RECURSO ESPECIAL Nº 1.823.159 - SP (2019/0185854-8)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. EMPRÉSTIMO. PENHORA DO
IMÓVEL. BEM DE FAMÍLIA. EXCEÇÃO À REGRA DA
IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. SENTENÇA PENAL
CONDENATÓRIA. AUSÊNCIA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA.
PRESUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
1. Agravo de instrumento interposto em 03/08/2018, recurso especial
interposto em 16/04/2019 e atribuído a este gabinete em
24/09/2019.
2. O propósito recursal consiste em determinar pela legalidade da
aplicação na hipótese da exceção à impenhorabilidade do bem de
família, prevista no art. 3º, VI, da Lei n. 8.009/1990, considerando a
ausência de condenação penal em definitivo.
3. A lei estabelece, de forma expressa, as hipóteses de exceção à
regra da impenhorabilidade do bem de família.
4. O art. 3º, VI, da Lei n. 8.009/1990 expressamente afastou a
impenhorabilidade quando o bem imóvel é adquirido com produto de
crime ou para execução de sentença penal condenatória a
ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
5. Na hipótese, não há sentença penal condenatória e, mesmo que
seja em função da prescrição, é impossível presumir sua existência
para fins de aplicação da exceção contida no art. 3º, VI, da Lei
8.009/90.
6. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial
nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso
Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 13 de outubro de 2020(Data do Julgamento)
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Cuida-se de recurso especial interposto por JOÃO BATISTA
HORAGUTI, com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional,
contra acórdão do TJ/SP.
Ação: indenizatória ajuizada por SOCIEDADE ESPORTIVA E
RECREATIVA ÍTALO-BRASILEIRA em face do recorrente, por meio da qual a
recorrida pleiteia a reparação dos prejuízos causados pelo recorrente à sociedade
durante o período de sua gestão. O juízo de 1º grau de jurisdição condenou o
recorrente ao pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais), concernente ao valor da
venda de veículo que era de propriedade da recorrida, bem como de R$ 21.112,72
(vinte e um mil, cento e doze reais e setenta e dois centavos), mais honorários
advocatícios. A condenação foi mantida pelo Tribunal de origem, em julgamento de
recurso de apelação interposto pelo recorrente.
Decisão: na fase de cumprimento de sentença, o Juízo de 1º grau de
jurisdicional deferiu a penhora sobre um bem imóvel do recorrente, localizado no
Município de Peruíbe/SP. O recorrente apresentou impugnação, sob o argumento
de que o imóvel em discussão é seu único bem e, ainda, é utilizado para sua
residência, apontando ainda um pequeno excesso de execução. No julgamento da
impugnação, o Juízo de 1º grau de jurisdição manteve o ato de constrição, reconhecendo que o imóvel era utilizado como residência, mas, por ter sido dado
em alienação fiduciária e em razão da penhora ter recaído sobre os direitos
decorrentes do contrato de alienação fiduciária, afastou a proteção conferida pela
Lei n°. 8009/90, e acolheu parcialmente a impugnação somente apenas para
retificar o valor do crédito executado.
Acórdão: o Tribunal de origem negou provimento ao agravo de
instrumento interposto pelo recorrente, mantendo a penhora pelo fundamento
anteriormente apresentado e acrescentando que, na hipótese, seria aplicável a
exceção do art. 3º, VI, da Lei 8.009/90, in verbis:
EMENTA: BEM DE FAMÍLIA - RESPONSABILIDADE CIVIL - PESSOA JURÍDICA
QUE BUSCA SER RESSARCIDA DE PREJUÍZOS DECORRENTES DE ATOS
ILÍCITOS PRATICADOS PELO ORA AGRAVANTE DURANTE SUA GESTÃO NA
PRESIDÊNCIA DA ENTIDADE – PROCEDÊNCIA DO PEDIDO – INICIADO O
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA, FOI DEFERIDA A PENHORA DOS DIREITOS
DECORRENTES DO CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DO IMÓVEL
UTILIZADO COMO RESIDÊNCIA DO EXECUTADO – DECISÃO QUE ACOLHEU
EM PARTE A IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA PARA O FIM
DE AFASTAR O PEDIDO DE IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA E
FIXAR O VALOR DO DÉBITO EM R$ 382.252,59, ATUALIZADO ATÉ
SETEMBRO DE 2017 – A IMPENHORABILIDADE NÃO É OPONÍVEL EM
RELAÇÃO A EXECUÇÃO DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA E
RESSARCIMENTO, INDENIZAÇÃO OU PERDIMENTO DE BENS (LEI 8.009/90,
ART. 3º, INCISO VI) - IDÊNTICOS ILÍCITOS TRATADOS NAS ESFERAS CÍVEL E
CRIMINAL, SENDO QUE NA ÚLTIMA OPEROU-SE TÃO-SOMENTE A
PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA, PERMANECENDO HÍGIDOS OS
ELEMENTOS DO CRIME - DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO
Embargos de declaração: opostos pelo recorrente, foram
rejeitados pelo Tribunal de origem.
Recurso especial: alega violação aos arts. 1º e 3º, VI, da Lei
8.009/90 e sustenta a existência de dissídio jurisprudencial. Requer, ao final,
provimento do recurso especial para afastar a penhora sobre o bem imóvel
mencionado anteriormente.
Trâmite: o recurso foi admitido na origem. A Presidência do STJ, no entanto, considerou que o recurso era intempestivo. Após a interposição de agravo
interno, este gabinete reconsiderou a decisão anterior, reconhecendo sua
tempestividade.
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
1. O propósito recursal consiste em determinar pela legalidade da
aplicação na hipótese da exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista
no art. 3º, VI, da Lei n. 8.009/1990, considerando a ausência de condenação penal
em definitivo.
2. Para o início da discussão, a Lei 8.009/90 institui a impenhorabilidade
do bem de família como instrumento de tutela do direito fundamental à moradia
da família e, portanto, indispensável à composição de um mínimo existencial para
uma vida digna. Nesse sentido, veja-se o que dispõe o art. 1º da referida lei dispõe:
Art. 1º. O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é
impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial,
fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou
pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas
hipóteses previstas nesta lei.
3. A impenhorabilidade do bem de família, de fato, reflete o princípio da
dignidade da pessoa humana o qual constitui um dos principais fundamentos da
Constituição Federal de 1988 e que também possui diversas outras emanações e
desdobramentos. De fato, a doutrina enfatiza o assento constitucional do instituto
em discussão, conforme o trecho abaixo:
Inicialmente destinado à proteção da família, a evolução do instituto, no
direito brasileiro, e a respectiva inserção no ambiente econômico
contemporâneo acarretaram mudança significativa no âmbito da sua
aplicação. A proteção se estendeu ao obrigado, tout court, haja ou não
constituído família, amplitude revelada pela tutela dos bens domésticos (art.
2º, parágrafo único, da Lei 8.009/1990) da família sem imóvel residencial
próprio. Por sua vez, essa proteção ao obrigado, mediante a técnica da
impenhorabilidade, assegura-lhe o chamado patrimônio mínimo. A garantia
dos meios mínimos de sobrevivência, que é a morada e seu conteúdo,
observa um princípio maior, porque "orienta-se pelo interesse social de
assegurar uma sobrevivência digna aos membros da família, realizando, em
última instância, a dignidade humana". É o princípio da dignidade da pessoa
humana, portanto, também o responsável pela humanização da execução,
recortando do patrimônio o mínimo indispensável à sobrevivência digna do
obrigado, sem embargo do dever de prestar que caracterizou o homestead.
A norma jurídica (princípio e valor) fundamental, na feliz síntese de Ingo
Wolfgang Sarlet, inserida no art. 1º, III, da CF/1988, fornece o fundamento
constitucional do instituto. (ASSIS, Araken de. Manual da Execução. São
Paulo: RT, 2010, p. 275-276).
4. No entanto, mesmo esse importantíssimo instituto possui limites de
aplicações. A depender das circunstâncias, a própria Lei 8.009/90 prevê exceções
à regra da impenhorabilidade. Assim, o art. 3º, VI, da mencionada lei dispõe que
não é possível opor a impenhorabilidade quando o bem em questão for adquirido
como produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução
civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se
movido: (...) VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para
execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou
perdimento de bens.
5. Nessas hipóteses, no cotejo entre os bens jurídicos envolvidos, o
legislador preferiu defender o ofendido por conduta criminosa ao autor da ofensa,
conforme nota a doutrina: “essas exceções significam que a Lei do Bem de Família
teve a intenção de balancear valores, privilegiando o valor moradia, mas
ressalvando que o bem de família será penhorável em benefício dos credores por alimentos, ou por verbas devidas aos trabalhadores da própria residência, ou por
garantia real constituída pelo devedor residente no imóvel etc" (DINAMARCO,
Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. 4. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, p. 358).
6. Dessa forma, a exceção à impenhorabilidade em discussão neste
julgamento envolve a relação estre as esferas cível e penal da aplicação do direito.
É fato notório, a esse respeito, que certas condutas ensejam consequências tanto
pela aplicação do direito civil quanto do direito penal. Novamente, como leciona a
doutrina:
Assim, certos fatos põem em ação somente o mecanismo recuperatório da
responsabilidade civil; outros movimentam tão-somente o sistema
repressivo ou preventivo da responsabilidade penal; outros enfim,
acarretam a um tempo, a responsabilidade civil e a penal, pelo fato de
apresentarem, em relação a ambos os campos, incidência equivalente,
conforme os diferentes critérios sob que entram em função os órgãos
encarregados de fazer valer a norma respectiva que é quase o mesmo
fundamento da responsabilidade civil e da responsabilidade penal. As
condições em que surgem é que são diferentes, porque uma é mais exigente
do que a outra, quanto ao aperfeiçoamento dos requisitos que devem
coincidir para se efetivar. (AGUIAR DIAS, José de. Da Responsabilidade Civil,
10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 8)
7. Sobre efeitos da condenação penal sobre o âmbito cível, é fato que a
sentença penal condenatória produz também efeitos extrapenais, tanto genéricos
quanto específicos. Os efeitos genéricos são decorrem automaticamente da
sentença, sem necessidade de abordagem direta pelo juiz. Entre esses efeitos
genérica, encontra-se a obrigação de reparar o dano causado, tal como previsto no
art. 91, I, do Código Penal.
8. O art. 935 do CC/2002 reafirma essas consequências ao dispor que “a responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais
sobre a existência de fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões
se acharem decididas no juízo criminal”. Novamente, sobre esse ponto, ressalte-se
o que leciona a doutrina:
O ato ilícito, por força de expressa disposição legal, gera a obrigação de
reparar o dano. Existem atos ilícitos que se limitam a produzir efeitos no
âmbito civil e outros que, pela sua gravidade, ofendem a incolumidade
pública, acarretando ofensa no âmbito penal, nada impedindo, entretanto,
que um único ato ilícito atinja as duas esferas de responsabilidade, tanto civil
quanto penal. É dessa hipótese que trata a presente exceção. A sentença
penal condenatória tem como efeito tornar certa a obrigação de indenizar o
dano causado pelo crime. Por esse efeito, que Celso Delmanto nomina de
'extrapenal genérico', uma vez transitada em julgado a sentença penal,
torna certa a responsabilidade de indenizar o dano no cível, gerando um
título executivo judicial, conforme previsto no art. 584, II, do Código de
Processo Civil. [...] Nesses casos, não interessará para a exclusão da
impenhorabilidade do bem de família legal que a sua aquisição tenha sido
com origem criminosa, ou que o crime praticado tenha expressão
econômica, tal qual exigido na hipótese anterior, mas bastará que o devedor
tenha sido condenado penalmente ao ressarcimento ou indenização dos
danos causados pelo crime. (SANTOS, Marcione Pereira. Bem de Família:
Voluntário e Legal. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 251-252)
9. Por se tratar de regra que excepciona a impenhorabilidade do bem de
família e decorrer automaticamente de sentença penal condenatória, a
jurisprudência do STJ já se posicionou sobre a impossibilidade de interpretação
extensiva de outros incisos contidos no art. 3º da Lei 8.009/90, como é possível
perceber nos julgamentos abaixo transcritos:
PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. IMÓVEL. BEM DE
FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. PROVA DE QUE O8 IMÓVEL PENHORADO É
O ÚNICO DE PROPRIEDADE DO DEVEDOR. DESNECESSIDADE. EXCEÇÃO DO
ART. 3º, V, DA LEI 8.009/90. INAPLICABILIDADE. DÍVIDA DE TERCEIRO.
PESSOA JURÍDICA. IMPOSSIBILIDADE DE PRESUNÇÃO DE QUE A DÍVIDA
FORA CONTRAÍDA EM FAVOR DA ENTIDADE FAMILIAR. PRECEDENTES.
RECURSO PROVIDO.
1. Para que seja reconhecida a impenhorabilidade do bem de família, não é
necessária a prova de que o imóvel em que reside a família do devedor é o
único de sua propriedade.
2. Não se pode presumir que a garantia tenha sido dada em benefício da família, para, assim, afastar a impenhorabilidade do bem com base no art.
3º, V, da Lei 8.009/90.
3. Somente é admissível a penhora do bem de família hipotecado quando a
garantia foi prestada em benefício da própria entidade familiar, e não para
assegurar empréstimo obtido por terceiro.
4. Na hipótese dos autos, a hipoteca foi dada em garantia de dívida de
terceiro, sociedade empresária, a qual celebrou contrato de mútuo com o
banco. Desse modo, a garantia da hipoteca, cujo objeto era o imóvel
residencial dos ora recorrentes, foi feita em favor da pessoa jurídica, e não
em benefício próprio dos titulares ou de sua família, ainda que únicos sócios
da empresa, o que afasta a exceção à impenhorabilidade do bem de família
prevista no inciso V do art. 3º da Lei 8.009/90. 5. Recurso especial
conhecido e provido. (REsp 988.915/SP, QUARTA TURMA, julgado em
15/05/2012, DJe 08/06/2012)
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. EXECUÇÃO. EMPRÉSTIMO. BEM DE
EMPRESA OFERECIDO LIVREMENTE POR ELA, EM GARANTIA REAL
HIPOTECÁRIA DE OUTRA PESSOA JURÍDICA. PENHORA DO IMÓVEL.
VALIDADE DA HIPOTECA. EXCEÇÃO À REGRA DA IMPENHORABILIDADE DO
BEM DE FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. IMÓVEL DE PROPRIEDADE
DE PESSOA JURÍDICA QUE NUNCA FOI SEDE DE EMPRESA FAMILIAR.
PENHORABILIDADE DO BEM. VALIDADE DA HIPOTECA OFERECIDA
LIVREMENTE POR EMPRESA PARA GARANTIR MÚTUO DE OUTRA PESSOA
JURÍDICA. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
1. A proteção legal conferida ao bem de família pela Lei nº 8.009/1990, ao
instituir a sua impenhorabilidade, objetiva a proteção da própria família ou
da entidade familiar, de modo a tutelar o direito constitucional fundamental
da moradia e assegurar um mínimo para uma vida com dignidade dos seus
componentes.
2. A lei estabelece, de forma expressa, as hipóteses de exceção à regra da
impenhorabilidade do bem de família, o que reflete o seu caráter
excepcional, evidenciando que ela é insuscetível de interpretação extensiva.
3. A jurisprudência desta egrégia Corte Superior, em caráter excepcional,
confere o benefício da impenhorabilidade legal, prevista na Lei nº
8.009/1990, a bem imóvel de propriedade de pessoa jurídica, na hipótese
de pequeno empreendimento familiar, cujos sócios são seus integrantes e a
sua sede se confunde com a moradia deles. Precedentes. Hipótese não
configurada.
4. É consolidado o entendimento de que a impenhorabilidade só não será
oponível nos casos em que o empréstimo contraído foi revestido em
proveito da entidade familiar, o que se verificou no caso.
5. É válida a hipoteca prestada por empresa que livremente ofereceu imóvel
de sua propriedade para garantir empréstimo de outra pessoa jurídica.
6. Recurso especial não provido.
(REsp 1422466/DF, TERCEIRA TURMA, DJe 23/05/2016)
10.
Dessa maneira, é inegável que, para a incidência da exceção prevista no art. 3º, VI, da Lei 8.009/90, faz-se necessária a presença de sentença penal
condenatória transitada em julgado, por não ser possível a interpretação extensiva
nessas hipóteses. De fato, a Quarta Turma do STJ julgou de forma idêntica sobre
esse assunto específico, como se verifica na ementa abaixo:
PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ACIDENTE DE
TRÂNSITO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL CIVIL DECORRENTE
DA PRÁTICA DE ATO ILÍCITO. COEXISTÊNCIA COM SENTENÇA PENAL
CONDENATÓRIA COM O MESMO FUNDAMENTO DE FATO. PENHORA DE
BEM DE FAMÍLIA. APLICAÇÃO DA LEI n. 8.009/1990. EXCEÇÕES PREVISTAS
NO ART. 3º. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DE VIOLAÇÃO AO DISPOSITIVOS
CONSTITUCIONAIS. COMPETÊNCIA DO STF. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC
NÃO CONFIGURADA.
1. É defeso a esta Corte apreciar alegação de violação a dispositivos
constitucionais, sob pena de usurpação da competência do Supremo
Tribunal Federal.
2. Não ocorre violação ao art. 535 do Código de Processo Civil quando o
juízo, embora de forma sucinta, aprecia fundamentadamente todas as
questões relevantes ao deslinde do feito, apenas adotando fundamentos
divergentes da pretensão do recorrente. Precedentes.
3. O art. 3º, VI, da Lei n. 8.009/1990 expressamente afastou a
impenhorabilidade quando o bem imóvel é adquirido com produto de crime
ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento,
indenização ou perdimento de bens, sendo certo que, por ostentar a
legislação atinente ao bem de família natureza excepcional, é insuscetível de
interpretação extensiva.
4. De fato, o caráter protetivo da Lei n. 8.009/1990 impõe sejam as
exceções nela previstas interpretadas estritamente. Nesse sentido, a
ressalva contida no inciso VI do seu artigo 3º encarta a execução de
sentença penal condenatória - ação civil ex delicto -; não alcançando a
sentença cível de indenização, salvo se, verificada a coexistência dos dois
tipos, for-lhes comum o fundamento de fato, exatamente o que ocorre
nestes autos. Precedente.
5. Recurso especial não provido.
(REsp 1021440/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,
julgado em 02/05/2013, DJe 20/05/2013)
11. Especificamente, sobre a necessidade da interpretação restritiva
sobre a exceção à impenhorabilidade do bem de família, a Quarta Turma
manifestou-se da seguinte forma:
5. Dessarte, interpretando-se a norma em tela de forma estrita, é forçoso
concluir que o legislador optou pela prevalência do dever de o infrator
indenizar à vítima de ato ilícito que tenha atingido bem jurídico tutelado pelo
direito penal e nesta esfera tenha sido apurado, sendo objeto, portanto, de
sentença penal condenatória transitada em julgado. Isso porque a apuração
do delito penal obedece a critérios mais rigorosos, uma vez que o valor em
jogo é a liberdade de locomoção - direito indisponível -, de modo que o
processo penal é orientado pelo princípio da verdade processual, em que o
juiz tem o dever de investigar, tanto quanto possível, a realidade fática dos
autos, razão pela qual seus poderes instrutórios são mais amplos (art. 156,
196 e 234, CPP). Diversamente, no processo civil, os direitos são, em regra,
disponíveis para as partes, o que tem o condão de mitigar a imperiosidade
da investigação da verdade processual e, por conseguinte, limitar os
poderes de instrução do magistrado na busca da verdade material.
Esta, portanto, resta enfraquecida pela admissibilidade de presunções,
ficções e transações, entre as quais menciona-se, à guisa de exemplo, a
presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor como efeito da
revelia (art. 319 do CPC). Dessa forma, a impenhorabilidade do bem de
família, dada a sua importância social, somente pode ser superada quando
houver transgressão à norma penal com concomitante ofensa à norma civil,
rendendo ensejo, portanto, após o trânsito em julgado d sentença que a
reconhecer, ao dever de ressarcimento do prejuízo causado pela prática do
delito, ou seja, à ação civil ex delicto. Confira-se a lição de Fernando da Costa
Tourinho Filho: De modo geral, quando alguém transgride a norma penal,
produz, com simultaneidade, ofensa a 'duas ordens distintas de interesses:
o social, sob a égide das leis sociais, e o particular, que as leis civis protegem'
[...] Atendendo a tais circunstâncias, muitos juristas afirmam que a infração
penal dá nascimento a duas ações: à ação penal, visando à aplicação da
pena, e à ação civil, objetivando a reparação dos prejuízos ocasionados pelo
crime. [...] No entanto, infrações penais há que originam tão somente a
pretensão punitiva, como ocorre em certas contravenções penais, como a
prevista no art. 62 da LCP, no crime do art. 28 da Lei n. 11.343/2006 e em
alguns crimes contra a administração da justiça, por exemplo. [...] Tais
infrações não produzem dano patrimonial ou moral ressarcíveis e, por isso,
não dão lugar à actio civilis ex delicto. [...]
12. Especificamente na hipótese em julgamento, aplicou-se a exceção
prevista no art. 3º, VI, da Lei 8.009/90, mesmo sem a existência de sentença penal
condenatória. Isso porque o Tribunal de origem afirmou que a inexistência da
condenação penal ocorreu somente em razão do decurso do prazo da prescrição
condenatória e, afastados os efeitos prescricionais, haveria certamente uma
condenação penal.
13. Verifica-se, assim, que o Tribunal de origem, para a aplicação da
exceção à impenhorabilidade ao bem de família, presumiu uma condenação penal,
a qual – de fato – não existe. Fez isso a partir dos elementos contidos nos autos,
que seriam fortemente inclinados a demonstrar o cometimento de ato ilícito pelo
recorrente. No entanto, não há como afastar que sobre ele não existe nenhuma
sentença penal condenatória e, portanto, a aplicação da exceção mencionada foi
fundamentada em simples presunção.
14. Dessa forma, por todo o exposto anteriormente, apesar dos
elementos probatórios em desfavor do recorrente, a exceção à impenhorabilidade
não pode ser presumida, pois impossível a interpretação extensiva do dispositivo
em comento.
15. Forte nessas razões, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso
especial, para afastar, na hipótese, a aplicação da exceção contida no art. 3º, VI, da
Lei 8.009/90.
16. Por fim, deixa-se de aplicar o disposto no art. 85, § 11, do CPC/2015
ante a ausência de prévia fixação ao pagamento de honorários sucumbenciais.