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1 de maio de 2021

Filigrana Doutrinária: Processos repetitivos no direito estrangeiro - Daniel Amorim Assumpção Neves

No direito estrangeiro há duas espécies de tratamento procedimental para a solução de processos repetitivos. O primeiro se vale de causas-piloto (processos-teste), por meio do qual o próprio processo é julgado no caso concreto e a tese fixada nesse julgamento é aplicada aos demais processos com a mesma matéria jurídica. O sistema é adotado na Inglaterra, por meio do Group Litigation Order, e na Áustria, por meio do Pilotverfahren, tendo seu espírito sido incorporado nos julgamentos dos recursos especial e extraordinário repetitivos em nosso sistema. No segundo sistema tem-se o chamado procedimento-modelo, como o Musterverfahren alemão, pelo qual há uma cisão cognitiva e decisória, de forma a ser criado um incidente pelo qual se fixa a tese jurídica a ser aplicada em todos os processos repetitivos, inclusive aquele em relação ao qual o incidente foi suscitado. Entendo que o IRDR é um sistema inovador, já que não adotou plenamente nenhum dos sistemas conhecidos no direito estrangeiro. Julgará o recurso ou ação e fixará a tese jurídica. Parece ser o sistema de causas-piloto, mas não é, porque exige a formação de um incidente processual, não sendo, portanto, a tese fixada na "causa-piloto': E não é um procedimento-modelo porque o processo ou recurso do qual foi instaurado o IRDR é julgado pelo próprio órgão competente para o julgamento do incidente. Um sistema, portanto, brasileiríssimo. 

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 8 ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1415-1416.

Filigrana Doutrinária: IRDR e musterverfahren - Antônio do Passo Cabral

"O procedimento se inicia com um pedido de instalação do incidente padrão (Musteifeststellungsantrag), seja pelo autor seja pelo réu, perante o juízo do processo individual (Prozessgericht, o juízo de origem), com indicação do escopo da tratativa coletiva, descrito e exigido pela lei como requisito do pedido. Não pode haver instauração de ofício pelo juízo. A parte deve apontar os pontos litigiosos (Streitpunkte) que deseja ver resolvidos coletivamente, bem como os meios de prova que pretende produzir no incidente. Interessante notar que o requerente deve alegar e demonstrar que o pedido terá repercussão extraprocessual, interferindo na resolução de outros litígios similares. Não é admitido requerimento para instauração de Procedimento-Modelo quando a causa estiver pronta para julgamento, quando puder prolongar ou postergar indevidamente o processo, quando o meio de prova requerido for inadequado, quando as alegações não se justifiquem dentro dos objetivos do procedimento, ou ainda quando um ponto controvertido não aparentar necessidade de ser aclarado com eficácia coletiva (KapMuG §l (3)). Em verificando tais hipóteses, deve o juízo rejeitar o requerimento. Interessante notar que a admissibilidade do Procedimento-Modelo é analisada e decidida pelo juízo de Origem. Quando for admissível o requerimento, vale dizer, quando não vedado, o juízo de origem fará publicar em um cadastro eletrônico público e gratuito (Klageregister), fazendo dele constar um pequeno extrato do pedido, partes envolvidas, objetivo do procedimento, etc. Requerimentos similares de instauração de Musterveifahren serão registrados juntamente aos anteriores, de forma a otimizar a resolução das questões comuns e facilitar a consulta pública. O registro é administrado por órgãos federais ligados ao Ministério da Justiça, que deverão empreender esforços para a preservação tecnológica do sistema no que se refere a técnicas de segurança da informação. Mas fica a cargo do juízo de origem a responsabilidade pela incorreção dos dados publicados, devendo ainda preservar o sigilo das informações do processo, selecionando o que pode ou não ser disponibilizado publicamente para consulta. Os dados serão apagados do registro se o requerimento for rejeitado ou após terminado o Procedimento-Modelo. Em seguida, o juízo de origem decide sobre o pedido de instauração do Procedimento-Modelo, proferindo decisão (Vorlagebeschluss, prevista no §4 e alíneas da KapMuG) que provoca um tribunal de hierarquia superior a decidir sobre as questões coletivas. Para tanto, exige a lei que o juízo de origem seja aquele em tenha sido formulado, cronologicamente, o primeiro requerimento de tratativa coletiva. Determina ainda, como requisito para o início do procedimento coletivo, que, no período de 4 meses após a publicação no registro, tenham sido requeridos, neste ou em outros juízos, pelo menos outros 9 procedimentos-padrão paralelos, vale dizer, deve haver, no prazo fixado, 10 requerimentos do incidente-padrão que versem sobre o mesmo objeto, pretensões paralelas baseadas nos mesmos fundamentos (causas de pedir semelhantes). Se não for observado o número mínimo de requerimentos no prazo legal, deve o juízo rejeitar o requerimento e prosseguir no processo individual. Ao prolatar a decisão pela instauração do procedimento coletivo, atentará o juízo para o conteúdo que a lei determina que esta deve conter: o escopo do procedimento, os pontos litigiosos que deverão ser decididos coletivamente, provas a serem produzidas e uma rápida descrição das pretensões e dos meios de defesa das partes. A decisão do juízo inferior é irrecorrível, será publicada no registro público e vincula o tribunal de instância superior, que será o juízo de julgamento do mérito do Musterveifahren. Note-se que o mérito do Procedimento-Modelo é fixado pelo juízo de origem. Com a prolação da decisão que instaura a tratativa coletiva não pode haver outro Procedimento-Modelo com o mesmo objeto (§5 da KapMuG). Determinada a instauração do Procedimento-Modelo, este tramitará não mais perante o juízo de origem, mas junto ao Tribunal Regional (Oberlandesgericht), que decidirá sobre o mérito (o objeto) do Musterveifahren. A lei prevê a possibilidade de que, para garantir segurança jurídica e uniformidade da jurisprudência, quando existentes tribunais estaduais diversos (nos Lãndern, Estados-membros), possa a matéria ser atribuída ao julgamento de um tribunal superior, admitindo ainda que, por acordo ou convênio entre os governos estaduais, possa ser a decisão submetida a um determinado e específico tribunal. O Tribunal de julgamento procederá à escolha de um "líder" para os vários autores e outro para os réus, denominados, respectivamente, de Musterklãger e Musterbeklagte, que serão interlocutores diretos com a corte. Nada mais razoável, já que, como estamos diante de procedimento de coletivização de questões comuns a vários processos individuais, faz-se necessária a intermediação por meio de um "porta-voz". Estes são uma espécie de "parte principal": são eles, juntamente com seus advogados, que traçarão a estratégia processual do grupo. Os demais, se não poderão contradizer ou contrariar seus argumentos, poderão integrá-los, acrescentando elementos para a formação da convicção judicial. Segundo a própria lei, a determinação dos Musterparteien é discricionariedade do Tribunal, mas deverá respeitar o balizamento e os critérios estabelecidos na norma (§ 8 da KapMuG). Por exemplo, em relação ao Musterklãger, deverá ser escolhido dentre os autores litigantes no juízo de origem, tomando-se em consideração a magnitude do objeto do Musterveifahren e procurando fomentar o entendimento e a comunicação entre maior número possível de autores e interessados. Em seguida, o Tribunal fará publicar no registro a instauração do procedimento- padrão, com extrato do conteúdo da decisão do juízo de origem, o objetivo do procedimento, bem como descrição dos líderes da partes e, se for o caso, de seus representantes legais (§ 6 da KapMuG). Após a publicação da instauração do Musterverfahren no registro, serão suspensos, de ofício e em decisão irrecorrível, todos os processos em que a decisão dependa das questões a serem decididas ou esclarecidas no Procedimento-Modelo. A suspensão ocorrerá independentemente de ter havido requerimento de procedimento-padrão no processo de origem. Vale dizer, o Musterverfahren poderá atingir processos individuais cujas partes não requereram a tratativa coletiva de nenhuma questão fática ou jurídica. A cognição sobre o mérito seguirá normalmente, fixando o Tribunal seu entendimento jurídico sobre as questões comuns. A decisão do incidente denomina-se Musterentscheíd.

CABRAL, Antonio do Passo. O novo procedimento-modelo (musterverfahren) alemão: Uma alternativa às ações coletivas. Revista de Processo, ano 32, n. 147, p. 123-146, mai./2007, p. 133-136.

Filigrana Doutrinária: IRDR e Musteverfahren

"(...) qual o modelo de processamento de IRDR adotado em nosso sistema? Como antecipado, numa microcomparação nos sistemas processuais relevantes que adotam técnicas para solução de processos repetitivos, há dois sistemas possíveis: regime da causa-modelo (simbolizado pelo Musteverfahren do direito processual alemão) e regime da causa-piloto (Pilotverfahren, a exemplo do Testprozess do direito processual austríaco). Como bem aponta Sofia Temer (2016, p. 66), a incerteza do modelo de processamento do IRDR ocorre porque o CPC de 2015 não Documento: 1811010 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 22/11/2019 Página 40 de 15 Superior Tribunal de Justiça esclarece se o incidente compreenderá julgamento da causa concreta ou se apenas haverá solução da questão jurídica, em abstrato, fixando-se a tese jurídica sem a solução da lide. A questão é muito bem proposta pela referida autora, nos seguintes termos (TEMER, 2016, p. 66): Diverge-se sobre a circunstância de haver, em razão do incidente, uma cisão cognitiva e decisória, ou não. Discute-se se o IRDR leva ao julgamento da demanda (pretensão) ou se apenas fixa tese jurídica, sem resolver a 'lide'. Permeia tal discussão a referência aos modelos da 'causa piloto' e do 'procedimento-modelo', empregados para identificar a unidade cognitiva e decisória ou a sua cisão, respectivamente. O CPC, como dito, não aponta a direção. Ora determina a concomitância do julgamento da causa pendente e do incidente, apontando para um modelo de causa-piloto; ora determina o prosseguimento do incidente em caso de desistência da causa pendente, conforme o procedimento-modelo. Segundo a exposição de motivos: No direito alemão a figura se chama Musterverfahren e gera decisão que serve de modelo (= Muster) para a resolução de uma quantidade expressiva de processos em que as partes estejam na mesma situação, não se tratando necessariamente, do mesmo autor nem do mesmo réu. No entanto, o IRDR, tal como previsto no CPC, muito se afastou do Musterverfahren. Afastou-se, outrossim, do Testprozess do direito processual austríaco, símbolo do procedimento-modelo. Sem ignorar ou alongar o debate doutrinário, o fato é que o IRDR, tal como previsto no CPC e tal como vem sendo tratado nos TRFs, como veremos adiante, não adotou puramente nenhum dos sistemas conhecidos. Mais uma vez, como típico no Direito Brasileiro, desenvolvemos um modelo próprio, um tertium genus procedimental para solução de demandas de massa. Garantidamente não é causa-modelo (Musterverfahren), pois o CPC e os Tribunais buscam, sempre que possível, o julgamento concomitante do processo pendente (seja uma ação originária, seja um processo em fase recursal ou devolvido por força de remessa necessária). Oportunamente veremos claramente a tendência dos TRFs de, sempre que possível, atrelarem o caso concreto ao incidente, inclusive sob um mesmo Relator. Garantidamente não é causa-piloto, pois o CPC permite 'vida própria' ao incidente em caso de desistência do caso concreto adjacente. Ademais, reconhecendo-se a possibilidade de IRDR em matéria de juizados, por óbvio, o Tribunal jugará a questão jurídica sem julgar o caso concreto, sobre o qual falece competência". 

ALMEIDA, Marcelo Eugênio Feitosa. Musterverfahren X Pilotverfahren: os regimes de IRDR adotados pelos Tribunais Regionais Federais. Publicações da Escola da AGU. v. 9 - n. 4 - Brasília-DF: out./dez. 2017, págs. 149-151.

Filigrana Doutrinária: IRDR e Musterverfahren

"(...) Conforme reconhecido pela própria Comissão responsável pelo Anteprojeto, o incidente inspirou-se em instituto do direito alemão conhecido como Musterverfahren; mas, ao longo da tramitação na Câmara dos Deputados, acabou distanciando-se dele em alguns aspectos. (...) O legislador brasileiro, diferentemente de outros ordenamentos jurídicos, não se preocupou muito com o momento de formalização do incidente, mas sim com o seu cabimento, valendo-se de uma expressão aberta para indicar os seus requisitos: 'a efetiva repetição de processos que represente risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica'. (...) No Musterverfahren, ao contrário, o legislador germânico estabeleceu critérios mais objetivos. Explica Astrid Stadler (STADLER, 2010, p. 101) que: (i) deve ser feito um requerimento em uma das ações individuais ajuizadas de submissão ao processo-modelo, que é anunciado em edital; (ii) nos quatro meses seguintes devem ser formulados outros nove requerimentos de submissão ao processo-modelo, totalizando dez ao todo; (iii) os pedidos são submetidos ao Tribunal Regional, que escolhe um autor-modelo, suspendendo-se os outros processos; (iv) os autores dos processos pendentes são 'partes convidadas', o acórdão-modelo reveste-se de autoridade de coisa julgada e as outras causas continuam no primeiro grau de jurisdição, terminando com acordo ou sendo sentenciados".

GONÇALVES, Gláucio Maciel; DUTRA, Victor Barbosa. Apontamentos sobre o novo incidente de resolução de demandas repetitivas do código de processo civil de 2015. Revista de Informação Legislativa nº 208, ano 52, Brasília: out/dez/2015, págs. 191-193.