Mostrando postagens com marcador Autorização judicial. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Autorização judicial. Mostrar todas as postagens

17 de fevereiro de 2022

O requerimento de simples guarda dos registros de acesso a aplicações de internet ou registros de conexão por prazo superior ao legal, feito por autoridade policial, administrativa ou Ministério Público, prescinde de prévia autorização judicial

Processo

HC 626.983-PR, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF da 1ª Região), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 08/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Marco Civil da Internet. Arts. 13, §2º e 15, §2º, da Lei n. 12.965/2014. Provedores e plataformas dos registros de conexão e registros de acesso a aplicações de internet. Ministério Público. Requerimento cautelar de guarda dos dados e conteúdos por período determinado além do prazo legal. Prévia autorização judicial. Desnecessidade. Efetivo acesso dependente de ordem judicial.

 

DESTAQUE

O requerimento de simples guarda dos registros de acesso a aplicações de internet ou registros de conexão por prazo superior ao legal, feito por autoridade policial, administrativa ou Ministério Público, prescinde de prévia autorização judicial.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Controverte-se sobre a possibilidade de preservação do conteúdo telemático junto aos provedores de interneta pedido do Ministério Público, sem autorização judicial.

A Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) dispõe que "a guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet", nela tratados, "bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas" (art. 10).

Mas ressalva que o provedor responsável pela guarda está obrigado a disponibilizar os registros (de conexão e de acesso a aplicações da internet), mediante ordem judicial (art. 10, §§ 1º e 2º), com a finalidade de "formar conjunto probatório em processo judicial cível ou criminal, em caráter incidental ou autônomo" (art.22), a pedido da parte interessada, desde que haja "indícios fundados da ocorrência do ilícito", "justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória" e "período ao qual se referem os registros" (art. 22, incisos I, II e III).

Trata-se de matéria que recebe tratamento específico da Lei n. 12.965/2014, ao dispor que constitui dever jurídico do administrador do respectivo sistema autônomo manter os registros de conexão, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 1 (um) ano (art. 13); e, do provedor de aplicações de internet, por sua vez, manter os registros de acesso, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 6 (seis) meses (art. 15).

Dispõe, ainda, que a autoridade policial, administrativa ou o Ministério Público poderão requerer cautelarmente que os registros de conexão sejam guardados por prazo superior a 1 (um) ano (art. 13, § 2º), e os registros de acesso a aplicações de internet por prazo superior a 6 (seis) meses (art. 15, § 2º), devendo, nas duas situações, e no prazo de 60 (sessenta) dias, contados do requerimento administrativo, ingressar com o pedido de autorização judicial de acesso aos (dois) registros (arts. 13, § 3º, e 15, § 2º):

Nesse ponto, ao dispor que a autoridade policial, administrativa ou o Ministério Público poderão requerer cautelarmente - que os registros de conexão sejam guardados por prazo superior a 1 (um) ano (art. 13, § 2º), e os registros de acesso a aplicações de internet por prazo superior a 6 (seis) meses (art. 15, § 2º) -, a Lei disse menos do que pretendia.

É que, quem requer alguma coisa, pura e simplesmente pode tê-la deferida ou não, e, no caso, até mesmo pelo uso do termo "cautelarmente", seguido da previsão de pedido judicial de acesso no prazo de 60 (sessenta) dias, contados do requerimento administrativo, sob pena de caducidade, tem-se que o administrador de sistema autônomo e o provedor de aplicações de internet estariam obrigados a atender às solicitações da autoridade policial, administrativa ou do Ministério Público, para que os registros sejam guardados por prazo superior.

Disso se infere que, no caso, o pedido de "congelamento" de dados pelo Ministério Público não precisa necessariamente de prévia decisão judicial para ser atendido pelo provedor, mesmo porque - e esse é o ponto nodal da discussão, visto em face do direito à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes (CF, art. 5º, X, e Lei n. 12.965/2014, art. 10) - não equivale a que o requerente tenha acesso aos dados "congelados" sem ordem judicial.

A jurisprudência do STF tem afirmado que o inciso XII do art. 5º da Constituição protege somente o sigilo das comunicações em fluxo (troca de dados e mensagens em tempo real), e que o sigilo das comunicações armazenadas, como depósito registral, é tutelado pela previsão constitucional do direito à privacidade do inciso X do art. 5º (HC 91.867, Rel. Ministro Gilmar Mendes, 2ª Turma, julgado em 24/04/2012).

Mas, em verdade, a disponibilização ao requerente dos registros de que trata a Lei n. 12.965/2014 (dados intercambiados), em atenção à referida cláusula constitucional, deverá ser precedida de autorização judicial, sendo estabelecido, inclusive, um prazo de 60 dias, contados a partir do requerimento de preservação dos dados, para que o Ministério Público ingresse com esse pedido de autorização judicial de acesso aos registros, sob pena de caducidade (art.13, § 4º).

Por fim, frisa-se que o normativo em questão, a fim de viabilizar investigações criminais, que, normalmente, são de difícil realização em ambientes eletrônicos, tornou mais eficiente o acesso a dados e informações relevantes ao possibilitar que o Ministério Público, diretamente, requeira ao provedor apenas a guarda, em ambiente seguro e sigiloso, dos registros de acesso a aplicações de internet, mas a disponibilização ao requerente dos conteúdos dos registros - dados cadastrais, histórico de pesquisa, todo conteúdo de e-mail e iMessages, fotos, contatos e históricos de localização etc. - deve sempre ser precedida de autorização judicial devidamente fundamentada.

É ilegal a requisição, sem autorização judicial, de dados fiscais pelo Ministério Público

Processo

RHC 82.233-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por maioria, julgado em 09/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Dados fiscais. Requisição pelo Ministério Público. Autorização judicial. Ausência. Ilegalidade.

 

DESTAQUE

É ilegal a requisição, sem autorização judicial, de dados fiscais pelo Ministério Público.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário 1.055.941/SP, em sede de repercussão geral, firmou a orientação de que é constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil - em que se define o lançamento do tributo - com os órgãos de persecução penal para fins criminais sem prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional (Tema 990).

Da leitura desatenta da ementa do julgado, poder-se-ia chegar à conclusão de que o entendimento consolidado autorizaria a requisição direta de dados pelo Ministério Público à Receita Federal, para fins criminais. No entanto, a análise acurada do acórdão demonstra que tal conclusão não foi compreendida no julgado, que trata da Representação Fiscal para fins penais, instituto legal que autoriza o compartilhamento, de ofício, pela Receita Federal, de dados relacionados a supostos ilícitos tributários ou previdenciários após devido procedimento administrativo fiscal.

Assim, a requisição ou o requerimento, de forma direta, pelo órgão da acusação à Receita Federal, com o fim de coletar indícios para subsidiar investigação ou instrução criminal, além de não ter sido satisfatoriamente enfrentada no julgamento do Recurso Extraordinário n. 1.055.941/SP, não se encontra abarcada pela tese firmada no âmbito da repercussão geral em questão. Ainda, as poucas referências que o acórdão faz ao acesso direto pelo Ministério Público aos dados, sem intervenção judicial, é no sentido de sua ilegalidade.

Em um estado de direito não é possível se admitir que órgãos de investigação, em procedimentos informais e não urgentes, solicitem informações detalhadas sobre indivíduos ou empresas, informações essas constitucionalmente protegidas, salvo autorização judicial.

Uma coisa é órgão de fiscalização financeira, dentro de suas atribuições, identificar indícios de crime e comunicar suas suspeitas aos órgãos de investigação para que, dentro da legalidade e de suas atribuições, investiguem a procedência de tais suspeitas. Outra, é o órgão de investigação, a polícia ou o Ministério Público, sem qualquer tipo de controle, alegando a possibilidade de ocorrência de algum crime, solicitar ao COAF ou à Receita Federal informações financeiras sigilosas detalhadas sobre determinada pessoa, física ou jurídica, sem a prévia autorização judicial.

Assim, é ilegal a requisição, sem autorização judicial, de dados fiscais pelo Ministério Público.

15 de janeiro de 2022

O juízo da comarca de domicílio do adolescente pode conferir autorização para que ele participe de apresentações artísticas inclusive em outras comarcas

 CRIANÇA E ADOLESCENTE

STJ. 3ª Turma. REsp 1.947.740-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 05/10/2021 (Info 714)

O juízo da comarca de domicílio do adolescente pode conferir autorização para que ele participe de apresentações artísticas inclusive em outras comarcas

O art. 7º, XXXIIII, da CF/88 prevê que

criança não pode trabalhar;

adolescente pode trabalhar a partir de 14 anos, na condição de aprendiz;

a partir de 16 anos, o adolescente pode trabalhar normalmente (mesmo sem ser aprendiz), salvo se for um trabalho noturno, perigoso ou insalubre;

trabalho noturno, perigoso ou insalubre só pode ser realizado por maiores de 18 anos.

doutrina e a jurisprudência entendem que é possível o trabalho de crianças e adolescentes em espetáculos artísticos, mesmo antes da idade mínima prevista no art. 7º, XXXIII, da CF/88

artigo 8º, 1, da Convenção 138 da OIT, autoriza a participação de crianças e adolescentes em “representações artísticas”

Art. 149 do ECA (Lei nº 8.069/90) exige uma autorização mediante pronunciamento judicial (“Alvará”) para esses casos

Art. 149. Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará (...)

II - a participação de criança e adolescente em:  a) espetáculos públicos e seus ensaios; (...)

Juízo competente: Vara da Infância e Juventude do domicílio do adolescente

Art. 146, ECA: A autoridade a que se refere esta Lei é o Juiz da Infância e da Juventude, ou o juiz que exerce essa função, na forma da lei de organização judiciária local.

ADI 5326/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 27/9/2018 (Info 917): “Compete à Justiça Comum Estadual (juízo da infância e juventude) apreciar os pedidos de alvará visando a participação de crianças e adolescentes em representações artísticas”

Art. 147. A competência será determinada:

I - pelo domicílio dos pais ou responsável;

II - pelo lugar onde se encontre a criança ou adolescente, à falta dos pais ou responsável.

Essa autorização não pode ser ampla a, geral e irrestrita, para que o adolescente participe de espetáculos públicos até que atinja a sua maioridade civil

Art. 149, § 2º, ECA: As medidas adotadas na conformidade deste artigo deverão ser fundamentadas, caso a caso, vedadas as determinações de caráter geral.

REsp 1947740/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 05/10/2021: A partir da interpretação do art. 149, §2º, do ECA, conclui-se ser expressamente vedada a concessão de autorização judicial ampla, geral e irrestrita, para que o adolescente participe de espetáculos públicos até que atinja a sua maioridade civil, ainda que se faça acompanhar por seus pais ou responsáveis.

essa espécie de autorização ampla significaria transferir os poderes de decisão totalmente aos pais, sem nenhuma espécie de controle externo, o que comprometeria o adequado desenvolvimento da criança e do adolescente, transformando algo que deveria ser uma atividade complementar, lúdica e de desenvolvimento de habilidades inatas, em uma verdadeira atividade laboral ou profissional prematura e exploratória,

Mas não é necessário solicitar autorização em todas apresentações

STJ adotou um meio-termo

embora a regra do art. 149, §2º, do ECA, impeça a concessão de uma autorização judicial ampla, geral e irrestrita até a maioridade civil, não há óbice para que se acolha o pedido de autorização em menor extensão, estabelecendo-se previamente os critérios básicos para o desenvolvimento da atividade pelo adolescente

especialmente na hipótese em que a atividade se desenvolve de maneira contínua (repetitividade), mas diversa (múltiplas possibilidades de públicos, eventos, horários, localizações etc)

É possível, portanto, que o juízo do domicílio da residência do adolescente, ouvidos o Ministério Público, os pais e até equipe multidisciplinar, autorize as apresentações artísticas e estabeleça:

a) a periodicidade dos eventos em que o adolescente estará autorizado a participar

b) eventuais vedações a eventos em determinados dias ou horários

c) eventuais restrições de público, espaço, infraestrutura etc

Essa autorização deve ser estabelecida por determinado lapso temporal, sem prejuízo do reexame e aprimoramento dessas condicionantes ou diretrizes a qualquer tempo, inclusive com a possibilidade de revogação da autorização na hipótese de descumprimento dos parâmetros fixados.

A autorização judicial para participação de adolescente em espetáculo público em diversas comarcas deve ser concentrada na competência do juízo do seu domicílio, que solicitará providências e informações aos demais juízos, onde ocorra apresentação, quanto ao cumprimento das diretrizes previamente fixadas.

O hipotético prejuízo decorrente da concentração da competência do juízo da comarca do domicílio do adolescente para autorizar a participação em espetáculos públicos, em especial em comarcas distintas, pode ser drasticamente reduzido, até mesmo eliminado, mediante o uso adequado do instituto da cooperação judiciária nacional (arts. 67 a 69, do CPC/2015), que permite, de maneira simplificada e pela via do auxílio direto, o cumprimento de providências e o atendimento de solicitações entre juízos distintos; pode solicitar providências ou obter informações a quaisquer outros juízos de comarcas em que a parte se apresentar