RECURSO ESPECIAL Nº 1.344.716 - RS (2012/0196144-8)
RELATOR : MINISTRO GURGEL DE FARIA
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO RESCISÓRIA. ACÓRDÃO IMPUGNADO. NEGATIVA DE
PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. RENÚNCIA AO
PRAZO RECURSAL. EFEITOS IMEDIATOS. TRÂNSITO EM
JULGADO. CÔMPUTO. CIÊNCIA DA PARTE EX ADVERSA. DECADÊNCIA. OCORRÊNCIA.
1. Conforme estabelecido pelo Plenário do STJ, "aos recursos interpostos
com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de
março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na
forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado
Administrativo n. 2).
2. O Tribunal de origem, em autos de ação rescisória proposta pela
Fazenda Nacional, rejeitou prejudicial de decadência e, quanto ao mérito,
julgou parcialmente procedente o pedido, a fim de desconstituir em parte
o acórdão rescindendo, proferido em embargos à execução, para "excluir
a correção pelo IGP-M nos meses de julho e agosto de 1994, por ofensa
à coisa julgada", reconhecendo, outrossim, a inexistência de ofensa à
coisa julgada pela inclusão da Taxa Selic nos cálculos, não obstante o
título judicial tenha expressamente condenado à restituição de valores
pagos indevidamente a título de Finsocial, mediante incidência de
correção monetária, a partir do recolhimento indevido, e juros de mora
de 1% (um por cento), a contar do trânsito em julgado.
3. Inexiste violação dos arts. 165, 458 e 535 do CPC/1973 quando o
Tribunal de origem aprecia fundamentadamente a controvérsia,
apontando as razões de seu convencimento, ainda que de forma
contrária aos interesses da parte, como constatado na hipótese.
4. Dispõe a Súmula 401 do STJ: “O prazo decadencial da ação rescisória
só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último
pronunciamento judicial”.
5. "É firme o entendimento no âmbito do STJ no sentido de que a
decadência do direito de propor a ação rescisória se comprova pelo
trânsito em julgado da última decisão proferida no processo, aferido pelo
transcurso do prazo recursal e não unicamente pela certidão de trânsito
em julgado, a qual apenas certifica que a decisão transitou em julgado"
(AR 4.665/PE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES,
PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/04/2016, DJe 19/05/2016)
6. A desistência do recurso ou a renúncia ao prazo recursal constitui ato
unilateral de vontade do recorrente que independe da aquiescência da
parte contrária e produz efeitos imediatos, ensejando o trânsito em
julgado, se for o caso, à luz dos arts. 158, caput, 501 e 502 do
CPC/1973.
7. Não obstante os efeitos imediatos preconizados na lei processual civil
ao pedido de renúncia, não havendo homologação judicial, o princípio do
contraditório impede que o trânsito em julgado seja reconhecido antes da
ciência da parte ex adversa, pois não se pode permitir a abertura de um
prazo, no caso, decadencial de 2 (dois) anos, de que cuida o art. 495 do
CPC/1973, antes que ocorra a indispensável intimação da parte
interessada do fato processual que lhe dá origem.
8. Hipótese em que deve ser contado o prazo decadencial da data da
primeira intimação da Fazenda Nacional, após o pedido de renúncia ao
prazo recursal e ao direito de recorrer, ocorrida em 07/03/2006.
9. Considerando que foi proposta a ação rescisória em 18/03/2008, a
parte autora decaiu do direito, porquanto inobservado o prazo bienal
previsto no art. 495 do CPC/1973.
10. Recurso especial do Banco Santander Brasil S/A e Outros
conhecido e provido. Recurso especial da Fazenda Nacional prejudicado.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo
o julgamento, por unanimidade, conhecer do recurso especial do Banco Santander Brasil S/A e
outros e dar-lhe provimento, julgando prejudicado o da Fazenda Nacional, nos termos do
voto-vista do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito
Gonçalves, Sérgio Kukina e Regina Helena Costa votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 05 de maio de 2020 (Data do julgamento).
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO GURGEL DE FARIA (Relator):
Trata-se de recursos especiais interpostos pelo BANCO SANTANDER
BRASIL S.A. e OUTROS e pela FAZENDA NACIONAL, ambos com fundamento na alínea
"a" do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região assim
ementado (e-STJ fls. 1.038/1.039):
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL
DO PRAZO. ÚLTIMA DECISÃO PROFERIDA NA CAUSA. OFENSA À COISA
JULGADA. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. LEI NOVA. TAXA SELIC. JUROS
DE MORA. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. MATÉRIA NÃO DECIDIDA NO
PROCESSO DE CONHECIMENTO.
1. A contagem do prazo para a propositura da ação rescisória começa a partir do
momento em que não couber qualquer recurso contra a decisão rescindenda, de
acordo com a interpretação conjunta dos arts. 467 e 495 do CPC. A data em que
transitou em julgado a última decisão proferida na causa demarca o início do
prazo decadencial de dois anos. Entendimento apoiado na Súmula n° 401 do
STJ.
2. Não há razoabilidade na interpretação do art 495 do CPC que preconiza o
cômputo em separado dos prazos, nas situações em que há recurso parcial ou
recurso de ambas as partes, para aferir o trânsito em julgado. O prazo para a
propositura da ação rescisória é uno, valendo para ambas as partes.
3. O nosso ordenamento jurídico admite, excepcionalmente, a desconstituição da
coisa julgada, quando houver coisa julgada material em processo com as
mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo pedido, relativamente ao
dispositivo da decisão de mérito. Proíbe-se novo julgamento em razão do efeito
negativo da coisa julgada material, que impede que a questão principal já
definitivamente decidida seja novamente julgada como questão principal em
outro processo.
4. A controvérsia envolve o conteúdo e os limites objetivos da coisa julgada,
que tornam obrigatória a observância do que foi decidido no processo de
conhecimento, quando for liquidado e executado o título judicial. Os cálculos de
liquidação apresentados pela parte credora não podem extrapolar os estritos
termos e o correto alcance da sentença exequenda.
5. A Lei n° 9.250/1995, que determina a aplicação de juros equivalentes à taxa
SELIC na restituição e na compensação de tributos pagos indevidamente, é
superveniente à sentença. Por essa razão, não poderia o provimento judicial
determinar a incidência da taxa SELIC. Mesmo que os recursos interpostos pelas
partes sejam posteriores à Lei n° 9.250/1995, não há falar em ofensa à coisa
julgada, uma vez que a questão não foi enfrentada no acórdão. Somente haveria
ofensa se a taxa SELIC tivesse sido expressamente excluída e a parte interessada
não houvesse se insurgido oportunamente.
6. A controvérsia a respeito da taxa SELIC surgiu quando as autoras postularam
a execução provisória da sentença, momento em que sequer a decisão havia
transitado em julgado. Por conseguinte, não se verifica a preclusão a impedir o
cômputo desse índice.
7. É descabido pretender limitar o cômputo da taxa SELIC a partir do trânsito em
julgado da sentença. A legislação posterior introduziu novo regramento sobre os juros devidos na restituição de tributos pagos indevidamente, derrogando
tacitamente a regra que previa juros a partir do trânsito em julgado (art. 167, §
único, do CTN), norma materialmente ordinária.
8. A solução da controvérsia é semelhante, no tocante aos expurgos
inflacionários ocorridos nos meses de julho e agosto de 1994. Evidentemente
que, inexistindo debate sobre a matéria e, portanto, decisão a respeito, o
conteúdo e os limites da coisa julgada não a abrangem.
9. Quanto o autor apresentar a conta de liquidação de sentença, deve considerar
todos os índices de correção monetária que entender corretos, sob pena de
preclusão. Sobrevindo decisão sobre os cálculos, advém a qualidade de coisa
julgada da sentença, abrangendo o que for decidido sobre os expurgos
inflacionários.
Os embargos de declaração opostos pelo Banco Santander Brasil S.A.,
pela Fazenda Nacional e pelo Ministério Público Federal foram acolhidos para modificar o
acórdão embargado "quanto à distribuição dos honorários advocatícios, que devem ser divididos
em partes iguais, permitindo-se a mútua compensação" (e-STJ fl. 1.100).
Os segundos aclaratórios do Banco Santander Brasil S.A. foram
acolhidos, sem atribuição de efeitos infringentes (e-STJ fls. 1.128/1.135).
Em relação à parte não unânime do acórdão que julgou parcialmente
procedente a ação rescisória foram opostos embargos infringentes, os quais foram rejeitados nos
termos da seguinte ementa (e-STJ fl. 1.214):
EMBARGOS INFRINGENTES. EM AÇÃO RESCISÓRIA. CORREÇÃO
MONETÁRIA. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. COISA JULGADA. VIOLAÇÃO.
CRITÉRIO. PREVISÃO OU NÃO NA SENTENÇA.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça quanto à aplicação da
correção monetária na fase de execução de sentença, distingue as hipóteses em
que a sentença do processo de conhecimento, transitada em julgado, indicou o
critério de correção monetária a ser utilizado, daqueles casos em que não houve
tal previsão.
2. É firme o entendimento do STJ no sentido da possibilidade de inclusão dos
expurgos, na fase de execução, quando na sentença não foram estabelecidos os
índices de correção monetária a serem utilizados, mesmo que não discutidos no
processo de conhecimento.
3. Na hipótese, a sentença exequenda adotou expressamente os índices de
correção monetária a serem aplicados para calcular o valor da execução,
descabendo a incidência, na fase de execução, de índice diverso daqueles, sob
pena de violação da coisa julgada.
O Banco Santander Brasil S.A. opôs embargos de declaração, os quais
foram acolhidos em parte "apenas para fins de prequestionamento" (e-STJ fl. 1.310).
Em suas razões de recurso especial, o Banco Santander Brasil S.A. e
Outros alegam, de início, que houve ofensa ao arts. 165, 458 e 535 do CPC/1973 pelo acórdão
recorrido, por entender que não houve enfrentamento explícito dos argumentos deduzidos, em
especial ao disposto nos arts. 186, 499, 501, 502 e 503 do CPC/1973, assim como ao contido no
art. 5º, caput e incisos XXII, XXXVI e LIV.
Sustentam que, ao não reconhecer a decadência do direito de propor a
presente ação rescisória, o acórdão recorrido contrariou o disposto nos arts. 2º, 128, 158, 186, 460, 467 a 474, 485, 495, 499, 501, 502 e 503 do CPC/1973.
Seguem afirmando que, ao julgar parcialmente procedentes os pedidos
deduzidos na ação rescisória, para afastar a observância do IGP-M nos meses de julho e agosto
de 1994 nos cálculos apresentados para fins de cumprimento da sentença, incorreu em ofensa à
coisa julgada, tendo o acórdão recorrido violado o disposto nos arts. 467, 468, 471, 472 e 474 do
CPC/1973 (e-STJ fls. 1.313/1.355).
A FAZENDA NACIONAL, em suas razões de recurso especial, aduz
contrariedade ao art. 535, II, do CPC/1973, ao argumento de que o acórdão recorrido "omitiu-se
em relação ao disposto nos artigos 467, 473, 474, do Código de Processo Civil, mesmo instado a
tanto pelos embargos de declaração (fls. 919/923), eis que a análise dos pontos suscitados é
fundamental ao deslinde da controvérsia" (e-STJ fl. 1.286).
Assevera que houve violação do art. 485, IV, do CPC/1973, por
entender que houve ofensa à coisa julgada pelo acórdão rescindendo, proferido em sede de
embargos à execução, pois o título judicial exequendo estabelecera correção monetária sem
IGPM e incidência de juros de mora "apenas após o trânsito em julgado, não prevendo a
aplicação da SELIC, ao contrário, embora proferida após a entrada em vigor de tal taxa de juros
e correção monetária" (e-STJ fl. 1.288).
Segue afirmando (e-STJ fls. 1.288/1.289):
Assim, ao contrário do que depois se veio a decidir na r. sentença que rejeitou
os embargos à execução (DOC n° 06), bem como na que decidiu os embargos de
declaração em seguida opostos (DOC n° 08), não cabia a aplicação, ao caso,
quer do IGPM, quer de juros pela taxa SELIC, porque a determinação que havia e
que acabou transitando em julgado era em sentido diverso - isto é, pela
aplicação de correção monetária com índices expressamente previstos para todo
o período (e sem referência ao IGPM) e de juros pela taxa de 1% ao mês, a partir
do trânsito em julgado da demanda.
Em suas contrarrazões, a Fazenda Nacional aduz, de início, que a
"diferença entre o cálculo apresentado pelos autores e o cálculo da União importou em R$
39.951.053,91, em valores atualizados até junho de 1999" (e-STJ fl. 1.409). Assevera que o
recurso especial encontra óbice nas Súmulas 7 e 83 do STJ. Acrescenta que a ação rescisória foi
proposta no prazo decadencial e que não cabe a inclusão de IGP-M nos cálculos apresentados,
por ofensa à coisa julgada (e-STJ fls. 1.406/1.419).
O Banco Santander Brasil S.A. e Outros alegam ser inadmissível o
recurso especial quanto à suposta violação do art. 535 do CPC/1973, por ser deficiente de
fundamentação. Defendem a inexistência de ofensa à coisa julgada pelo acórdão recorrido, ao
reconhecer a incidência da taxa Selic em sede execução, de modo que não haveria contrariedade
aos dispositivos apontados pela Fazenda Nacional (e-STJ fls. 1.421/1.450).
Os recursos especiais foram admitidos (e-STJ fl. 1.453/1.456).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO GURGEL DE FARIA (Relator):
Nos termos do que decidido pelo Plenário do STJ, aos recursos
interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de
2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as
interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Enunciado
Administrativo 2).
Feita essa anotação, o Tribunal de origem, em autos de ação rescisória
proposta pela Fazenda Nacional, rejeitou prejudicial de decadência e, quanto ao mérito, julgou
parcialmente procedente o pedido, a fim de desconstituir em parte o acórdão rescindendo,
proferido em embargos à execução, para "excluir a correção pelo IGPM nos meses de julho e
agosto de 1994, por ofensa à coisa julgada" (e-STJ fl. 1.035). Outrossim, reconheceu a
inexistência de ofensa à coisa julgada pela inclusão da Taxa Selic nos cálculos, não obstante o
título judicial tenha expressamente condenado à restituição de valores pagos indevidamente a
título de Finsocial, mediante incidência de correção monetária, a partir do recolhimento indevido, e
juros de mora de 1% (um por cento), a contar do trânsito em julgado.
Cabe registrar que os autos informam que, no curso do processo de
conhecimento, os contribuintes recorrentes propuseram execução provisória da sentença,
incluindo IGP-M e taxa Selic.
Do recurso especial do Banco Santander Brasil S.A. e Outros
Inicialmente, quanto à apontada ofensa aos arts. 165, 458 e 535 do
CPC/1973, não se vislumbra nenhum equívoco ou deficiência na fundamentação contida no
acórdão recorrido, sendo possível observar que o Tribunal de origem apreciou integralmente a
controvérsia, apontando as razões de seu convencimento, não se podendo confundir julgamento
desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional.
Em seguida, sustenta a parte recorrente que a ação rescisória foi
proposta quando já superado o prazo de 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão,
de acordo com o art. 495 do CPC/1973, vigente à época. Argumenta que deve ser considerada
não a data da certificação do trânsito em julgado, mas a sua efetiva ocorrência, que, no caso, em
última análise, corresponderia à data em que formulara desistência do último recurso interposto
nos autos, em 15/12/2005, "antes mesmo da publicação do v. acórdão que solveu o Agravo
Regimental por si interposto no âmbito do STJ, dando-se por cientes do resultado do respectivo
julgamento e dizendo-se com ele de acordo (CPC, art. 503)" (e-STJ fl. 1.336).
No caso, sobre o tema, assim decidiu o Tribunal de origem, conforme
atesta o seguinte excerto do voto condutor do julgado (e-STJ fls. 1.097/1.099):
O STJ, em 17/10/2005, negou seguimento aos recursos especiais opostos por
ambas as partes (fls. 752/754). Somente os embargantes interpuseram agravo
regimental. A 1a Turma do STJ negou provimento ao recurso, em 06/12/2005
(fl. 769). Os embargantes, em 15/12/2005, renunciaram ao prazo recursal e ao
direito de recorrer do acórdão (fl. 770). Em 06/02/2006, o relator proferiu
despacho determinando a certificação do trânsito em julgado e a remessa dos
autos ao tribunal de origem (fl. 772). Embora manifestada a renúncia, o acórdão
foi publicado no Diário da Justiça da União em 06/03/2006 (fl. 778). Em
07/03/2006, os embargantes ratificaram a renúncia (fl. 779). Os autos foram
conclusos ao relator, que os devolveu sem despacho. A Coordenadoria da 1ª
Turma procedeu à intimação da Fazenda Nacional por mandado, cujo
arquivamento ocorreu em 07/03/2006. A certidão do trânsito em julgado do
acórdão foi exarada em 23/03/2006 (fl. 781). Esta ação rescisória foi ajuizada
em 18/03/2008.
O art. 158 do CPC determina que os atos das partes, consistentes em
declarações unilaterais ou bilaterais de vontade, produzem imediatamente a
constituição, a modificação ou a extinção de direitos processuais. É certo que a
renúncia ao prazo recursal e ao direito de recorrer faz cessar os efeitos da
interposição do recurso, ou seja, acarreta o imediato trânsito em julgado da
sentença em relação ao renunciante. Conquanto o CPC não exija a homologação
judicial, cabe ao juiz ou ao tribunal examinar a regularidade do ato processual de
renúncia, declarando os efeitos já operados.
O reconhecimento da regularidade do ato de renúncia pelo relator do recurso
especial tornou desnecessária a realização de qualquer ato processual, salvo a
certificação do trânsito em julgado, uma vez que não havia mais possibilidade de
interpor qualquer recurso contra o acórdão. No entanto, após os embargantes
renunciarem, a Coordenadoria da 1ª Turma publicou o acórdão. Não obstante a
renúncia já tivesse sido apreciada, remeteu os autos ao relator para novo exame.
Restituídos os autos sem despacho, desta feita intimou a União do acórdão. E,
finalmente, certificou o trânsito em julgado.
O equívoco no processamento dos autos, após o despacho que examinou a
renúncia, levou a União a concluir que o prazo recursal ainda estava em curso.
Do contrário, qual a utilidade de intimar as partes de decisão já transitada em
julgado? Por essa razão, considerou a data em que foi certificado o trânsito em
julgado do acórdão como o prazo inicial para a propositura da ação rescisória, mormente porque a certidão apenas dá conta do fato, sem referir a data em que
ocorreu.
Parece-me claro que a União foi induzida em erro quanto ao decurso do prazo
recursal e à data em que efetivamente o acórdão transitou em julgado. Isso
acarretou-lhe evidente prejuízo, já que o marco temporal para o ajuizamento da
rescisória deslocou-se para momento muito anterior à certidão do trânsito em
julgado.
Assegurar a garantia do devido processo legal não é somente observar e
respeitar as normas do processo judicial previamente estabelecidas; envolve
avaliar e ponderar as conseqüências da observância ou inobservância dessas
normas. Considerar que houve o trânsito em julgado no momento em que os
embargantes manifestaram a renúncia, ignorando que os atos processuais
posteriores, em vez de cumprir a sua finalidade, alteraram o correto
processamento do feito e originaram falta de clareza quanto ao real estado do
processo, implica negar o direito da União a uma decisão razoável. Nesse caso, a
solução a ser dada é a que causa a menor restrição possível.
Assim, em que pese a data do trânsito em julgado, decorrente da renúncia ao
prazo recursal e ao direito de recorrer, não se confunda com a data da
certificação nos autos, no caso presente configura-se circunstância excepcional
que justifica a consideração dessa última, para fins de contagem do prazo
decadencial para o ajuizamento da ação rescisória (grifos acrescidos).
Todavia, entendo que não deve prevalecer esse entendimento.
A propósito do tema, dispõe a Súmula 401 do STJ: “O prazo decadencial
da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento
judicial”.
Verifica-se no excerto transcrito, nos autos da ação principal (REsp
784.297/RS), que houve o julgamento do agravo regimental, último recurso interposto pelos
contribuintes, ora recorrentes, em 06/12/2005. Posteriormente, em 15/12/2005, foi protocolada
petição requerendo a renúncia ao prazo recursal e ao direito de recorrer do acórdão, tendo o
eminente Ministro relator, em 06/02/2006, determinado a certificação do trânsito em julgado, sem
homologar tal pedido.
Em outras palavras, em 06/02/2006, o Ministro relator determinou a
certificação do trânsito em julgado, em virtude do pedido de renúncia ao prazo recursal e ao
direito de recorrer do acórdão, que negara provimento ao seu agravo regimental, pleito este
formulado em 15/12/2005.
Contudo, sobreveio a publicação do acórdão que julgou o agravo
regimental em 06/03/2006, tendo sido a Fazenda Nacional intimada pessoalmente em 07/03/2006.
A certidão de trânsito em julgado foi lavrada em 23/03/2006.
Cabe ressaltar que não é a data da lavratura da certidão que estabelece
o trânsito em julgado, mas a de sua efetiva ocorrência, que se verifica, em regra, pelo transcurso
do prazo para interpor recurso contra a última decisão proferida no processo.
Nesse sentido, refiro-me aos seguintes julgados:
PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973 NÃO
CONFIGURADA. RECURSO ESPECIAL EM AÇÃO RESCISÓRIA. PRAZO DECADENCIAL. DATA DO EFETIVO TRÂNSITO EM JULGADO EM
DETRIMENTO DA CERTIDÃO. PRECEDENTES DO STJ.
INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 343/STF. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. ALÍNEA "C". NÃO
DEMONSTRAÇÃO DA DIVERGÊNCIA.
[...]
3. "A decadência da ação rescisória se comprova pelo trânsito em julgado da
última decisão proferida no processo de conhecimento, aferido pelo transcurso
do prazo recursal e não pela certidão de trânsito em julgado que, ademais, não
aponta o trânsito naquela data, mas apenas certifica que a decisão transitou em
julgado" (AgRg na AR 2.946/RJ, Terceira Seção, Rel. Ministra Maria Thereza de
Assis Moura, DJe 19/3/2010; e AgRg na AR 4.666/CE, Rel. Ministro Herman
Benjamin, Primeira Seção, DJe 23/2/2012).
[...]
7. Agravo conhecido se para conhecer parcialmente do Recurso Especial e,
nessa extensão, negar-lhe provimento.
(AREsp 724.470/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA,
julgado em 05/11/2019, DJe 18/11/2019) (grifos acrescidos).
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. MILITAR DO EXÉRCITO. ART.
485, V, DO CPC. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. PRESCRIÇÃO.
PRAZO DECADENCIAL. ART. 495 DO CPC. TERMO INICIAL. DATA DO
EFETIVO TRÂNSITO EM JULGADO. IMPRESTABILIDADE DA CERTIDÃO
DE TRÂNSITO EM JULGADO. PRECEDENTES DESTA CORTE. AÇÃO
RESCISÓRIA EXTINTA COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.
1. Consoante dispõe o art. 495 do CPC e a Súmula 401/STJ, o direito de propor
ação rescisória extingue-se em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado do
último pronunciamento judicial.
2. É firme o entendimento no âmbito do STJ no sentido de que a decadência do
direito de propor a ação rescisória se comprova pelo trânsito em julgado da
última decisão proferida no processo, aferido pelo transcurso do prazo recursal
e não unicamente pela certidão de trânsito em julgado, a qual apenas certifica
que a decisão transitou em julgado. Precedentes.
3. Sendo as partes intimadas da última decisão proferida no processo em
29/05/2008, iniciou-se o prazo quinquenal recursal cabível (art. 258 do RISTJ e
arts. 188, 536 e 557, § 1°, do CPC) em 30/05/2008, findando-se em 09/06/2008. Não
tendo qualquer das partes insurgido-se contra a referida decisão, operou-se o
trânsito em julgado do decisum em 10/06/2008, o qual coincide com o dies a quo
do prazo decadencial previsto no art. 495 do CPC.
4. Assim, o termo final do prazo decadencial para o ajuizamento da ação
rescisória era 10/06/2010. Contudo a inicial da presente ação rescisória só foi
protocolada em 14/06/2010, ou seja, após o decurso do prazo de dois anos,
operando-se, portanto, a decadência.
5. Ação rescisória extinta, com resolução do mérito, nos termos do art. 269, IV,
do CPC.
(AR 4.665/PE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA
SEÇÃO, julgado em 27/04/2016, DJe 19/05/2016) (grifos acrescidos).
No caso, a certidão, lavrada em 23/03/2006, não indicou a data em que
teria ocorrido o trânsito em julgado. Tão somente o certificou, de modo que se impõe perquirir o
exato momento desse relevante fato processual, para fins de exame da decadência.
Em regra, a desistência do recurso ou a renúncia ao prazo recursal
constitui ato unilateral de vontade do recorrente que independe da aquiescência da parte contrária
e produz efeitos imediatos, ensejando o trânsito em julgado, se for o caso, à luz dos arts. 158, caput, 501 e 502 do CPC/1973.
Essa compreensão pode ser extraída dos seguintes julgados:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. DESISTÊNCIA DO RECURSO
ESPECIAL, SEM RESSALVAS. HOMOLOGAÇÃO EFETUADA. PEDIDO DE
RETRATAÇÃO, EM RELAÇÃO A PARTE DO RECURSO, EM SEDE DE
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INVIABILIDADE. PRECEDENTES.
1. A jurisprudência é pacífica no sentido de que a desistência do recurso produz
efeitos imediatos, tendo em vista que, nos termos do art. 501 do CPC, "o
recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos
litisconsortes, desistir do recurso". A produção dos efeitos prescinde, inclusive,
de homologação judicial, pois o atual Código de Processo Civil não exige essa
providência (STF-RE 65.538/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Antônio Neder, DJ de
18.4.1975; REsp 246.062/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de
20.5.2004).
2. Assim, formulado de modo regular o pedido de desistência do recurso, e
havendo a respectiva homologação, opera-se a preclusão, cujo principal efeito é
o de ensejar o trânsito em julgado em relação à decisão recorrida, caso não
haja outro recurso pendente de exame. No mesmo sentido: REsp 7.243/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de
2.8.1993; AgRg no RCDESP no Ag 494.724/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy
Andrighi, DJ de 10.11.2003. Na doutrina, o entendimento de José Carlos Barbosa
Moreira.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg nos EDcl no REsp 1.014.200/SP, Rel. Ministra DENISE ARRUDA,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 7/10/2008, DJe 29/10/2008) (grifos acrescidos).
AGRAVO REGIMENTAL EM DESISTÊNCIA EM AGRAVO REGIMENTAL EM
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE DESISTÊNCIA.
AGRAVO REGIMENTAL PENDENTE DE JULGAMENTO. DESISTÊNCIA
PROTOCOLADA OPORTUNAMENTE. HOMOLOGAÇÃO.
1. O pedido de desistência dos recursos cabíveis, cumulado com o pleito de
renúncia ao direito em que se funda a ação, desde que formulados antes do
transcurso do prazo recursal, importa no trânsito em julgado da ação, nos
lindes da motivação ventilada no petitório.
2. In casu, revela-se viável o pedido de desistência, uma vez que protocolado
anteriormente à decisão do agravo regimental no recurso especial.
3. Restando inquestionável o equívoco cometido pela Secretaria do Tribunal
(juntada tardia de petição), atestado, inclusive, por certidão por ela mesma
expedida, não podem ser prejudicadas as partes do processo, impondo-se seja
considerada oportunamente interposta a Desistência, que se pretende seja
homologada.
4. Agravo regimental provido, para declarar nulo o julgamento realizado em
04/02/2010, noticiado por certidão juntada à fl. 794 e homologar a desistência
pleiteada às fls. 796/801, restando incólume a decisão de não conhecimento do
recurso especial de fls. 777/781.
(AgRg na Desis no AgRg no REsp 902.711/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/10/2010, DJe 18/11/2010) (grifos acrescidos).
Desse modo, a desistência do recurso ou a renúncia ao prazo recursal
determina, em regra, o trânsito em julgado da decisão impugnada, se não houver, vale registrar,
recurso pendente de julgamento da outra parte.
Contudo, a hipótese revela uma peculiaridade que impede o
reconhecimento do trânsito em julgado em 15/12/2005, data do protocolo da renúncia. Como não
há notícia de que houve homologação pelo eminente relator, a Fazenda Nacional teve ciência do
pedido de renúncia ao prazo recursal e ao direito de recorrer quando foi intimada pessoalmente,
em 07/03/2006, do acórdão proferido nos autos do agravo regimental.
Não obstante os efeitos imediatos preconizados na lei processual civil ao
pedido de renúncia, não havendo homologação judicial, o princípio do contraditório impede que o
trânsito em julgado seja reconhecido antes da ciência da parte ex adversa. Não se pode permitir
a abertura de um prazo, no caso, decadencial de 2 (dois) anos, de que cuida o art. 495 do
CPC/1973, antes que ocorra a indispensável intimação da parte interessada do fato processual
que lhe dá origem.
Nesse contexto, no caso, deve ser contado o prazo decadencial da data
da primeira intimação da Fazenda Nacional, após o pedido de renúncia, ocorrida em 07/03/2006.
Desse modo, considerando que foi proposta a ação rescisória em 18/03/2008, a parte autora
decaiu do direito de propor a ação rescisória, porquanto inobservado o prazo de 2 (dois) anos do
art. 495 do CPC/1973.
Por fim, em face do reconhecimento da decadência, remanescem
prejudicadas as demais alegações apresentadas em ambos os recursos especiais.
Ante o exposto, CONHEÇO do recurso especial do Banco Santander
Brasil S.A. e OUTROS e DOU-LHE PROVIMENTO, a fim de pronunciar a decadência do
direito de propor a ação rescisória e, assim, julgar extinto o processo, com resolução de mérito,
nos termos do arts. 269, IV, do CPC/1973 (art. 487, II, do CPC/2015). Outrossim, JULGO
PREJUDICADO o recurso especial da Fazenda Nacional.
Acresço, em favor do Banco Santander Brasil S.A. e OUTROS, à
condenação em honorários advocatícios já arbitrada na instância ordinária, a quantia de R$
50.000,00 (cinquenta mil reais), restando fixados em R$ 100.000,00 (cem mil reais), com
fundamento no art. 20, §§ 3 e 4º, do CPC/1973 (requisitos que devem ser observados em face da
época da prolação da decisão impugnada), determinando, ainda, o reembolso das custas e
despesas processuais eventualmente antecipadas pela parte recorrente.
É como voto.