RECURSO ESPECIAL Nº 1.667.576 - PR (2017/0077797-4)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. SENTENÇA DE
IMPROCEDÊNCIA PROFERIDA EM AÇÃO INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE.
FALECIMENTO DO PRETENSO GENITOR BIOLÓGICO APÓS O TRÂNSITO EM
JULGADO. LEGITIMIDADE PASSIVA NA AÇÃO RESCISÓRIA DOS HERDEIROS DO
FALECIDO E NÃO DO ESPÓLIO. AÇÃO DE ESTADO E DE NATUREZA PESSOAL.
EMENDA À PETIÇÃO INICIAL PARA MODIFICAÇÃO DO POLO PASSIVO, SEM
ALTERAÇÃO DO PEDIDO OU DA CAUSA DE PEDIR, APÓS A CONTESTAÇÃO DO
RÉU. ADMISSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA EFETIVIDADE DO PROCESSO,
ECONOMIA PROCESSUAL E INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS.
OBRIGATORIEDADE DE A ALTERAÇÃO SE REALIZAR ANTES DO ESCOAMENTO
DO BIÊNIO DA AÇÃO RESCISÓRIA, SOB PENA DE DECADÊNCIA.
1- Ação proposta em 07/02/2014. Recursos especiais interpostos em
01/10/2015 e atribuídos à Relatora em 18/07/2017.
2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se a ação rescisória em
que se pretende rescindir sentença proferida em ação de investigação de
paternidade cujo genitor é pré-morto deve ser ajuizada em face do espólio
ou em face dos herdeiros; (ii) se é admissível a determinação judicial de
emenda à petição inicial para correção do polo passivo após a contestação
do réu na ação rescisória e após o escoamento do biênio para ajuizamento da ação rescisória.
3- Por se tratar de ação de estado e de natureza pessoal, a ação de
investigação de paternidade em que o pretenso genitor biológico é
pré-morto deve ser ajuizada somente em face dos herdeiros do falecido e
não de seu espólio, sendo irrelevante o fato de se tratar de rediscussão da
matéria no âmbito de ação rescisória, para a qual igualmente são
legitimados passivos os sucessores do pretenso genitor biológico, na medida
em que são eles as pessoas aptas a suportar as pretensões rescindente e
rescisória deduzidas pelos supostos filhos.
4- Em homenagem aos princípios da efetividade do processo, da economia
processual e da instrumentalidade das formas, é admissível a emenda à
petição inicial para modificação do polo passivo, sem alteração do pedido ou
da causa de pedir, mesmo após a contestação do réu. Precedentes.
5- No âmbito da ação rescisória, a admissibilidade de modificações no polo
passivo, seja para inclusão de litisconsortes passivos necessários, seja para a
substituição de parte ilegítima, deve ser realizada, obrigatoriamente, até o
escoamento do prazo bienal para o ajuizamento da ação rescisória, sob pena
de se operar a decadência.
6- Recurso especial de GILMAR M conhecido e desprovido; recurso especial
do espólio de JOÃO G conhecido e provido, para reconhecer a decadência do
direito de rescindir a coisa julgada e julgar improcedente a ação rescisória.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso
especial de GILMAR M e dar provimento ao recurso especial de JOÃO G, nos termos do
voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo
Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra
Relatora. Dr(a). TIAGO BECKERT ISFER, pela parte RECORRIDA: G M.
Brasília (DF), 10 de setembro de 2019(Data do Julgamento)
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Cuida-se de recursos especiais interpostos por GILMAR M, com base
nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, e por espólio de JOÃO G,
também com base nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, ambos em
face de acórdãos do TJ/PR que, por unanimidade, negaram provimento aos agravos
internos por eles interpostos.
Recursos especiais interpostos e m: 01/10/2015.
Atribuídos ao gabinete e m: 26/03/2018.
Ação: rescisória ajuizada por GILMAR M em face de espólio de JOÃO
G, visando rescindir sentença proferida em ação de investigação de paternidade por elas ajuizada, que julgou improcedente o pedido e que transitou em julgado
em 08/02/2012.
Decisão unipessoal: determinou a emenda da petição inicial da ação
rescisória, a fim de que o espólio fosse substituído pelos herdeiros de JOÃO G.
Acórdão: por unanimidade, negou-se provimento aos agravos
internos interpostos pelos recorrentes, nos termos das seguintes ementas:
AGRAVOS REGIMENTAIS. EMENDA À INICIAL. AÇÃO DE
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. INVESTIGADO FALECIDO. LEGITIMIDADE
PASSIVA DOS HERDEIROS.
A ação rescisória que visa desconstituir sentença proferida em
ação de investigação de paternidade, cujo réu é falecido, recai sobre os
herdeiros, posto que a providência pretendida nesses autos tem o poder de
implicar em alterações na esfera jurídica daqueles.
(...)
AGRAVOS REGIMENTAIS. EMENDA À INICIAL. POSSIBILIDADE.
ECONOMIA PROCESSUAL E INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. ART. 284 DO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Embora a regra não seja a da emenda à petição inicial após a
citação, a regularização processual pode ocorrer em casos específicos, em
homenagem aos princípios da economia processual e da instrumentalidade,
combinados com o art. 284 do Código de Processo Civil.
Recurso especial de GILMAR M: alega-se violação aos arts. 12, V,
e 472, ambos do CPC/73, ao fundamento de que a ação rescisória em que se
pretende rescindir sentença proferida em ação de investigação de paternidade
cujo genitor é pré-morto deveria ser ajuizada em face do espólio ou, quando
muito, em litisconsórcio passivo necessário entre espólio e herdeiros, razão pela
qual deve ser reformada a decisão judicial que determinou fosse emendada a
petição inicial (fls. 1.509/1.525, e-STJ).
Recurso especial do espólio de JOÃO G: alega-se violação aos
arts. 264, 267, VI, e 495, todos do CPC/73, ao fundamento de que seria
inadmissível a ordem judicial de emenda à inicial, quer seja porque já teria havido contestação do réu e, consequentemente, estabilização subjetiva da lide, quer seja
porque a emenda somente ocorreu após o escoamento do biênio da ação
rescisória, tendo se operado a decadência (fls. 1.306/1.324, e-STJ).
Ministério Público Federal: opinou pelo conhecimento e
desprovimento do recurso especial de GILMAR M; e pelo conhecimento e
provimento do recurso especial do espólio de JOÃO G (fls. 1.723/1.730, e-STJ).
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se a ação rescisória
em que se pretende rescindir sentença proferida em ação de investigação de
paternidade cujo genitor é pré-morto deve ser ajuizada em face do espólio ou em
face dos herdeiros; (ii) se é admissível a determinação judicial de emenda à
petição inicial para correção do polo passivo após a contestação do réu na ação
rescisória e após o escoamento do biênio para ajuizamento da ação rescisória.
1. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO POR GILMAR M. ALEGADA
VIOLAÇÃO AOS ARTS. 12, V, E 472, AMBOS DO CPC/73.
O recorrente GILMAR M sustenta inicialmente que seria correto o
ajuizamento da ação rescisória em face do espólio de JOÃO G, na medida em que a
ação investigatória de paternidade cuja sentença se pretende rescindir teria sido
ajuizada exclusivamente em face dele enquanto vivo, de modo que não poderia
haver a posterior substituição processual pelos herdeiros.
Sustenta o recorrente ainda, em caráter subsidiário, que, se se
entender pela legitimação passiva dos herdeiros, a hipótese seria de litisconsórcio
passivo necessário desses com o espólio.
Em se tratando especificamente de ação investigatória de
paternidade, leciona Flávio Tartuce:
Em regra, a ação será proposta contra o suposto pai ou suposta
mãe, diante do seu caráter pessoal.
Falecido este ou esta, a ação será proposta contra os herdeiros da
pessoa investigada, não contra o espólio, justamente diante deste caráter
pessoal. Lembre-se de que o espólio não tem personalidade jurídica, o que
afasta a possibilidade de propositura da demanda contra este. (TARTUCE, Flávio.
Direito Civil Vol. 5: direito de família. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p.
501).
A questão é explorada mais profundamente por Rolf Madaleno:
A legitimação passiva na ação de filiação é do ascendente
investigado, no caso a suposta mãe, em sendo investigada a maternidade, ou o
pai, no caminho oposto. Se o investigado já é falecido, serão réus os respectivos
herdeiros, a serem individual e pessoalmente citados, tendo em vista ser uma
ação de estado, não podendo ser representados pelo inventariante, acaso ainda
tramitando o processo de inventário do investigado sucedido, mesmo se a
pretensão judicial inserir pedido cumulativo e relativo ao quinhão hereditário do
investigante. Isso porque a ação é de investigação de filiação, e visa ao
reconhecimento da perfilhação. É uma ação declaratória de estado da pessoa e
não guardar qualquer correlação com o resultado econômico oriundo da
procedência da investigatória, e também implicará um resultado econômico se o
extinto declarado genitor tiver deixado bens para inventariar e não estiver
prescrita a ação de petição de herança. (MADALENO, Rolf. Direito de família. 8ª
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 624/625).
A jurisprudência desta Corte, de igual modo, fixou-se no sentido de
que a ação de investigação de paternidade deve ser ajuizada em face dos
herdeiros e não do espólio do falecido.
Nesse sentido, confiram-se: REsp
5.280/RJ, 3ª Turma, DJ 11/11/1991; REsp 120.622/RS, 3ª Turma, DJ 25/02/1998;
REsp 331.842/AL, 3ª Turma, DJ 10/06/2002.
Nesse contexto, o fato de a sentença que se pretende rescindir ter
sido proferida em ação investigatória de paternidade em que somente JOÃO G
figurou como parte, o que sustentaria a tese recursal de que, após o seu
falecimento, a ação rescisória deveria ser ajuizada em face do espólio, e não dos
seus herdeiros, não modifica em absolutamente nada o entendimento acima
mencionado.
Com efeito, embora o CPC/73 não trate da legitimidade passiva para a
ação rescisória (e, anote-se, que o CPC/15 também não examine esse tema), é
correto afirmar que a regra do art. 487, I, do CPC revogado (idêntico ao art. 967, I,
do novo CPC), que disciplina a legitimidade ativa e que informe que poderá propor
a referida ação “quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou
singular” deve se aplicar, por lógica, coerência e simetria, também à adequada
configuração da legitimação passiva da ação rescisória.
Por essa razão, o falecimento da parte após o trânsito em julgado da
sentença a ser rescindida implica em sucessão processual não apenas no polo
ativo, mas também no polo passivo.
Tratando especificamente dessa matéria, leciona José Carlos
Barbosa Moreira:
Merece consideração especial a hipótese de sucessão
intercorrente, quanto a alguma pessoa que, por haver sido parte no outro feito, devesse ser citada para a rescisória. Na sucessão causa mortis e na sucessão a
título universal entre pessoas jurídicas (por exemplo: fusão ou incorporação de
sociedades), não há dúvida de que a legitimação passiva se transfere aos
sucessores. (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de
Processo Civil – Vol. 5 – Arts. 476 a 565. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.
174/175).
Como se sabe, a legitimidade passiva decorre de uma relação lógica e
abstrata entre quem pede, o que se pede e contra quem se pede, devendo figurar
no polo passivo a pessoa indicada pelo autor que possa ser compelida e reúna
condições de satisfazer o pedido inicial.
Tendo em mira essa premissa, conclui-se que, evidentemente, o
espólio não é parte legítima para responder à ação rescisória em que se pleiteie a
rescisão de sentença e o rejulgamento de ação investigatória de paternidade post
mortem, seja como legitimado exclusivo, seja como litisconsorte passivo
necessário, na medida em que, nessa ação, nada será pedido contra o espólio, que
tão somente é um ente despersonalizado apto a titularizar a universalidade jurídica
denominada herança até que se efetive a partilha dos bens.
Sublinhe-se que as eventuais repercussões econômicas ou
patrimoniais derivadas do reconhecimento, ou não, da filiação que se pretende
alcançar por intermédio da ação investigatória de paternidade é que poderão,
hipoteticamente, ser objeto de pretensões autônomas que serão deduzidas contra
o espólio, como já se consignou em precedentes desta Corte em relação à petição
de herança (AgRg no Ag 580.197/SP, 4ª Turma, DJe 04/05/2009) e à execução de
dívidas do de cujus (REsp 1.559.791/PB, 3ª Turma, DJe 31/08/2018).
Por tais razões, não há que se falar em violação aos arts. 12, V, e 472,
ambos do CPC/73, motivo pelo qual o recurso especial interposto por GILMAR M
deve ser desprovido.
2. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO PELO ESPÓLIO DE JOÃO
G. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 264, 267, VI, E 495, TODOS DO
CPC/73.
A primeira tese apresentada no recurso especial do espólio de JOÃO
G é de que a consequência jurídica do reconhecimento de sua ilegitimidade
passiva para responder a ação rescisória seria o indeferimento da petição inicial e,
consequentemente, a extinção do processo sem resolução de mérito (art. 267, VI,
combinado com art. 295, II, ambos do CPC/73), não havendo que se cogitar a
possibilidade de emenda à petição inicial após a citação do recorrente (violação ao
art. 264 do CPC/73).
Não se pode olvidar, evidentemente, que há antigo precedente desta
Corte que consignou que a ilegitimidade não pode ser concebida “como simples
erro na petição inicial, passível de correção”, motivo pelo qual “iniciado o processo
sob uma titularidade, a alteração no polo ativo, por meio de emenda,
corresponderia a uma substituição processual, mormente quando é determinada
após a citação, hipótese expressamente vedada, salvo exceções não presentes no
caso, a teor do artigo 264 do Código de Processo Civil”. (REsp 758.622/RJ, 3ª
Turma, DJ 10/10/2005).
Ocorre que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em
homenagem aos princípios da efetividade do processo, da economia processual e
da instrumentalidade das formas, evoluiu no sentido de que é admissível a emenda
à petição inicial para modificação do polo passivo, sem alteração do pedido ou da
causa de pedir, mesmo após a contestação. Nesse sentido: AgRg no REsp
1.362.921/MG, 2ª Turma, DJe 01/07/2013; AgInt no AREsp 921.282/PR, 4ª Turma,
DJe 27/02/2018.
Existe, inclusive, precedente específico da 3ª Turma desta Corte:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE
INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU INCLUSÃO DE PARTE NO
POLO PASSIVO DA AÇÃO APÓS A CITAÇÃO DO RÉU. INTERDITO PROIBITÓRIO.
AUSÊNCIA DOS VÍCIOS ELENCADOS NO ART. 535 DO CPC. EMENDA DA INICIAL
APÓS CITAÇÃO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA INSTRUMENTALIDADE DAS
FORMAS E DA ECONOMIA PROCESSUAL. PECULIARIDADES DO CASO QUE
JUSTIFICAM A RETIFICAÇÃO DO POLO PASSIVO. INEXISTÊNCIA DE MODIFICAÇÃO
DA CAUSA DE PEDIR OU PEDIDO. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Não há violação do disposto no art 535 do CPC quando o
aresto recorrido adota fundamentação suficiente para dirimir a controvérsia,
sendo desnecessária a manifestação expressa sobre todos os argumentos
apresentados.
2. Observados os princípios da instrumentalidade das
formas e da economia processual, é possível a relativização das
regras previstas no art. 264 do CPC para se admitir a emenda da
inicial após a citação do réu desde que isso não acarrete alteração da
causa de pedir ou do pedido. Precedentes.
3. Recurso especial não provido. (REsp 1.473.280/ES, 3ª Turma,
DJe 14/12/2015.
Por tais motivos, conclui-se que o acórdão recorrido não violou os
arts. 264 e 267, VI, ambos do CPC/73, razão pela qual o recurso especial do espólio
de JOÃO G não merece ser provido sob esse fundamento.
É preciso examinar, contudo, a segunda tese deduzida no recurso
especial do espólio de JOÃO G, segundo a qual teria havido violação ao art. 495 do
CPC/73, na medida em que o recorrido GILMAR M teria decaído do direito de
rescindir a sentença proferida na ação investigatória de paternidade em virtude de
não ter havido a substituição do polo passivo antes do término do prazo bienal.
A esse respeito, destaque-se desde logo precedente da Corte Especial
deste Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO
RESCISÓRIA. PROPOSITURA APENAS EM FACE DE PARTE DOS INTEGRANTES DA
RELAÇÃO ORIGINÁRIA. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. CORREÇÃO. DECADÊNCIA.
1. Nas ações rescisórias integrais devem participar, em
litisconsórcio unitário, todos os que foram partes no processo cuja sentença é
objeto de rescisão.
2. A propositura de ação rescisória sem a presença, no
polo passivo, de litisconsorte necessário somente comporta correção
até o prazo de dois anos disciplinado pelo art. 495 do CPC. Após essa
data, a falta de citação do litisconsorte implica a decadência do
direito de pleitear a rescisão, conduzindo à extinção do processo sem
resolução do mérito. 3. Embargos de divergência conhecidos e providos. (EREsp
676.159/MT, Corte Especial, DJe 30/03/2011).
Conquanto o precedente acima mencionado verse sobre
complementação de polo passivo e a hipótese examinada neste recurso especial
envolva substituição do polo passivo, colhe-se da ratio decidendi os fundamentos
determinantes que justificam a aplicação da mesma solução jurídica já consolidada
nesta Corte.
Com efeito, o precedente se funda na existência de “falha do próprio
autor da ação rescisória”, que “gerou graves inconvenientes”, como a surpresa
causada a quem havia sido beneficiado pela coisa julgada e que repentinamente se
encontra, muitos anos após, sob ameaça de rescisão e de ruptura da estabilidade e
da segurança dela originada, motivo pelo qual a formação da relação
jurídico-processual deve sempre observar o prazo decadencial bienal do art. 495
do CPC/73.
Essas mesmas circunstâncias fáticas também se encontram, concreta
ou potencialmente, presentes na hipótese em exame, na medida em que os
herdeiros, somente agora, seriam surpreendidos e teriam ciência de nova ação
ajuizada pelos pretensos filhos do de cujus, em que se visa rescindir coisa julgada
formada em Fevereiro de 2012.
Anote-se, ademais, que embora a inventariante do espólio de JOÃO G igualmente seja herdeira, há mais quatro herdeiros que eventualmente podem não
ter ciência da presente ação rescisória, de modo que o elemento surpresa acima
mencionado se fará presente em relação a eles.
Além disso, registre-se que, ao tempo da propositura da ação
rescisória, não existia sequer dúvida objetiva ou razoável acerca da legitimação do
polo passivo na ação investigatória de paternidade, pois o primeiro julgado desta
Corte que apontou a legitimação dos herdeiros, e não do espólio, está datado de
1991.
Assim, a despeito de ser possível a modificação do polo passivo, sem
alteração do pedido ou da causa de pedir, mesmo após a contestação, com a
substituição do réu pelo correto legitimado, essa alteração deverá ser
realizada, obrigatoriamente, até o escoamento do prazo bienal
decadencial da ação rescisória.
Na hipótese, a sentença proferida na ação ajuizada pelo recorrente
GILMAR M em face de JOÃO G e que julgou improcedente o pedido de
reconhecimento da paternidade transitou em julgado em 08/02/2012 e a
ação rescisória contra o espólio de JOÃO G foi ajuizada em 23/01/2014.
Contudo, somente em 21/11/2014 houve a modificação do
polo passivo para a substituição do espólio pelos herdeiros de JOÃO G, conforme se depreende da petição de fls. 1.301/1.303 (e-STJ), razão pela qual se
operou a decadência na forma do art. 495 do CPC/73 que, pela fundamentação
acima expendida, foi violado pelo acórdão recorrido.
3. CONCLUSÃO.
Forte nessas razões, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO ao recurso
especial de GILMAR M; e CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso especial do espólio de JOÃO G, a fim de reconhecer a decadência do direito de rescindir a
coisa julgada que se formou na ação investigatória de paternidade com base no art.
495 do CPC/73 e, consequentemente, julgar improcedente a ação rescisória com
base no art. 269, IV, do CPC/73.