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30 de abril de 2021

Direito de ação - naturezas material e processual - REsp. 1.736.091, Rel. Min. Nancy Andrighi, 16/05/2019

REsp. 1.736.091, Rel. Min. Nancy Andrighi, 16/05/2019

Direito de ação e sua relação com a pretensão 

Uma vez exigível a prestação, dando origem à pretensão, cabe averiguar sua relação com o direito de ação. No ponto, a doutrina vislumbra a existência de um direito de ação de cunho material, o qual surge no momento em que a pretensão é exigida pelo próprio sujeito ativo ao passivo, que se nega a adimpli-la. 

Esse direito de ação de cunho material é, portanto, o agir do próprio titular para a realização do direito em relação ao sujeito passivo e independentemente da vontade do último. Realmente, a ação de direito material pode ser definida como “exercício do próprio direito por ato de seu titular, independentemente de qualquer atividade voluntária do obrigado” (NERY JUNIOR, Nelson. ABBOUD, Georges. Pontes de Miranda e o processo civil: a importância do conceito da pretensão para compreensão dos institutos fundamentais do processo civil. Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, p. 89-107, maio 2014). 

2.4. Do direito de ação, de natureza material e processual 

O campo de atuação do direito de ação de cunho material é, todavia, bastante reduzido em razão da proibição da justiça com as próprias mãos e do monopólio estatal da violência e da força física institucionalizada, característicos do Estado Democrático de Direito. 

Assim, segundo a lição de OVÍDIO BATISTA “pode-se afirmar que [...] ocorreu uma duplicação do direito de ação que pode ser tanto a material (possibilidade de obrigar o sujeito passivo a cumprir/adimplir a pretensão) quanto a processual, que não é dirigida contra o particular obrigado a cumprir a pretensão, mas sim contra o Estado, para que este, por meio do juiz, pratique a ação cuja realização privada, pelo titular do direito, o próprio Estado proibiu” (Apud: NERY JUNIOR, Nelson. ABBOUD, Georges. Pontes de Miranda e o processo civil: a importância do conceito da pretensão para compreensão dos institutos fundamentais do processo civil. Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, p. 89-107, maio 2014, sem destaque no original). 

No Estado Democrático de Direito há, portanto, o desdobramento do direito de ação e a consequente previsão de um direito processual e abstrato de agir, de titularidade de qualquer sujeito e que é dirigido ao Estado, como forma de obtenção da prestação jurisdicional. 

Esse direito de ação processual é, segundo a mais moderna doutrina, abstrato, pois não deriva diretamente da exigibilidade da prestação (pretensão), mas sim da impossibilidade da exigência de quaisquer prestações pela atuação autônoma do sujeito (ação de direito material) e, assim, independe da procedência ou não do pedido deduzido pelo autor, não tendo relação com o mérito da demanda. 

Portanto, se de um lado o direito de ação material dirige-se contra o particular sujeito passivo da relação de direito material, por outro, a ação processual é dirigida em face do Estado, em razão do monopólio da jurisdição, e conduz a que o Estado forneça a prestação jurisdicional e, somente se for cabível, faça o uso da força para tornar efetiva a pretensão de direito material. 

Com efeito, sempre que o Judiciário é provocado e pronuncia-se, ainda que para julgar improcedente a demanda, a ação processual foi exercida, porque se obteve do Judiciário um pronunciamento, ainda que desfavorável. 

Assim, o direito processual de ação: a) é dirigido contra o Estado, e não contra o sujeito passivo da relação de direito material; b) não exige que o sujeito que o exerce seja o efetivo titular do direito subjetivo material; c) não é um poder de obter uma sentença favorável, senão unicamente o direito de obter uma decisão; d) é uma relação e, nisso, distingue-se da pretensão, que é um ato, uma exigência de subordinação. 

2.5. Do direito público subjetivo e abstrato de ação e sua relação com a passagem do tempo 

É preciso, nesse ponto, verificar se o direito público subjetivo e abstrato de ação, de cunho processual, dirigido ao Estado, se submete aos efeitos da passagem do tempo e em quais circunstâncias, sobretudo porque, por ser abstrato, não tem qualquer relação com o direito material deduzido pelo sujeito que movimenta a máquina jurisdicional estatal. 

É oportuna, novamente, a lição de OVÍDIO BATISTA, que, em homenagem à concepção abstrata e ao Estado Democrático de Direito, esclarece que o “direito subjetivo público de ação nasce no exato momento em que é estabelecido o monopólio da jurisdição pelo Estado, ou seja, quando da própria constituição deste; não necessita de norma expressa, por conseguinte, para que reste plenamente caracterizado, já que a vedação à autotutela é pressuposto da própria existência do Estado” (SILVA, Ovídio Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2002, p. 133). 

Segundo essa definição mais moderna, portanto, o direito subjetivo público e processual de ação está relacionado unicamente à ideia de inércia do Poder Judiciário, de forma que o exercício desse direito público processual representa a mera provocação do Judiciário para que saia de sua imobilidade e se manifeste sobre o direito aplicável à relação jurídica deduzida em juízo. 

Ao direito subjetivo público e processual de ação corresponde, via de consequência, uma obrigação do Estado d e manifestar-se sobre o pedido formulado, para, se chegar a examinar o mérito, conforme o caso, deferi-lo ou indeferi-lo, segundo esteja ou não tutelado pelo direito objetivo. 

Assim, a conclusão necessária e inafastável é de que, como não depende da efetiva existência do direito subjetivo de cunho material vindicado por aquele que o exerce, decorrendo do próprio Estado Democrático de Direito, o direito subjetivo público de ação não se submete a passagem do tempo nos moldes estabelecidos para o direito material. 

Sendo uma consequência do próprio Estado Democrático de Direito, o direito público subjetivo e processual de ação deve ser considerado, em si, imprescritível, haja vista ser sempre possível requerer a manifestação do Estado sobre um determinado direito e obter a prestação jurisdicional, mesmo que ausente, por absoluto, o direito material. 

De fato, o direito de obter do Estado uma manifestação jurisdicional é imperecível, de forma que o máximo que pode que ocorrer é a impossibilidade da satisfação de uma determinada pretensão por meio de um específico procedimento processual, ante a passagem do tempo qualificada pela inércia do titular, apta a caracterizar a preclusão, a qual, todavia, por si só, não impossibilita o uso abstrato da específica ação ou procedimento. 

Um dos mais ilustrativos exemplos dessa circunstância é a da obrigação consubstanciada em cheque, cuja prestação pode ser exigida pelos procedimentos específicos da a) execução do art. 47 da Lei 7.357/85, no prazo de 6 (seis) meses contados do término do prazo para apresentação; b) ação de enriquecimento, no prazo de 2 anos do término do prazo para a apresentação; c) por meio de ação monitória (art. 1.102-A do CPC/73 e 700 do CPC/15, no prazo de 5 (cinco) anos (Súmula 503/STJ); ou ainda d) por meio de ação cobrança, de rito ordinário. 

Esse é o entendimento desta 2ª Seção, que vaticina que “prescrita a ação executiva do cheque, assiste ao credor a faculdade de ajuizar a ação cambial por locupletamento ilícito, no prazo de 2 (dois) anos (art. 61 da Lei 7.357/85); ação de cobrança fundada na relação causal (art. 62 do mesmo diploma legal) e, ainda, ação monitória, no prazo de 5 (cinco) anos, nos termos da Súmula 503/STJ” (REsp 1677772/RJ, Terceira Turma, DJe 20/11/2017). No mesmo sentido: REsp 926.312/SP, Quarta Turma, DJe 17/10/2011. 

A cobrança da dívida inscrita no cheque ilustra que, de fato, o direito abstrato de ação e a pretensão não se confundem, porquanto a prestação continua a ser exigível, a despeito da perda do direito de utilização de um específico procedimento e, de outro lado, o direito de requerer a prestação jurisdicional (de ação) não está vinculado ao direito material vindicado (dívida inscrita em cheque), que pode ser exercido por meio de diversas ações submetidas a diversos ritos. 

25 de abril de 2021

Filigrana Doutrinária: Direito de Ação e situações jurídicas - Fredie Didier

Instaurado o processo (após o exercício do direito de ação), surgem novas situações jurídicas (situações jurídicas processuais). Algumas dessas situações jurídicas compõem o conteúdo do direito de ação. O direito à tutela jurisdicional, o direito a um procedimento adequado, o direito a técnicas processuais adequadas para efetivar o direito afirmado, o direito à prova e o direito de recorrer são corolários do exercício do direito de ação. Todos são situações jurídicas que compõem o conteúdo eficacial do direito de ação. 

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Vol. 1. 17ª edição. Bahia: Jus Podivm, 2015, p. 285.

24 de abril de 2021

AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. SUJEIÇÃO À PASSAGEM DO TEMPO. APURAÇÃO CONCEITUAL. DIREITO SUBJETIVO. PRETENSÃO. DIREITO ABSTRATO DE AÇÃO. TEORIA DA ACTIO NATA. VIÉS SUBJETIVO. ILÍCITO EXTRACONTRATUAL. EFETIVA POSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO DA PRETENSÃO. CONHECIMENTO DOS ELEMENTOS DA LESÃO E DO DANO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.736.091 - PE (2017/0304773-5) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO INDICAÇÃO. SÚMULA 284/STF. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. SUJEIÇÃO À PASSAGEM DO TEMPO. APURAÇÃO CONCEITUAL. DIREITO SUBJETIVO. PRETENSÃO. DIREITO ABSTRATO DE AÇÃO. TEORIA DA ACTIO NATA. VIÉS SUBJETIVO. ILÍCITO EXTRACONTRATUAL. EFETIVA POSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO DA PRETENSÃO. CONHECIMENTO DOS ELEMENTOS DA LESÃO E DO DANO. 

1. Ação coletiva de consumo por meio da qual questiona a venda de suplemento alimentar sem registro na ANVISA e a prática de propaganda enganosa, em virtude de o produto ser apresentado ao público consumidor como se possuísse propriedades medicinais. 

2. O propósito recursal consiste em determinar se: a) ocorreu negativa de prestação jurisdicional; b) existe prazo para o ajuizamento de ação coletiva de consumo e c) se, na hipótese concreta, o pedido de instauração de inquérito civil representou marco apto a autorizar o início do fluxo de lapso temporal para o exercício do direito processual ou do direito material. 

3. Recurso especial interposto em: 09/08/2016; conclusão ao Gabinete em: 11/01/2018; aplicação do CPC/15. 

4. A ausência de expressa indicação de obscuridade, omissão ou contradição nas razões recursais enseja o não conhecimento do recurso especial. 

5. O direito subjetivo é a extensão prática, concreta e de direito material da previsão genérica do direito objetivo que define a possibilidade de um indivíduo exigir de outro um certo agir, pressupondo, pois, a intersubjetividade. 

7. A pretensão, que também pertence ao direito material, está ligada intimamente à responsabilidade (haftung), se relacionando à exigibilidade da prestação. 

8. O direito subjetivo nasce com o estabelecimento da relação jurídica, com a previsão com base no direito objetivo do nascimento dos feixes obrigacionais, ao passo que a pretensão somente surge no momento em que a prestação, decorrente do direito subjetivo, passa a ser exigível, com sua violação. 

9. No Estado Democrático de Direito, em virtude do monopólio estatal da violência, há o desdobramento do direito de ação, e a consequente a previsão de um direito processual e abstrato de agir de titularidade de qualquer sujeito e que é dirigido ao Estado, para a obtenção da prestação jurisdicional. 

10. O direito público subjetivo e processual de ação deve ser considerado, em si, imprescritível, haja vista ser sempre possível requerer a manifestação do Estado sobre um determinado direito e obter a prestação jurisdicional, mesmo que ausente, por absoluto, o direito material. 

11. O máximo que pode que ocorrer é a impossibilidade da satisfação de uma determinada pretensão por meio de um específico procedimento processual, ante a passagem do tempo qualificada pela inércia do titular, caracterizadora da preclusão, o que, todavia, não impossibilita, em absoluto, o uso da específica ação ou procedimento. 

12. A ação do tempo somada à inércia do titular tem, portanto, em regra, relação unicamente com a pretensão de direito material. 

13. Pelo viés objetivo da teoria da actio nata, a prescrição começa a correr com a violação do direito, assim que a prestação se tornar exigível. 

14. Por outro lado, segundo a vertente subjetiva da actio nata, a contagem do prazo prescricional exige a efetiva inércia do titular do direito, a qual somente se verifica diante da inexistência de óbices ao exercício da pretensão e a partir do momento em que o titular tem ciência inequívoca do dano, de sua extensão, e da autoria da lesão. 

15. Segundo a jurisprudência desta Corte, a aplicação da actio nata sob a vertente subjetiva é excepcional, somente cabível nos ilícitos extracontratuais. Precedentes. 

16. Embora o inquérito civil tenha por objetivo apurar indícios para dar sustentação a uma eventual ação coletiva, a fim de que não se ingresse em demanda por denúncia infundada, sua instauração não é obrigatória, podendo o autor coletivo pela presença de elementos suficientes para o imediato exercício do direito de ação. Precedentes. 

16. Na hipótese concreta, o Tribunal de origem concluiu que somente ao final do inquérito civil o Ministério Público se convenceu da natureza enganosa da publicidade. Assim, rever esse posicionamento demandaria o reexame de fatos e provas, vedado pela Súmula 7/STJ. 

17. Ademais, como se trata de ilícito extracontratual, o termo inicial do prazo prescricional somente é contabilizado a partir do efetivo conhecimento de todos os elementos da lesão, por aplicação da teoria da actio nata sob viés subjetivo, da forma como concluiu o Tribunal de origem. 

18. Recurso especial parcialmente conhecido e, no ponto, não provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 14 de maio de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI: Cuida-se de recurso especial interposto por SUPLAN LABORATÓRIO DE SUPLEMENTOS ALIMENTARES LTDA, com fundamento nas alíneas "a" e “c” do permissivo constitucional. 

Ação: coletiva de consumo, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO em face da recorrente, por meio da qual questiona a venda de suplemento alimentar sem registro na ANVISA e a prática de propaganda enganosa, em virtude de o produto ser apresentado ao público consumidor como se possuísse propriedades medicinais. 

Sentença: julgou procedentes os pedidos, para condenar a recorrente a: a) não mais ofertar suplementos alimentares sem a autorização da ANVISA, sob pena de multa diária; b) não mais realizar publicidades enganosas ou abusivas, ainda que por omissão, também sob pena de multa diária; c) compensar danos morais coletivos, fixados no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais); e d) reparar os danos morais e materiais experimentados individualmente pelos consumidores, conforme apuração em liquidação de sentença. 

Acórdão: por maioria, rejeitou a alegação de prescrição da ação coletiva de consumo e negou provimento ao agravo retido e à apelação interpostos pela recorrente. 

Embargos de declaração: opostos pela recorrente, foram rejeitados. 

Recurso especial: aponta violação dos arts. 197 e 202 do CC/02; 7º, 27 e 90 do CDC e 21 da Lei 7.347/65, além de divergência jurisprudencial. 

Aduz que, pelo princípio da actio nata, o termo inicial do prazo prescricional é a data da efetiva lesão ou ameaça ao direito tutelado, o qual, na hipótese concreta, ocorreu em 08/07/2003, ocasião em que foi requerida a abertura da investigação junto ao Ministério Público Estadual e na qual já o Ministério Público já possuía todas as informações necessárias ao ajuizamento de ação civil pública. 

Afirma, que o sujeito passivo não pode ser submetido à ação judicial por prazo indefinido e que a abertura de inquérito civil público não tem o condão de obstar o início do curso do prazo prescricional. 

Sustenta que, como a denúncia do fato danoso e da autoria ocorreram em 2003 e a ação coletiva somente foi ajuizada em 2009, mais de cinco anos após a configuração da lesão, deveria ser reconhecida a prescrição da ação coletiva. 

Decisão de admissibilidade: o TJ/PE inadmitiu o recurso especial. 

Agravo: interposto pelo recorrente, determinei sua reautuação como recurso especial. 

Parecer do Ministério Público: opina pelo não conhecimento do recurso especial. 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): O propósito recursal consiste em determinar se: a) ocorreu negativa de prestação jurisdicional; b) existe prazo para o ajuizamento de ação coletiva de consumo e c) na hipótese concreta, o pedido de instauração de inquérito civil representou marco apto a autorizar o início do fluxo de lapso temporal para o exercício do direito processual ou do direito material. 

Recurso especial interposto em: 09/08/2016. 

Conclusão ao Gabinete em: 11/01/2018. 

Aplicação do CPC/15 

1. DA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – DEFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL 

No presente recurso especial, a recorrente não cuidou de evidenciar, de forma clara, quais teriam sido as matérias omitidas pelo Tribunal de origem no exame de seus embargos de declaração, limitando-se a defender o direito de ter todos seus argumentos examinados, sob pena de ser reconhecido seu prequestionamento. 

Nessas circunstâncias, em que ausente expressa indicação de obscuridade, omissão ou contradição nas razões recursais, o recurso especial não pode ser conhecido. Aplica-se, neste caso, a Súmula 284/STF. 

2. DELIMITAÇÃO CONCEITUAL 

A controvérsia devolvida à apreciação desta e. Corte não pode ser enfrentada sem antes se proceder a uma apuração conceitual dos institutos relacionados ao transcurso do tempo e seus efeitos sobre o exercício de direitos. 

De fato, antes de se examinar a ocorrência, na presente hipótese, da extinção do direito de ajuizar ação coletiva de consumo pelo efeito da passagem do tempo, é necessário conceituar e distinguir os institutos: i) do direito subjetivo, ii) da pretensão; e iii) do direito de ação, muitas vezes confundidos na doutrina e na atuação jurisdicional. 

2.1. Do direito subjetivo 

O conceito de direito subjetivo, chave para entendimento do fenômeno jurídico, já esteve sujeito a diversas e variadas concepções e teorias. 

Apesar disso, em termos gerais, a adoção de referido conceito pela dogmática jurídica é justificada pela necessidade de representação da interdependência entre a normatividade positiva, prevista nos diplomas legais, e os limites das liberdades individuais, o que ainda hoje é realizado pela adoção da dicotomia “direito objetivo” X “direito subjetivo”. 

Realmente, por força dessa relação entre normatividade e liberdade, considera-se que “o direito subjetivo nada mais é do que essa garantia conferida pelo direito objetivo, a qual se invoca quando a liberdade é violada”, de modo que o direito subjetivo “corresponde a uma situação favorável na qual se encontra determinada pessoa em relação a outra, por força da incidência do direito objetivo sobre a relação entre eles mantida” (FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão, Dominação. 4ª ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 148). 

Nesse sentido, portanto, o direito subjetivo é a extensão prática, concreta e material da previsão genérica do direito objetivo que define a possibilidade de um indivíduo exigir de outro um certo agir. 

A intersubjetividade é, pois, elemento essencial da definição do direito subjetivo, haja vista a doutrina, no esteio da lição de TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR, inscrever o instituto na “situação jurídica [...] da perspectiva de um sujeito a quem ela favorece”, e que “geralmente [...] surge em face de normas que restringem o comportamento dos outros” (FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão, Dominação. 4ª ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 150). 

Destaca-se, assim, que “o uso do conceito [direito subjetivo] pressupõe a possibilidade de fazer valer sua situação em face de outros, ou seja, implica 'faculdade' ou poder' e ainda a afirmação autônoma do indivíduo” (Idem, ibidem, p. 151, sem destaque no original). 

O direito subjetivo não deve, no entanto, ser confundido nem com a pretensão nem com o direito de ação. 

De fato, “o direito subjetivo é conferido pelo ordenamento objetivo e é pré-processual, isso porque o direito subjetivo surge a partir do momento em que se estabelecem as relações de direito material” (Nery Junior, Nelson. Abboud, Georges. Pontes de Miranda e o processo civil: a importância do conceito da pretensão para compreensão dos institutos fundamentais do processo civil. Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, p. 89-107, maio 2014). 

2.2. Da pretensão 

Como demonstrado, o direito subjetivo tem como característica essencial a intersubjetividade, razão pela qual seu exercício exige um determinado poder de sujeição de um indivíduo em relação a outro. 

Entre esses poderes de sujeição, o que interessa para fins de prescrição é a pretensão, que representa a possibilidade juridicamente reconhecida de se exigir a satisfação do direito subjetivo em virtude de sua violação, estando, pois, diretamente referida à exigibilidade de uma prestação. 

De fato, como definiu o mestre PONTES DE MIRANDA, a pretensão é “a posição subjetiva de poder exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955. p. 451. Vol. V, § 615). 

O professor ÁLVARO VILAÇA DE AZEVEDO ressalta, quanto ao ponto, a distinção germânica entre débito (Schuld) e responsabilidade (Haftung), estando a primeira relacionada ao direito subjetivo obrigacional, e a segunda à violação desse direito. 

Esclarece o ilustre professor essa mencionada distinção, asseverando que “se a relação jurídica originária não for cumprida, ou seja, se o devedor, por ato espontâneo, não efetivar a prestação jurídica a que se obrigou junto a seu credor, surge, em razão desse descumprimento, desse inadimplemento obrigacional, a responsabilidade”, a qual é “uma relação jurídica derivada do inadimplemento da obrigação jurídica originária (obrigação)” (AZEVEDO, Álvaro Vilaça. Teoria Geral das Obrigações. 5ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 39). 

Assim, a pretensão está ligada intimamente à responsabilidade (haftung), de modo que “não se pode cogitar de pretensão se não estiver presente a exigibilidade” (Silva, Ovídio Baptista da. Direito subjetivo, pretensão de direito material e ação. Ajuris. n. 29. ano X. p. 102. Porto Alegre: Ajuris, nov. 1983). 

A distinção entre o direito subjetivo e a pretensão é, portanto, a de que o primeiro nasce com o estabelecimento da relação jurídica, com a previsão com base no direito objetivo do nascimento dos feixes obrigacionais, ao passo que a segunda somente surge no momento em que a prestação, decorrente do direito subjetivo, passa a ser exigível, com sua violação. 

2.3. Direito de ação e sua relação com a pretensão 

Uma vez exigível a prestação, dando origem à pretensão, cabe averiguar sua relação com o direito de ação. No ponto, a doutrina vislumbra a existência de um direito de ação de cunho material, o qual surge no momento em que a pretensão é exigida pelo próprio sujeito ativo ao passivo, que se nega a adimpli-la. 

Esse direito de ação de cunho material é, portanto, o agir do próprio titular para a realização do direito em relação ao sujeito passivo e independentemente da vontade do último. Realmente, a ação de direito material pode ser definida como “exercício do próprio direito por ato de seu titular, independentemente de qualquer atividade voluntária do obrigado” (NERY JUNIOR, Nelson. ABBOUD, Georges. Pontes de Miranda e o processo civil: a importância do conceito da pretensão para compreensão dos institutos fundamentais do processo civil. Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, p. 89-107, maio 2014). 

2.4. Do direito de ação, de natureza material e processual 

O campo de atuação do direito de ação de cunho material é, todavia, bastante reduzido em razão da proibição da justiça com as próprias mãos e do monopólio estatal da violência e da força física institucionalizada, característicos do Estado Democrático de Direito. 

Assim, segundo a lição de OVÍDIO BATISTA “pode-se afirmar que [...] ocorreu uma duplicação do direito de ação que pode ser tanto a material (possibilidade de obrigar o sujeito passivo a cumprir/adimplir a pretensão) quanto a processual, que não é dirigida contra o particular obrigado a cumprir a pretensão, mas sim contra o Estado, para que este, por meio do juiz, pratique a ação cuja realização privada, pelo titular do direito, o próprio Estado proibiu” (Apud: NERY JUNIOR, Nelson. ABBOUD, Georges. Pontes de Miranda e o processo civil: a importância do conceito da pretensão para compreensão dos institutos fundamentais do processo civil. Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, p. 89-107, maio 2014, sem destaque no original). 

No Estado Democrático de Direito há, portanto, o desdobramento do direito de ação e a consequente previsão de um direito processual e abstrato de agir, de titularidade de qualquer sujeito e que é dirigido ao Estado, como forma de obtenção da prestação jurisdicional. 

Esse direito de ação processual é, segundo a mais moderna doutrina, abstrato, pois não deriva diretamente da exigibilidade da prestação (pretensão), mas sim da impossibilidade da exigência de quaisquer prestações pela atuação autônoma do sujeito (ação de direito material) e, assim, independe da procedência ou não do pedido deduzido pelo autor, não tendo relação com o mérito da demanda. 

Portanto, se de um lado o direito de ação material dirige-se contra o particular sujeito passivo da relação de direito material, por outro, a ação processual é dirigida em face do Estado, em razão do monopólio da jurisdição, e conduz a que o Estado forneça a prestação jurisdicional e, somente se for cabível, faça o uso da força para tornar efetiva a pretensão de direito material. 

Com efeito, sempre que o Judiciário é provocado e pronuncia-se, ainda que para julgar improcedente a demanda, a ação processual foi exercida, porque se obteve do Judiciário um pronunciamento, ainda que desfavorável. 

Assim, o direito processual de ação: a) é dirigido contra o Estado, e não contra o sujeito passivo da relação de direito material; b) não exige que o sujeito que o exerce seja o efetivo titular do direito subjetivo material; c) não é um poder de obter uma sentença favorável, senão unicamente o direito de obter uma decisão; d) é uma relação e, nisso, distingue-se da pretensão, que é um ato, uma exigência de subordinação. 

2.5. Do direito público subjetivo e abstrato de ação e sua relação com a passagem do tempo 

É preciso, nesse ponto, verificar se o direito público subjetivo e abstrato de ação, de cunho processual, dirigido ao Estado, se submete aos efeitos da passagem do tempo e em quais circunstâncias, sobretudo porque, por ser abstrato, não tem qualquer relação com o direito material deduzido pelo sujeito que movimenta a máquina jurisdicional estatal. 

É oportuna, novamente, a lição de OVÍDIO BATISTA, que, em homenagem à concepção abstrata e ao Estado Democrático de Direito, esclarece que o “direito subjetivo público de ação nasce no exato momento em que é estabelecido o monopólio da jurisdição pelo Estado, ou seja, quando da própria constituição deste; não necessita de norma expressa, por conseguinte, para que reste plenamente caracterizado, já que a vedação à autotutela é pressuposto da própria existência do Estado” (SILVA, Ovídio Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2002, p. 133). 

Segundo essa definição mais moderna, portanto, o direito subjetivo público e processual de ação está relacionado unicamente à ideia de inércia do Poder Judiciário, de forma que o exercício desse direito público processual representa a mera provocação do Judiciário para que saia de sua imobilidade e se manifeste sobre o direito aplicável à relação jurídica deduzida em juízo. 

Ao direito subjetivo público e processual de ação corresponde, via de consequência, uma obrigação do Estado d e manifestar-se sobre o pedido formulado, para, se chegar a examinar o mérito, conforme o caso, deferi-lo ou indeferi-lo, segundo esteja ou não tutelado pelo direito objetivo. 

Assim, a conclusão necessária e inafastável é de que, como não depende da efetiva existência do direito subjetivo de cunho material vindicado por aquele que o exerce, decorrendo do próprio Estado Democrático de Direito, o direito subjetivo público de ação não se submete a passagem do tempo nos moldes estabelecidos para o direito material. 

Sendo uma consequência do próprio Estado Democrático de Direito, o direito público subjetivo e processual de ação deve ser considerado, em si, imprescritível, haja vista ser sempre possível requerer a manifestação do Estado sobre um determinado direito e obter a prestação jurisdicional, mesmo que ausente, por absoluto, o direito material. 

De fato, o direito de obter do Estado uma manifestação jurisdicional é imperecível, de forma que o máximo que pode que ocorrer é a impossibilidade da satisfação de uma determinada pretensão por meio de um específico procedimento processual, ante a passagem do tempo qualificada pela inércia do titular, apta a caracterizar a preclusão, a qual, todavia, por si só, não impossibilita o uso abstrato da específica ação ou procedimento. 

Um dos mais ilustrativos exemplos dessa circunstância é a da obrigação consubstanciada em cheque, cuja prestação pode ser exigida pelos procedimentos específicos da a) execução do art. 47 da Lei 7.357/85, no prazo de 6 (seis) meses contados do término do prazo para apresentação; b) ação de enriquecimento, no prazo de 2 anos do término do prazo para a apresentação; c) por meio de ação monitória (art. 1.102-A do CPC/73 e 700 do CPC/15, no prazo de 5 (cinco) anos (Súmula 503/STJ); ou ainda d) por meio de ação cobrança, de rito ordinário. 

Esse é o entendimento desta 2ª Seção, que vaticina que “prescrita a ação executiva do cheque, assiste ao credor a faculdade de ajuizar a ação cambial por locupletamento ilícito, no prazo de 2 (dois) anos (art. 61 da Lei 7.357/85); ação de cobrança fundada na relação causal (art. 62 do mesmo diploma legal) e, ainda, ação monitória, no prazo de 5 (cinco) anos, nos termos da Súmula 503/STJ” (REsp 1677772/RJ, Terceira Turma, DJe 20/11/2017). No mesmo sentido: REsp 926.312/SP, Quarta Turma, DJe 17/10/2011. 

A cobrança da dívida inscrita no cheque ilustra que, de fato, o direito abstrato de ação e a pretensão não se confundem, porquanto a prestação continua a ser exigível, a despeito da perda do direito de utilização de um específico procedimento e, de outro lado, o direito de requerer a prestação jurisdicional (de ação) não está vinculado ao direito material vindicado (dívida inscrita em cheque), que pode ser exercido por meio de diversas ações submetidas a diversos ritos. 

2.6. Da inexistência de prazo para o ajuizamento de ação coletiva de consumo 

A aplicação analógica o prazo de cinco anos do art. 21 da Lei de Ação Popular para a ação coletiva de consumo, reconhecida pela jurisprudência esta e. Corte (AgInt no AREsp 872.801/SP, Terceira Turma, DJe 25/11/2016; REsp 1392449/DF, Segunda Seção, DJe 02/06/2017; AgRg nos EREsp 1070896/SC, Corte Especial, DJe 10/05/2013 ), tem como pressuposto o fato de não existir na Lei de Ação Civil Pública expresso prazo para o exercício dessa modalidade de direito subjetivo público ação, tampouco a previsão expressa de perda da possibilidade de uso desse específico rito processual pela mera passagem do tempo. 

Todavia, conforme consigna a doutrina especializada e ao contrário do entendimento prevalente, esse “silêncio do ordenamento é eloquente, ao não estabelecer direta e claramente prazos para o exercício dos interesses metaindividuais e para o ajuizamento das respectivas ações, permitindo o reconhecimento da não ocorrência da prescrição” (LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do Processo Coletivo, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 385, sem destaque no original). 

Realmente, o silêncio do ordenamento deve ser considerado intencional, pois o prazo de 5 anos para o ajuizamento da ação popular, contido no art. 21 da Lei 4.717/65, foi previsto com vistas à concretização de uma única e específica prestação jurisdicional. 

Conforme dispõe expressamente o art. 1º da Lei 4.717/65, o desígnio da ação popular é a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público em sentido amplo, constatado a partir dos vícios enumerados no art 2º de referido diploma legal, que consubstanciam as causas de pedir passíveis de serem apuradas em referida modalidade de ação, a saber: a) incompetência; b) vício de forma; c) ilegalidade do objeto; d) inexistência dos motivos; e e) desvio de finalidade. 

As ações coletivas de consumo, por sua vez, atendem a um espectro de prestações de direito material muito mais amplo, podendo não só anular ou declarar a nulidade de atos, como também quaisquer outras providências ou ações capazes de propiciar a adequada e efetiva tutela dos consumidores, nos termos do art. 83 do CDC. 

Desse modo, ainda que a ação popular e a ação coletiva de consumo componham o microssistema de defesa de interesses coletivos em sentido amplo, é substancial a disparidade existente entre os objetos e causas de pedir de cada uma dessas ações, o que demonstra a impossibilidade do emprego da analogia, que pressupõe a “aplicação de um princípio jurídico estatuído para determinado caso a outro que, apesar de não ser igual, é semelhante ao previsto pelo legislador”, de modo que seja realizada a “extensão do tratamento jurídico, previsto expressamente para determinado caso, a um semelhante, não previsto” (GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução à Ciência do Direito. 7ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1976, p.278, sem destaque no original). 

É, assim, necessária a superação (overruling) da atual orientação jurisprudencial desta Corte, pois não há razão para se limitar o uso da ação coletiva ou desse especial procedimento coletivo de enfrentamento de interesses individuais homogêneos, coletivos em sentido estrito e difusos, sobretudo porque o escopo desse instrumento processual é o tratamento isonômico e concentrado de lides de massa relacionadas a questões de direito material que afetem uma coletividade de consumidores, tendo como resultado imediato beneficiar a economia processual. 

De fato, submeter a ação coletiva de consumo a prazo determinado tem como única consequência impor aos consumidores os pesados ônus do ajuizamento de ações individuais, em prejuízo da razoável duração do processo e da primazia do julgamento de mérito, princípios expressamente previstos no atual CPC em seus arts. 4º e 6º, respectivamente, além de prejudicar a isonomia, ante a possibilidade de julgamentos discrepantes. 

Portanto, como consignei em recentíssimo julgado, ainda não concluído, a interpretação mais consentânea com o atual desenvolvimento do direito processual é a de que, em regra, somente as pretensões de direito material ficam submetidas à extinção pela inércia do titular por determinado tempo, haja vista que: 

[...] os direitos individuais homogêneos são os mesmos direitos comuns ou afins, cuja defesa coletiva se legitima apenas do ponto de vista instrumental, objetivando conferir maior efetividade à prestação jurisdicional. Nesse aspecto, os direitos homogêneos são, por motivos exclusivamente pragmáticos, transformados em estruturas moleculares, não como fruto de sua indivisibilidade inerente ou natural ou da organização ou da existência de uma relação jurídica base, mas por razões d e facilitação de acesso à justiça, pela priorização da eficiência e da economia processuais. (Resp 1.774.637/SP, 3ª Turma, pendente de publicação). 

Ressalte-se, por fim, ser desnecessário, para a revisão dessa orientação, a observância de procedimento específico, haja vista que o único entendimento fixado sob o rito dos repetitivos pela e. Segunda Seção é o de que “no âmbito do Direito Privado, é de cinco anos o prazo prescricional para ajuizamento da execução individual em pedido de cumprimento de sentença proferida em Ação Civil Pública” (REsp 1273643/PR, Segunda Seção, DJe 04/04/2013), não havendo, assim, tese repetitiva sobre prazo para ajuizamento de ação coletiva de consumo de conhecimento. 

3. DA PRESCRIÇÃO E DA TEORIA DA ACTIO NATA NA FEIÇÃO SUBJETIVA 

O Código Civil de 1916 ainda não albergava os avanços da moderna ciência processual, assinalando, em seu art. 177, que a prescrição estaria relacionada às “ações pessoais”, adotando, assim, a teoria imanentista da ação, segundo a qual o direito de ação era indissociavelmente ligado ao direito material. A Súmula 150/STF, de igual maneira, adotava a teoria imanentista, ao consignar que “prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação” (sem destaque no original). 

O atual Código Civil adequou-se, todavia, à atual teoria do direito subjetivo público e abstrato de ação, passando a prever, em seu art. 189, que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição” (sem destaque no original). 

Como se vê, a perspectiva normativa foi modificada, haja vista no CC/16 ser feita referência à ação do tempo sobre as “ações pessoais”, ao passo que o CC/02 faz menção à prescrição da pretensão. 

Com efeito, a doutrina ressalta no ponto que “o novo Código Civil brasileiro esposou o entendimento antes consagrado pelo direito alemão, no sentido de conectar a ideia de prescrição ao fenômeno da pretensão, ou da 'Anspruch', na linguagem tedesca” (Theodoro Júnior, Humberto. Prescrição: ação, exceção e pretensão. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 9, n. 51, p. 22-39, nov./dez. 2012). 

Trata-se, pois, de um notável refinamento conceitual. 

Nesse contexto, a prescrição gera a extinção da pretensão e se relaciona unicamente à pretensão e, assim, a esse específico aspecto do direito material violado, haja vista que o direito subjetivo material em si quanto o direito subjetivo processual de ação permanecem incólumes. 

De fato, a prescrição fulmina a pretensão, mantendo a existência do direito subjetivo material, mas sem proteção jurídica para solucioná-lo. Tanto isso é verdade que uma dívida prescrita pode ser paga, apesar de não poder ser exigida, e, sendo paga, não caberá a ação de repetição de indébito, conforme previsão expressa do art. 882 do CC/02. 

Diante desses esclarecimentos, “a prescrição pode ser conceituada como a perda da pretensão pelo seu não exercício em determinado lapso temporal, estando relacionada a direitos subjetivos de cunho patrimonial” (TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Prescrição. Conceito e princípios regentes. Início do prazo e teoria da Actio Nata, em sua feição subjetiva. Eventos continuados ou sucessivos que geram o enriquecimento sem causa. Lucro da atribuição. Termo a quo contado da ciência do último ato lesivo. Análise de julgado do Superior Tribunal de Justiça e relação com eventos descritos. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 12, n. 70, p. 98-126, jan./fev. 2016). 

3.1. Da Teoria da actio nata 

A Teoria da actio nata tem intrínseca relação com a distinção, no campo material, entre o direito subjetivo e a pretensão, haja vista ter como pedra fundamental o momento da exigibilidade da prestação – ou seja, a pretensão – para marcar o termo inicial da fluência do prazo prescricional. 

Realmente, segundo referida teoria, o prazo prescricional somente pode iniciar seu curso a partir do momento em que a prestação se torne exigível, com a violação do direito subjetivo. 

Desse modo, como afirmado por esta e. Terceira Turma, “o prazo prescricional subordina-se ao princípio da actio nata: o prazo tem início a partir da data em que a credora pode demandar [...] a satisfação do direito”, razão pela qual “antes que exista uma pretensão exercitável, não pode correr a prescrição” (REsp 949.434/MT, Terceira Turma, DJe 10/06/2010, sem destaque no original). 

De igual forma, a Quarta Turma pontua que “o termo inicial da contagem dos prazos de prescrição encontra-se na lesão ao direito, da qual decorre o nascimento da pretensão, que traz em seu bojo a possibilidade de exigência do direito subjetivo violado” (AgInt no REsp 1388503/RJ, Quarta Turma, DJe 18/02/2019, sem destaque no original). 

3.1. Da vertente subjetiva da teoria da actio nata 

Embora, em regra, o início do prazo prescricional tenha início com o nascimento da pretensão – ou seja, com a exigibilidade da prestação –, a vertente subjetiva da teoria da actio nata ensina que a contagem do prazo prescricional exige a efetiva inércia do titular do direito, a qual somente se verifica diante da inexistência de óbices ao exercício da pretensão e a partir do momento em que o titular tem ciência inequívoca do dano, de sua extensão, e da autoria da lesão. 

Elaborando a ideia de “pretensão exercitável”, a doutrina salienta, quanto ao tema, que “não basta surgir a ação (actio nata), mas é necessário o conhecimento do fato” e que “trata-se de situação excepcional, pela qual o início do prazo, de acordo com a exigência legal, só se dá quando a parte tenha conhecimento do ato ou fato do qual decorre o seu direito de exigir”, de modo que “não basta assim, que o ato ou fato violador do direito exista para que surja para ela [a pretensão]” (SIMÃO, José Fernando. Tempo e Direito Civil. Prescrição e Decadência. São Paulo: USP 2011, p. 268, sem destaque no original). 

Assim, conforme reconheceu esta e. 3ª Turma, adotando o escólio de CÂMARA LEAL (Da Prescrição e da Decadência. 4ª Edição. Editora Forense. Rio de Janeiro. 1982. p. 20-24), são quatro as condições para o início do prazo prescricional “a) existência de uma ação exercitável; b) inércia do titular da ação pelo seu não-exercício; c) continuidade dessa inércia durante um certo lapso de tempo; d) ausência de causas preclusivas de seu curso” (REsp 1.347.715/RJ, Terceira Turma, DJe 04/12/2014, sem destaque no original). 

A aplicação da teoria da actio nata em sua vertente subjetiva – e a contagem do prazo a partir do momento em que o titular tem o total conhecimento dos fatores que compõe a lesão e o dano – é, contudo, excepcional.

Com efeito, segundo a jurisprudência desta 3ª Turma, “admite-se a aplicação da chamada teoria da actio nata em seu viés subjetivo que, em síntese, confere ao conhecimento da lesão pelo titular do direito subjetivo violado a natureza de pressuposto indispensável para o início do prazo de prescrição”, mas “essa teoria tem sido aplicada por esta Corte em casos de ilícitos extracontratuais nos quais a vítima não tem como conhecer a lesão a sua esfera jurídica no momento em que ocorrida” (REsp 1711581/PR, Terceira Turma, DJe 25/06/2018, sem destaque no original). No mesmo sentido: REsp 1.645.746/BA, Terceira Turma, DJe 10/08/2017; e REsp 1354348/RS, Quarta Turma, DJe 16/9/2014. 

4. DO INQUÉRITO CIVIL 

O inquérito civil, inscrito pelo art. 129, III, da CF/88 entre as funções institucionais do Ministério Público, é “uma investigação administrativa [...] destinada basicamente a colher elementos de convicção para eventual propositura de ação civil pública”, sobretudo para “determinar a materialidade e a autoria de fatos que possam ensejar o ajuizamento de processo coletivo” (MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 28ª ed., São Paulo: Saraiva, 2015, p.511, sem destaque no original). 

Ainda que não se trate de procedimento marcado pelo formalismo, é imprescindível a presença de justa causa para a investigação, de modo que “pressuposto material ou substancial para sua instauração é a notícia da existência de fatos ou situação determinada, que, ao menos em tese [...] sejam aptos a justificar a propositura de determinada demanda coletiva, se comprovados indiciariamente” (LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do Processo Coletivo, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 340) 

Nos termos da jurisprudência desta Corte, “o inquérito civil, promovido para apurar indícios que passam dar sustentação a uma eventual ação civil pública, funciona como espécie de produção antecipada de prova, a fim de que não ingresse o autor da ação civil em demanda por denúncia infundada, o que levaria ao manejo de lides com caráter temerário” e que tem, pois, “por escopo viabilizar o ajuizamento da ação civil pública” (REsp 1101949/DF, Quarta Turma, DJe 30/05/2016, sem destaque no original). 

Todavia, se o Ministério Público entender já possuir elementos suficientes para dar suporte a sua atuação, pode, desde logo, ajuizar a ação coletiva de consumo, pois “a instauração de Inquérito Civil não é obrigatória para a propositura de Ação Civil Pública” (AgRg no REsp 1225110/RS, Primeira Turma, DJe 15/10/2015, sem destaque no original). 

5. DA HIPÓTESE DOS AUTOS 

Na hipótese em exame, o Ministério Público recebeu denúncia sobre suposta prática de publicidade abusiva relacionada ao produto Suplan Mistura em 08/07/2003. 

Como consignado no acórdão recorrido, “diante disso, em 15.07.2003 foi instaurado inquérito civil (fl. 19) para a devida apuração, com conclusão em 29.07.2008 (fl. 274) e, entendendo o Parquet, nessa ocasião, caracterizada a veiculação de propaganda enganosa pelo investigado, em 27.11.2009 o órgão ministerial competente aforou a ação civil pública” (e-STJ, fl. 655). 

O Tribunal a quo concluiu que “apenas ao final das investigações sobre a legalidade ou não da propaganda veiculada pelo Sr. José Brito da Cunha Neto, o Ministério Público se convenceu da sua natureza enganosa em razão do produto, cuja produção é de responsabilidade da apelante” (e-STJ, fl. 655), razão pela qual a preliminar de prescrição foi rejeitada. 

A pretensão do recorrente, de que fosse reconhecido que o Ministério Público possuiria, desde o pedido de abertura de inquérito civil, em 08/07/2003, todas as informações necessárias para o ajuizamento de ação coletiva de consumo, esbarra, portanto, no óbice da Súmula 7/STJ, haja vista a revisão das conclusões da Corte de origem no ponto demandar o reexame de fatos e provas. 

Assim, a aspiração do reconhecimento da prescrição da ação coletiva como um todo não encontra respaldo na legislação de regência e na jurisprudência desta Corte, pois, como demonstrado a) não há prazo de natureza processual para o ajuizamento de ação coletiva de consumo ou para a utilização de seu rito especial, não sendo possível a aplicação analógica do prazo do art. 21 da Lei 4.717/65; e, mesmo que houvesse, b) o termo inicial do prazo prescricional, relacionado às pretensões ligadas a ilícitos extracontratuais – como o que foi verificado na hipótese dos autos, consistente em propaganda abusiva e venda de produto sem registro na ANVISA – somente é contabilizado a partir do efetivo conhecimento de todos os elementos da lesão, do dano e de sua extensão, nos termos da teoria da actio nata, em sua vertente subjetiva. 

Assim, não merece reforma o acórdão recorrido no ponto. 

6. CONCLUSÃO 

Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao presente recurso especial.