RECURSO ESPECIAL Nº 1.807.228 - RO (2019/0093982-1)
RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
R.P/ACÓRDÃO : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE
TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. PROTOCOLIZAÇÃO DE EMBARGOS À
EXECUÇÃO NOS AUTOS DA PRÓPRIA AÇÃO EXECUTIVA. INOBSERVÂNCIA DO
ART. 914, § 1º, DO CPC/2015. ERRO SANÁVEL. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS
DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS E DA ECONOMIA PROCESSUAL.
1. Ação de execução de título executivo extrajudicial, tendo em vista a
inadimplência no pagamento de cotas condominiais.
2. O propósito recursal é definir se configura erro grosseiro, insuscetível de
correção, a protocolização de embargos à execução nos autos da própria
ação executiva, em inobservância ao que dispõe o art. 914, § 1º, do
CPC/2015.
3. Com efeito, é inegável que a lei prevê expressamente que os embargos à
execução tratam-se de ação incidente, que deverá ser distribuída por
dependência aos autos da ação principal (demanda executiva).
4. Contudo, primando por uma maior aproximação ao verdadeiro espírito do
novo Código de Processo Civil, não se afigura razoável deixar de apreciar os
argumentos apresentados em embargos à execução tempestivamente
opostos – ainda que, de forma errônea, nos autos da própria ação de
execução – sem antes conceder à parte prazo para sanar o vício, adequando
o procedimento à forma prescrita no art. 914, § 1º, do CPC/2015.
5. Ademais, convém salientar que o art. 277 do CPC/2015 preceitua que,
quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato
se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.
6. Recurso especial conhecido e não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra.
Ministra Nancy Andrighi, divergindo do voto do Sr. Ministro Relator, por maioria, negar
provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi, que
lavrará o acórdão. Vencidos os Srs. Ministros Ricardo Villa Bôas Cueva e Moura Ribeiro. Votaram com a Sra. Ministra Nancy Andrighi os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze e
Paulo de Tarso Sanseverino.
Brasília (DF), 03 de setembro de 2019(Data do Julgamento)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA:
Trata-se de recurso especial interposto por CONDOMÍNIO BRISAS DO MADEIRA
RESIDENCIAL CLUBE, com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da
Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia assim
ementado:
"Agravo de instrumento. Embargos à execução. Impugnação nos próprios autos.
Possibilidade. Instrumentalidade das formas. Recurso desprovido.
Por se tratar de mero erro procedimental, passível de ser sanado, não há que se
falar em eventual não conhecimento dos embargos interpostos nos próprios autos
da execução, devendo ser observado o princípio da instrumentalidade das
formas" (e-STJ fl. 38).
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (e-STJ fls. 69/72).
Em suas razões (e-STJ fls. 82/96), o recorrente aponta, além de divergência
jurisprudencial, violação do art. 914, § 1º, Código de Processo Civil de 2015, sustentando, em
síntese, a impossibilidade de processamento dos embargos à execução nos autos da própria
demanda executiva, ainda que ao fundamento da aplicação do princípio da instrumentalidade
das formas, como o fez o Tribunal de origem.
Alega que os embargos à execução têm natureza de ação autônoma e incidental
à execução e, nos termos da legislação processual de regência, devem ser distribuídos por
dependência, autuados em autos apartados e instruídos com cópias das peças processuais
relevantes.
Afirma que
"(...) não há que se falar nos princípios da instrumentalidade das
formas e da celeridade a ser aplicada no procedimento de execução de título
extrajudicial, vez que passa a beneficiar o devedor causando morosidade
processual divergindo do entendimento do legislador e dos juristas que inseriram
a disposição para a proteção ao credor com a intenção de satisfação do crédito
exequente" (e-STJ fl. 84).
Pugna, assim, pelo reconhecimento de inadequação do procedimento adotado pela executada/recorrida e da consequente intempestividade dos embargos manejados nos
autos do feito executivo.
Sem contrarrazões (e-STJ fl. 199), o recurso especial foi admitido na origem
(e-STJ fl. 200).
Em decisão de fls. 216/218 (e-STJ), o pedido de tutela provisória para conferir
efeito suspensivo ao recurso especial foi deferido.
É o relatório.
VOTO-VENCIDO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA:
A irresignação merece prosperar.
O julgamento do recurso especial é realizado com base nas normas do Código de
Processo Civil de 2015 por ser a lei processual vigente na data de publicação da decisão ora
impugnada (cf. Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
A controvérsia a ser dirimida reside em verificar se é possível o conhecimento e
processamento de embargos à execução apresentados nos autos do próprio processo
executivo e não em autos apartados, de forma autônoma e incidental, conforme preconiza o
parágrafo 1º do art. 914 do Código de Processo Civil de 2015.
1. Histórico
Extrai-se dos autos que está em curso perante o Juízo de Direito da 2ª Vara Cível
da Comarca de Porto Velho/RO a execução de título extrajudicial ajuizada por Condomínio
Brisas do Madeira Residencial Clube, ora recorrente, contra Arileide Pereira do Nascimento, ora
recorrida, referente a débitos condominiais.
A executada apresentou embargos à execução nos autos da própria demanda
executiva, os quais foram recebidos pelo magistrado de piso em decisão assim fundamentada:
"(...)
Inicialmente esclareço que, embora a embargante não tenha
apresentado embargos à execução em autos apartados e distribuídos por
dependência, nos termos do art. 914, § 1º, CPC, fazendo-o no bojo desta
execução, à luz dos princípios da celeridade e instrumentalidade das formas,
recebo-os. Considerando que a execução está garantida por penhora e que
estão presentes os requisitos para a concessão da tutela de urgência
(probabilidade do direito e o risco ao resultado útil do processo) reputo prudente
a concessão do efeito suspensivo (art. 300; art. 919, § 1º; art. 921, II, todos do
CPC).
1- Intime-se o Exequente para impugnar os Embargos em 15 dias
úteis (NCPC, art. 920).
2- Após o esgotamento do prazo acima assinalado, digam as partes
no prazo de 15 dias se pretendem a produção de outras provas nestes autos"
(e-STJ fls. 13/14 - grifou-se).
O exequente interpôs agravo de instrumento por suposta violação do art. 914, §
1º, do Código de Processo Civil de 2015, segundo o qual "os embargos à execução serão
distribuídos por dependência, autuados em apartado e instruídos com cópias das peças
processuais relevantes, que poderão ser declaradas autênticas pelo próprio advogado, sob sua
responsabilidade pessoal".
O Tribunal de origem negou provimento ao recurso, nos seguintes termos:
"(...)
É inegável que a lei processual determina a distribuição, por
dependência à execução, dos embargos do devedor (art. 914, § 1º, do CPC), e as
partes devem sempre buscar a observância dos procedimentos previstos.
Ocorre que, em casos como o dos autos, a jurisprudência tem
admitido o processamento dos embargos, mesmo no bojo da própria
execução, em atendimento aos princípios da instrumentalidade das formas e
da efetividade do processo, conforme dispõe o art. 277 do CPC. (...)
Deve-se considerar que os embargos à execução constituem a
defesa do executado, de modo que deixar de conhecê-los em razão da simples
distribuição equivocada, além de configurar formalismo exacerbado, ofende o
contraditório e a ampla defesa, sobretudo quando tempestivo.
(...)
Tendo sido a petição dos embargos à execução protocolizada,
tempestivamente, mas nos mesmos autos da ação executiva, encontra-se
demonstrada a intenção da agravada de impugnar a execução, constituindo
flagrante prejuízo ao direito de defesa do executado seu desentranhamento,
não havendo óbice para o recebimento da petição como embargos à
execução.
Destaco que o ato configura mero erro procedimental, passível
de ser sanado" (e-STJ fls. 36/37 - grifou-se).
O exequente interpôs, então, o presente recurso especial, invocando a aplicação
literal do disposto no art. 914, § 1º, do Código de Processo Civil de 2015, requerendo, ao fim, o
não conhecimento dos embargos à execução em virtude da inadequação do procedimento
adotado pela executada.
2. Do mérito
A partir da premissa fática incontroversa delineada pelas instâncias
ordinárias no sentido de que a embargada apresentou tempestivamente petição de
embargos à execução nos autos da própria demanda executiva, a questão a ser
examinada no recurso especial, como já mencionado, reside em verificar se é possível, com
fundamento nos princípios da instrumentalidade das formas, da efetividade e celeridade
processuais, o conhecimento de embargos do devedor apresentados no próprio processo
executivo e não em autos apartados, de forma autônoma e incidental, como determina a legislação processual civil.
O art. 914, § 1º, do Código de Processo Civil de 2015 assim dispõe:
"Art. 914. O executado, independentemente de penhora, depósito
ou caução, poderá se opor à execução por meio de embargos.
§ 1º Os embargos à execução serão distribuídos por
dependência, autuados em apartado e instruídos com cópias das peças
processuais relevantes, que poderão ser declaradas autênticas pelo próprio
advogado, sob sua responsabilidade pessoal." (grifou-se)
Ao definir a natureza jurídica dos embargos do devedor, Araken de Assis afirma:
"(...)
Na função jurisdicional executiva, há aspectos insuscetíveis de
dúvidas consistentes. Por exemplo, os atos executivos são diferentes dos
processuais praticados na função de conhecimento (retro, 4); ao direito de
instaurar a relação processual executiva correspondente à ação (retro, 15),
tornando nítido o princípio da autonomia (retro, 9), segundo o qual é possível o
desenvolvimento simultâneo de ações paralelas à pretensão de executar; e assim
por diante. Avulta indiscutível, outrossim, que a função executiva, a despeito de
alguma dose de cognição no curso do respectivo procedimento - no mínimo o juiz
conhecerá, ex officio, da existência, a validade e a eficácia da relação processual
-, visa à atuação do direito contemplado no título executivo, não se ocupando da
declaração de direitos litigiosos.
Essa última característica conduz a defesa do executado,
controvertendo a subsistência e o conteúdo da pretensão a executar,
desconstituindo ou não o título, no todo ou em parte, bem como ao controle
da sua regularidade (vícios de atividade), realizar-se-á por meio de ação
autônoma, posto que acessória à execução. Existe inequívoca
incompatibilidade funcional na convivência de atos executivos com atos de
índole diversa, simultaneamente, na mesma estrutura (processo). Esta é a
ideia fundamental posta à base dos embargos do executado ou, consoante a
designação do Título III o Livro II da Parte Especial do NCPC, 'embargos à
execução'. Esse veto não é absoluto. Excepciona-o a possibilidade de o
executado controverter a existência do título (ou sua inexiquibilidade, a teor do
art. 917, I) e os pressupostos processuais por via da exceção de
pré-executividade, desde que baseada em prova pré-constituída (retro, 537).
Por outro lado, a certeza relativa quanto à existência do crédito
outorgada pelo título (retro, 26.1), não torna inútil a defesa.
A tese de que os embargos constituem ação incidente à
execução é universal. A autonomia dos embargos transparece no seu objeto:
tratando-se de oposição em que o executado veicula exceções e objeções
substanciais, o desaparecimento da execução por iniciativa do exequente,
utilizando-se do disposto no art. 775, caput, em nada prejudica o seu
prosseguimento e desenlace.
Trata-se de remédio processual específico de oposição à
execução, consoante reza o art. 914, caput, parte final, e revela-se insubstituível
por qualquer outro, como o mandado de segurança". (ASSIS, Araken de. Manual
da Execução. 18ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, págs. 1.538/1.539 - grifou-se)
Acerca do procedimento a ser adotado no processamento dos embargos do
devedor, Humberto Theodoro Júnior leciona que,
"(...)
Em se tratando de uma nova ação, sujeita-se à distribuição,
registro e autuação próprios (NCPC, arts. 206 e 284), devendo, também
receber valor de causa, na respectiva petição inicial, como determina o art.
291. Diante da inegável conexão que se nota entre a execução e os
embargos, a distribuição destes é feita por dependência (art. 286).
Submete-se, outrossim, a ação de embargos, como qualquer outra,
à exigência de preparo prévio, de sorte que o não pagamento das custas iniciais
em quinze dias importa cancelamento da distribuição e extinção do processo em
seu nascedouro (art. 290).
Os embargos, como ação cognitiva, devem ser propostos por
meio de petição inicial, que satisfaça as exigências dos arts. 319 e 320.
Submeter-se-ão à distribuição por dependência, ao juízo da causa principal
(a ação executiva). Formarão autos próprios, apartados da ação de execução. Se
não ocorrer o deferimento do efeito suspensivo, os embargos deverão tramitar
sem prejuízo da marcha processual da execução. Por isso, caberá ao
embargante instruir sua petição inicial com cópias das peças do processo
principal cujo exame seja relevante para o julgamento da pretensão deduzida
na ação incidental (art. 914, § 1º), já que pode acontecer de cada uma das
ações tomar rumo diferente, exigindo a prática de atos incompatíveis entre
si, e subindo, em momentos diversos, a tribunais distintos. Não deve, à vista
disso, faltar na autuação dos embargos peças da execução cujo exame seja
indispensável ao julgamento da oposição do executado. Procurações, título
executivo, citação, auto de penhora (se já houver) são exemplos de peças cujo
traslado comumente haverá de efetuar-se. Com esse novo critério de instrução da
petição de embargos, eliminou-se o velho problema, antes existente, da subida
dos autos da execução, para processamento da apelação interposta contra a
sentença de improcedência dos embargos. Não há mais empecilho algum a que
os autos dos embargos sejam desapensados para a subida do recurso ao
Tribunal." (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de Execução e
Cumprimento da Sentença. 29ª ed. São Paulo: Ed. Universitária de Direito, 2017,
págs. 624/625 - grifou-se)
Da leitura da doutrina abalizada, não resta dúvida de que os embargos à
execução têm natureza de ação de conhecimento autônoma e incidente ao processo de
execução, devendo ser manejados por meio de petição inicial, com o preenchimento das
condições da ação e dos pressupostos processuais exigíveis para qualquer demanda.
A questão a ser analisada na hipótese em tela reside em verificar se a
apresentação dos embargos nos autos da própria execução constitui vício sanável ou não, de modo a se concluir pela configuração ou não de nulidade procedimental.
A observância das normas processuais é sempre salutar e recomendável para a
correta condução dos feitos judiciais, sendo certo que inaplicável à hipótese dos autos o
disposto no art. 277 do Código de Processo Civil de 2015, que consagra o princípio das
instrumentalidade das formas e dos atos processuais.
O não conhecimento dos embargos do devedor no caso em exame é
medida que se impõe, pois o seu processamento nos autos do próprio processo
executivo, em flagrante afronta aos expressos ditames legais, causaria inegável
prejuízo à parte exequente, apto a ensejar a nulidade do procedimento.
É inegável que a marcha processual da execução restará prejudicada se
as teses de defesa apresentadas nos embargos do devedor tiverem que ser
apreciadas no mesmo processo da execução, visto que os respectivos procedimentos
possuem ritos flagrantemente distintos e muitas vezes incompatíveis entre si.
O equívoco no proceder do executado/embargante, ao juntar sua petição nos
autos da execução, viola o disposto no art. 914, § 1º, do Código de Processo Civil de 2015 e
constitui erro grosseiro, insuscetível de correção, ainda que sob a perspectiva do princípio da
instrumentalidade das formas.
A redação original do art. 736 do Código de Processo Civil de 1973, que regulava
o processamento dos embargos dos devedor, já determinava sua autuação "em apenso" aos
autos do processo principal. A Lei nº 12.322/2006, que introduziu o parágrafo único ao referido
dispositivo, manteve essa sistemática, ao preconizar que "os embargos à execução serão
distribuídos por dependência, autuados em apartado (...)".
Tal circunstância revela que o procedimento de manejo dos embargos em autos
distintos da execução é antigo na legislação processual, motivo pelo qual sua apresentação de
forma diversa daquela expressamente prevista na lei configura erro inescusável da parte
embargante.
Como já mencionado, os embargos à execução têm natureza jurídica de ação
autônoma de conhecimento, devendo ser distribuídos por dependência, autuados em autos
apartados, instruídos com cópias das peças processuais relevantes, com observância dos
requisitos previstos nos arts. 319 e 320 do Código de Processo Civil de 2015.
Assim, diante da evidente inobservância do expresso comando legal do art. 914, § 1º, do Código de Processo Civil de 2015, é de rigor o não conhecimento dos embargos à
execução.
3. Do dispositivo
Ante o exposto, conheço do recurso especial para dar-lhe provimento.
Solução nesse sentido implica a condenação da parte recorrida ao pagamento de
honorários advocatícios sucumbenciais em favor do recorrente, que ora são fixados em 10%
(dez por cento) do valor da execução, nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil
de 2015.
Prejudicado o pedido de tutela provisória formulado às fls. 211/214 (e-STJ).
É o voto.
VOTO-VISTA
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:
Cuida-se de recurso especial interposto por CONDOMINIO BRISAS DO
MADEIRA RESIDENCIAL CLUBE, fundamentado nas alíneas "a" e “c” do permissivo
constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ/RO.
Ação: de execução de título executivo extrajudicial, ajuizada pelo
recorrente, em desfavor de ARILEIDE PEREIRA DO NASCIMENTO, tendo em vista a
inadimplência no pagamento de cotas condominiais.
A executada (ora recorrida), por sua vez, opôs embargos à execução
nos autos da própria ação executiva.
Decisão interlocutória: à luz dos princípios da celeridade e da
instrumentalidade das formas, recebeu os embargos à execução opostos pela
recorrida, a despeito de não terem sido apresentados em autos apartados e
distribuídos por dependência (e-STJ fls. 13-14).
Acórdão: negou provimento ao agravo de instrumento interposto
pelo recorrente, nos termos da seguinte ementa:
Agravo de instrumento. Embargos à execução. Impugnação nos
próprios autos. Possibilidade. Instrumentalidade das formas. Recurso
desprovido.
Por se tratar de mero erro procedimental, passível de ser sanado,
não há que se falar em eventual não conhecimento dos embargos interpostos
nos próprios autos da execução, devendo ser observado o princípio da
instrumentalidade das formas (e-STJ fl. 38).
Embargos de declaração: opostos pelo recorrente, foram
parcialmente acolhidos, apenas para fins de prequestionamento (e-STJ fls. 69-72).
Recurso especial: alega violação do art. 914, § 1º, do CPC/2015,
bem como dissídio jurisprudencial. Sustenta que:
a) os embargos à execução devem ser opostos em autos apartados e
distribuídos por dependência, pois são considerados ação autônoma e incidental,
como mesmo prescrito em lei;
b) a real finalidade da norma é garantir o prosseguimento da ação
executiva, a fim de evitar o prejuízo ao credor e, consequentemente, a razoável
duração do processo;
c) o oferecimento de embargos à execução no bojo da própria ação
executiva implica tumulto na direção e sequência dos atos executivos; e
d) quando a lei prevê forma específica para a prática de ato, tal forma
deverá ser observada e respeitada, não havendo que se falar em aplicação do
princípio da instrumentalidade das formas (e-STJ fls. 82-96).
Voto do Relator: na sessão de 20/08/2019, o Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, relator dos autos, votou no sentido de conhecer e dar provimento ao
recurso especial interposto por CONDOMINIO BRISAS DO MADEIRA RESIDENCIAL
CLUBE, para reconhecer que é imperioso o não conhecimento dos embargos à
execução opostos pela recorrida, uma vez que “O equívoco no proceder do
executado/embargante, ao juntar sua petição nos autos da execução, viola o
disposto no art. 914, § 1º, do Código de Processo Civil de 2015 e constitui erro
grosseiro, insuscetível de correção, ainda que sob a perspectiva do princípio da
instrumentalidade das formas”.
Subsequentemente, pedi vista dos autos para melhor análise.
O propósito recursal é definir se configura erro grosseiro, insuscetível
de correção, a protocolização de embargos à execução nos autos da própria ação
executiva, em inobservância ao que dispõe o art. 914, § 1º, do CPC/2015.
Prevê o art. 914, § 1º, do CPC/2015 que os embargos à execução
serão distribuídos por dependência, autuados em apartado e instruído com cópias
de peças processuais relevantes.
Frisa-se que a possibilidade de defesa do executado por meio de ação
autônoma – os tradicionalmente conhecidos embargos à execução – não é
inovação trazida pelo novo Código de Processo Civil, sendo o dispositivo legal
mencionado mera reprodução do art. 736 do CPC/73.
A propósito, cita-se lição de abalizada doutrina:
Em se tratando de uma nova ação, sujeita-se à
distribuição, registro e autuação próprios (...), devendo, também,
receber valor de causa, na respectiva petição inicial (...).
Diante da inegável conexão que se nota entre a execução
e os embargos, a distribuição destes é feita por dependência (...).
Submete-se, em regra, a ação de embargos, como qualquer
outra, à exigência de preparo prévio, de sorte que o não pagamento das custas
iniciais em trinta dias importa cancelamento da distribuição e extinção do
processo em seu nascedouro (...).
Os embargos, como ação cognitiva, devem ser
propostos por meio de petição inicial, que satisfaça as exigências dos arts.
282 e 283. Submeter-se-ão à distribuição por dependência, ao juízo da causa
principal (ação executiva).
Formarão autos próprios, apartados da ação de
execução. Se não ocorrer o deferimento do efeito suspensivo, os embargos
deverão tramitar sem prejuízo da marcha normal da execução. Por isso, caberá
ao embargante instruir sua petição inicial com cópias das peças do
processo principal cujo exame seja relevante para o julgamento da
pretensão deduzida na ação incidental (art. 736, parágrafo único), já
que pode acontecer de cada uma das ações tomar rumo diferente,
exigindo a prática de atos incompatíveis entre si, e subindo, em
momentos diversos, a tribunais distintos. (...) (THEODORO JÚNIOR,
Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Processo de Execução e
Cumprimento de Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência – vol. II. Rio
de Janeiro: Forense, 2014, pp. 438-439) (grifos acrescentados).
Com efeito, é inegável que a lei prevê expressamente que os
embargos à execução tratam-se de ação incidente, que deverá ser distribuída por
dependência aos autos da ação principal (demanda executiva).
A controvérsia posta a deslinde nos presentes autos surge quando há
a necessidade de se averiguar se a protocolização dos embargos à execução nos
autos do próprio processo executivo constitui erro sanável ou, ao revés, deve ser
tido por erro grosseiro e, portanto, não passível de correção, impondo ao
embargante, que procedeu em evidente equívoco, a consequência de tê-los por
não conhecidos.
O Min. relator dos autos, reformando o acórdão proferido pelo TJ/RO,
concluiu que a apresentação dos embargos à execução de forma diversa daquela
expressamente prevista em lei configura erro inescusável da parte embargante.
Nessa linha, fundamentou o seu voto nos argumentos de que:
i) a lei expressamente prevê que os embargos à execução têm
natureza de ação de conhecimento autônoma e incidente ao processo de
execução;
ii) o procedimento de manejo dos embargos em autos distintos da
execução já é antigo na legislação processual, não sendo inovação trazida pelo
novo Código de Processo Civil, redundando em erro grosseiro a sua não
observância;
iii) a observância das normas processuais é sempre salutar e
recomendável para a correta condução dos feitos judiciais;
iv) é inaplicável, na hipótese, o princípio da instrumentalidade das
formas e dos atos processuais; e
v) a marcha processual da execução restará prejudicada se as teses de
defesa apresentadas nos embargos do devedor tiverem que ser apreciadas no mesmo processo de execução, uma vez que os respectivos procedimentos
possuem ritos flagrantemente distintos e muitas vezes incompatíveis entre si.
Contudo, penso que a controvérsia posta a deslinde nos presentes
autos carece de análise sob outro viés.
É que, primando por uma maior aproximação ao verdadeiro espírito do
novo Código de Processo Civil, não se afigura razoável deixar de apreciar os
argumentos apresentados em embargos à execução tempestivamente opostos – ainda que, de forma errônea, nos autos da própria ação de execução – sem antes
conceder à parte prazo para sanar o vício, adequando o procedimento à forma
prescrita no art. 914, § 1º, do CPC/2015.
Convém salientar que o art. 277 do CPC/2015 preceitua que, quando a
lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de
outro modo, lhe alcançar a finalidade.
Destarte, na espécie, o erro quanto à forma constitui vício sanável,
notadamente quando se analisa o processo sob a ótica da ampla defesa, do
contraditório, do devido processo legal, da celeridade, da razoável duração do
processo, da cooperação e da busca pela solução do mérito.
Assim, o protocolo equivocado dos embargos à execução nos autos da
ação executiva deve dar azo à aplicação dos princípios da instrumentalidade das
formas e da economia processual, de modo que a sua rejeição liminar configuraria
excesso de formalismo.
A corroborar com tais argumentos, destaca-se, ainda, que, em tempos
de implantação do processo eletrônico, prioriza-se conferir agilidade aos
julgamentos, devendo ser tolerados esses tipos de equívoco, nas hipóteses em que
não configurada a má-fé.
Anota, quanto ao ponto, Olavo de Oliveira Neto:
Por se tratar de uma ação incidente, os embargos deverão ser
distribuídos por dependência ao processo de execução e, segundo
determina o § 1º, serão autuados em apartado e instruídos com as
cópias das peças processuais relevantes. Essas duas providências,
com o tempo e com a completa implantação do processo eletrônico,
desaparecerão, uma vez que a autuação somente tem razão de ser
quando se pensa num processo base-papel e a juntada das peças
principais é absolutamente desnecessária quando se pensa que todos os
personagens do processo terão acesso ao conteúdo digital da execução. De
qualquer forma, quando e se ainda for possível o oferecimento de embargos
base-papel, as cópias serão autenticadas pelo próprio advogado, sob sua
responsabilidade pessoal (BUENO, Cassio Scarpinella. Comentários ao código de
processo civil – voume 3. Cassio Scarpinella Bueno (coord.). São Paulo: Saraiva,
2017, p. 789) (grifos acrescentados).
Em conclusão, tendo a recorrida apresentado o instrumento
processual correto para impugnar a execução, dentro do prazo estabelecido na lei
processual civil em vigor – o que foi, inclusive, expressamente reconhecido nos
termos do voto do Min. Relator –, deve-se conceder prazo para que a parte
promova o desentranhamento, distribuição por dependência e autuação em
apartado dos embargos à execução opostos, em conformidade com as exigências
legais quanto à forma de processamento (a exemplo da comprovação do preparo).
Forte nessas razões, pedindo as mais respeitosas vênias ao e. Min.
Relator, divirjo para CONHECER do recurso especial interposto por CONDOMINIO
BRISAS DO MADEIRA RESIDENCIAL CLUBE e NEGAR-LHE PROVIMENTO, a fim de
manter o acórdão recorrido, que reconheceu a possibilidade da recorrida sanar o
vício de inadequação da via eleita.