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9 de novembro de 2021

DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA - O § 3º do art. 326-A do Código Eleitoral, incluído pela Lei 13.834/2019, é constitucional

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/10/info-1026-stf.pdf


DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA - O § 3º do art. 326-A do Código Eleitoral, incluído pela Lei 13.834/2019, é constitucional 

A sanção abstratamente prevista para o crime de “divulgação de ato objeto de denunciação caluniosa eleitoral” está em consonância com os princípios da proporcionalidade e da individualização da pena. Art. 326-A (...) § 3º Incorrerá nas mesmas penas deste artigo quem, comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente atribuído. 

STF. Plenário. ADI 6225/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 20/8/2021 (Info 1026). 

O Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65) prevê alguns crimes. A Lei nº 13.834/2019 acrescentou um novo artigo a esse diploma, criando o crime de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral. 

CRIMES ELEITORAIS 

Para que uma infração penal possa ser considerada como “crime eleitoral”, é necessário o preenchimento de dois requisitos: 

1) previsão na lei eleitoral: a conduta delituosa deve estar prevista em lei que trate sobre direito eleitoral; e 

2) finalidade eleitoral: a conduta do agente deve ter sido praticada com o objetivo de violar bem jurídico eleitoral, ou seja, é preciso que o crime tenha sido praticado com objetivo de atingir valores como a liberdade do exercício do voto, a regularidade do processo eleitoral e a preservação do modelo democrático. 

Nesse sentido: 

(...) 1. A simples existência, no Código Eleitoral, de descrição formal de conduta típica não se traduz, incontinenti, em crime eleitoral, sendo necessário, também, que se configure o conteúdo material de tal crime. 2. Sob o aspecto material, deve a conduta atentar contra a liberdade de exercício dos direitos políticos, vulnerando a regularidade do processo eleitoral e a legitimidade da vontade popular. Ou seja, a par da existência do tipo penal eleitoral específico, faz-se necessária, para sua configuração, a existência de violação do bem jurídico que a norma visa tutelar, intrinsecamente ligado aos valores referentes à liberdade do exercício do voto, a regularidade do processo eleitoral e à preservação do modelo democrático. 3. A destruição de título eleitoral da vítima, despida de qualquer vinculação com pleitos eleitorais e com o intuito, tão somente, de impedir a identificação pessoal, não atrai a competência da Justiça Eleitoral. (...) STJ. 3ª Seção. CC 127.101/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 11/02/2015. 

Se o crime foi praticado no contexto eleitoral, mas não está tipificado na legislação eleitoral, o agente responderá por crime “comum”, sendo julgado pela Justiça “comum” federal. É o caso, por exemplo, do desacato contra juiz eleitoral: 

PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME COMUM PRATICADO CONTRA JUIZ ELEITORAL. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. A competência criminal da Justiça Eleitoral se restringe ao processo e julgamento dos crimes tipicamente eleitorais. 2. O crime praticado contra Juiz Eleitoral, ou seja, contra órgão jurisdicional de cunho federal, evidencia o interesse da União em preservar a própria administração. 3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal do Juizado Especial Cível e Criminal da Seção Judiciária do Estado de Rondônia, ora suscitado. STJ. 3ª Seção. CC 45552/RO, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 08/11/2006. 

Os crimes eleitorais estão todos previstos no Código Eleitoral? 

NÃO. Existem crimes eleitorais tipificados em outras leis que tratam sobre matéria eleitoral: Lei nº 6.091/74, Lei nº 6.996/82, Lei nº 7.021/82, LC nº 64/90, Lei nº 9.504/97. 

De quem é a competência para julgar crimes eleitorais? 

Da Justiça Eleitoral. Essa competência poderá ser dos Juízes Eleitorais, dos Tribunais Regionais Eleitorais ou do Tribunal Superior Eleitoral. Feitos esses esclarecimentos que reputava necessários, vejamos o crime eleitoral inserido pela Lei nº 13.834/2019: 

DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA COM FINALIDADE ELEITORAL 

Art. 326-A. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa. § 1º A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve do anonimato ou de nome suposto. § 2º A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção. § 3º Incorrerá nas mesmas penas deste artigo quem, comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente atribuído. 

Em que consiste o crime 

O agente, ... 

- movido por uma finalidade eleitoral (ex: para denegrir a imagem do adversário político), 

- pratica alguma conduta por meio da qual atribui a determinada pessoa a prática de um crime ou ato infracional, 

- mesmo sabendo que ela é inocente, 

- fazendo com que as autoridades iniciem... 

• uma investigação policial 

• um processo judicial 

• uma investigação administrativa 

• um inquérito civil 

• ou uma ação de improbidade administrativa. 

Necessidade de criar o crime e diferença em relação à denunciação caluniosa do CP 

O Código Penal também prevê, no art. 339, o crime de denunciação caluniosa, com redação muito semelhante ao art. 326-A do CE. A pena, inclusive, é mesma. A única diferença é que, na denunciação caluniosa do art. 326-A do CE, exige-se que o sujeito ativo tenha agido “com finalidade eleitoral”. Antes da Lei nº 13.834/2019, caso o agente tivesse praticado essa conduta “com finalidade eleitoral”, ele respondia pelo do art. 339 do CP, sendo o crime julgado pela Justiça Comum Federal (obs: o crime era julgado pela Justiça Federal porque era praticado em detrimento da Justiça Eleitoral, que é um órgão da União, atraindo, portanto, a hipótese do art. 109, IV, da CF/88). Nesse sentido, confira este precedente do TSE: 

Ação penal. Justiça Eleitoral. Incompetência. Denunciação caluniosa. 1. Considerando que o art. 339 do Código Penal não tem equivalente na legislação eleitoral, a Corte de origem assentou a incompetência da Justiça Eleitoral para exame do fato narrado na denúncia - levandose em conta que a hipótese dos autos caracteriza, em tese, ofensa à administração desta Justiça Especializada -, anulou a sentença e determinou a remessa dos autos à Justiça Federal. 2. É de se manter o entendimento do Tribunal a quo, visto que a denunciação caluniosa decorrente de imputação de crime eleitoral atrai a competência da Justiça Federal, visto que tal delito é praticado contra a administração da Justiça Eleitoral, órgão jurisdicional que integra a esfera federal, o que evidencia o interesse da União, nos termos do art. 109, inciso IV, da Constituição Federal. (Agravo de Instrumento nº 26717, Acórdão, Relator(a) Min. Arnaldo Versiani, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 07/04/2011, Página 42) 

Assim, com a inclusão do art. 326-A do CE, praticamente a única mudança foi quanto à competência: 

• Se o agente praticasse denunciação caluniosa com finalidade eleitoral antes da Lei nº 13.834/2019: ele responderia pelo crime do art. 339 do CP, sendo julgado pela Justiça Comum Federal.

• Se o agente praticar denunciação caluniosa com finalidade eleitoral depois da Lei nº 13.834/2019: ele responde pelo crime do art. 326-A do CE, sendo julgado pela Justiça Eleitoral. 

Bem jurídico protegido 

Esse crime tem por objetivo proteger, em primeiro lugar, a Administração da Justiça. Em outras palavras, punese o agente pelo fato de ter movimentado a Justiça (aqui entendida em sentido amplo) mesmo sabendo que a pessoa a quem se atribuiu o crime (ou ato infracional) era inocente. Além disso, o tipo busca proteger também, secundariamente, a honra da pessoa a quem se atribuiu o crime ou ato infracional. 

Dar causa 

Significa provocar, dar início. Essa provocação pode ser: 

a) direta: quando o agente, em nome próprio, provoca as autoridades afirmando que a pessoa praticou o crime ou o ato infracional; 

b) indireta: quando o agente se vale de meios dissimulados para provocar as autoridades. Exs: delação anônima, “plantar” droga na bagagem da vítima. 

Sujeito ativo 

Pode ser praticado por qualquer pessoa. Trata-se de crime comum. 

Sujeito passivo 

O Estado e a pessoa a quem se atribuiu falsamente a prática do delito. 

Elemento subjetivo 

É o dolo direto, considerando que o tipo penal utiliza a expressão “imputando-lhe crime de que o sabe inocente”. Desse modo, é imprescindível que esteja provado que o agente tenha efetivo conhecimento da inocência da pessoa e, mesmo assim, dê causa à instauração do procedimento. Não se admite o dolo eventual nem a modalidade culposa. Além do dolo, o crime do art. 326-A do CE exige um elemento subjetivo especial (“dolo específico”): a finalidade eleitoral. Assim, o sujeito ativo deve ter dado causa à instauração, motivado por objetivos eleitorais (ex: impedir que o adversário político concorra, fazer com que ele perca votos etc.). 

Consumação 

O crime se consuma quando a autoridade dá início à investigação policial, ao processo judicial, à investigação administrativa, ao inquérito civil ou à ação de improbidade administrativa. 

Tentativa 

É possível. Ex: o agente narra que determinada pessoa praticou um crime, mas o Delegado constata que se trata de uma falsa delação antes mesmo de instaurar a investigação. 

Anonimato 

Se o agente se serve do anonimato ou de nome suposto, haverá contra ele uma causa de aumento de pena de 1/6. 

§ 1º A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve do anonimato ou de nome suposto. 

Denunciação caluniosa privilegiada 

Se o agente dá causa à instauração do procedimento imputando falsamente a prática de uma contravenção penal, haverá uma causa de diminuição de pena de 1/2 (metade). 

§ 2º A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção. 

Divulga ou propaga ato ou fato falsamente atribuído 

O agente também responde pelas mesmas penas se não foi ele quem deu causa à instauração, mas ele sabendo que o denunciado é inocente, divulga ou propala o ato ou fato que foi falsamente atribuído: 

§ 3º Incorrerá nas mesmas penas deste artigo quem, comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente atribuído. 

O agente do crime tipificado no § 3º não deu causa à instauração do processo ou da investigação policial. Ele, no entanto, sabe que aquela imputação é falsa e, mesmo assim, divulga esse fato, com objetivos eleitorais, para enganar eleitores e influenciar no pleito. Ele se vale de uma aparência de veracidade do fato calunioso. Os eleitores tendem a acreditar que aquela imputação divulgada é verdadeira porque representa a notícia de um processo ou investigação. O Min. Gilmar Mendes afirma que esse § 3º do art. 326-A do CE representa “importante mecanismo para repressão penal de fake news utilizadas para tentar corromper o processo eleitoral e, consequentemente, atacar a democracia brasileira. Não se pode admitir a divulgação, com finalidade eleitoral, de ato ou fato que se sabe falsamente atribuído a pessoa inocente.” (ADI 6226/DF). Vale ressaltar que este § 3º foi vetado pelo Presidente da República com base na seguinte justificativa: 

“A propositura legislativa ao acrescer o art. 326-A, caput, ao Código Eleitoral, tipifica como crime a conduta de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral. Ocorre que o crime previsto no § 3º do referido art. 326-A da propositura, de propalação ou divulgação do crime ou ato infracional objeto de denunciação caluniosa eleitoral, estabelece pena de reclusão, de dois a oito anos, e multa, em patamar muito superior à pena de conduta semelhante já tipificada no § 1º do art. 324 do Código Eleitoral, que é de propalar ou divulgar calúnia eleitoral, cuja pena prevista é de detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Logo, o supracitado § 3º viola o princípio da proporcionalidade entre o tipo penal descrito e a pena cominada.” 

O Congresso Nacional, contudo, decidiu rejeitar o veto, razão pela qual o § 3º foi promulgado, publicado e entrou em vigor. 

Calúnia eleitoral x denunciação caluniosa eleitoral 

Calúnia (art. 324 do CE) 

Art. 324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena. detenção de seis meses a dois anos, e pagamento de 10 a 40 dias-multa. 

O agente apenas imputa falsamente um fato definido como crime. 

O agente somente quer atingir a honra da vítima na propaganda eleitoral ou com fins de propaganda. 

A imputação é unicamente de crime. Não existe calúnia se o agente imputa falsamente a prática de uma contravenção penal. 


Denunciação caluniosa (art. 326-A do CE) 

Art. 326-A. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa. 

O agente, além de imputar falsamente um fato definido como crime, leva essa imputação para as autoridades para que seja instaurado um procedimento contra a vítima. 

O agente quer que seja instaurado um procedimento ou processo contra a vítima. Seu objetivo é eleitoral, mas não necessariamente relacionado com a propaganda eleitoral (ex: o agente dá causa à instauração de uma ação penal com o objetivo de que a vítima seja condenada e que, portanto, fique impedida de concorrer). 

A imputação falsa pode ser de crime ou contravenção penal. 


Ação penal 

Ação penal pública incondicionada. Todos os crimes eleitorais são de ação pública incondicionada, conforme prevê o art. 355 do Código Eleitoral: 

Art. 355. As infrações penais definidas neste Código são de ação pública. 


Suspensão condicional do processo 

A figura típica do caput não admite suspensão condicional do processo porque a pena mínima é superior a 1 ano. No caso da prática do § 2º, é possível a concessão do referido benefício. 


Vigência 

A Lei nº 13.834/2019 entrou em vigor na data de sua publicação (05/06/2019). 

ADI QUESTIONANDO A PENA PREVISTA PARA O CRIME 

O Partido Social Liberal – PSL ajuizou ADI contra o § 3º do art. 326-A do Código Eleitoral (aquele dispositivo que foi vetado e, depois, o veto foi rejeitado). O autor sustentou que esse dispositivo violaria, entre outros, os seguintes princípios e regras constitucionais: 

a) o princípio da proporcionalidade entre a infração penal cometida e a pena cominada; 

b) o princípio da individualização da pena; 

c) o direito fundamental à liberdade de expressão. 

O Partido argumentou que: 

- o caput do art. 326-A protege, como bem jurídico, a Administração Pública e, especificamente, a Administração da Justiça. 

- o § 3º do art. 326-A, por sua vez, descreve um crime contra a honra (bem jurídico menos relevante que a Administração da Justiça) e, mesmo assim, foi prevista a mesma pena do caput; 

- logo, o crime contra a honra tipificado no § 3º do art. 326-A teria “uma pena absolutamente excessiva, considerando-se o bem jurídico tutelado”. 

Esse argumento foi acolhido pelo STF? O § 3º do art. 326-A do Código Eleitoral é inconstitucional? NÃO. 

A sanção abstratamente prevista para o crime de “divulgação de ato objeto de denunciação caluniosa eleitoral” está em consonância com os princípios da proporcionalidade e da individualização da pena. STF. Plenário. ADI 6225/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 20/8/2021 (Info 1026). 

O objeto jurídico tutelado pelo § 3º do art. 326-A não se refere apenas à honra do acusado 

A pena cominada ao delito previsto no § 3º do art. 326-A do Código Eleitoral não se mostra desproporcional aos bens jurídicos tutelados em face das consequências da conduta. Não há como se equiparar a reprovabilidade do § 3º do art. 326-A à reprovabilidade dos crimes contra a honra previstos no Código Penal ou no Código Eleitoral. O objeto jurídico tutelado pelo § 3º do art. 326-A não se refere apenas à honra subjetiva ou objetiva do acusado, mas abrange, principalmente, a legitimidade do processo eleitoral e a higidez do sistema representativo democrático. Aquele que dá causa à investigação ou a processo, atribuindo, com finalidade eleitoral, a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, como também aquele que divulga falsa acusação, sabendo da inocência do acusado, prejudicam, a um só tempo, o eleitor, o candidato, a Administração Pública e o regime democrático. Deve-se reconhecer como acentuada a culpabilidade daquele que, com intuito de influenciar as eleições e ciente da inocência do acusado, dissemina a falsa imputação, valendo-se da aparência de credibilidade decorrente da instauração de investigação ou processo. 

Liberdade de expressão não é absoluta 

O direito fundamental à liberdade de manifestação de pensamento e às demais liberdades públicas não é absoluto e não constitui permissão para a prática de ilícitos, como o que se considera na norma questionada na presente ação. Não se deve confundir o livre trânsito de ideias, críticas e opiniões com atitude que falseia a verdade, compromete os princípios democráticos, acolhe discurso de ódio e de impostura, vicia a liberdade de informação e de escolha a ser feita pelo eleitor. 

Conclusão 

Com base nesse entendimento, o Plenário julgou improcedente o pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade.

 

14 de maio de 2021

DIREITO PENAL - DETRAÇÃO: O tempo que o réu ficou submetido à medida cautelar de recolhimento domiciliar com tornozeleira pode ser descontado da pena imposta na condenação

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-693-stj.pdf 


DIREITO PENAL - DETRAÇÃO: O tempo que o réu ficou submetido à medida cautelar de recolhimento domiciliar com tornozeleira pode ser descontado da pena imposta na condenação 

É possível considerar o tempo submetido à medida cautelar de recolhimento noturno, aos finais de semana e dias não úteis, supervisionados por monitoramento eletrônico, com o tempo de pena efetivamente cumprido, para detração da pena. STJ. 3ª Seção. HC 455.097/PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 14/04/2021 (Info 693). 

O que é detração penal? 

A detração penal ocorre quando 

- o juiz desconta 

- da pena ou da medida de segurança aplicada ao réu 

- o tempo que ele ficou preso antes do trânsito em julgado 

- ou o tempo em que ficou internado em hospital de custódia (medida de segurança). 

Exemplo: 

Eduardo foi preso em flagrante por roubo com emprego de arma em 02/01/2011. Foi, então, denunciado pelo art. 157, § 2º, I, do CP, tendo respondido o processo preso cautelarmente. Em 01/08/2011 foi sentenciado a 5 anos de reclusão, tendo ocorrido o trânsito em julgado. Percebe-se, portanto, que Eduardo ficou preso provisoriamente (antes do trânsito em julgado) durante 7 meses. Este período de prisão provisória (7 meses) deverá ser descontado, pelo magistrado, da pena imposta a Eduardo (5 anos). Assim, restará a Eduardo cumprir ainda 4 anos e 5 meses de reclusão. O ato do juiz de descontar este período é chamado, pela lei, de detração. 

A detração está prevista no art. 42 do Código Penal: 

Art. 42. Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior. 

Veja como o tema já foi cobrado em prova: 

 (Cartórios TJCE 2018) O abatimento na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, do tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em hospital de custódia, ou outro estabelecimento adequado é chamado de detração. (certo) 

 (Agente_Penitenciário 2018 FCC) A detração consiste no cômputo do tempo de prisão preventiva na pena privativa de liberdade. (certo) “Por prisão provisória, devem ser entendidas todas as formas de prisão cautelar admitidas processualmente: prisão em flagrante, preventiva etc.” ▪Paulo Queiroz, Curso de direito penal. v. 1. 

Imagine agora a seguinte situação hipotética: 

João foi condenado a uma pena de 5 anos de reclusão. Vale ressaltar que, durante o processo, João não ficou preso preventivamente. No entanto, o juiz determinou que ele deveria se submeter à medida cautelar de recolhimento domiciliar noturno, aos finais de semana e dias não úteis, cumulada com fiscalização eletrônica, nos termos do art. 319, V e IX, do CPP: 

Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: (...) V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; (...) IX - monitoração eletrônica. 

Assim, durante 1 ano, João cumpriu essa medida cautelar diversa da prisão. 

Diante disso, indaga-se: esse 1 ano poderá ser descontado da pena imposta com base na detração? SIM. 

É possível considerar o tempo submetido à medida cautelar de recolhimento noturno, aos finais de semana e dias não úteis, supervisionados por monitoramento eletrônico, como tempo de pena efetivamente cumprido, para detração da pena. STJ. 3ª Seção. HC 455.097/PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 14/04/2021 (Info 693). 

Deve-se interpretar a legislação que regula a detração de forma que favoreça o sentenciado. Isso harmoniza-se com o Princípio da Humanidade, que impõe ao juízo da Execução Penal a especial percepção da pessoa presa como sujeito de direitos. Se fosse proibida a detração nesse caso, estaríamos diante de excesso de execução. Isso porque a medida cautelar imposta com base no art. 319, V e IX, do CPP representou uma limitação objetiva à liberdade do réu, ainda que menos grave que a prisão. A medida cautelar do art. 319, V e IX, impede o acautelado de sair de casa após o anoitecer e em dias não úteis e, dessa forma, assemelha-se ao cumprimento de pena em regime prisional semiaberto. O cumprimento de pena em regime semiaberto gera direito à detração, razão pela qual a presente situação também deve garantir o mesmo direito. Aplica-se aqui o brocardo latino Ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, que significa, em uma tradução literal: onde existe a mesma razão fundamental, aplica-se a mesma regra jurídica. O STJ, nos casos em que há a configuração dos requisitos do art. 312 do CPP, admite que a condenação em regime semiaberto produza efeitos antes do trânsito em julgado da sentença (prisão preventiva compatibilizada com o regime carcerário do título prisional). Nessa perspectiva, mostra-se incoerente impedir que a medida cautelar que pressuponha a saída do paciente de casa apenas para laborar, e durante o dia, seja descontada da reprimenda. O STJ concluiu, portanto, que as hipóteses previstas no art. 42 do Código Penal (prisão provisória, prisão administrativa e internação) não representam um rol taxativo. Desse modo, o período de recolhimento domiciliar, aplicado simultaneamente a monitoração eletrônica, para fiscalização de seu cumprimento, deve ser objeto de detração penal. 

O cálculo da detração deverá considerar a quantidade de horas efetivas de recolhimento domiciliar 

O recolhimento noturno, diferentemente da prisão preventiva, tem restrições pontuais ao direito de liberdade. Por essa razão, o STJ afirmou que o cálculo da detração considerará a soma da quantidade de horas efetivas de recolhimento domiciliar com monitoração eletrônica, as quais serão convertidas em dias para o desconto da pena. Assim, o tempo a ser aferido para fins de detração é somente aquele em que o acautelado se encontra obrigatoriamente recolhido em casa, não sendo computado o período em que lhe é permitido sair. No mesmo sentido: 

Qualquer prisão processual deve ser detraída da pena final imposta, não importa o local de seu cumprimento - cadeia, domicílio ou hospital -, devendo, portanto, a decisão ser mantida por seus próprios fundamentos. Assim, mesmo o tempo em que o indivíduo ficou em prisão domiciliar também deve ser detraído do tempo total de pena. STJ. 6ª Turma. AgRg no AgRg nos EDcl no HC 442.538/PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 05/03/2020. 

O cumprimento de prisão domiciliar, por comprometer o status libertatis da pessoa humana, deve ser reconhecido como pena efetivamente cumprida para fins de detração da pena, em homenagem ao princípio da proporcionalidade e em apreço ao princípio do non bis in idem. STJ. 5ª Turma. HC 459.377/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 04/09/2018. 

DOD PLUS – OUTROS JULGADOS SOBRE DETRAÇÃO 

A detração penal não se aplica à pena de prestação pecuniária 

Não é possível a aplicação da detração, na pena privativa de liberdade, do valor recolhido a título de prestação pecuniária. Isso porque, a prestação pecuniária tem caráter penal e indenizatório, com consequências jurídicas distintas da prestação de serviços à comunidade (em que se admite a detração). STJ. 5ª Turma. REsp 1853916/PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em04/08/2020. STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 401.049/SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 13/12/2018. 

É possível que haja a detração em processos criminais distintos? 

1) Se a prisão cautelar foi ANTERIOR ao crime pelo qual a pessoa foi condenada: NÃO 

2) Se a prisão cautelar foi POSTERIOR ao crime pelo qual a pessoa foi condenada: SIM É cabível a aplicação do benefício da detração penal, previsto no art. 42 do CP, em processos distintos, desde que o delito pelo qual o sentenciado cumpre pena tenha sido cometido antes da segregação cautelar, evitando a criação de um crédito de pena. 

STJ. 5ª Turma. HC 178894-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 13/11/2012.

27 de abril de 2021

É possível considerar o tempo submetido à medida cautelar de recolhimento noturno, aos finais de semana e dias não úteis, supervisionados por monitoramento eletrônico, com o tempo de pena efetivamente cumprido, para detração da pena.

 HC 455.097/PR, Rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 14/04/2021.

Medida cautelar de recolhimento noturno, finais de semana e dias não úteis. Monitoração eletrônica. Detração. Possibilidade. Princípio da humanidade. Excesso de execução. Providência cautelar que se assemelha ao cumprimento de pena em regime prisional semiaberto. Ubi eadem ratioibi eadem legis dispositio. Hipóteses do art. 42 do CP que não são numerus clausus.


Inicialmente, frise-se que a detração é prevista no art. 42 do Código Penal, segundo o qual se computa, "na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referido no artigo anterior".

Interpretar a legislação que regula a detração de forma que favoreça o sentenciado harmoniza-se com o Princípio da Humanidade, que impõe ao Juiz da Execução Penal a especial percepção da pessoa presa como sujeito de direitos.

O óbice à detração do tempo de recolhimento noturno e aos finais de semana determinado com fundamento no art. 319 do Código de Processo Penal sujeita o apenado a excesso de execução, em razão da limitação objetiva à liberdade concretizada pela referida medida diversa do cárcere.

Note-se que a medida diversa da prisão que impede o acautelado de sair de casa após o anoitecer e em dias não úteis assemelha-se ao cumprimento de pena em regime prisional semiaberto. Se nesta última hipótese não se diverge que a restrição da liberdade decorre notadamente da circunstância de o agente ser obrigado a recolher-se, igual premissa deve permitir a detração do tempo de aplicação daquela limitação cautelar. Ubi eadem ratioibi eadem legis dispositio: onde existe a mesma razão fundamental, aplica-se a mesma regra jurídica.

O Superior Tribunal de Justiça, nos casos em que há a configuração dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, admite que a condenação em regime semiaberto produza efeitos antes do trânsito em julgado da sentença (prisão preventiva compatibilizada com o regime carcerário do título prisional). Nessa perspectiva, mostra-se incoerente impedir que a medida cautelar que pressuponha a saída do paciente de casa apenas para laborar, e durante o dia, seja descontada da reprimenda.

Essa conjuntura impõe o reconhecimento de que as hipóteses do art. 42 do Código Penal não consubstanciam rol taxativo.

Desse modo, conclui-se que o período de recolhimento domiciliar, aplicado simultaneamente a monitoração eletrônica, para fiscalização de seu cumprimento, deve ser objeto de detração penal.