Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-1017-stf.pdf
DIREITO EMPRESARIAL - PATENTE
É inconstitucional o parágrafo único do art. 40 da Lei nº 9.279/96
É inconstitucional o parágrafo único do art. 40 da Lei nº 9.279/96:
Parágrafo único. O prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de
invenção e a 7 (sete) anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão,
ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido,
por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior.
Essa norma contraria a segurança jurídica, a temporalidade da patente, a função social da
propriedade intelectual, a duração razoável do processo, a eficiência da administração
pública, a livre concorrência e a defesa do consumidor e o direito à saúde.
STF. Plenário. ADI 5529/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 12/5/2021 (Info 1017).
INPI
O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da
Economia, sendo responsável, no Brasil, pela concessão e garantia dos direitos de propriedade intelectual
para a indústria.
Patente
Patente é um título de propriedade temporária concedido pelo INPI para a pessoa que inventou um novo
produto, um novo processo ou para quem fez aperfeiçoamentos destinados à aplicação industrial.
A patente, concedida ao autor de uma invenção ou de um modelo de utilidade, é o direito de, durante
determinado tempo, só ele explorar economicamente essa invenção ou modelo de utilidade. Veja o que
diz o art. 6º Lei nº 9.279/96:
Art. 6º Ao autor de invenção ou modelo de utilidade será assegurado o direito de obter a patente
que lhe garanta a propriedade, nas condições estabelecidas nesta Lei.
Direitos
A patente confere os seguintes direitos ao seu titular:
Art. 42. A patente confere ao seu titular o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento,
de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar com estes propósitos:
I - produto objeto de patente;
II - processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado.
§ 1º Ao titular da patente é assegurado ainda o direito de impedir que terceiros contribuam para
que outros pratiquem os atos referidos neste artigo.
§ 2º Ocorrerá violação de direito da patente de processo, a que se refere o inciso II, quando o
possuidor ou proprietário não comprovar, mediante determinação judicial específica, que o seu
produto foi obtido por processo de fabricação diverso daquele protegido pela patente.
Depósito do pedido junto ao INPI
O procedimento para obtenção da patente tem início com o depósito do pedido no INPI, que deverá ser
instruído com uma série de documentos e informações.
Em regra, a patente deverá ser requerida junto ao INPI pelo próprio autor, em nome próprio.
Poderá também ser requerida pelos herdeiros ou sucessores do autor, pelo cessionário ou por aquele a
quem a lei ou o contrato de trabalho ou de prestação de serviços determinar que pertença a titularidade
(art. 6º, § 2º, da Lei nº 9.279/96).
Proteção conferida pela patente retroage
É importante destacar que, expedida a carta-patente, surge para o titular o direito de obter indenização
pela exploração indevida do objeto patenteado, inclusive em relação ao período entre a publicação do
pedido e a concessão da patente, como preceitua o art. 44 da Lei:
Art. 44. Ao titular da patente é assegurado o direito de obter indenização pela exploração indevida
de seu objeto, inclusive em relação à exploração ocorrida entre a data da publicação do pedido e
a da concessão da patente.
Assim sendo, uma vez concedida a patente, a proteção por ela conferida retroage a momento inicial do
processo, o que funciona como uma contenção (um desestímulo) aos concorrentes que cogitem explorar
indevidamente o objeto protegido durante a tramitação do pedido.
A proteção patentária, portanto, não se inicia apenas com a decisão final de deferimento do pedido, sendo
interessante notar que a lei considera o requerente como presumivelmente legitimado a obter a patente,
salvo prova em contrário, conforme o art. 6º, § 1º, da LPI.
Prazo de vigência das patentes
Em regra, a vigência da patente observará os prazos fixos de 20 anos para invenções e de 15 anos para
modelos de utilidade, contados da data de depósito, conforme o caput do art. 40 da Lei:
Art. 40. A patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de modelo de utilidade
pelo prazo 15 (quinze) anos contados da data de depósito.
A Lei de Propriedade Intelectual prevê, contudo, uma regra adicional no parágrafo único do mesmo
dispositivo: a contar da data de concessão da patente, o prazo de vigência não será inferior a 10 anos para
a patente de invenção e a 7 anos para a patente de modelo de utilidade:
Art. 40 (...)
Parágrafo único. O prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção
e a 7 (sete) anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão, ressalvada
a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência
judicial comprovada ou por motivo de força maior.
Assim, por exemplo, se o INPI demorar 10 anos para deferir um requerimento de patente de invenção,
essa patente vigerá por mais 10 anos, de modo que, ao final do período de vigência, terão transcorrido 20
anos desde o depósito. Repare que, neste caso, o prazo do caput foi respeitado.
Por outro lado, se a autarquia demorar 15 anos para deferir o pedido, estando garantido que a patente
vigerá por mais 10 anos desde a concessão (regra do parágrafo único), ao final do período de vigência
terão transcorrido 25 anos desde a data do depósito. Repare que, neste segundo caso, o titular terá gozado
dos privilégios da patente por mais tempo do que o previsto no caput do art. 40.
Problema do parágrafo único: gera um prazo variável de proteção
Vê-se, portanto, que o parágrafo único do art. 40 estabelece um prazo variável de proteção, pois esse
depende do tempo de tramitação de cada processo administrativo.
Ademais, caso o INPI demore mais de 10 anos, no caso da invenção, ou mais de 8 anos, no caso do modelo
de utilidade, para proferir uma decisão final, o período total do privilégio ultrapassará o tempo de vigência
previsto no caput do art. 40.
E depois que terminar o prazo da patente?
Findo o prazo de vigência da patente, a proteção extingue-se e seu objeto passa a ser considerado de
domínio público, conforme o art. 78, I e parágrafo único, da Lei:
Art. 78. A patente extingue-se:
I - pela expiração do prazo de vigência;
(...)
Parágrafo único. Extinta a patente, o seu objeto cai em domínio público.
ADI
O Procurador-Geral da República ajuizou ação direta de inconstitucionalidade contra o parágrafo único do
art. 40 da Lei nº 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial).
O PGR alegou que o parágrafo único, ao impor esse prazo mínimo de vigência contado depois da
concessão, acaba por tornar o prazo de proteção indeterminado, já que não se sabe quanto tempo
demorará para o INPI conceder.
Em caso de atraso na análise dos pedidos por muitos anos (o que acontece em alguns casos), a patente
ultrapassaria os prazos máximos previstos no caput do art. 40.
Para o autor, essa indeterminação do prazo viola o art. 5º, XXIX, da CF/88, que afirma que o privilégio de
utilização dos inventos deve ser temporário:
Art. 5º (...) XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização,
bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e
a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e
econômico do País;
O STF concordou com os argumentos do PGR?
SIM. O STF, por maioria, julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do parágrafo
único do art. 40 da Lei nº 9.279/96. Vencidos os ministros Roberto Barroso e Luiz Fux.
A norma impugnada contraria a segurança jurídica, a temporalidade da patente, a função social da
propriedade intelectual, a duração razoável do processo, a eficiência da administração pública, a livre
concorrência e a defesa do consumidor e o direito à saúde.
Segurança jurídica
Como o prazo do parágrafo único só começa a ser contado a partir da data de concessão da patente e
como não se sabe quando o INPI terminará a análise do pedido, a conclusão que se chega é a de que o
parágrafo único do art. 40 traz a previsão de um prazo indeterminado.
Ocorre que isso gera insegurança jurídica e ofende o próprio Estado Democrático de Direito.
A previsibilidade quanto ao prazo de vigência das patentes é essencial para que os agentes de mercado
(depositantes, potenciais concorrentes e investidores) possam fazer escolhas racionais.
A ausência de regras claras dá margem ao arbítrio e à utilização oportunista e anti-isonômica das regras
do jogo, tais como as estratégias utilizadas pelos depositantes para prolongar o período de exploração
exclusiva dos produtos.
Temporalidade da patente
Para além de representar ofensa à segurança jurídica, a norma questionada subverte a própria essência
do art. 5º, XXIX, da Constituição Federal, que determina que seja assegurada por lei a proteção à
propriedade industrial mediante um privilégio temporário, com observância do interesse social e do
desenvolvimento tecnológico e econômico do País.
Conforme já demonstrado, o parágrafo único do art. 40 da Lei de Propriedade Industrial (LPI) não observa
o quesito da temporariedade, pois, ao se vincular a vigência da patente à data de sua concessão, ou seja,
indiretamente, ao tempo de tramitação do respectivo processo no INPI, se indetermina o prazo de vigência
do benefício, o que concorre para a extrapolação dos prazos previstos no caput do art. 40 e para a falta
de objetividade e previsibilidade de todo o processo.
Função social da propriedade
A norma questionada também enseja violação da função social da propriedade intelectual:
Art. 5º (...)
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados
os seguintes princípios:
(...)
III - função social da propriedade;
Bens incorpóreos não são exceção à imposição constitucional de observância à função social da
propriedade e, como tais, demandam a harmonização de interesses individuais e coletivos. A temporariedade da patente permite a harmonização da proteção à inventividade com o cumprimento
da função social da propriedade, pois, apesar de resguardar os direitos dos autores de inventos ou
modelos de utilidade por um período determinado, incentivando e remunerando os investimentos em
inovação, garante ao restante da indústria e à sociedade a possibilidade de se apropriar dos benefícios
proporcionados pelos produtos da criatividade, a partir da extinção dos privilégios de sua exploração.
Se por um lado a CF/88 concede o privilégio da proteção à propriedade industrial, por outro, garante que,
a partir de determinado prazo, os demais agentes da indústria venham a se igualar ao titular da patente
na possibilidade de exploração do objeto protegido, liberando-o à lógica concorrencial do mercado.
O prolongamento arbitrário do privilégio vem em prejuízo do mercado como um todo, pois proporciona
justamente o que a Constituição buscou reprimir, ou seja, a dominação dos mercados, a eliminação da
concorrência e o aumento arbitrário dos lucros, aprofundando a desigualdade entre os agentes
econômicos e transformando o que era justificável e razoável em inconstitucional.
Livre concorrência e a defesa do consumidor
A falta de justa limitação temporal das patentes evidencia contrariedade à livre concorrência e à defesa
do consumidor, pois o adiamento da entrada da concorrência no mercado possui sérios impactos sobre
os preços dos produtos e, consequentemente, sobre o acesso dos consumidores a tais produtos.
A CF/88, ao promover uma ordem econômica em que haja competição entre os agentes do mercado de
forma igualitária, busca garantir, também, a liberdade de escolha dos consumidores, cujo exercício
depende da multiplicidade de opções.
Duração razoável do processo e eficiência da administração pública
Observa-se, ademais, que a prorrogação do prazo de vigência da patente prevista no parágrafo único do
art. 40 da LPI, ao tempo em que não contribui para a solução do atraso crônico dos processos submetidos
ao INPI, acaba por induzir o descumprimento dos prazos previstos no caput do dispositivo.
A norma ameniza as consequências da mora administrativa e prolonga o período de privilégio usufruído
pelos depositantes, em prejuízo dos demais atores do mercado, além da Administração Pública,
incorrendo, assim, em direta afronta aos princípios da razoável duração do processo e da eficiência
administrativa.
Direito à saúde
Por fim, é necessário mencionar que o parágrafo único gera um prolongamento excessivo de patentes
relacionadas com a indústria farmacêutica, o que faz com que haja uma violação ao direito à saúde.
O domínio comercial proporcionado pela patente por períodos muito longos tem impacto no acesso da
população a serviços públicos de saúde, uma vez que onera o sistema ao eliminar a concorrência e impor
a aquisição de itens farmacêuticos por preço estipulado unilateralmente pelo titular do direito, acrescido
do pagamento de royalties sobre os itens patenteados que o Poder Público adquire e distribui.
Consequentemente, a extensão do prazo de vigência das patentes afeta diretamente as políticas públicas
de saúde do País e obsta o acesso dos cidadãos a medicamentos, ações e serviços de saúde, dando
concretude aos prejuízos causados não apenas a concorrentes e consumidores, mas principalmente
àqueles que dependem do SUS para garantir sua integridade física e sua sobrevivência.
Em suma:
É inconstitucional o parágrafo único do art. 40 da Lei nº 9.279/96, segundo o qual os prazos de vigência
de patentes e de modelos de utilidade podem ser prorrogados na hipótese de o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial (INPI) estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência
judicial comprovada ou por motivo de força maior.
STF. Plenário. ADI 5529/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 12/5/2021 (Info 1017).
Modulação dos efeitos
O Plenário, por maioria, modulou os efeitos da decisão de declaração de inconstitucionalidade, nos
seguintes termos:
Em regra, a decisão proferida nesta ADI 5529 terá eficácia ex nunc.
Assim, os efeitos da decisão de declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 40 da LPI
são ex nunc, contados a partir da publicação da ata de julgamento. Logo, ficam mantidas as extensões de
prazo concedidas com base no art. 40, parágrafo único, mantendo, assim, a validade das patentes já
concedidas e ainda vigentes em decorrência do aludido preceito.
Exceções. Existem duas situações nas quais a decisão produzirá efeitos ex tunc:
a) em relação às ações judiciais propostas até o dia 7 de abril de 2021, inclusive (data da concessão parcial
da medida cautelar no presente processo); e
b) as patentes que tenham sido concedidas com extensão de prazo relacionadas a produtos e processos
farmacêuticos e a equipamentos e/ou materiais de uso em saúde.
Em ambas as situações, opera-se o efeito ex tunc, o que resultará na perda das extensões de prazo
concedidas com base no parágrafo único do art. 40 da LPI, respeitado o prazo de vigência da patente
estabelecido no caput do art. 40 da Lei nº 9.279/96 e resguardados eventuais efeitos concretos já
produzidos em decorrência da extensão de prazo das referidas patentes.
DOD PLUS – APROFUNDANDO
Para quem se interessa pelo tema, recomendo ler o excelente voto proferido pelo Ministro Relator e
também o parecer do Professor Eros Grau que consta no processo.
O Professor Eros Grau sintetiza os desdobramentos do parágrafo único do art. 40:
“(i) prolonga, injustificadamente, o privilégio de exploração exclusiva de produtos e processos industriais,
em prejuízo de quantos possam concorrer como titulares da patente e, ainda, dos consumidores,
beneficiários da livre concorrência nos mercados;
(ii) impede que virtuais concorrentes do depositante do pedido de patente tenham conhecimento da data
a partir da qual poderão explorar economicamente os produtos ou processos objeto da patente, o que
compromete calculabilidade e previsibilidade indispensáveis à atuação dos agentes econômicos no
mercado, vale dizer, certeza e segurança jurídica; e
(iii) permite, viabiliza, incita comportamentos adversos à livre concorrência da parte de depositantes de
pedidos de patente, comportamentos voltados, tanto quanto isso se torne possível, ao retardamento do
processo de exame do pedido de patente conduzido pelo Poder Executivo; quanto mais lento for esse
exame, mais extenso será o privilégio de utilização exclusiva dos produtos e processos patenteados”.