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28 de junho de 2021

STF determinou que a União adote todas as medidas legais necessárias para viabilizar a realização do Censo, inclusive com a previsão dos créditos orçamentários necessários à pesquisa

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-1017-stf.pdf


DIREITOS SOCIAIS 

STF determinou que a União adote todas as medidas legais necessárias para viabilizar a realização do Censo, inclusive com a previsão dos créditos orçamentários necessários à pesquisa 

Compete ao STF julgar, com base no art. 102, I, “f”, da CF/88, ação cível originária que questiona a inércia da Administração Pública federal relativamente à organização, ao planejamento e à execução do Censo Demográfico do IBGE. Configura-se ilegítima a escolha política que, esvaziando as dotações orçamentárias vocacionadas às pesquisas censitárias do IBGE, inibe a produção de dados demográficos essenciais ao acompanhamento dos resultados das políticas sociais do Estado brasileiro. STF. Plenário. ACO 3508 TA-Ref/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 14/5/2021 (Info 1017). 

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:

 Na lei orçamentária anual (Lei nº 14.144/2021), relativa ao exercício de 2021, não foi prevista dotação orçamentária suficiente para a realização do Censo Demográfico pelo IBGE. Diante disso, o Estado do Maranhão ajuizou, contra a União e o IBGE, ação cível originária pedindo que os réus sejam condenados a determinar “a adoção de medidas voltadas à realização da pesquisa, a partir dos parâmetros indicados pelo IBGE, observada a própria discricionariedade técnica, inclusive com abertura de créditos em valores suficientes”. 

Primeira pergunta: de quem é a competência para julgar essa demanda? 

Do STF, nos termos do art. 102, I, “f”, da CF/88: 

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: (...) f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta; 

Podemos imaginar as seguintes situações que serão de competência do STF com base na previsão acima: a) União contra Estado(s); b) União contra Distrito Federal; c) Estado(s) contra Estado(s); d) Estado(s) contra Distrito Federal. 

Obs: não importa quem seja o autor ou o réu; se as partes acima estiverem em polos antagônicos, estará preenchida a hipótese do art. 102, I, “f”. 

Obs2: a ação poderá envolver a administração direta ou indireta da União, Estados ou DF. Ex: uma ação judicial do IPHAN (autarquia federal) contra o Estado do Amazonas (STF Rcl 12957/AM). 

Vale ressaltar que, para se caracterizar a hipótese do art. 102, I, “f”, da CF/88, é indispensável que, além de haver uma causa envolvendo União e Estado/DF ou Estado contra Estado, essa demanda deve ter densidade suficiente para abalar o pacto federativo. Em outras palavras, não é qualquer causa envolvendo União contra Estado/DF ou Estado contra Estado que irá ser julgada pelo STF, mas somente quando essa disputa puder resultar em ofensa às regras do sistema federativo. Confira: 

Diferença entre conflito entre entes federados e conflito federativo: enquanto no primeiro, pelo prisma subjetivo, observa-se a litigância judicial promovida pelos membros da Federação, no segundo, para além da participação desses na lide, a conflituosidade da causa importa em potencial desestabilização do próprio pacto federativo. Há, portanto, distinção de magnitude nas hipóteses aventadas, sendo que o legislador constitucional restringiu a atuação da Corte à última delas, nos moldes fixados no Texto Magno, e não incluiu os litígios e as causas envolvendo Municípios como ensejadores de conflito federativo apto a exigir a competência originária da Corte. STF. Plenário. ACO 1.295-AgR-segundo, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 14/10/2010. 


Mero conflito entre entes federados 

Trata-se da disputa judicial envolvendo União (ou suas entidades) contra Estado-membro (ou suas entidades). 

Em regra, é julgado pelo juiz federal de 1ª instância. 


Conflito federativo 

Trata-se da disputa judicial envolvendo União (ou suas entidades) contra Estado-membro (ou suas entidades) e que, em razão da magnitude do tema discutido, pode gerar uma desestabilização do próprio pacto federativo. 

É julgado pelo STF (art. 102, I, “f” da CF/88). 


No caso concreto, o Estado-membro propôs ação pedindo para que a União implemente atos administrativos e faça a alocação de recursos destinados à realização do censo demográfico no ano de 2021. Essa demanda apresenta fator de potencial desestabilização do pacto federativo, de maneira a atrair a competência originária do STF. Vale ressaltar que não se trata aqui de mero prejuízo patrimonial causado a um ou a outro Estado da Federação em decorrência de ato específico praticado pela Administração Pública Federal. Trata-se, na verdade, de decisão governamental que, esvaziando o orçamento dedicado às pesquisas censitárias do IBGE, resulta na defasagem de informações e estatísticas essenciais para a promoção do equilíbrio socioeconômico dos entes da Federação. Em suma, quanto à competência, podemos concluir que: 

Compete ao STF julgar, com base no art. 102, I, “f”, da CF/88, ação cível originária que questiona a inércia da Administração Pública federal relativamente à organização, ao planejamento e à execução do Censo Demográfico do IBGE. STF. Plenário. ACO 3508 TA-Ref/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 14/5/2021 (Info 1017). 

E quanto ao mérito, o STF concordou com o pedido formulado? 

SIM. O STF determinou a adoção das medidas administrativas e legislativas necessárias à realização do Censo Demográfico do IBGE no exercício financeiro seguinte ao da concessão da tutela de urgência (2022), observados os parâmetros técnicos preconizados pelo IBGE, devendo a União adotar todas as medidas legais necessárias para viabilizar a pesquisa censitária, inclusive no que se refere à previsão de créditos orçamentários para a realização das despesas públicas. 

Escolha política ilegítima 

A AGU alegou que a não realização do Censo Demográfico ocorreu em razão de desequilíbrios fiscais causados pela pandemia da Covid-19. Ponderou, ainda, que os cortes promovidos pelos Poderes Executivo e Legislativo no orçamento de 2021 constituem mecanismos legítimos de seleção dos interesses da comunidade que, diante da notória escassez de verbas públicas, serão efetivamente promovidos pelo governo federal. O STF, contudo, não concordou com esse argumento. Para a Corte, ao não destinar valores suficientes no orçamento para a realização do Censo, a União adotou uma escolha política ilegítima: 

Configura-se ilegítima a escolha política que, esvaziando as dotações orçamentárias vocacionadas às pesquisas censitárias do IBGE, inibe a produção de dados demográficos essenciais ao acompanhamento dos resultados das políticas sociais do Estado brasileiro. STF. Plenário. ACO 3508 TA-Ref/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 14/5/2021 (Info 1017). 

Existe uma determinação legal de realização do Censo Demográfico 

A Lei nº 8.184/91 determinou a realização periódica do Censo Demográfico: 

Art. 1º A periodicidade dos Censos Demográficos e dos Censos Econômicos, realizados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), será fixada por ato do Poder Executivo, não podendo exceder a dez anos a dos Censos Demográficos e a cinco anos a dos Censos Econômicos. 

Desse modo, o Poder Legislativo, ao editar a Lei nº 8.184/91, reconheceu a essencialidade do Censo Demográfico para a formulação e acompanhamento de políticas públicas, assim como para o planejamento de investimentos privados e, por conseguinte, para o desenvolvimento da economia nacional. Embora o legislador tenha conferido certo grau de discricionariedade ao gestor público para definição da periodicidade das pesquisas censitárias, há o limite temporal de 10 anos que deve ser sempre observado. Dada a eloquência do dispositivo legal e considerando que a última pesquisa do IBGE ocorreu em 2010, ou seja, há mais de dez anos, não há dúvidas de que o simples atraso do Poder Público em relação ao oferecimento dos recursos financeiros necessários ao planejamento, organização e execução do Censo Demográfico de 2021 já seria, por si mesmo, postura altamente censurável. 

Relevância social do Censo 

A não realização do recenseamento pelo IBGE impede o levantamento de indicadores necessários para a atualização dos coeficientes de partilha do Fundo de Participação dos Estados (FPE), Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e salário-educação, mecanismos necessários para a garantia da autonomia política e financeira dos entes subnacionais menos favorecidos economicamente. Essa consequência é ainda mais nociva no que diz respeito aos Estados mais carentes que, por razões históricas e sociais, dependem da partilha do produto dos impostos federais para manutenção de sua autonomia política e financeira. Explicando melhor: a distribuição de receitas mediante fundos de participação faz-se em duas etapas. Os percentuais aludidos na Constituição Federal indicam o quanto da receita arrecadada pela União deve ser redistribuída aos Estados e Municípios. Não há, contudo, no texto constitucional, detalhamento a respeito do valor que será recebido por cada Estado ou Município individualmente. Coube, assim, à lei complementar definir os critérios de rateio do produto da arrecadação federal, consoante previsão do art. 161, II, da Constituição Federal. Quanto ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM), os critérios são determinados pelo CTN e pela LC 91/97, que se utilizam de fatores relacionados ao número de habitantes e do inverso da renda per capita, conforme estimativas do IBGE. Recentemente, a LC 165/2019 determinou o congelamento dos coeficientes individuais de distribuição previstos na LC 91/97, até a realização do recenseamento pelo IBGE. A justificativa para a edição da LC 165/2019 foi a de que os dados estão defasados, considerando que o último Censo Demográfico foi realizado em 2010. Dessa forma, para evitar prejuízos a parcela dos Municípios brasileiros, o Congresso Nacional congelou os coeficientes individuais de participação utilizados no exercício de 2018, até que os dados demográficos fossem atualizados com base em nova pesquisa censitária. O mecanismo previsto na lei partia da premissa de que o recenseamento previsto para 2020 levantaria dados atualizados sobre o número de habitantes e inverso da renda per capita de cada municipalidade, resultando, então, em um cálculo mais preciso e justo das cotas-partes do FPM. Daí porque se conclui que os sucessivos adiamentos da realização do Censo Demográfico acabam por inibir a produção de informações demográficas essenciais, comprometendo a justa distribuição dos recursos do FPM. No âmbito dos Estados-membros essa realidade também se observa. Os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE) foram regulamentados pela LC 143/2013, que alterou a redação do art. 2º da LC 62/89. A nova lei manteve os coeficientes individuais de participação previstos no Anexo Único da LC 62/89 até 31 de dezembro de 2015. Para o período subsequente, vinculou a distribuição de parcela significativa dos recursos do FPE a dados censitários publicados pelo IBGE (art. 2º, §3º), notadamente a coeficientes individuais obtidos a partir da combinação de fatores representativos da população e do inverso de renda domiciliar per capita (art. 2º, III). A forte dependência dos mecanismos constitucionais de partilha de receitas tributárias em relação a informações demográficas e estatísticas do IBGE não se resume ao FPE e FPM. Ao contrário, há outras espécies de transferências intergovernamentais cujo bom funcionamento depende de dados censitários levantados pelos órgãos oficiais de estatística do governo federal. 

Acompanhamento das políticas sociais 

A ausência do Censo inviabiliza o acompanhamento dos resultados das políticas sociais dos governos federal, estadual e municipal. Com isso, não permite o contínuo aprimoramento do sistema de proteção social brasileiro. 

Proibição de proteção insuficiente 

Os diplomas normativos editados para a satisfação de direitos constitucionais não contêm apenas uma proibição de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Há, assim, para utilizar a expressão de, não apenas a proibição do excesso (Übermassverbote), mas também a proibição de proteção insuficiente (Untermassverbote). Por isso, a execução de leis dotadas de substrato constitucional não pode ser deixada ao livre alvedrio do gestor público, sob pena de comprometimento, por via transversa, de opções políticas sedimentadas na própria Constituição Federal. No exercício da jurisdição constitucional cabe ao Tribunal atuar na defesa dos direitos constitucionais negligenciados pelo Estado, notadamente nas hipóteses em que se constata descumprimento inercial de políticas públicas instituídas pelo Poder Legislativo. 

Determinação para a realização do Censo apenas em 2022 

O STF determinou que o Poder Executivo implemente a referida política pública apenas no exercício financeiro subsequente à decisão, ou seja, em 2022. Por que se adotou essa solução e não se determinou a realização do Censo já em 2021? O Min. Gilmar Mendes explicou que é necessário fazer a defesa dos direitos negligenciados, mas sem invadir o domínio dos representantes democraticamente eleitos ou assumir compromisso com a conformação das políticas públicas. Assim, deve-se reservar atuações mais incisivas apenas para situações excepcionais. Por isso, o STF afirmou que estaria adotando uma “solução conciliadora”, capaz de, a um só tempo, realizar a vocação constitucional da lei negligenciada, sem descurar do espaço de discricionariedade próprio das instâncias políticas. Solução semelhante já havia sido adotada pela Corte no julgamento do MI 7300/DF. A União já deveria ter implementado o programa “renda básica de cidadania”, instituído pela Lei nº 10.835/2004, mas ainda não o fez. Diante disso, o STF, constatando o estado de mora inconstitucional, determinou que o programa seja efetivado pelo Presidente da República no exercício fiscal seguinte ao da conclusão do julgamento de mérito (ou seja, 2022). Nesse sentido: STF. Plenário. MI 7300/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 26/4/2021 (Info 1014).