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2 de maio de 2021

AÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. PLEITO DE INSOLVÊNCIA CIVIL NO BOJO DA PRÓPRIA AÇÃO EXECUTIVA. IMPOSSIBILIDADE.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.823.944 - MS (2018/0338488-2) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 458 DO CPC/73 E 489 DO CPC/2015. INOCORRÊNCIA. PLEITO DE INSOLVÊNCIA CIVIL NO BOJO DA PRÓPRIA AÇÃO EXECUTIVA. IMPOSSIBILIDADE. 

1. Ação de execução de título executivo extrajudicial. Pedido de insolvência civil dos devedores realizado no bojo da ação executiva. 

2. Ação ajuizada em 30/06/1997. Recurso especial concluso ao gabinete em 07/01/2019. Julgamento: CPC/2015. 

3. O propósito recursal, além de analisar se houve negativa de prestação jurisdicional, é definir se a declaração de insolvência civil dos executados pode dar-se no bojo da própria ação executiva, uma vez constatada a ausência de bens penhoráveis. 

4. Não há que se falar em violação dos arts. 535 do CPC/73 e 1.022 do CPC/2015 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte. 

5. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação dos arts. 458, II, do CPC/73 e 489, II, § 1º, IV a VI, do CPC/2015. 

6. O processo de insolvência é autônomo, de cunho declaratório-constitutivo, e busca um estado jurídico para o devedor, com as consequências de direito processual e material, não podendo ser confundido com o processo de execução, em que a existência de bens é pressuposto de desenvolvimento do processo. Precedentes. 

7. Recurso especial conhecido e não provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 19 de novembro de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI: Cuida-se de recurso especial interposto por BANCO DO BRASIL SA, fundamentado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ/MS. 

Recurso especial interposto em: 05/10/2018. Concluso ao Gabinete em: 07/01/2019. 

Ação: de execução de título executivo extrajudicial, ajuizada pelo recorrente, em desfavor de RODOLFO ROCA FILHO e HAMILTON LESSA COELHO - ESPÓLIO (e-STJ fls. 21-23). 

Decisão interlocutória: indeferiu o pedido de instauração do procedimento de declaração de insolvência dos executados, sob o argumento de que o juízo seria incompetente para manifestar-se sobre a matéria (e-STJ fls. 18-19). 

Decisão monocrática: negou seguimento ao agravo de instrumento interposto pelo recorrente (e-STJ fls. 104-109). 

Acórdão: negou provimento ao agravo interno interposto pelo recorrente, mantendo a decisão unipessoal do relator, nos termos da seguinte ementa: 

AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE – NÃO CARACTERIZAÇÃO – ENFRENTAMENTO DA DECISÃO, MESMO QUE HAJA REPETIÇÃO DO MESMO VIÉS ARGUMENTATIVO – JULGAMENTO MONOCRÁTICO – CABIMENTO – EXECUÇÃO – PRETENSÃO DE ANÁLISE DE PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE INSOLVÊNCIA, NOS PRÓPRIOS AUTOS – INDEFERIMENTO – NECESSIDADE DE AÇÃO AUTÔNOMA – DECISÃO MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO. (...) Ainda que seja possível a análise da situação de insolvência do devedor, essa pretensão deve ser implementada em ação autônoma, devido às peculiaridades do procedimento a ser adotado, conforme o entendimento do STJ a respeito do tema (e-STJ fl. 158). 

Embargos de declaração: opostos pelo recorrente, foram rejeitados (e-STJ fls. 179-182). 

Recurso especial: alega violação dos arts. 458, II, 535, 750 e 753 do CPC/73 (arts. 489, II, § 1º, IV a VI, 1.022, II, 1.052 do CPC/2015); 43 e 65 do CPC/2015, bem como dissídio jurisprudencial. Além de negativa de prestação jurisdicional, sustenta que: 

a) a insolvência pode ser requerida e declarada nos próprios autos da ação de execução, suspensa em virtude da constatação da ausência de bens penhoráveis; 

b) o cálculo mais recente da dívida (2008) ultrapassava a cifra de R$ 4 milhões e o único imóvel, dito de moradia, é claramente insuficiente para adimplir com o débito, sendo imprescindível a declaração de insolvência civil dos executados; 

c) não há lógica em suspender o processo por ausência de bens penhoráveis, diante de uma realidade de insolvência concretizada e, inclusive, já admitida pelos próprios devedores; 

d) impor que o banco ajuíze outra ação representa afronta aos princípios da instrumentalidade das formas, da efetividade e da celeridade na prestação jurisdicional, até mesmo porque a parte executada já foi formalmente citada e está assistida por seus constituídos patronos; e 

e) como não se trata de hipótese de prorrogação de competência, deve-se efetivar a remessa dos autos ao juízo competente, não havendo empecilho para que o pedido incidental de insolvência seja processado nos mesmos autos em que constatada a ausência de bens penhoráveis (e-STJ fls. 184-204). 

Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/MS inadmitiu o recurso especial interposto pelo BANCO DO BRASIL SA (e-STJ fls. 237-241), ensejando a interposição de agravo em recurso especial (e-STJ fls. 243-258), que foi provido e reautuado como recurso especial para melhor exame da matéria (e-STJ fl. 285). 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (RELATOR): O propósito recursal, além de analisar se houve negativa de prestação jurisdicional, é definir se a declaração de insolvência civil dos executados pode dar-se no bojo da própria ação executiva, uma vez constatada a ausência de bens penhoráveis. Aplicação do Código de Processo Civil de 2015 – Enunciado Administrativo n. 3/STJ. 

1. DA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 458, II, E 535 DO CPC/73 (ARTS. 489, II, § 1º, IV A VI, E 1.022, II, DO CPC/2015

 É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que não há ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte. A propósito, confira-se: AgInt nos EDcl no AREsp 1.094.857/SC, 3ª Turma, DJe de 02/02/2018 e AgInt no AREsp 1.089.677/AM, 4ª Turma, DJe de 16/02/2018. 

No particular, verifica-se que o acórdão recorrido decidiu, fundamentada e expressamente, acerca do pedido de declaração de insolvência da parte executada e da inviabilidade de seu processamento nos próprios autos da execução – inclusive, reconhecendo que os julgados do STJ colacionados pelo recorrente estariam em conformidade com o entendimento perfilhado pelo Tribunal de origem –, de maneira que os embargos de declaração opostos, de fato, não comportavam acolhimento. 

Ressalte-se, ainda, que quanto ao argumento tido por não analisado relativo à necessidade de remessa dos autos ao juízo competente (aplicação do art. 43 do CPC/2015), a sua análise restou prejudicada, tendo em vista o reconhecimento de que o pedido deveria ser processado em autos autônomos. 

Assim, observado o entendimento dominante desta Corte acerca do tema, não há que se falar em violação do art. 535 do CPC/73 e 1.022, II, do CPC/2015, incidindo, quanto ao ponto, a Súmula 568/STJ. 

Ademais, tem-se que, devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado suficientemente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação dos arts. 458, II, do CPC/73 e 489, II, § 1º, IV a VI, do CPC/2015. 

2. DO PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA CIVIL NO BOJO DOS PRÓPRIOS AUTOS DA EXECUÇÃO 

Inicialmente, convém salientar que, nos termos do novo Código de Processo Civil, até a edição de lei específica, as execuções contra devedor insolvente, em curso ou que venham a ser propostas, permanecerão reguladas pelas disposições regentes da matéria constantes do CPC/73 (art. 1.052 do CPC/2015). 

O CPC/73, sob a denominação de “execução por quantia certa contra devedor insolvente” instituiu, com características peculiares, o concurso universal de credores, marcado pelos pressupostos básicos da situação patrimonial deficitária do devedor e da disputa geral de todos os seus credores em um só processo. 

Como espécie de execução forçada por quantia certa, a execução do insolvente subordina-se aos mesmos princípios fundamentais da própria execução singular – quais sejam: a) responsabilidade patrimonial incidindo sobre bens presentes e futuros do devedor; b) objetivo consistente na expropriação de bens do devedor para a satisfação dos direitos dos credores; e c) fundamentação do processo sempre em título executivo, judicial ou extrajudicial –, diferenciando-se desta em alguns aspectos, como mesmo elucida Humberto Theodoro Júnior: 

Mas a estrutura e os objetivos específicos da execução concursal são totalmente diversos dos da execução singular. Enquanto nesta última, o ato expropriatório executivo se inicia pela penhora e se restringe aos bens estritamente necessários à solução da dívida ajuizada, na executiva universal, há, ad instar da falência do comerciante, uma arrecadação geral de todos os bens penhoráveis do insolvente para satisfação também da universalidade dos credores. Além disso, o critério de tratamento dos diversos credores é feito pelo Código de maneira diferente, conforme a situação econômico-financeira do devedor comum. Se o executado é solvente, o procedimento é de índole individualista, realizado no interesse particular do credor, assegurando-lhe a penhora direito de preferência perante os demais credores quirografários, segundo a máxima prior tempore potior jure (art. 612). Mas se o devedor é insolvente, o princípio que rege a execução já se inspira na solidariedade e universalidade, dispensando o legislador um tratamento igualitário a todos os credores concorrentes, tendente a realizar o ideal da par condicio creditorum (Processo de execução e cumprimento de sentença. 27 ed. rev. e atual. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2012, p. 470). 

Em se tratando de procedimento executivo, a execução concursal exige, tal qual na execução singular, um título executivo e o inadimplemento do devedor. Há, contudo, um requisito extraordinário à sua admissibilidade, qual seja, o estado de insolvência do executado, verificável, tal qual disposto em lei, toda vez que as dívidas excederem à importância dos bens do devedor (insolvência aparente) ou quando o devedor não possuir outros bens livres e desembaraçados para nomear à penhora (insolvência presumida). 

Dadas, em linhas gerais, as semelhanças e particularidades entre a execução singular e a concursal, cumpre definir se o pedido de insolvência civil do executado pode ser realizado no bojo da própria ação de execução ajuizada em desfavor do devedor, quando constatada a ausência de bens penhoráveis para saldar o débito. 

No Código de Processo Civil de 1939, o concurso universal consubstanciava mero incidente no processo de execução singular, ou seja, ao devedor era conferida a faculdade de requerer a conversão na falta de bens penhoráveis suficientes ao pagamento integral do débito exequendo, estabelecendo, assim, uma ampliação no polo ativo do processo executivo. 

Entretanto, a partir do CPC/73, transformou-se a execução coletiva em processo autônomo, de forma que a declaração de insolvência deverá dar-se fora do âmbito da execução singular. 

Não é outro o entendimento de abalizada doutrina: 

O concurso universal de credores se instaura mediante demanda (remédio jurídico processual) do legitimado ativo, em qualquer de suas espécies, voluntária e necessária, e cria relação processual. O processo ostenta função eminentemente executiva. Logo, a ação que lhe deu origem é executiva. Ele consistirá, portanto, relação autônoma e principal. A advertência sobre a “principalidade” da insolvência civil soará, nos ouvidos jovens e neutros, despicienda e curial. Ela se apresenta oportuna, porém. No CPC anterior, o concurso universal surgia na condição de “incidente da execução singular”, e a nitidez desta imagem ainda perdura nos operadores mais antigos. Segundo o art. 929 do CPC de 1939, ao devedor se ostentava lícito, “quando a penhora não bastar ao integral pagamento do credor”, oferecer relatório do seu estado patrimonial e obter, de pronto, o concurso de credores. O poder conferido ao executado, explica Alfredo Buzaid, operava no processo “a ampliação dos sujeitos ativos, transformando a execução singular em execução coletiva”. Defendeu Buzaid, na clássica obra dedicada ao instigante assunto, diagnosticando que à disciplina legal do concurso faltava ordem, clareza e sistema, a tese de que o instituto mereceria, na novel codificação, um regime legal mais completo e esclarecedor. Isto, por sem dúvida, terminou vingando. Por conseguinte, o concurso universal de credores, também designado de “insolvência civil”, decorre da propositura de ação executória, de caráter principal, e implica a extinção das execuções singulares, inclusive daquela, por exemplo, em que se apurou a inexistência de bens “livres e desembaraçados para nomear à penhora” (art. 750, I) – entenda-se: apurou-se a inexistência de bens penhoráveis, porque desapareceu a nomeação de bens no procedimento comum da expropriação, fundada em título judicial ou extrajudicial. O juiz declarará a insolvência fora do âmbito da execução singular (ASSIS, Araken de. Manual da execução. 14 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2012, p. 936). 

No mais, frisa-se que, ao passo que nas demais modalidades de execução o fim colimado é apenas o da satisfação do crédito exequendo, por atos de natureza tipicamente executiva, no procedimento da insolvência, o que se objetiva é a defesa do crédito de todos os credores do insolvente, para o que se faz necessário mesclar atividades de conhecimento e de execução e até de acautelamento (DONIZETTI, Elpídio. Processo de Execução: teoria geral da execução, cumprimento de sentença. 3 ed. atual. São Paulo: Atlas, 2010, pp. 415-416). 

Salienta-se que, ainda que não analisando propriamente a controvérsia versada nestes autos, este STJ, em julgados que analisavam a questão da existência de interesse de agir na declaração de insolvência civil quando ausentes patrimônio passível de excussão, já reconheceu que “o processo de insolvência é autônomo, de cunho declaratório-constitutivo, e busca um estado jurídico para o devedor, com as consequências de direito processual e material, não podendo ser confundido com o processo de execução, em que a existência de bens é pressuposto de desenvolvimento do processo” (REsp 957.639/RS, 3ª Turma, DJe 17/12/2010). No mesmo sentido, cita-se: REsp 1.072.614/SP, 4ª Turma, DJe 12/03/2013. 

Outrossim, pela impossibilidade de conversão do feito executivo em insolvência civil, “dada as peculiaridades de cada procedimento e a natureza concursal do último, implicando, eventualmente, até mesmo diferentes competências de foro”, colaciona-se o seguinte julgado: 

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. CONVERSÃO EM INSOLVÊNCIA CIVIL. IMPOSSIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SENTENÇA TERMINATIVA. FIXAÇÃO SOBRE O VALOR DA CAUSA. POSSIBILIDADE. 1. Mostra-se inviável a conversão do processo de execução singular em insolvência civil, dadas as peculiaridades de cada procedimento e a natureza concursal do último, implicando, eventualmente, até mesmo diferentes competências de foro, por isso o juízo poderá, de ofício, reconhecer a impossibilidade jurídica do pedido. 2. Diferentemente do que ocorria no sistema revogado do Código de Processo Civil de 1939, no seu art. 929, que insculpira a insolvência civil como "incidente de execução singular", o atual sistema prevê uma "principialidade" para a insolvência civil, repelindo, pela própria sistemática, a ampliação dos sujeitos ativos, no sentido de transformar a execução individual em um concurso universal de credores. Vale dizer, o processo de insolvência civil nasce com feição de processo principal e não como um incidente no processo de execução. (...) 4. Recurso especial improvido (REsp 1.138.109/MG, 4ª Turma, DJe 26/05/2010) (grifos acrescentados). 

Imperiosa mostra-se, portanto, a manutenção do acórdão recorrido. 

Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial interposto por BANCO DO BRASIL SA e NEGO-LHE PROVIMENTO, a fim de manter o acórdão recorrido, que concluiu pela impossibilidade do pedido de declaração de insolvência civil dos recorridos dar-se no bojo da ação de execução em face destes ajuizada. 

Filigrana doutrinária: Execução concursal e Insolvência Civil - Araken de Assis

 O concurso universal de credores se instaura mediante demanda (remédio jurídico processual) do legitimado ativo, em qualquer de suas espécies, voluntária e necessária, e cria relação processual. O processo ostenta função eminentemente executiva. Logo, a ação que lhe deu origem é executiva. Ele consistirá, portanto, relação autônoma e principal. A advertência sobre a “principalidade” da insolvência civil soará, nos ouvidos jovens e neutros, despicienda e curial. Ela se apresenta oportuna, porém. No CPC anterior, o concurso universal surgia na condição de “incidente da execução singular”, e a nitidez desta imagem ainda perdura nos operadores mais antigos. Segundo o art. 929 do CPC de 1939, ao devedor se ostentava lícito, “quando a penhora não bastar ao integral pagamento do credor”, oferecer relatório do seu estado patrimonial e obter, de pronto, o concurso de credores. O poder conferido ao executado, explica Alfredo Buzaid, operava no processo “a ampliação dos sujeitos ativos, transformando a execução singular em execução coletiva”. Defendeu Buzaid, na clássica obra dedicada ao instigante assunto, diagnosticando que à disciplina legal do concurso faltava ordem, clareza e sistema, a tese de que o instituto mereceria, na novel codificação, um regime legal mais completo e esclarecedor. Isto, por sem dúvida, terminou vingando. Por conseguinte, o concurso universal de credores, também designado de “insolvência civil”, decorre da propositura de ação executória, de caráter principal, e implica a extinção das execuções singulares, inclusive daquela, por exemplo, em que se apurou a inexistência de bens “livres e desembaraçados para nomear à penhora” (art. 750, I) – entenda-se: apurou-se a inexistência de bens penhoráveis, porque desapareceu a nomeação de bens no procedimento comum da expropriação, fundada em título judicial ou extrajudicial. O juiz declarará a insolvência fora do âmbito da execução singular 

ASSIS, Araken de. Manual da execução. 14 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2012, p. 936. 

Filigrana doutrinária: Insolvência Civil - Humberto Theodoro Júnior

Mas a estrutura e os objetivos específicos da execução concursal são totalmente diversos dos da execução singular. Enquanto nesta última, o ato expropriatório executivo se inicia pela penhora e se restringe aos bens estritamente necessários à solução da dívida ajuizada, na executiva universal, há, ad instar da falência do comerciante, uma arrecadação geral de todos os bens penhoráveis do insolvente para satisfação também da universalidade dos credores. Além disso, o critério de tratamento dos diversos credores é feito pelo Código de maneira diferente, conforme a situação econômico-financeira do devedor comum. Se o executado é solvente, o procedimento é de índole individualista, realizado no interesse particular do credor, assegurando-lhe a penhora direito de preferência perante os demais credores quirografários, segundo a máxima prior tempore potior jure (art. 612). Mas se o devedor é insolvente, o princípio que rege a execução já se inspira na solidariedade e universalidade, dispensando o legislador um tratamento igualitário a todos os credores concorrentes, tendente a realizar o ideal da par condicio creditorum 

THEODORO Jr, Humberto. Processo de execução e cumprimento de sentença. 27 ed. rev. e atual. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2012, p. 470.

18 de abril de 2021

Constatada a ausência de bens penhoráveis, a declaração de insolvência civil dos executados não pode ser feita no bojo da própria ação executiva.

 REsp 1.823.944-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 19/11/2019, DJe 22/11/2019

Execução. Ausência de bens penhoráveis. Pleito de insolvência civil no bojo da própria ação executiva. Impossibilidade. CPC/1973.

Inicialmente, convém salientar que, nos termos do novo Código de Processo Civil, até que se edite lei específica, as execuções contra devedor insolvente, em curso ou que venham a ser propostas, permanecerão reguladas pelas disposições regentes da matéria constantes do CPC/73 (art. 1.052 do CPC/2015). No Código de Processo Civil de 1939, o concurso universal consubstanciava mero incidente no processo de execução singular, ou seja, ao devedor era conferida a faculdade de requerer a conversão na falta de bens penhoráveis suficientes ao pagamento integral do débito exequendo, estabelecendo, assim, uma ampliação no polo ativo do processo executivo. Entretanto, a partir do CPC/1973, transformou-se a execução coletiva em processo autônomo, de forma que a declaração de insolvência deverá dar-se fora do âmbito da execução singular. Se por um lado, nas demais modalidades de execução o fim colimado é apenas o da satisfação do crédito exequendo, por atos de natureza tipicamente executiva, por outro lado, no procedimento da insolvência, o que se objetiva é a defesa do crédito de todos os credores do insolvente, para o que se faz necessário mesclar atividades de conhecimento e de execução e até de acautelamento. O processo de insolvência é autônomo, de cunho declaratório-constitutivo, e busca um estado jurídico para o devedor, com as consequências de direito processual e material, não podendo ser confundido com o processo de execução, em que a existência de bens é pressuposto de desenvolvimento do processo. Outrossim, resta impossível a conversão do feito executivo em insolvência civil, "dada as peculiaridades de cada procedimento e a natureza concursal do último, implicando, eventualmente, até mesmo diferentes competências de foro" (REsp 1.138.109/MG, 4ª Turma, DJe 26/05/2010).

11 de abril de 2021

DIREITO CONSTITUCIONAL – COMPETÊNCIA JURISDICIONAL; DIREITO PROCESSUAL CIVIL – INSOLVÊNCIA CIVIL: Competência da Justiça Estadual - A insolvência civil está entre as exceções da parte final do artigo 109, I, da Constituição da República, para fins de definição da competência da Justiça Federal

DIREITO CONSTITUCIONAL – COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

DIREITO PROCESSUAL CIVIL – INSOLVÊNCIA CIVIL

 

Insolvência civil e competência da Justiça comum estadual - RE 678162/AL (Tema 859 RG

 

Tese fixada:

 

“A insolvência civil está entre as exceções da parte final do artigo 109, I, da Constituição da República, para fins de definição da competência da Justiça Federal”.

 

Resumo:

 

O termo “falência”, contido na parte final do art. 109, I, da Constituição Federal (CF) (1) compreende a insolvência civil. Por essa razão, compete à Justiça comum estadual, e não à federal, processar e julgar as ações de insolvência civil ainda que haja interesse da União, entidade autárquica ou empresa pública federal.

Com efeito, a interpretação constitucional que traduz maior fidelidade ao comando constitucional recomenda que se afaste o elemento puramente literal da norma e se busque o sentido que melhor atenda à finalidade que impulsionou o legislador constituinte, bem como ao comando normativo em si mesmo considerado, qual seja, de que a falência, nesse rol de exceções à competência da Justiça federal de primeira instância, significa tanto a insolvência da pessoa jurídica quanto a insolvência da pessoa física, dado que ambas envolvem, em suas respectivas essências, concurso de credores.

Além disso, não obstante a Constituição Federal não tenha excepcionado a insolvência civil, não há razões que justifiquem a adoção de critério distinto de fixação de competência entre a falência e a insolvência civil.

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, após ter negado provimento ao recurso extraordinário, fixou tese relativa ao tema 859 da Repercussão Geral.

(1) CF: “Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;”

RE 678162/AL, relator Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Edson Fachin, julgamento virtual finalizado em 26.3.2021 (sexta-feira), às 23:59