibilidade de modulação dos efeitos da decisão ou a previsão de regime de transição para o cumprimento da nova tese jurídica. 

5. Da modulação de efeitos 

A jurisprudência da Segunda Seção pontua, em relação à modulação de efeitos, que “existindo interesse social e sendo a segurança jurídica necessária, as Cortes Superiores [...] podem fazer uso de tal técnica tanto quando houver a superação de precedente" (REsp 1312736/RS, Segunda Seção, DJe 16/08/2018). 

A fim de se aferir a necessidade de modulação de efeitos, a doutrina destaca que não é qualquer confiança que merece tutela na superação de um entendimento jurisprudencial, mas sim somente a confiança “'justificada', ou seja, confiança qualificada por critérios que façam ver que o precedente racionalmente merecia a credibilidade à época em que os fatos se passaram” (MARINONI, Luis Guilherme. In: WANBIER, Tereza Arruda Alvim (et. al.). Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, pp. 2.171-2.172). 

Se for verificada a existência de jurisprudência qualificada pela confiança criada nos jurisdicionados, a modulação dos efeitos da alteração de entendimento somente deve ser permitida se atender ao interesse social, o que é averiguado pela ponderação entre os princípios fundamentais afetados e aos efeitos que podem decorrer da adoção imediata da orientação mais recente. 

A modulação de efeitos deve, portanto, ser utilizada com parcimônia, de forma excepcional e em hipóteses específicas, em que o entendimento superado tiver sido efetivamente capaz de gerar uma expectativa legítima de atuação nos jurisdicionados e, ainda, o exigir o interesse social envolvido.

15 de abril de 2021

Filigrana Doutrinária: Superação de precedentes e modulação de efeitos - Ravi Peixoto

No caso da superação de precedentes, a quebra da estabilidade é gerada pelo próprio Poder Judiciário, ao modificar, de forma surpreendente, um posicionamento consolidado, podendo surgir, nessa situação, a necessidade da utilização da modulação de efeitos. Tanto a segurança jurídica como a confiança legítima exigem uma tutela adequada, quando violadas e, uma de suas formas, estudada nesse trabalho, é a modulação de efeitos, sendo um dever do referido órgão jurisdicional ao menos conhecer da matéria. (grifou-se) 

PEIXOTO, Ravi. In: FLUMIGNAN, Silvano José Gomes; KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino; PEIXOTO, Marco Aurélio Ventura (Coords.). Enunciados das Jornadas de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal - CJF: organizados por assunto, anotados e comentados. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 398-399.