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24 de março de 2022

É nulo o processo em que não houve a intimação e a intervenção do Ministério Público em primeiro grau de jurisdição, apesar da presença de parte com enfermidade psíquica grave e cujos legitimados para propor eventual ação de interdição possuem conflitos de interesses

Processo

REsp 1.969.217-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/03/2022, DJe 11/03/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Redução das desigualdades
  •  
  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Parte com enfermidade psíquica grave. Prévia declaração judicial de incapacidade. Irrelevância. Eventual ação de interdição. Legitimados ordinários. Conflito de interesses. Ministério Público. Ausência de intimação e intervenção em primeiro grau. Prejuízo concreto configurado. Nulidade processual.

 

DESTAQUE

É nulo o processo em que não houve a intimação e a intervenção do Ministério Público em primeiro grau de jurisdição, apesar da presença de parte com enfermidade psíquica grave e cujos legitimados para propor eventual ação de interdição possuem conflitos de interesses.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de que a nulidade do processo por ausência de intimação e de intervenção do Ministério Público apenas deverá ser decretada quando sobressair prejuízo à pessoa cujos interesses deveriam ser zelados pelo Parquet no processo judicial.

Não há, em regra, nulidade do processo em virtude da ausência de intimação e de intervenção do Ministério Público em 1º grau de jurisdição quando houver a atuação ministerial em 2º grau.

Entretanto, a regra do art. 178, II, do CPC/2015, ao prever a necessidade de intimação e intervenção do Ministério Público no processo que envolva interesse de incapaz, refere-se não apenas ao juridicamente incapaz, mas também ao comprovadamente incapaz de fato, ainda que não tenha havido prévia declaração judicial da incapacidade.

Na hipótese, a indispensabilidade da intimação e da intervenção do Ministério Público se justifica pelo fato incontroverso de que a parte possui doença psíquica grave, aliado ao fato de que todos os legitimados ordinários à propositura de eventual ação de interdição (art. 747, I a III, do CPC/2015) não existem ou possuem conflito de interesses com a parte enferma, de modo que a ausência de intimação e intervenção do Parquet teve, como consequência, prejuízo concreto à parte.

Vislumbra-se, assim, que o único legitimado habilitado a eventualmente propor a ação de interdição seria, justamente, o Ministério Público (art. 747, IV, do CPC/2015), que possui legitimidade residual para a hipótese em que haja doença mental grave (art. 748, caput, do CPC/2015), mas não tenha havido o ajuizamento da ação de interdição pelos demais legitimados (art. 748, I, do CPC/2015).

Dessa forma, constata-se que o único legitimado indiscutivelmente isento e potencialmente interessado em avaliar a eventual necessidade de promover a ação de interdição - o Ministério Público - não foi intimado da existência da ação em 1º grau de jurisdição, oportunidade em que teria ciência da enfermidade psíquica grave da autora e poderia adotar as medidas adequadas para salvaguardar os seus interesses.

Assim, é inaplicável o entendimento segundo o qual não há nulidade do processo em virtude da ausência de intimação e de intervenção do Ministério Público em primeiro grau de jurisdição quando houver a atuação ministerial em segundo grau, uma vez que a ciência do Parquet acerca da ação e da situação da parte ainda em primeiro grau poderia, em tese, conduzir à ação a desfecho substancialmente diferente.

De fato, percebe-se que a intervenção desde o início se fazia necessária não apenas para a efetiva participação do Parquet na fase instrutória (por exemplo, requerendo diligências para melhor elucidar a situação econômica dos filhos e a suposta impossibilidade de prestar auxílio à mãe), mas também para, se necessário, propor a ação de interdição apta a, em tese, influenciar decisivamente o desfecho desta ação.

8 de março de 2022

É ilegal a utilização, por parte do Ministério Público, de peça sigilosa obtida em procedimento em curso no Supremo Tribunal Federal para abertura de procedimento investigatório criminal autônomo com objetivo de apuração dos mesmos fatos já investigados naquela Corte

Processo

RHC 149.836-RS, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado Do TJDFT), Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 15/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Procedimento em curso no Supremo Tribunal Federal. Peça sigilosa. Abertura de procedimento investigatório criminal autônomo. Investigação dos mesmo fatos. Ilegalidade.

 

DESTAQUE

É ilegal a utilização, por parte do Ministério Público, de peça sigilosa obtida em procedimento em curso no Supremo Tribunal Federal para abertura de procedimento investigatório criminal autônomo com objetivo de apuração dos mesmos fatos já investigados naquela Corte.


INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

De início, vale dizer que os Procedimentos Investigatórios Criminais (PIC) instaurados pelo Ministério Público têm natureza de inquérito e se submetem ao controle jurisdicional do sistema acusatório previsto no Código de Processo Penal, especialmente para garantia dos direitos fundamentais dos investigados.

Nesse sentido, o compartilhamento de peças de depoimentos prestados no Supremo Tribunal Federal efetuado com a específica finalidade de juntada em inquéritos em curso não pode ser utilizado para instauração de procedimento investigatório criminal autônomo.

Ademais, o declínio de competência é atividade jurisdicional não presumida. Em razão disso, sigilos de processos matrizes não podem subtrair ao investigado o direito de conhecer a decisão declinatória, tampouco ser utilizados como escudo para impedir o exercício de direitos fundamentais.

Por fim, a utilização indevida de peça sigilosa obtida em procedimento em curso no Supremo Tribunal Federal para abertura de procedimento investigatório criminal autônomo, com objetivo de apuração dos mesmos fatos já investigados naquela Corte, configura patente abuso de autoridade, ferindo a constitucional garantia do investigado de ser submetido a processo perante autoridade competente.


3 de fevereiro de 2022

O Ministério Público não possui legitimidade para promover a execução coletiva do art. 98 do Código de Defesa do Consumidor por ausência de interesse público ou social a justificar sua atuação

Processo

REsp 1.801.518-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 14/12/2021, DJe 16/12/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Consumo e produção responsáveis
  •  
  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Ação Civil Pública. Execução coletiva. Art. 98 do CDC. Direitos individuais homogêneos. Ausência de legitimidade do Ministério Público.

 

DESTAQUE

O Ministério Público não possui legitimidade para promover a execução coletiva do art. 98 do Código de Defesa do Consumidor por ausência de interesse público ou social a justificar sua atuação.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Inicialmente, cumpre salientar que os direitos individuais homogêneos, por sua própria natureza, comportam execução individual na fase de cumprimento de sentença, conforme previsto no art. 97 do CDC.

Além da execução individual, surgem ainda duas outras possibilidades, a execução "coletiva" do art. 98, e a execução residual (fluid recovery) prevista no art. 100, ambos do CDC.

Embora o art. 98 do CDC faça referência aos legitimados elencados no art. 82 do CDC, cumpre observar que, na fase de execução da sentença coletiva, a cognição judicial se limita à função de identificar o beneficiário do direito reconhecido na sentença (cui debeatur) e a extensão individual desse direito (quantum debeatur), pois, nessa fase processual, a controvérsia acerca do núcleo de homogeneidade do direito já se encontra superada.

Essa particularidade da fase de execução constitui óbice à atuação do Ministério Público na promoção da execução coletiva, pois o interesse social, que justificaria a atuação do parquet, à luz do art. 129, inciso III, da Constituição Federal, está vinculado ao núcleo de homogeneidade do direito, sobre o qual não se controverte na fase de execução.

Segundo a doutrina, "a legitimidade do Ministério Público fica reservada para as hipóteses de direitos difusos ou de direitos coletivos em sentido estrito ou, subsidiariamente, para a hipótese de 'coletivização' do resultado do processo, o que se dá quando a quantidade de habilitações individuais é inexpressiva (art. 100 do Código de Defesa do Consumidor). Essa excepcionalíssima hipótese, em que admitimos a legitimidade do Ministério Público em causas que versem direitos individuais homogêneos, decorre justamente dessa nova destinação do resultado concreto da ação".

Nessa linha de entendimento, impõe-se declarar a ilegitimidade ativa do Ministério Público para o pedido de cumprimento da sentença coletiva, sem prejuízo da legitimidade para a execução residual prevista no art. 100 do CDC.

8 de janeiro de 2022

É inconstitucional lei estadual que exige que o membro do Ministério Público comunique à Corregedoria todas as vezes que for se ausentar da comarca onde está lotado

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/12/info-1035-stf.pdf


MINISTÉRIO PÚBLICO É inconstitucional lei estadual que exige que o membro do Ministério Público comunique à Corregedoria todas as vezes que for se ausentar da comarca onde está lotado 

É inconstitucional, por configurar ofensa à liberdade de locomoção, a exigência de prévia comunicação ou autorização para que os membros do Ministério Público possam se ausentar da comarca ou do estado onde exercem suas atribuições. STF. Plenário. ADI 6845/AC, Rel. Min. Carmen Lúcia, julgado em 22/10/2021 (Info 1035). 

O membro do Ministério Público pode residir fora da comarca onde ele trabalha? 

Em regra, não. Em regra, o membro do Ministério Público deverá residir na comarca onde se encontra lotado. Exceção: o chefe da instituição poderá autorizar que ele resida em comarca diversa. É o que está previsto no art. 129, § 2º da CF/88: 

Art. 129 (...) § 2º As funções do Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação, salvo autorização do chefe da instituição. 

Agora, analise a seguinte situação concreta: 

No Acre, a Lei Complementar nº 291 /2014, alterada pela Lei Complementar nº 309/2015, afirmou que, se o membro do Ministério Público quiser se ausentar da comarca onde exerce suas atribuições, ele teria que comunicar previamente o Corregedor. Veja: 

Art. 101. São deveres do membro do Ministério Público, além de outros previstos em lei: (...) (...) IX - comunicar, com antecedência, o afastamento da Comarca onde exerça suas atribuições, por escrito, ao Corregedor Geral do Ministério Público, salvo nos casos comprovadamente urgentes, ou quando implicar na saída do Estado, caso em que o membro deverá solicitar prévia autorização ao Procurador Geral de Justiça. 

Essa previsão é constitucional? 

NÃO. Exigir a prévia comunicação ou autorização para que o membro do Ministério Público possa se ausentar da comarca equivale a estabelecer, em desfavor do servidor público, uma medida restritiva de liberdade, sem motivos válidos que a justifiquem. A restrição à liberdade de locomoção fixada pela norma impugnada revela-se, portanto, desarrazoada e desnecessária para fins de assegurar o cumprimento de deveres institucionais por membros do Ministério Público estadual. A Corregedoria do Ministério Público dispõe de competência para apurar e impor sanções às situações em que a ausência de algum membro do órgão decorra no descumprimento de dever funcional. 

Não se poderia dizer que essa exigência feita pela lei estadual é uma decorrência do art. 129, § 2º, da CF/88? 

NÃO. Não é possível dizer isso. O dispositivo impugnado não trata da exigência do membro do Ministério Público em ter que residir na comarca onde está lotado, nos termos do que se dispõe no § 2º do art. 129 da CF/88, mas sobre a necessidade de autorização prévia ao Procurador-Geral de Justiça para ausentar-se da comarca onde estiver lotado ao sair do Estado ou de comunicação prévia ao Corregedor-Geral do Ministério Público, quando houver afastamento da comarca. Trata-se, portanto, de uma restrição muito maior. 

Em suma: É inconstitucional, por configurar ofensa à liberdade de locomoção, a exigência de prévia comunicação ou autorização para que os membros do Ministério Público possam se ausentar da comarca ou do estado onde exercem suas atribuições. STF. Plenário. ADI 6845/AC, Rel. Min. Carmen Lúcia, julgado em 22/10/2021 (Info 1035). 

O entendimento acima explicado se aplica aos membros da Magistratura e a todos os demais servidores públicos, conforme já decidiu o STF em outra oportunidade: 

Lei estadual pode exigir que servidor more no Município onde atua, mas não pode exigir que ele peça autorização todas as vezes em que for sair da localidade 

A regra que estabelece a necessidade de residência do servidor no município em que exerce suas funções é compatível com a Constituição de 1988, a qual já prevê obrigação semelhante para magistrados, nos termos do seu art. 93, VII. Por outro lado, viola a Constituição a lei estadual que proíba a saída do servidor do Município sede da unidade em que atua sem autorização do superior hierárquico. Essa previsão configura grave violação da liberdade fundamental de locomoção (art. 5º, XV, da CF/88) e do devido processo legal (art. 5º, LIV). STF. Plenário ADPF 90, Rel. Luiz Fux, julgado em 03/04/2020 (Info 977).

5 de janeiro de 2022

O Ministério Público não tem legitimidade para promover ACP pedindo que os proprietários de imóveis sejam obrigados a pagar taxa em favor de associação de moradores

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-712-stj.pdf


PROCESSO COLETIVO O Ministério Público não tem legitimidade para promover ACP pedindo que os proprietários de imóveis sejam obrigados a pagar taxa em favor de associação de moradores 

O Ministério Público possui legitimidade para promover a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos, mesmo que de natureza disponível, desde que o interesse jurídico tutelado possua relevante natureza social. Se a ação tem por finalidade apenas evitar a cobrança de taxas, supostamente ilegais, por específica associação de moradores, essa causa não transcende a esfera de interesses puramente particulares e, consequentemente, não possui a relevância social exigida para a tutela coletiva. STJ. 4ª Turma. REsp 1.585.794-MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 28/09/2021 (Info 712). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

Foi constituída uma associação de moradores de determinado bairro. Esta associação passou a exigir dos moradores uma “taxa de manutenção” destinada a custear serviços como limpeza das ruas, segurança, manutenção de iluminação extra etc. Ocorre que essa associação passou a exigir o pagamento não apenas dos moradores que tenham concordado com a sua constituição, mas também das pessoas que não quiserem se associar. Diante disso, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais ajuizou ação civil pública contra a referida associação a fim de declarar a abusividade da cobrança da taxa de manutenção das pessoas que não são a ela associadas. A associação contestou a demanda afirmando que o Ministério Público não teria legitimidade ativa porque a causa envolve os interesses dos moradores daquele bairro, o que configura “direitos individuais homogêneos”. Além disso, por se relacionar com interesses meramente patrimoniais, tais direitos são disponíveis. Logo, o Ministério Público estaria pleiteando em juízo em prol de direitos individuais homogêneos disponíveis, o que não seria possível. 

O que decidiu o STJ? Foi reconhecida a legitimidade ativa do Ministério Público no presente caso? NÃO. Vamos entender com calma. 

Legitimidade do Ministério Público para a ACP 

O Ministério Público está legitimado a promover ação civil pública para a defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. No entanto, o MP somente terá representatividade adequada para propor a ACP se os direitos/interesses discutidos na ação estiverem relacionados com as suas atribuições constitucionais, que são previstas no art. 127 da CF: 

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. 

Desse modo, indaga-se: o MP possui legitimidade para ajuizar ACP na defesa de qualquer direito difuso, coletivo ou individual homogêneo? 

O entendimento majoritário está exposto a seguir: 

Direitos DIFUSOS 

SIM O MP está sempre legitimado a defender qualquer direito difuso. (o MP sempre possui representatividade adequada).


Direitos COLETIVOS (stricto sensu) 

SIM O MP está sempre legitimado a defender qualquer direito coletivo. (o MP sempre possui representatividade adequada). 


Direitos INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS 

1) Se esses direitos forem indisponíveis: SIM (ex: saúde de um menor) 

2) Se esses direitos forem disponíveis: DEPENDE 

O MP só terá legitimidade para ACP envolvendo direitos individuais homogêneos disponíveis se estes forem de interesse social (se o interesse jurídico tutelado possuir relevante natureza social). 

Quatro conclusões importantes: 

1) Se o direito for difuso ou coletivo (stricto sensu), o MP sempre terá legitimidade para propor ACP (há posições em sentido contrário, mas é o que prevalece). 

2) Se o direito individual homogêneo for indisponível (ex: saúde de um menor carente), o MP sempre terá legitimidade para propor ACP. 

3) Se o direito individual homogêneo for disponível, o MP pode agir desde que haja relevância social. Ex1: defesa dos interesses de mutuários do Sistema Financeiro de Habitação. Ex2: defesa de trabalhadores rurais na busca de seus direitos previdenciários. 

4) O Ministério Público possui legitimidade para a defesa de direito individual indisponível mesmo quando a ação vise à tutela de pessoa individualmente considerada (tutela do direito indisponível relativo a uma única pessoa). Ex: MP ajuíza ACP para que o Estado forneça uma prótese auditiva a um menor carente portador de deficiência. 

Exemplos de direitos individuais homogêneos dotados de relevância social (Ministério Público pode propor ACP nesses casos): 

1) MP pode questionar edital de concurso público para diversas categorias profissionais de determinada Prefeitura, em que se previa que a pontuação adotada privilegiaria candidatos que já integrariam o quadro da Administração Pública municipal (STF RE 216443); 

2) na defesa de mutuários do Sistema Financeiro de Habitação (STF AI 637853 AgR);

3) em caso de loteamentos irregulares ou clandestinos, inclusive para que haja pagamento de indenização aos adquirentes (REsp 743678); 

4) o Ministério Público tem legitimidade para figurar no polo ativo de ACP destinada à defesa de direitos de natureza previdenciária (STF AgRg no AI 516.419/PR); 

5) o Ministério Público tem legitimidade para propor ACP com o objetivo de anular Termo de Acordo de Regime Especial - TARE firmado entre o Distrito Federal e empresas beneficiárias de redução fiscal. O referido acordo, ao beneficiar uma empresa privada e garantir-lhe o regime especial de apuração do ICMS, poderia, em tese, implicar lesão ao patrimônio público, fato que legitima a atuação do parquet na defesa do erário e da higidez da arrecadação tributária (STF RE 576155/DF); 

6) o MP tem legitimação para, por meio de ACP, pretender que o Poder Público forneça medicação de uso contínuo, de alto custo, não disponibilizada pelo SUS, mas indispensável e comprovadamente necessária e eficiente para a sobrevivência de um único cidadão desprovido de recursos financeiros; 

7) defesa do direito dos consumidores de não serem incluídos indevidamente nos cadastros de inadimplentes (REsp 1.148.179-MG). 

Exemplos de direitos individuais homogêneos destituídos de relevância social (Ministério Público NÃO pode propor ACP nesses casos): 

1) o MP não pode ajuizar ACP para veicular pretensões que envolvam tributos (impostos, taxas etc.), contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados (art. 1º, parágrafo único, da LACP). Ex: o MP não pode propor ACP questionando a cobrança excessiva de uma determinada taxa, ainda que envolva um expressivo número de contribuintes; 

2) “O Ministério Público não tem legitimidade ativa para propor ação civil pública na qual busca a suposta defesa de um pequeno grupo de pessoas - no caso, dos associados de um clube, numa óptica predominantemente individual.” (STJ REsp 1109335/SE); 

3) o MP não pode buscar a defesa de condôminos de edifício de apartamentos contra o síndico, objetivando o ressarcimento de parcelas de financiamento pagas para reformas afinal não efetivadas. 

E no caso de direitos dos consumidores? O Ministério Público poderá defender em juízo direitos individuais homogêneos dos consumidores? 

SIM. O Ministério Público possui legitimidade para promover ação civil pública para tutelar não apenas direitos difusos ou coletivos de consumidores, mas também direitos individuais homogêneos. Trata-se de legitimação que decorre, de forma genérica, dos arts. 127 e 129, III da CF/88 e, de modo específico, do art. 82, I do CDC: 

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: I - o Ministério Público; (...) 

Art. 81. (...) Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: (...) III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. 

Vimos acima que o Ministério Público somente tem legitimidade para defender direitos individuais homogêneos caso estes sejam indisponíveis ou tenham relevância social. E no caso dos direitos individuais homogêneos relacionados com direitos dos consumidores? 

Prevalece o entendimento de que “a proteção coletiva dos consumidores constitui não apenas interesse individual do próprio lesado, mas interesse da sociedade como um todo. Realmente, é a própria Constituição que estabelece que a defesa dos consumidores é princípio fundamental da atividade econômica (CF, art. 170, V), razão pela qual deve ser promovida, inclusive pelo Estado, em forma obrigatória (CF, art. 5º, XXXII). Não se trata, obviamente, da proteção individual, pessoal, particular, deste ou daquele consumidor lesado, mas da proteção coletiva, considerada em sua dimensão comunitária e impessoal. Compreendida a cláusula constitucional dos interesses sociais (art. 127) nessa dimensão, não será difícil concluir que nela pode ser inserida a legitimação do Ministério Público para a defesa de ‘direitos individuais homogêneos’ dos consumidores, o que dá base de legitimidade ao art. 82, I da Lei nº 8.078/90 (...)” (voto do falecido Min. Teori Zavascki no REsp 417.804/PR, DJ 16/05/2005). “A tutela efetiva de consumidores possui relevância social que emana da própria Constituição Federal (arts. 5º, XXXII, e 170, V).” (STJ. 3ª Turma. REsp 1254428/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 02/06/2016). Assim, “o Ministério Público ostenta legitimidade ativa para a propositura de Ação Civil Pública objetivando resguardar direitos individuais homogêneos dos consumidores.” (STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1569566/MT, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 07/03/2017). 

Os direitos dos consumidores muitas vezes são disponíveis (ex: direitos patrimoniais). Mesmo assim, o Ministério Público terá legitimidade para a ação civil pública em tais casos? O MP tem legitimidade para a defesa de direitos individuais homogêneos de consumidores mesmo que estes sejam direitos disponíveis? 

SIM. O Ministério Público tem legitimidade ativa para a propositura de ação civil pública destinada à defesa de direitos individuais homogêneos de consumidores, ainda que disponíveis, pois se está diante de legitimação voltada à promoção de valores e objetivos definidos pelo próprio Estado (STJ. 3ª Turma. REsp 1254428/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 02/06/2016). 

Nesse sentido: Súmula 601-STJ: O Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, ainda que decorrentes da prestação de serviço público. 

Voltando ao caso concreto: por que o MP não tem legitimidade para propor a ACP em favor dos proprietários que não querem pagar a “taxa” destinada à associação de moradores? 

Porque o STJ considerou que são direitos individuais homogêneos sem relevante natureza social. Sob a ótica objetiva e subjetiva da relevância social, verifica-se que, no caso, não se busca defender bens ou valores essenciais à sociedade, tais como o direito ao meio ambiente equilibrado, à educação, à cultura ou à saúde, nem se pretende tutelar direito de vulnerável, como o consumidor, o portador de necessidade especial, o indígena, o idoso ou o menor de idade. Assim, a ação civil pública tem por finalidade apenas evitar a cobrança de taxas, supostamente ilegais, por específica associação de moradores. Nessa perspectiva, a referida causa não transcende a esfera de interesses puramente particulares e, consequentemente, não possui a relevância social exigida para a tutela coletiva. 

Em suma: O Ministério Público não tem legitimidade para promover ação civil pública para evitar que os proprietários de imóveis sejam obrigados a pagar taxa em favor de associação de moradores. Não há legitimidade do MP porque a causa envolve direitos individuais homogêneos sem relevante natureza social. A ação civil pública tem por finalidade apenas evitar a cobrança de taxas, supostamente ilegais, por específica associação de moradores. Nessa perspectiva, a referida causa não transcende a esfera de interesses puramente particulares e, consequentemente, não possui a relevância social exigida para a tutela coletiva. STJ. 4ª Turma. REsp 1.585.794-MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 28/09/2021 (Info 712).

9 de novembro de 2021

É inconstitucional, por configurar ofensa à liberdade de locomoção, a exigência de prévia comunicação ou autorização para que os membros do Ministério Público possam se ausentar da comarca ou do estado onde exercem suas atribuições

 Ministério Público e autorização prévia para ausentar-se do estado ou da comarca onde exerça suas atribuições ADI 6845/AC 

 

Resumo:

 

É inconstitucional, por configurar ofensa à liberdade de locomoção, a exigência de prévia comunicação ou autorização para que os membros do Ministério Público possam se ausentar da comarca ou do estado onde exercem suas atribuições.              

As exigências de prévia comunicação ou autorização para que os membros do Ministério Público do Estado do Acre possam se ausentar da comarca ou do estado onde exercem suas atribuições equivale a estabelecer, em desfavor do servidor público, medida restritiva de liberdade, sem motivos válidos que a justifiquem.             

A restrição à liberdade de locomoção fixada pela norma impugnada revela-se, portanto, desarrazoada e desnecessária para fins de assegurar o cumprimento de deveres institucionais por membros do Ministério Público estadual.

Com base nesse entendimento, o Plenário julgou procedente o pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade do art. 101, IX, da Lei Complementar 291/2014 do Estado do Acre (1).

 

(1) Lei Complementar 291/2014 do Estado do Acre: “Art. 101. São deveres do membro do Ministério Público, além de outros previstos em lei: (...) IX - comunicar, com antecedência, o afastamento da Comarca onde exerça suas atribuições, por escrito, ao Corregedor Geral do Ministério Público, salvo nos casos comprovadamente urgentes, ou quando implicar na saída do Estado, caso em que o membro deverá solicitar prévia autorização ao Procurador Geral de Justiça.”

 

ADI 6845/AC, relatora Min. Cármen Lúcia, julgamento virtual finalizado em 22.10.2021 (sexta-feira), às 23:59

15 de outubro de 2021

O Ministério Público possui legitimidade para promover a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos, mesmo que de natureza disponível, desde que o interesse jurídico tutelado possua relevante natureza social

Processo

REsp 1.585.794-MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 28/09/2021, DJe 01/10/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Ação civil pública. Ministério Público. Legitimidade ad causam. Cobrança de taxa. Associação de moradores. Direito individual homogêneo disponível. Relevância social. Imprescindibilidade.

 

DESTAQUE

O Ministério Público possui legitimidade para promover a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos, mesmo que de natureza disponível, desde que o interesse jurídico tutelado possua relevante natureza social.


INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia jurídica diz respeito à legitimidade do Ministério Público para promover ação civil pública em defesa dos direitos de proprietários de imóveis, devido à cobrança de taxas por associação de moradores.

Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, o Ministério Público possui legitimidade para promover a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos, mesmo que de natureza disponível, desde que o interesse jurídico tutelado possua relevante natureza social.

Em recente decisão da Quarta Turma foi firmado o entendimento de que, na hipótese de defesa do direito do consumidor, a relevância social é intrínseca, por possuir relação direta com o próprio desenvolvimento e bem-estar da sociedade.

Sob a ótica objetiva e subjetiva da relevância social, verifica-se que, no caso, não se busca defender bens ou valores essenciais à sociedade, tais como o direito ao meio ambiente equilibrado, à educação, à cultura ou à saúde, nem se pretende tutelar direito de vulnerável, como o consumidor, o portador de necessidade especial, o indígena, o idoso ou o menor de idade.

Assim, a ação civil pública tem por finalidade apenas evitar a cobrança de taxas, supostamente ilegais, por específica associação de moradores. Nessa perspectiva, não transcende a esfera de interesses puramente particulares e, consequentemente, não possui a relevância social exigida para a tutela coletiva.

26 de junho de 2021

São formalmente inconstitucionais dispositivos da Lei 10.001/2000, de iniciativa do Poder Legislativo, que tratam de atribuições do Ministério Público (“caput” e parágrafo único do art. 2º e art. 4º)

 DIREITO CONSTITUCIONAL – COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO

DIREITO CONSTITUCIONAL – MINISTÉRIO PÚBLICO

 

Iniciativa legislativa e norma que cria atribuição ao Ministério Público - ADI 5351/DF 

 

Resumo:

 

                São formalmente inconstitucionais dispositivos da Lei 10.001/2000 (1), de iniciativa do Poder Legislativo, que tratam de atribuições do Ministério Público (“caput” e parágrafo único do art. 2º e art. 4º).

   A Constituição Federal (CF) reserva ao Presidente da República (2) e ao Chefe do Ministério Público (3) o poder de iniciativa para deflagrar o processo legislativo no que concerne a normas de organização e atribuições do Ministério Público.

   Esses mesmos dispositivos são materialmente inconstitucionais por ofender a independência e a autonomia funcional e administrativa do Ministério Público (4).

   É constitucional o art. 3º da Lei 10.001/2000, que confere prioridade aos processos e procedimentos decorrentes de relatórios de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

   As CPIs constituem importante mecanismo de controle da máquina pública, sendo um dos instrumentos para conferir concretude à competência fiscalizatória do Congresso Nacional (CF, art. 49, X). Além disso, elas apuram fatos determinados sobre os quais há presunção de interesse público.

   A importância do instituto, que tem previsão direta na CF, justifica a prioridade de tramitação aos procedimentos administrativos ou judiciais decorrentes da atuação das CPIs, o que denota a proporcionalidade e razoabilidade da previsão contida no art. 3º da Lei 10.001/2000.

   Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade das expressões “no prazo de trinta dias” e “ou a justificativa pela omissão” contidas no caput do art. 2º; o parágrafo único do art. 2º e o art. 4º, todos da Lei 10.001/2000. Vencido o ministro Gilmar Mendes.

(1) Lei 10.001/2000: “Art. 1º Os Presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional encaminharão o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito respectiva, e a resolução que o aprovar, aos chefes do Ministério Público da União ou dos Estados, ou ainda às autoridades administrativas ou judiciais com poder de decisão, conforme o caso, para a prática de atos de sua competência. Art. 2º A autoridade a quem for encaminhada a resolução informará ao remetente, no prazo de trinta dias, as providências adotadas ou a justificativa pela omissão. Parágrafo único. A autoridade que presidir processo ou procedimento, administrativo ou judicial, instaurado em decorrência de conclusões de Comissão Parlamentar de Inquérito, comunicará, semestralmente, a fase em que se encontra, até a sua conclusão. Art. 3º O processo ou procedimento referido no art. 2º terá prioridade sobre qualquer outro, exceto sobre aquele relativo a pedido de habeas corpus, habeas data e mandado de segurança. Art. 4º O descumprimento das normas desta Lei sujeita a autoridade a sanções administrativas, civis e penais. Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”

(2) CF: “Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. § 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: (...) II - disponham sobre: d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;”

(3) CF: “Art. 128. O Ministério Público abrange: (...) § 5º Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:”

(4) CF: “Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. § 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento.”

ADI 5351/DF, relatora Min. Cármen Lúcia, julgamento virtual finalizado em 18.6.2021 (sexta-feira), às 23:59

23 de junho de 2021

O Poder Judiciário pode impor ao MP a obrigação de ofertar ANPP?

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://www.dizerodireito.com.br/2021/06/o-poder-judiciario-pode-impor-ao-mp.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed:+com/rviB+(Dizer+o+Direito)

O Poder Judiciário pode impor ao MP a obrigação de ofertar ANPP?


O julgado a seguir comentado trata sobre acordo de não persecução penal (ANPP).

Antes de verificar o que foi decidido, vamos fazer uma breve revisão sobre o tema com base na excelente obra de Leonardo Barreto (Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2021):

 

Acordo de não persecução penal (ANPP)

A Lei nº 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”) inseriu o art. 28-A ao CPP, prevendo o instituto do acordo de não persecução penal (ANPP) que pode ser assim conceituado:

- é um acordo (negócio jurídico)

- celebrado entre o Ministério Público e o investigado, mas com a necessidade de homologação judicial

- firmado, em regra, antes do início da ação penal (em regra, é pré-processual)

- ajuste esse permitido apenas para certos tipos de crimes

- no ajuste, o investigado se compromete a cumprir determinadas condições

- e caso cumpra integralmente o acordo, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade.

 

Mitigação ao princípio da obrigatoriedade da ação penal

Segundo o princípio da obrigatoriedade, havendo justa causa e estando preenchidos todos os requisitos legais, o membro do Ministério Público é obrigado a oferecer a denúncia.

Trata-se de um dever, e não uma faculdade, não sendo reservado ao Ministério Público um juízo discricionário sobre a conveniência e oportunidade de seu ajuizamento.

Pode-se dizer, então, que o ANPP é uma exceção ao princípio da obrigatoriedade. Outro exemplo de exceção: o acordo de colaboração premiada na qual o MP pode conceder ao colaborador como benefício o não oferecimento da denúncia.

 

Justiça Penal Consensual

O instituto do ANPP está diretamente ligado ao movimento chamado Justiça Penal Consensual ou Negociada ou Pactual.

O Min. Reynaldo Soares da Fonseca afirma que se trata de instrumento para otimização dos recursos públicos e a efetivação da chamada Justiça multiportas, com a perspectiva restaurativa (HC 607003-SC).

 

Formalidades do acordo

O acordo será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor (§ 3º do art. 28-A).

A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para ficar registrado que esse mesmo investigado não poderá fazer novo ANPP no prazo de 5 anos (§ 12 do art. 28-A).

 

O acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia

A Lei nº 13.964/2019, no ponto em que institui o ANPP, é considerada lei penal de natureza híbrida, admitindo conformação entre a retroatividade penal benéfica e o tempus regit actum.

O ANPP se esgota na etapa pré-processual, sobretudo porque a consequência da sua recusa, sua não homologação ou seu descumprimento é inaugurar a fase de oferecimento e de recebimento da denúncia.

O recebimento da denúncia encerra a etapa pré-processual, devendo ser considerados válidos os atos praticados em conformidade com a lei então vigente.

Dessa forma, a retroatividade penal benéfica incide para permitir que o ANPP seja viabilizado a fatos anteriores à Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia.

Assim, mostra-se impossível realizar o ANPP quando já recebida a denúncia em data anterior à entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019.

STJ. 5ª Turma. HC 607003-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 24/11/2020 (Info 683).

STF. 1ª Turma. HC 191464 AgR, Rel. Roberto Barroso, julgado em 11/11/2020.

 

Requisitos (caput e § 2º do art. 28-A)

REQUISITOS PARA QUE O MP POSSA PROPOR O ANPP

1) não ser o caso de arquivamento

Se não houver justa causa ou existir alguma outra razão que impeça a propositura da ação penal, não é caso de oferecer o acordo, devendo o MP pedir o arquivamento do inquérito policial ou investigação criminal.

2) o investigado deve ter confessado a prática da infração penal

O ANPP exige que o investigado tenha confessado formal (em ato solene) e circunstancialmente (com detalhes) a prática da infração penal.

O art. 18, § 2º, da Res. 181/2017-CNMP exige que a confissão seja registrada em áudio e vídeo.

3) infração penal foi cometida sem violência e sem grave ameaça

A infração penal não pode ter sido cometida com violência ou grave ameaça.

Prevalece que é cabível ANPP se a infração foi cometida com violência contra coisa.

Assim, o ANPP somente é proibido se a infração foi praticada com grave ameaça ou violência contra pessoa.

4) a pena mínima da infração penal é menor que 4 anos

A infração penal cometida deve ter pena mínima inferior a 4 anos.

Se a pena mínima for igual ou superior a 4 anos, não cabe.

Para aferição da pena mínima, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto.

Aplicam-se ao ANPP, por analogia, as súmulas 243-STJ e 723-STF.

5) o acordo deve se mostrar necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime no caso concreto

Esse requisito revela que a propositura, ou não, do acordo está atrelada a certo grau de discricionariedade do membro do MP que avaliará se essa necessidade e suficiência estão presentes no caso concreto.

6) não caber transação penal

Se for cabível transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95), o membro do MP deve propor a transação (e não o ANPP). Isso porque se trata de benefício mais vantajoso ao investigado.

Por outro lado, mesmo que seja cabível a suspensão condicional do processo, ainda assim, o membro do MP pode propor o ANPP.

7) o investigado deve ser primário

Se o investigado for reincidente (genérico ou específico), não cabe ANPP.

8) não haver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas

Regra: se houver elementos probatórios que indiquem que o investigado possui uma conduta criminal habitual, reiterada ou profissional não cabe ANPP.

Exceção: se essas infrações pretéritas que o investigado se envolveu forem consideradas “insignificantes”, será possível propor ANPP.

9) o agente não pode ter sido beneficiado nos 5 anos anteriores ao cometimento da infração, com outro ANPP, transação penal ou suspensão condicional do processo

No momento de decidir se vai propor o ANPP, o membro do MP deverá analisar se, nos últimos 5 anos (contados da infração), aquele investigado já foi beneficiado:

· com outro ANPP;

· com transação penal ou

· com suspensão condicional do processo.

10) a infração praticada não pode estar submetida à Lei Maria da Penha

Não cabe ANPP nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.

 

Condições

O Ministério Público irá propor que o investigado cumpra as seguintes condições “ajustadas cumulativa e alternativamente”:

I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;

II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;

III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de 1/3 a 2/3, em local a ser indicado pelo juízo da execução;

IV - pagar prestação pecuniária a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou

V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

 

Recusa do MP de oferecer o acordo

No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 do CPP (§ 14º do art. 28-A).

 

Obrigatória a realização de audiência

Conforme vimos acima, o ANPP precisa de homologação judicial.

Antes de decidir pela homologação, o juiz deverá designar audiência para analisar:

a) a legalidade do acordo, isto é, se todos os requisitos do art. 28-A do CPP foram cumpridos; e

b) a voluntariedade, ou seja, se o investigado deseja realmente o ajuste. Para isso, o magistrado irá fazer oitiva do investigado na presença do seu defensor.

 

“Quanto à voluntariedade, o magistrado verificará a ocorrência de algum tipo de vício de vontade, como o erro, o dolo e a coação. Além disso, deverá observar se o agente possui pleno e integral conhecimento do conteúdo do acordo por ele celebrado. No que diz respeito à legalidade, o juiz deverá examinar se o ANPP foi firmado em atendimento às hipóteses legais, assim como se as suas cláusulas estão em consonância com o regramento contido no art. 28-A do CPP. Certo é que o magistrado não poderá apreciar o mérito/conteúdo do acordo, matéria privativa do Ministério Público e do investigado, dentro do campo de negociação reconhecido pela Justiça Penal Consensual, sob pena de violação da sua imparcialidade e do próprio sistema acusatório.” (MOREIRA ALVES, Leonardo Barreto. Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 356).

 

Devolução dos autos ao MP

Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor (§ 5º do art. 28-A).

 

Recusa à homologação

O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o § 5º do art. 28-A acima mencionado (§ 7º do art. 28-A).

Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia (§ 8º do art. 28-A).

 

Homologação do acordo

Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal (§ 6º do art. 28-A).

 

Vítima deverá ser informada da celebração do acordo e de eventual descumprimento

A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução penal e de seu descumprimento (§ 9º do art. 28-A).

 

Cumprimento do acordo

Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade (§ 13 do art. 28-A).

 

Descumprimento do acordo

Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia (§ 10 do art. 28-A).

O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo (§ 11 do art. 28-A).

 

Feita essa revisão, imagine agora a seguinte situação adaptada:

Beatriz foi denunciada pela prática do crime de tráfico transnacional de drogas, na forma do caput do art. 33 c/c art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

 

Durante a instrução penal, ficou demonstrado que Beatriz é primária, possui bons antecedentes, não se dedicava a atividades criminosas nem integrava organização criminosa. Logo, o Ministério Público requereu a sua condenação, mas pediu que fosse a ela aplicada a causa de diminuição de pena do § 4º do art. 33 (tráfico privilegiado):

Art. 33 (...)

§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

 

Diante disso, a defesa sustentou a seguinte tese:

- a pena mínima do crime de tráfico de drogas é 5 anos;

- logo, em regra, não cabe acordo de não persecução penal (ANPP);

- ocorre que o próprio MP reconhece que a acusada tem direito à redução da pena de 1/6 a 2/3;

- se a pena original (5 anos) for reduzida em 1/6, ficará em 4 anos e 2 meses (não terá direito ao ANPP);

- se a pena original (5 anos) for reduzida em 1/5, ficará em 4 anos (também não terá direito ao ANPP);

- porém, se houver a redução em 1/4, 1/3, 1/2 ou 2/3, a pena ficará abaixo de 4 anos, de maneira que a acusada teria, em tese, direito ao ANPP;

- desse modo, diante do reconhecimento do tráfico privilegiado pelo Parquet, deveria ser oferecida proposta de ANPP mesmo nesta fase processual.

 

O juiz abriu vista ao MP que, no entanto, não manifestou interesse na formulação da proposta ao fundamento de que a pena em concreto seria superior a 4 anos.

A defesa pediu, então, que o caso fosse analisado pelo órgão superior do MP.

O magistrado, contudo, não aceitou a argumentação da defesa, tendo proferido sentença que condenou a ré à pena de 4 anos e 10 meses de reclusão.

A defesa da ré, irresignada, impetrou habeas corpus perante o TRF3, pretendendo o reconhecimento do referido benefício, tendo a Corte, denegado a ordem.

Ao julgar recurso ordinário, o STJ também negou o pedido da defesa.

O caso chegou, então, ao STF por meio de habeas corpus.

 

O STF determinou que o Ministério Público ofereça o ANPP? É possível ordem judicial nesse sentido?

NÃO.

O Poder Judiciário não pode impor ao Ministério Público a obrigação de ofertar acordo de não persecução penal (ANPP).

Não cabe ao Poder Judiciário, que não detém atribuição para participar de negociações na seara investigatória, impor ao MP a celebração de acordos.

STF. 2ª Turma. HC 194677/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/5/2021 (Info 1017).

 

No caso concreto, o juiz agiu corretamente?

Para o STF, não.

No caso, a defesa pediu que fosse proposto o acordo. O MP se recusou. A defesa pediu que a recusa fosse analisada pelo órgão superior do Parquet.

Diante disso, o que o magistrado deveria ter feito era aplicar § 14 do art. 28-A do CPP, determinando a remessa dos autos ao órgão superior do MPF que iria analisar se a recusa do Procurador da República foi correta, ou não.

Essa é a solução prevista no § 14 do art. 28-A do CPP:

Art. 28-A (...)

§ 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código.

 

Se o MP se recusar a oferecer o acordo e a defesa requerer a remessa dos autos ao órgão superior, o juiz é obrigado a remeter?

Regra: sim. Em regra, não cabe ao Poder Judiciário analisar a recusa do MP e, portanto, se a defesa não se conformar, deverá remeter os autos ao órgão superior do Parquet.

Exceção: o STF afirmou que o juiz não precisa remeter ao órgão superior do MP em caso de manifesta inadmissibilidade do ANPP.

 

Nas palavras do Min. Gilmar Mendes:

“Não se tratando de hipótese de manifesta inadmissibilidade do ANPP, a defesa pode requerer o reexame de sua negativa, nos termos do art. 28-A, § 14, do CPP, não sendo legítimo, em regra, que o Judiciário controle o ato de recusa, quanto ao mérito, a fim de impedir a remessa ao órgão superior no MP. Isso porque a redação do art. 28-A, § 14, do CPP determina a iniciativa da defesa para requerer a sua aplicação.”

 

Com base nesse entendimento, a 2ª Turma do STF concedeu parcialmente a ordem, para determinar a remessa dos autos à Câmara de Revisão do Ministério Público Federal, a fim de que seja apreciado o ato que negou a oferta de ANPP.