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21 de agosto de 2021

Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de esbulho possessório de imóvel vinculado ao Programa Minha Casa Minha Vida

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/08/info-700-stj.pdf

 

COMPETÊNCIA - Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de esbulho possessório de imóvel vinculado ao Programa Minha Casa Minha Vida 

O art. 161, § 1º, inciso II, do Código Penal, incrimina a conduta de invadir terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas. A vítima do crime de esbulho possessório, tipificado no art. 161, § 1º, II, do Código Penal é o possuidor direto, pois é quem exercia o direito de uso e fruição do bem. Na hipótese de imóvel alienado fiduciariamente, é o devedor fiduciário que ostenta essa condição, pois o credor fiduciário possui tão-somente a posse indireta. A Caixa Econômica Federal, enquanto credora fiduciária e, portanto, possuidora indireta, não é a vítima do referido delito. Contudo, no âmbito cível, a empresa pública federal possui legitimidade concorrente para propor eventual ação de reintegração de posse, diante do esbulho ocorrido. A sua legitimação ativa para a ação possessória demonstra a existência de interesse jurídico na apuração do crime, o que é suficiente para fixar a competência penal federal, nos termos do art. 109, IV, da CF/88. Os imóveis que integram o Programa Minha Casa Minha Vida são adquiridos, em parte, com recursos orçamentários federais. Tal fato evidencia o interesse jurídico da União na apuração do crime de esbulho possessório em relação a esse bem, ao menos enquanto for ele vinculado ao mencionado Programa, ou seja, quando ainda em vigência o contrato por meio do qual houve a compra do bem e no qual houve o subsídio federal, o que é a situação dos autos. 

STJ. 3ª Seção. CC 179.467-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 09/06/2021 (Info 700). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

João reside em um imóvel vinculado ao Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), que adquiriu por meio de contrato de alienação fiduciária com a Caixa Econômica Federal. Determinado dia, três indivíduos invadiram o imóvel de João para o fim de esbulho possessório, o que configurou o crime previsto no art. 161, § 1º, II, do CP: 

Art. 161. Suprimir ou deslocar tapume, marco, ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia: Pena - detenção, de um a seis meses, e multa. 

§ 1º - Na mesma pena incorre quem: (...) 

Esbulho possessório 

II - invade, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório. 

§ 2º - Se o agente usa de violência, incorre também na pena a esta cominada. 

§ 3º - Se a propriedade é particular, e não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa. 

A exordial acusatória foi oferecida perante a Justiça Estadual, entretanto, o Juiz declinou sua competência para a Justiça Federal, tendo em vista que o imóvel é vinculado ao Programa Minha Casa Minha Vida. 

A questão chegou até o STJ. A competência para julgar este crime será da Justiça Federal pelo fato de o imóvel ser vinculado ao Programa Minha Casa Minha Vida? SIM. 

Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de esbulho possessório de imóvel vinculado ao Programa Minha Casa Minha Vida. 

STJ. 3ª Seção. CC 179.467-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 09/06/2021 (Info 700). 

O art. 161, § 1º, II, do CP, incrimina a conduta de invadir terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas. O crime de esbulho possessório pressupõe uma ação física de invadir um terreno ou edifício alheio, no intuito de impedir a utilização do bem pelo seu possuidor. Portanto, tão-somente aquele que tem a posse direta do imóvel pode ser a vítima, pois é quem exercia o direito de uso e fruição do bem. 

Posse direta x posse indireta 

POSSE DIRETA: é exercida pelo possuidor que tem contato material e físico com a coisa (Ex.: locatário); 

POSSE INDIRETA: é exercida por aquele que não tem contato direto com a coisa, mas aufere vantagens e tem poderes sobre ela (Ex.: locador). 

Alienação fiduciária 

“O contrato de alienação fiduciária em garantia é um contrato instrumental em que uma das partes, em confiança, aliena a outra a propriedade de determinado bem, móvel ou imóvel, ficando esta parte (uma instituição financeira, em regra) obrigada a devolver àquela o bem que lhe foi alienado quando verificada a ocorrência de determinado fato.” (RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Manual de Direito Empresarial - Volume Único. 11 ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2021, p. 827). 

Veja o que determina o art. 23, parágrafo único, da Lei 9.514/1997: 

Art. 23. Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título. 

Parágrafo único. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel. 

Portanto, no caso hipotético, João é o possuidor direto e a Caixa Econômica Federal é a possuidora indireta do imóvel. 

Quem é o sujeito passivo no caso de crime de esbulho possessório de imóvel alienado fiduciariamente? 

É o devedor fiduciário, pois somente ele pode ser vítima do crime de esbulho possessório enquanto permanecer na posse direta do bem. Apenas se, por alguma razão, passar o credor fiduciário a ter a posse direta do bem é que será ele a vítima. Entretanto, o fato de o credor fiduciário não ser a vítima do crime, não retira o seu interesse jurídico no afastamento do esbulho ocorrido. 

Competência da Justiça Federal 

Além da vítima do crime de esbulho possessório, ou seja, o possuidor direto e devedor fiduciário, a Caixa Econômica Federal, enquanto credora fiduciária e possuidora indireta, também possui legitimidade para, no âmbito cível, propor eventual ação de reintegração de posse do imóvel esbulhado. Essa legitimação ativa concorrente da empresa pública federal, embora seja na esfera civil, é suficiente para evidenciar a existência do seu interesse jurídico na apuração do referido delito. E, nos termos do art. 109, inciso IV, da CF, a existência de interesse dos entes nele mencionados, é suficiente para fixar a competência penal da Justiça Federal: 

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) 

IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral; 

Há, ainda, outro aspecto que evidencia a existência de interesse jurídico, agora da União, e que também instaura a competência da Justiça Federal. O imóvel objeto do esbulho foi adquirido pela vítima, no âmbito do Programa governamental Minha Casa Minha Vida, criado pela Lei 11.977/2009. Nele, nos termos do arts. 2º, I, e 6º da referida Lei, os imóveis são subsidiados pela União, a qual efetiva parte do pagamento do bem, com recursos orçamentários, no momento da assinatura do contrato com o agente financeiro: 

Art. 2º Para a implementação do PMCMV, a União, observada a disponibilidade orçamentária e financeira: I - concederá subvenção econômica ao beneficiário pessoa física no ato da contratação de financiamento habitacional; 

Art. 6º A subvenção econômica de que trata o inciso I do art. 2º será concedida no ato da contratação da operação de financiamento, com o objetivo de: I - facilitar a aquisição, produção e requalificação do imóvel residencial; ou II – complementar o valor necessário a assegurar o equilíbrio econômico-financeiro das operações de financiamento realizadas pelas entidades integrantes do Sistema Financeiro da Habitação - SFH, compreendendo as despesas de contratação, de administração e cobrança e de custos de alocação, remuneração e perda de capital. 

A competência da Justiça Federal permanece ad aeternum quando se tratar de imóvel esbulhado adquirido pelo PMCMV? 

NÃO. O fato de o bem ter sido adquirido, em parte, com recursos orçamentários federais, não leva à permanência do interesse da União, ad aeternum, na apuração do crime de esbulho possessório em que o imóvel esbulhado tenha sido adquirido pelo Programa Minha Casa Minha Vida. Contudo, ao menos enquanto estiver o imóvel vinculado ao mencionado Programa, ou seja, quando ainda em vigência o contrato por meio do qual houve a sua compra e no qual houve o subsídio federal, persiste o interesse da União.