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22 de abril de 2021

Filigrana Doutrinária: contempt of court - Marcelo Lima Guerra

 “Entre os múltiplos exemplos de condutas que podem constituir contempt of court é comum apontaremse as seguintes: tentar agredir fisicamente um juiz, um advogado ou outra parte no processo, interromper continuamente o curso da audiência, ameaçar testemunhas, juízes ou oficiais de justiça, alterar documentos, recusar-se a testemunhar, não cumprir ordens judiciais e até mesmo algumas condutas que causam certo espanto serem equiparadas a essas acima indicadas, como chegar atrasado ou faltar à audiência ou trajar-se com determinado tipo de roupa.” (GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: RT, 1999, p. 72-73). 

18 de abril de 2021

ATO ATENTATÓRIO - O juiz que conduz o processo não pode ser apenado com a multa prevista para os casos de cometimento de ato atentatório ao exercício da jurisdição, prevista no parágrafo único do art. 14 do CPC/1973 (art. 77, § 2º, do CPC/2015)

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2019/11/info-653-stj.pdf


ATO ATENTATÓRIO - O juiz que conduz o processo não pode ser apenado com a multa prevista para os casos de cometimento de ato atentatório ao exercício da jurisdição, prevista no parágrafo único do art. 14 do CPC/1973 (art. 77, § 2º, do CPC/2015)

A multa prevista no parágrafo único do art. 14 do CPC/1973 (art. 77, § 2º, do CPC/2015) não se aplica aos juízes, devendo os atos atentatórios por eles praticados ser investigados nos termos da Lei Orgânica da Magistratura. STJ. 4ª Turma. REsp 1.548.783-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11/06/2019 (Info 653). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

João, Juiz de Direito, proferiu decisão interlocutória determinando que a parte juntasse aos autos procuração original, sob pena de indeferimento da petição inicial. A parte interpôs agravo de instrumento questionando a determinação. O Desembargador Relator do recurso no Tribunal de Justiça, monocraticamente, deu provimento ao agravo dispensando a parte de apresentar procuração original. A despeito do resultado do recurso, o Juiz proferiu nova decisão interlocutória exigindo novamente a procuração original, sob o argumento de que o Desembargador havia sido induzido a erro pela parte recorrente, que teria narrado falsamente os fatos no recurso. A parte interpôs, então, novo agravo de instrumento. O Desembargador Relator mais uma vez deu provimento ao agravo e reiterou que a parte estava dispensada de juntar a procuração original. Além disso, o Desembargador afirmou que o Juiz, ao descumprir sua determinação anterior, teria praticado ato atentatório à dignidade da justiça e, portanto, determinou que o magistrado pagasse a multa prevista no parágrafo único do art. 14 do CPC/1973 (art. 77, § 2º, do CPC/2015): 

CPC/1973 

Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: (...) V - cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final. (...) Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado.


CPC/2015  

Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: (...) IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação; (...) § 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta. 

O tema jurídico envolvido nesta questão é o seguinte: o juiz que conduz o processo pode ser apenado com a multa prevista para os casos de cometimento de ato atentatório ao exercício da jurisdição, prevista no parágrafo único do art. 14 do CPC/1973 (art. 77, § 2º, do CPC/2015)? NÃO. 

Lealdade e probidade 

O direito processual civil moderno, com base no preceito constitucional inscrito no art. 5º, XXXV, da CF/88, defende que, para uma prestação jurisdicional eficiente, os sujeitos do processo devem pautar suas condutas pela lealdade e probidade, que são pilares de sustentação do sistema jurídico-processual. 

Multa pecuniária contra atos atentatórios ao exercício da jurisdição 

A fim de garantir posturas essencialmente éticas e pautadas na boa-fé, além de assegurar a dignidade e a autoridade do Poder Judiciário, o CPC previu a possibilidade de o magistrado impor multa pecuniária como forma de repreensão aos atos atentatórios ao exercício da jurisdição. É algo semelhante ao contempt of court, com as devidas adaptações às peculiaridades do nosso sistema. O contempt of court é um instituto do direito norte-americano, com raízes anglo-saxônicas, e seria a punição para os casos em que há um “ato de desprezo pela Corte”, configurado pela desobediência a uma ordem sua ou desrespeito a sua autoridade, seja dentro ou fora do Tribunal. 

Exemplos 

“Entre os múltiplos exemplos de condutas que podem constituir contempt of court é comum apontaremse as seguintes: tentar agredir fisicamente um juiz, um advogado ou outra parte no processo, interromper continuamente o curso da audiência, ameaçar testemunhas, juízes ou oficiais de justiça, alterar documentos, recusar-se a testemunhar, não cumprir ordens judiciais e até mesmo algumas condutas que causam certo espanto serem equiparadas a essas acima indicadas, como chegar atrasado ou faltar à audiência ou trajar-se com determinado tipo de roupa.” (GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: RT, 1999, p. 72-73). 

Destinatários dos deveres de probidade e lealdade 

O dever de pautar suas ações pela probidade e lealdade tem como destinatário não somente as partes, mas também os advogados, a Fazenda, o Ministério Público, os auxiliares da Justiça de todas as classes e, finalmente, o juiz da causa, como não poderia deixar de ser. Isso porque, sendo o processo instituto dialético, qualquer conduta que falte com o dever da verdade, como deslealdade e emprego de artifícios fraudulentos, é absolutamente reprovável, simplesmente porque tal comportamento não se compadece com a dignidade de instrumento desenvolvido pelo Estado para atuação do direito e realização da justiça. Assim, a conduta proba e leal não é imposta somente àqueles que têm o direito material posto em lide, mas, sim, a todos que tenham atuação no litígio ou que contribuam para a satisfação da ordem judicial emitida, inclusive e especialmente os juízes. 

Punição do parágrafo único do art. 14 do CPC/1973 (art. 77, § 2º, do CPC/2015) não se aplica ao juiz do processo 

O fato de o juiz ter o dever de agir com probidade e lealdade, não leva à conclusão automática de que ele pode ser punido com a multa do parágrafo único do art. 14 do CPC/1973 (art. 77, § 2º, do CPC/2015). Assim, a constatação desse dever não conduz, necessariamente, à conclusão de que aquele que tumultuar a administração do processo, atentando contra a dignidade da Justiça, será sempre repreendido nos moldes do artigo mencionado. O que se está dizendo é o seguinte: o juiz tem que respeitar os deveres de probidade, boa-fé e lealdade previstos no art. 14 do CPC/1973 (art. 77 do CPC/2015). No entanto, caso ele descumpra algum desses deveres, a punição a ele aplicável não é a multa pecuniária mencionada neste artigo, mas sim as sanções previstas na Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN – LC 35/79). A LOMAN não apenas disciplina os deveres dos magistrados, mas dispõe também sobre as penalidades cabíveis nos casos das ações praticadas em desconformidade com seus deveres, entre as quais destacamse a advertência e a censura (art. 42). 

Em suma: A multa prevista no parágrafo único do art. 14 do CPC/1973 (art. 77, § 2º, do CPC/2015) não se aplica aos juízes, devendo os atos atentatórios por eles praticados ser investigados nos termos da Lei Orgânica da Magistratura. STJ. 4ª Turma. REsp 1.548.783-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11/06/2019 (Info 653). 

Conclusão que vale para outros atores do processo 

Vale ressaltar que essa conclusão acima exposta vale também para outros atores do processo que, agindo de maneira desleal e ímproba, serão responsabilizados segundo as regras previstas nas suas respectivas Leis orgânicas. É o caso, por exemplo, dos advogados, dos membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos Magistrados. Esse entendimento foi expressamente consagrado no texto do CPC/2015: 

Art. 77 (...) § 6º Aos advogados públicos ou privados e aos membros da Defensoria Pública e do Ministério Público não se aplica o disposto nos §§ 2º a 5º, devendo eventual responsabilidade disciplinar ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria, ao qual o juiz oficiará.