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3 de abril de 2021

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. IMPUGNAÇÃO DE ATO JUDICIAL, DESTINADO A BEM INSTRUIR PEDIDO DE HABILITAÇÃO EM PROCESSO DE INVENTÁRIO, QUE DETERMINA A AVERBAÇÃO DE SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA EM AÇÃO NEGATÓRIA DE MATERNIDADE, TRANSITADA EM JULGADO. CONSEQUÊNCIA LEGAL OBRIGATÓRIA, EFETIVADA, ORDINARIAMENTE, DE OFÍCIO. PROVIDÊNCIA QUE NÃO SE CONFUNDE COM O DIREITO PERSONALÍSSIMO ALI DISCUTIDO; QUE DISPENSA AJUIZAMENTO DE AÇÃO PARA ESSE FIM; E QUE NÃO SE SUBMETE A QUALQUER PRAZO DECADENCIAL/PRESCRICIONAL. RECONHECIMENTO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTE. RECURSO ORDINÁRIO IMPROVIDO

 RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 56.941 - DF (2018/0059318-1) 

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE 

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. IMPUGNAÇÃO DE ATO JUDICIAL, DESTINADO A BEM INSTRUIR PEDIDO DE HABILITAÇÃO EM PROCESSO DE INVENTÁRIO, QUE DETERMINA A AVERBAÇÃO DE SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA EM AÇÃO NEGATÓRIA DE MATERNIDADE, TRANSITADA EM JULGADO. CONSEQUÊNCIA LEGAL OBRIGATÓRIA, EFETIVADA, ORDINARIAMENTE, DE OFÍCIO. PROVIDÊNCIA QUE NÃO SE CONFUNDE COM O DIREITO PERSONALÍSSIMO ALI DISCUTIDO; QUE DISPENSA AJUIZAMENTO DE AÇÃO PARA ESSE FIM; E QUE NÃO SE SUBMETE A QUALQUER PRAZO DECADENCIAL/PRESCRICIONAL. RECONHECIMENTO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTE. RECURSO ORDINÁRIO IMPROVIDO. 

1. A controvérsia posta no presente recurso ordinário centra-se em saber se a decisão que autoriza a expedição de mandado de averbação de sentença de procedência, exarada em ação negatória de maternidade e transitada em julgado em 1992, a fim de instruir pedido de habilitação nos autos de inventário, ofende direito líquido e certo do impetrante - o qual teve desconstituído, em face da aludida sentença, seu estado de filiação materna. 

2. A averbação de sentença transitada em julgado, a qual declara ou reconhece determinado estado de filiação - como se dá nas ações negatórias de maternidade/paternidade, em caso de procedência -, constitui consequência legal obrigatória, destinada a conferir publicidade e segurança jurídica ao desfecho que restou declarado e reconhecido judicialmente, o que se dá, ordinariamente, de ofício. 

2.1 Não existe nenhuma faculdade conferida às partes envolvidas a respeito de proceder ou não à referida averbação, como se tal providência constituísse, em si, um direito personalíssimo destas. Não há, pois, como confundir o exercício do direito subjetivo de ação de caráter personalíssimo, como o é a pretensão de desconstituir estado de filiação, cuja prerrogativa é exclusiva das pessoas insertas nesse vínculo jurídico (pai/mãe e filho), com o ato acessório da averbação da sentença de procedência transitada em julgado, que se afigura como mera consequência legal obrigatória. 

3. Na eventualidade de tal proceder não ser observado - o que, na hipótese dos autos, deu-se em virtude de declarada falha do serviço judiciário (houve expedição, mas não houve o encaminhamento do mandado de averbação ao Oficio do Registro Civil das Pessoas Naturais) - não se impõe à parte interessada o manejo de específica ação para esse propósito. A providência de averbação da sentença, por essa razão, não se submete a qualquer prazo, seja ele decadencial ou prescricional. 

4. Mostra-se descabido discutir a legitimidade dos herdeiros para promover a averbação da sentença, pois, além dessa providência não se confundir com o direito personalíssimo discutido na ação negatória de maternidade, revela-se inquestionável o interesse jurídico do espólio, representado pela inventariante, acerca da higidez do processo de inventário, sobretudo na qualificação daqueles que ingressam com pedido de habilitação, cujo registro de assentamento civil deve, necessariamente, corresponder com a realidade atual dos fatos, em atenção ao princípio da veracidade, que rege o registro público. 

5. A estreita via do mandado de segurança não comporta o conhecimento de matéria concernente ao suposto estabelecimento de maternidade sócio-afetivo, que, por si, não dispensaria exauriente instrução probatória, mostrando-se, de igual modo, de todo impertinente qualquer consideração, a esse propósito, quanto aos efeitos e abrangência da coisa julgada exarada na ação negatória de maternidade. 

6. A norma processual que regulamenta as hipóteses em que o processo tramita sob sigilo é expressa em autorizar que terceiros que ostentem comprovado interesse jurídico tenham acesso ao dispositivo da sentença, extraindo-se a correspondente certidão. Salientese, a esse propósito, que o fato de o processo tramitar em segredo de justiça é circunstância absolutamente indiferente à natural repercussão dos efeitos da coisa julgada. 

7. Recurso ordinário improvido. 

ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília, 19 de maio de 2020 (data do julgamento). 

MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator


RELATÓRIO 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE: 

A. M. V. C. interpõe recurso ordinário, com fulcro no art. 105, II, b, da Constituição Federal e 1.027, II, do Código de Processo Civil/2015, em contrariedade ao acórdão proferido pela Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios que denegou a ordem impetrada em mandado de segurança (e-STJ, fls. 622-634). 

Extrai-se dos autos que, no bojo da ação de inventário dos bens deixados por J. V. dos S. (Processo n. 2011.01.1.071188-4, em tramitação perante o Juízo da 1ª Vara de Órfãos e Sucessões da Circunscrição Judiciária de Brasília/DF), A. M. V. C. requereu sua habilitação no processo de inventário (e-STJ, fl. 91-118), utilizando certidão de nascimento sem a alteração de sua filiação materna, advinda da sentença de procedência transitada em julgado (em 1992 - e-STJ, fl. 75), exarada em ação negatória de maternidade que lhe foi promovida por J. V. dos S. 

Por tal razão, o Juízo em que se processa o inventário de J. V. dos S. determinou que a inventariante instruísse os autos com a certidão de nascimento de A. M. V. C., devidamente averbada, para excluir o nome de J. V. dos S. de seu registro. 

Para dar cumprimento ao decisum, a inventariante requereu ao Juízo de Direito da 3ª Vara de Família da Circunscrição Especial de Brasília/DF (perante o qual tramitou a referida ação negatória de maternidade - Processo n. 02257819/85 - e cuja r. Serventia não encaminhou, na oportunidade, o mandado de averbação então expedido - e-STJ, fl. 150), a expedição de novo mandado de averbação da sentença transitada em julgado em 1992. 

Em atendimento ao requerimento, o Juízo de Direito da 3ª Vara de Família da Circunscrição Especial de Brasília/DF proferiu "despacho para que fosse expedido novo mandado de averbação, determinando à Secretaria do Juízo que sanasse o lapso anteriormente cometido ainda em 1992 e o encaminhasse ao Cartório de Registro Civil, dando, assim, integral cumprimento à sentença transitada em julgada" (e-STJ, fl. 151). 

Em contrariedade a essa decisão, A. M. V. C. impetrou mandado de segurança. 

A impetração do mandamus encontra-se fundado no argumento de que, embora tenha transitada em julgado a sentença que julgou procedente a ação negatória de maternidade promovida por J. V. dos S. contra o impetrante, não houve, na oportunidade, averbação da sentença. Defendeu o impetrante, assim, que, com o falecimento de J.V.S., a averbação da sentença não mais poderá ser levada a efeito, porquanto constituiria direito personalíssimo da falecida. Sustentou, assim, que os herdeiros não possuem legitimidade para a "execução" do julgado, havendo - caso assim não se reconheça -, inclusive, o transcurso de prazo decadencial para tanto. 

Aduziu que, "em se tratando de retificação de registro tendo como causa a alegação de falsidade documental, o prazo prescricional aplicável, no Código Civil anterior seria, por analogia, o de 4 (quatro) anos, referente à negação de filiação, a teor do art. 178, § 9°, VI, do Código Civil de 1916" (e-STJ, fl. 31). E concluiu, no ponto que, "não tendo retirado o mandado de averbação e levado ao registro competente para a pretendida retificação, a titular do título executivo judicial decaiu do direito de fazê-lo" (e-STJ, fl. 33). 

Teceu considerações quanto ao desejo de J. V. dos S. de não proceder à averbação e, portanto, não desconstituir a maternidade, além de evidências acerca da constituição da maternidade sócio-afetiva. No ponto, afirma ser irrevogável o estado de filiação, que se estende ao caso da adoção, independentemente de como haja sido originada (no caso, adoção à brasileira). 

Asseverou que, em se tratando de processo sob segredo de justiça, não poderia ter sido dado vista dos autos da ação negatória de maternidade, ou de qualquer peça ali contida a terceiros, o que teria o condão de violar sua intimidade. 

Como assinalado, a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios denegou a ordem impetrada no mandado de segurança, nos termos da seguinte ementa (e-STJ, fl. 623): 

"MANDADO DE SEGURANÇA. AÇÃO NEGATÓRIA DE MATERNIDADE. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO. AUSÊNCIA DE AVERBAÇÃO NO REGISTRO CIVIL DE PESSOAS NATURAIS. REQUERIMENTO DE AVERBAÇÃO PELA INVENTARIANTE. POSSIBILIDADE. DEFERIMENTO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO. 1. Diante de sentença desconstitutiva da maternidade transitada em julgado, a averbação no cartório do registro civil de pessoas naturais é consectário lógico da decisão que se tornou imutável, podendo ser providenciada até de ofício, ou a requerimento do inventariante, no interesse dos herdeiros do -- falecido. 2. Frente ao direito potestativo, eventual prazo não estaria fixado na lei para a propositura da ação, mas para o exercício do direito, de modo que a extinção da ação seria mera consequência da extinção do direito. Contudo, ante a sentença transitada em julgado, não há falar em extinção do direito potestativo exercido. 3. A pretensão de obstar a averbação da sentença transitada em julgado não constitui direito líquido e certo, o que torna inviável a ação mandamental. 4. Ordem denegada".

Irresignado, A. M. V. C. interpõe o presente recurso ordinário (e-STJ, fl. 642- 662), sob o argumento, em síntese, de que se operou a decadência do direito de executar a sentença proferida. Afirma, no ponto, que, "no caso concreto, a Sentença (proferida nos Autos nº 2257819/85) transitou em julgado em 1992, pelo que há de ser reconhecida a prescrição quadrienal para a desconstituição do registro de nascimento, assentado em 1974, certo ainda que o reinício de contagem do prazo prescricional, para que terceiros contestassem a validade da permanência do registro em sua forma originalmente assentada esvaiu-se, também, e isso em 1996" (e-STJ, fl. 648). 

Defende, ainda, que, "com o falecimento da genitora, não há ninguém com legitimidade para postular a realização do ato de averbação, exceto o próprio filho, Adson, o único detentor de poderes para providenciar a execução do julgado" (e-STJ, fl. 648). Afirma ser "verdade que [a sentença] 'determinou' a supressão do nome da autora do assento do registro de nascimento do Recorrente... porém, NÃO determinou a expedição de mandado de averbação para o Cartório" (e-STJ, fl. 649). 

Aduz que, "em que pese existir sentença transitada em julgado no que tange à maternidade "biológica" do Recorrente, remanesceu a maternidade "jurídica", decorrente da prevalência do registro civil, mantido pela Sra. Josina" (e-STJ, fl. 650). Anota, no ponto, que "o 'decisum' tomou em conta apenas o entendimento de não ser exclusivo da parte o direito de averbação da sentença da Contestação de Maternidade, sobrepondo a coisa julgada ao direito personalíssimo da maternidade" (e-STJ, fl. 654). 

Salienta, que, em se tratando de direito personalíssimo, somente a falecida Josina poderia dar cumprimento a sentença. Ressalta, assim, que "a inventariante não pode exercer, nem reivindicar direitos personalíssimos da "de cujus", nem ainda peticionar pela prestação jurisdicional administrativa ou contenciosa, menos ainda requerer a execução de sentença relativa a estado da pessoa". Anota, assim, ter havido manifesta violação ao art. 155, parte final, do CPC, na medida em que aqueles autos tramitavam em segredo de justiça, no caso, indiscutivelmente violado. 

A parte adversa não apresentou contrarrazões (e-STJ, fl. 666). 

O Ministério Público Federal ofertou parecer pelo conhecimento e não provimento do presente recurso ordinário em mandado de segurança (e-STJ, fls. 681- 684). 

É o relatório.

VOTO 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR): 

A controvérsia posta no presente recurso ordinário centra-se em saber se a a decisão que autoriza a expedição de mandado de averbação de sentença de procedência, exarada em ação negatória de maternidade e transitada em julgado em 1992, a fim de instruir pedido de habilitação nos autos de inventário, ofende direito líquido e certo do impetrante - o qual teve desconstituído, em face da aludida sentença, seu estado de filiação materna. 

Para a adequada compreensão da questão, relevante bem pontuar as circunstâncias e os fatos processuais que deram origem à subjacente impetração. 

No ano de 1985, J. V. dos S., em contraposição à ação de alimentos que lhe fora ajuizada, promoveu "ação de contestação de maternidade" contra A. M. V. C. , em que aduziu - pelo que se afere da sentença contida às fls. 64-71 (e-STJ) - "falsidade quanto ao registro de nascimento do autor,' asseverando [...] não [ser] sua mãe e que seu assistente também não [era] seu pai, ignorando como tal documento fora produzido, requerendo perícia" (e-STJ, fl. 64-65). 

Registre-se que, ao final, a ação negatória de maternidade, nos lindes em que proposta, foi julgada procedente para "declarar que a autora não é mãe do requerido, determinando a supressão de seu nome do assento de registro de nascimento, bem como a alteração do nome do requerido, na forma referenciada" (eSTJ, fl. 70-71). 

Oportuno destacar, nesse ínterim, o seguinte trecho da sentença, a bem evidenciar a extensão da matéria então decidida (e-STJ, fls. 64-71): 

"No caso em exame, bem de ver que a ação de contestação de maternidade, tem por escopo a declaração da inexistência de relação jurídica de cunho obrigacional e a falsidade de documento - art. 4º, itens I e II, do aludido diploma legal. [...] A prova colhida, seja a testemunhal, quer a pericial, convergem pare uma única e inafastável conclusão: a autora não é mãe do requerido. Já restara no curso da instrução anterior, que o então assistente do requerido tampouco é seu pai. Colho-se, neste particular, do depoimento de MARIA DE FÁTIMA PAULINA, com riqueza de detalhes, todo o histórico do requerido, desde o momento de sua concepção, relatado, segundo essa testemunha, pela verdadeira mãe, de quem era grande amiga, e onde é mencionado o seu possível genitor. E, se alguma dúvida ainda pudesse subsistir, a farsa é desmantelada com a perícia, consistente no exame nas Impressões Digitais de DNA, tido como infalível, mormente quando afirma, com 100% (cem por cento) de certeza que a autora não é mãe do requerido. [...] Logo, o registro de nascimento do requerido, embora totalmente falso, não pode subsistir, ao menos no tocante à parte em que menciona a autora com componente da descendência do requerido. Por conseqüência, não poderá o requerido continuar a ostentar o apelido de família "V." que lhe empresta a autora. O requerido passará a anotar o nome de A. M. R. C., devendo ser suprimido do seu assento de registro de nascimento o nome da autora e o apelido de família"V.". Tenho para mim que configurados, em tese, os delitos de falsidade e o uso de documento falso, praticados pelo seu então assistente. Por isso, determino que, após o trânsito em julgado desta sentença, se extraiam peças dos autos para serem encaminhadas ao Excelentíssimo Senhor Doutor Procurador-Geral de Justiça. Isto posto, julgo procedente a ação, para declarar que a autora não é mãe do requerido, determinando a supressão de seu nome do assento de registro de nascimento, bem como a alteração do nome do requerido, na forma referenciada. Declaro, outrossim, extinto o processo respeitante à ação de alimentos, com fundamento no art. 267, item IV, do Código de Processo Civil, determinando se proceda ao arquivamento dos autos, após a baixa na distribuição". 

A aludida sentença transitou em julgado em junho de 1992, conforme dá conta a certidão constante de fl. 75 (e-STJ). 

Em que pese a expedição de mandado de averbação (e-STJ, fl. 76), determinado pelo Juízo de Direito da 3ª Vara de Família da Circunscrição Especial de Brasília/DF, a r. Serventia, por equívoco, não o encaminhou ao 1º Oficio do Registro Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas de Brasília-DF. 

Em 2011, a Sra. J. V. dos S. faleceu, a ensejar a abertura de ação de inventário dos bens por ela deixados (Processo n° 2011.01.1.071188-4), em tramitação perante o Juízo de Direito da 1ª Vara de Órfãos e Sucessões da Circunscrição Judiciária de Brasília/DF. 

Ante a ausência de averbação da sentença de procedência, exarada na ação negatória de maternidade, A. M. V. C. requereu sua habilitação no processo de inventário (e-STJ, fl. 91-118), utilizando certidão de nascimento sem a alteração de sua filiação materna. 

Por tal razão, o Juízo em que se processa o inventário de J. V. dos S determinou que a inventariante instruísse os autos com a certidão de nascimento de A. M. V. C., devidamente averbada, para excluir o nome de J. V. dos S. de seu registro, nos seguintes termos (e-STJ, fl. 78): 

"DESPACHO. Pelo que consta dos autos, em 24/09/1990, foi proferida sentença declarando que a falecida J. V. dos S. não seria mãe de A. M. V. C., determinando, inclusive, a supressão de seu nome do assento de registro de nascimento de Adson. Todavia, ao que tudo indica, tal decisório não chegou a ser averbado como se pode verificar da certidão de nascimento juntada à fl. 390. Nada obstante, salvo melhor juízo. a sentença continua válida e passível dessa averbação. Assim, para que não haja qualquer vício futuro ensejador de eventuais nulidades, bem como para dirimir definitivamente a questão, determino que a inventariante instrua os autos com a certidão de nascimento de Adson Marcelo devidamente averbada para fins de excluir o nome de JOSINA VIEIRA DOS SANTOS de seu registro. Prazo de 30 (trinta) dias. Publique-se. Intime-se". 

Para dar cumprimento ao decisum, a inventariante requereu ao Juízo de Direito da 3ª Vara de Família da Circunscrição Especial de Brasília/DF, perante o qual tramitou a referida ação negatória de maternidade - Processo n. 02257819/85, a expedição de novo mandado de averbação da sentença transitada em julgado em 1992, o que foi deferido. 

Esta decisão, portanto, é objeto da subjacente impetração. 

Os fatos processuais acima referidos constaram expressamente das informações prestadas pela autoridade reputada coatora, nos seguintes termos: (e-STJ, fls. 150-151): 

"O acórdão transitou em julgado em 11.06.1992 (fl. 505), sendo os autos encaminhados a esta Vara em 15.06.1992. Saliento que à fl. 507 dos autos, consta mandado de averbação expedido em 22.03.1993, pelo então Juiz Dr. José Jacinto Costa Carvalho, dando cumprimento à determinação constante na sentença. Foi determinado o arquivamento dos autos, e expedido o respectivo ofício de baixa em 19.12.2001 (fl. 516), sem que, contudo, fosse encaminhado pelo Cartório o mandado de averbação assinado pelo titular da Vara à época, o hoje Dês. J.J. Costa Carvalho. Às fls.518/519, foi requerida por Iracema Vieira de Menezes dos Santos, inventariante da Sra. Josina nos autos do processo n° 2011.01.1.071188-4, em tramitação na 1ª Vara de Órfãos e Sucessões, expedição de novo mandado de averbação, tendo em vista não ter havido o encaminhamento do mandado anteriormente expedido à fl. 507. À fl. 546, proferi despacho para que fosse expedido novo mandado de averbação, determinando à Secretaria deste Juízo que sanasse o lapso anteriormente cometido ainda em 1992 e o encaminhasse ao Cartório de Registro Civil, dando assim integral cumprimento à sentença transitada em julgada e confirmada pelo Tribunal". 

Pois bem. Assim delimitados os fatos processuais que deram origem à subjacente impetração, passa-se, propriamente, a enfrentar os argumentos expendidos. 

Em suas razões recursais, o recorrente busca demonstrar que a expedição de mandado de averbação de sentença de procedência, exarada em ação negatória de maternidade e transitada em julgado em 1992, ofende direito líquido e certo, sob a alegação de que tal providência, por consubstanciar verdadeiro exercício de um direito personalíssimo, somente poderia ser levada a efeito pela promovente da ação, a Sra.. J. V. dos S., ou por ele próprio, na qualidade de demandado. 

O argumento é meramente retórico, e como tal, não procede. 

De plano, revela-se de suma importância deixar assente que a averbação de sentença transitada em julgado, a qual declara ou reconhece determinado estado de filiação - como se dá nas ações negatórias de maternidade/paternidade, em caso de procedência -, constitui consequência legal obrigatória, destinada a conferir publicidade e segurança jurídica ao desfecho que restou declarado e reconhecido judicialmente. 

O art. 10, inciso II, do Código Civil é absolutamente claro ao assim dispor: 

"Art. 10. Far-se-á a averbação de registro público: [...] II - dos atos judiciais e extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação". 

A averbação constitui ato acessório destinado a modificar o teor constante do registro, em virtude de determinação judicial, conferindo-lhe, em atenção ao princípio da veracidade, publicidade e segurança jurídica. 

Uma vez proposta a ação com o aludido conteúdo (de declarar ou reconhecer estado de filiação diverso do constante no registro no assento civil da pessoa natural), a sentença de procedência daí advinda, transitada em julgado, deverá ser, por expressa determinação legal, necessariamente averbada. 

Não existe, assim, nenhuma faculdade conferida às partes envolvidas a respeito de proceder ou não à referida averbação, como se tal providência constituísse, em si, um direito personalíssimo destas. 

Não há, pois, como confundir o exercício do direito subjetivo de ação de caráter personalíssimo, como o é a pretensão de desconstituir estado de filiação, cuja prerrogativa é exclusiva das pessoas insertas nesse vínculo jurídico (pai/mãe e filho), com o ato acessório da averbação da sentença de procedência transitada em julgado, que se afigura como mera consequência legal obrigatória. 

Mostra-se, nesse contexto, sem nenhum respaldo legal a argumentação expendida pelo recorrente/impetrante, ao cogitar que a Sra. J. V. dos S., por deliberação de sua própria vontade, não quis levar à efeito a averbação da sentença transitada em julgado. 

Veja-se, a esse propósito, que o comando da sentença foi absolutamente claro em declarar que a Sra. J. V. dos S. não é mãe do então requerido, A. M. V. C, determinando-se a supressão de sue nome do assento de registro de nascimento, como a alteração de seu nome, expedindo-se, para tanto, de ofício, o competente mandado de averbação, o qual, por equívoco, da r. Serventia não foi devidamente encaminhado ao Oficio do Registro Civil das Pessoas Naturais pertinente. 

Tal providência, como se vê, por se tratar de consequência legal obrigatória da decisão judicial (transitada em julgado) que declara estado de filiação diverso do constante no registro, é determinada, de ofício, pelo próprio Juízo, e, não necessariamente, levada a efeito pelas partes envolvidas no litígio. 

O fato de a demandante não ter promovido tal averbação, que nem sequer lhe incumbia, não denota, a toda evidência, suposta intenção de não desconstituir o vínculo de filiação, como sugere o recorrente. Ao contrário. O simples ajuizamento da ação com esse propósito, tendo o trânsito em julgado da sentença de procedência ali proferida (1992) ocorrido ainda em vida da demandante, é circunstância mais do que suficiente para evidenciar, sem nenhuma margem de dúvidas, a intenção da Sra. J. V. dos S. de desconstituir o vínculo de filiação constante do registro do recorrente. 

Tampouco se poderia cogitar que a averbação, após a morte da Sra. J. V. dos S., pudesse ficar a cargo apenas do demandado, que justamente se posicionou contra tal pretensão. 

O registro público, norteado que é pelo princípio da veracidade, há de refletir, necessariamente, a verdade real existente no plano dos fatos - inclusive a advinda da modificação da situação jurídica que não mais corresponda à realidade dos fatos perpetrada por averbações e retificações do registro civil, inerente à dinâmica da vida em sociedade. 

Não por outra razão, dispõe o art. 1.604 do Código Civil: "Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro". 

Não se antevê, assim, qualquer ilegalidade na providência determinada pelo Juízo perante o qual tramita o inventário dos bens deixado pela Sra. J. V. dos S., a fim de viabilizar a apresentação de documento do pretenso habilitante que efetivamente espelhe a realidade atual dos fatos, no tocante ao seu estado de filiação. Para tanto, indispensável a averbação da sentença negatória de maternidade, cuja determinação judicial, de igual modo, não importa violação a qualquer direito líquido e certo do impetrante. 

Reconhecido, nesses termos, que o ato acessório de averbação de sentença proferida em ação negatória de maternidade não consubstancia, em si, um direito subjetivo autônomo das partes litigantes, tampouco se confunde com o direito personalíssimo ali discutido, ressai, in totum, esvaziado os argumentos expendidos pelo recorrente quanto à alegada ausência de legitimidade dos herdeiros para proceder à averbação ou quanto à fluência do prazo decadencial/prescricional para esse propósito. 

Isso porque o ato acessório de averbação da sentença, que se apresenta como consectário legal obrigatório, deve ocorrer, em regra, de modo oficioso. 

Na eventualidade de tal proceder não ser observado - o que, na hipótese dos autos, deu-se em virtude de declarada falha do serviço judiciário (houve expedição, mas não houve o encaminhamento do mandado de averbação ao Oficio do Registro Civil das Pessoas Naturais) - não se impõe à parte interessada o manejo de específica ação para esse propósito. A providência de averbação da sentença, por essa razão, não se submete a qualquer prazo, seja ele decadencial ou prescricional. 

No tocante à dispensabilidade de manejo de ação, para se promover a alteração do estado de filiação no registro decorrente de sentença transitada em julgado, cita-se o seguinte julgado desta Terceira Turma do STJ: 

"Direito civil e processual civil. Recurso especial. Ação de investigação de paternidade c/c petição de herança e anulação de partilha. Decadência. Prescrição. Anulação da paternidade constante do registro civil. Decorrência lógica e jurídica da eventual procedência do pedido de reconhecimento da nova paternidade. Citação do pai registral. Litisconsórcio passivo necessário. - Não se extingue o direito ao reconhecimento do estado de filiação exercido com fundamento em falso registro. - Na petição de herança e anulação de partilha o prazo prescricional é de vinte anos, porque ainda na vigência do CC/16. - O cancelamento da paternidade constante do registro civil é decorrência lógica e jurídica da eventual procedência do pedido de reconhecimento da nova paternidade, o que torna dispensável o prévio ajuizamento de ação com tal finalidade. - Não se pode prescindir da citação daquele que figura como pai na certidão de nascimento do investigante para integrar a relação processual na condição de litisconsórcio passivo necessário. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (REsp 693.230/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/04/2006, DJ 02/05/2006, p. 307)". 

Tampouco há que se discutir a legitimidade dos herdeiros para promover a averbação da sentença, pois, além dessa providência não se confundir com o direito personalíssimo discutido na ação negatória de maternidade, revela-se inquestionável o interesse jurídico do espólio, representado pela inventariante, acerca da higidez do processo de inventário, sobretudo na qualificação daqueles que ingressam com pedido de habilitação, cujo registro de assentamento civil deve, necessariamente, corresponder com a realidade atual dos fatos. 

No ponto, como bem ponderado pelo Ministério Público Federal em seu parecer (e-STJ, fls. 681-684), se aos herdeiros é dada a possibilidade de prosseguir - nunca iniciar - ação destinada a desconstituir estado de filiação intentada por seu genitor, com esteio no parágrafo único do art. 1.606 do Código Civil, dúvidas não pairam quanto à possibilidade de os herdeiros apenas efetivarem o comando sentencial cujo transito em julgado, no caso, deu-se quando a promovente ainda vivia. 

Sem nenhum substrato legal, como se constata, a tese vertida pelo recorrente. 

Na subjacente impetração, de forma periférica, o insurgente chega a tecer considerações quanto ao estabelecimento de maternidade sócio-afetiva com a Sra. J. V. dos S., o que obstaria, segundo defendido, a averbação da sentença. 

A inadequação da via mandamental, a esse propósito, é manifesta. 

A discussão envolta no presente mandamus restringe-se, unicamente, a analisar a alegada violação de direito líquido e certo do impetrante, em razão da averbação de sentença transitada em julgado exarada em ação negatória de maternidade, levada a efeito pelos herdeiros, que ora se afasta peremptoriamente. 

Nessa medida, ressai evidenciado que a estreita via do mandado de segurança não comporta o conhecimento de matéria concernente ao suposto estabelecimento de maternidade sócio-afetivo, que, por si, não dispensaria exauriente instrução probatória, mostrando-se, de igual modo, de todo impertinente qualquer consideração, a esse propósito, quanto aos efeitos e abrangência da coisa julgada exarada na ação negatória de maternidade. 

Por fim, o recorrente sustenta violação à direito de personalidade, ao argumento de que, considerando-se que o processo tramitou em segredo de justiça, não se poderia dar acesso a terceiros, no caso, os herdeiros, quanto aos termos da sentença, a fim de viabilizar a correlata averbação. 

A prevalecer a tese do recorrente, nos processos que tramitam em segredo de justiça, notadamente àqueles atinentes ao estado de pessoas, os efeitos da coisa julgada ficariam adstritos ao alvedrio das partes, do que não se cogita, a toda evidência. 

A norma processual que regulamenta as hipóteses em que o processo tramita sob sigilo é expressa em autorizar que terceiros que ostentem comprovado interesse jurídico ter acesso a dispositivo da sentença, extraindo-se a correspondente certidão. 

É o que se extrai do teor do art. 189 do CPC, in verbis:

Dispõe o art. 189 do novo CPC que os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos: 

I – em que o exija o interesse público ou social; 

II – que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes; 

III – em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade; 

IV – que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo. 

§ 1o O direito de consultar os autos de processo que tramite em segredo de justiça e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e aos seus procuradores. 

§ 2o O terceiro que demonstrar interesse jurídico pode requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e de partilha resultantes de divórcio ou separação. 

Como já assentado, é inquestionável o interesse jurídico dos herdeiros em ter acesso ao que restou definitivamente decidido nos autos da ação negatória de maternidade, a fim de preservar a higidez do processo de inventário da Sra. J. V. dos S., notadamente quanto à correta identificação daqueles que pretendem habilitar-se naquele feito. 

Saliente-se, a esse propósito, que o fato de o processo tramitar em segredo de justiça é circunstância absolutamente indiferente à natural repercussão dos efeitos da coisa julgada. 

A coisa julgada, de assento constitucional (e legal), erigida à garantia fundamental do indivíduo, assume papel essencial à estabilização dos conflitos, em obséquio à segurança jurídica que legitimamente se espera da prestação jurisdicional. Uma vez decorrido o devido processo legal, com o exaurimento de todos os recursos cabíveis, a solução judicial do conflito de interesses, em substituição às partes litigantes, por meio da edição de uma norma jurídica concreta, reveste-se necessariamente de imutabilidade e de definitividade. 

Assim, a coisa julgada, a um só tempo, não apenas impede que a mesma controvérsia, nos limites em que deduzida e contraposta, relativa às mesmas partes, seja novamente objeto de ação e, principalmente, de outra decisão de mérito (função negativa), como também promove o respeito e a proteção ao que restou decidido em sentença transitada em julgado (função positiva), erga omnes. 

Conclui-se, do exposto, que, da decisão que determinou a averbação da sentença de procedência transitada em julgado, exarada em ação negatória de maternidade, não decorreu nenhuma violação a direito líquido e certo do impetrante, ora recorrente, razão pela qual deve remanescer incólume. 

Em arremate, na esteira dos fundamentos acima delineados, nego provimento ao presente recurso ordinário. 

É o voto.