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8 de maio de 2021

CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. INADIMPLEMENTO. REGIME JURÍDICO APLICÁVEL. DECRETO-LEI 911/69. INSCRIÇÃO DO NOME DO AVALISTA EM ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO DE CRÉDITO

RECURSO ESPECIAL Nº 1.833.824 - RS (2019/0251597-0) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C PEDIDO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. INADIMPLEMENTO. REGIME JURÍDICO APLICÁVEL. DECRETO-LEI 911/69. INSCRIÇÃO DO NOME DO AVALISTA EM ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO DE CRÉDITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. 

1. Ação ajuizada em 18/04/2016. Recurso especial interposto em 16/05/2019 e concluso ao Gabinete em 26/08/2019. Julgamento: Aplicação do CPC/2015. 

2. O propósito recursal consiste em definir se o credor fiduciário, na hipótese de inadimplemento do contrato, é obrigado a promover a venda do bem alienado fiduciariamente, na forma do art. 1.364 do CC/02, antes de proceder à inscrição dos nomes dos devedores em cadastros de proteção ao crédito. 

3. No ordenamento jurídico brasileiro, coexiste um duplo regime jurídico da propriedade fiduciária: a) o regime jurídico geral do Código Civil, que disciplina a propriedade fiduciária sobre coisas móveis infungíveis, sendo o credor fiduciário qualquer pessoa natural ou jurídica; b) o regime jurídico especial, formado por um conjunto de normas extravagantes, dentre as quais o Decreto-Lei 911/69, que trata da propriedade fiduciária sobre coisas móveis fungíveis e infungíveis, além da cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou de títulos de crédito, restrito o credor fiduciário à pessoa jurídica instituição financeira. 

4. Hipótese dos autos que envolve cédula de crédito bancário com alienação fiduciária de veículo em garantia firmada com instituição financeira, a atrair o regime do DL 911/69. 

5. Nos termos expressos do art. 5º do DL 911/69, é facultado ao credor fiduciário, na hipótese de inadimplemento ou mora no cumprimento das obrigações contratuais pelo devedor, optar pela excussão da garantia ou pela ação de execução. 

6. De todo modo, independentemente da via eleita pelo credor, a inscrição dos nomes dos devedores solidários em bancos de dados de proteção ao crédito, em razão do incontroverso inadimplemento do contrato, não se reveste de qualquer ilegalidade, tratando-se de exercício regular do direito de crédito. 

7. Recurso especial conhecido e não provido, com majoração dos honorários advocatícios. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso especial, com majoração dos honorários advocatícios, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 05 de maio de 2020(Data do Julgamento)


ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso especial, com majoração dos honorários advocatícios, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 05 de maio de 2020(Data do Julgamento)


RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): 

Cuida-se de recurso especial interposto por ODANIR BRUNO SARTORI, com fundamento, exclusivamente, na alínea "a" do permissivo constitucional. 

Ação: declaratória c/c pedido de obrigação de fazer, ajuizada pelo recorrente em face de BANCO VOLKSWAGEN S.A. 

Em breve síntese, alega o autor que, na condição de então sócio da empresa Concresart Tecnologia em Concreto LTDA, firmou com o Banco réu, em 30/08/2011, contrato de abertura de crédito fixo com garantia de alienação fiduciária, no qual figurou como avalista. 

No entanto, em fevereiro de 2016 – após a sua retirada do quadro societário, em maio de 2013 –, a empresa entrou em recuperação judicial e se tornou inadimplente com relação às parcelas do contrato, o que ocasionou a inscrição do nome do autor em cadastros de restrição ao crédito. 

Ante esses fatos, argumenta o autor que, por se tratar de contrato garantido por alienação fiduciária, cabia ao Banco réu primeiramente efetivar a venda do bem com vistas ao pagamento da dívida e, assim, apurar eventual saldo devedor, na forma do art. 1.364 do CC/02, para só então proceder à negativação do nome do avalista. 

Dessa maneira, requer a exclusão das anotações já realizadas e que seja determinado ao réu que não efetue a inscrição do nome do autor em cadastro de restrição ao crédito no tocante ao contrato em apreço antes de promovida a venda do bem alienado fiduciariamente. 

Sentença: julgou procedente o pedido, para declarar o direito do autor, ora recorrente, de não ter o seu nome incluído em rol de inadimplentes antes de observado o procedimento de excussão da garantia, confirmando a decisão que, em sede de tutela antecipada, determinou a exclusão das anotações negativas. 

Acórdão: deu provimento à apelação interposta pelo recorrido para julgar improcedentes os pedidos iniciais, nos termos da seguinte ementa: 

“APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DECLARATÓRIA E INDENIZATÓRIA. DANO MORAL. INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO. 1. Inexiste obrigação de o credor buscar antes a garantia real e depois a pessoal. Inaplicabilidade do artigo 1.364 do Código Civil no caso concreto. 2. Em sendo o débito devido, pois, regular a inscrição em órgão(s) de proteção ao crédito, inexistindo ato ilícito, razão pela qual não há falar-se em indenização por danos morais. Exercício regular de direito. APELO PROVIDO” (e-STJ fl. 92). 

Recurso especial: alega violação do art. 1.364 do CC/02, reiterando que, na hipótese de inadimplemento de contrato garantido por alienação fiduciária, o credor, a fim de buscar a satisfação de seu crédito, deve obrigatoriamente promover a venda do bem alienado e aplicar o preço obtido no pagamento e/ou abatimento parcial da dívida. Defende que, antes desse procedimento, que permite apurar eventual débito remanescente, não é lícita a inclusão do nome do devedor em órgãos de restrição ao crédito. 

Juízo de admissibilidade: o recurso foi admitido pelo TJ/RS. 

É o relatório.


VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): O propósito recursal consiste em definir se o credor fiduciário, na hipótese de inadimplemento do contrato, é obrigado a promover a venda do bem alienado fiduciariamente antes de proceder à inscrição dos nomes dos devedores em cadastros de proteção ao crédito. 

I. DA DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA 

1. O debate trazido a julgamento gira em torno da interpretação do art. 1.364 do CC/02, segundo o qual “vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor”. 

2. A partir de tal dispositivo legal, o ora recorrente defende que a venda do bem alienado fiduciariamente é obrigatória, pois somente após implementada é que se poderia constatar eventual saldo devedor remanescente, que, de seu turno, legitimaria a inscrição do nome do devedor e seus avalistas em cadastros de restrição ao crédito. 

3. O Tribunal de origem, no entanto, rejeitou essa linha argumentativa, ao entendimento de que “inexiste obrigação de o credor buscar antes a garantia real e depois a pessoal, até porque lhe é de direito promover a execução do crédito da maneira que lhe pareça mais exitosa, restando inaplicável o referido artigo do códex no caso presente” (e-STJ fl. 94). 

II. DO DUPLO REGIME JURÍDICO DA PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA 

4. Em linhas gerais, o negócio fiduciário é aquele mediante o qual um sujeito (fiduciante), a fim de garantir uma obrigação, transmite a propriedade de uma coisa ou a titularidade de um direito a outro (fiduciário), que, se cumprido o encargo, devolve o bem ou o direito ao transmitente. Considera-se fiduciária, assim, a propriedade resolúvel de coisa ou direito que o devedor fiduciante, com escopo de garantia, transfere ao credor fiduciário. 

5. No ordenamento jurídico brasileiro, a matéria é disciplinada pelo Código Civil e por uma profusa legislação extravagante. Por isso, aponta a doutrina a coexistência de um duplo regime jurídico da propriedade fiduciária: a) o regime jurídico geral do Código Civil, que disciplina a propriedade fiduciária sobre coisas móveis infungíveis, sendo o credor fiduciário qualquer pessoa natural ou jurídica; b) o regime jurídico especial, formado por um conjunto de normas extravagantes, basicamente divididas em: (b1) Decreto-Lei 911/69, acrescido do art. 66-B da Lei 4.728/65 (Lei do Mercado de Capitais), atualizados pela redação da Lei 10.931/2004, tratando de propriedade fiduciária sobre coisas móveis fungíveis e infungíveis, além da cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou de títulos de crédito, restrito o credor fiduciário à pessoa jurídica instituição financeira; (b2) Lei 9.514/97, também modificada pela Lei 10.931/2004, que trata da propriedade fiduciária imobiliária, seja o credor instituição financeira ou não (Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald. Curso de Direito Civil: direitos reais, 14ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 557). 

6. Aliás, a coexistência de ambos os regimes jurídicos e a solução de eventual conflito de leis foi enfrentada pela Lei 10.931/2004, que acrescentou o art. 1.368-A ao Código Civil para esclarecer que “as demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária” (vale dizer, aquelas que não tratam de negócio fiduciário envolvendo bem móvel infungível e firmado entre quaisquer pessoas, naturais ou jurídicas) “submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial”. 

III. DO REGIME JURÍDICO APLICÁVEL À HIPÓTESE DOS AUTOS: DECRETO-LEI 911/69 

7. Essa distinção acerca da disciplina legal da propriedade fiduciária segundo a sua natureza mostra-se relevante no presente julgamento pois permite concluir, de início, que o dispositivo legal invocado pelo recorrente, a saber, o art. 1.364 do CC/02, não é aplicável à relação jurídica travada entre as partes. 

8. Com efeito, verifica-se que a hipótese dos autos trata de aval prestado pelo recorrente em cédula de crédito bancário com alienação fiduciária de veículo em garantia, que fora firmada junto ao Banco recorrido (e-STJ fl. 65). 

9. Dessa maneira, em se tratando de alienação fiduciária de coisa móvel infungível envolvendo instituição financeira, o regime jurídico aplicável é aquele do Decreto-Lei 911/69, devendo as disposições gerais do Código Civil incidir apenas em caráter supletivo. 

10. Essa aplicação supletiva do Código Civil, todavia, não se faz necessária na espécie, haja vista que o DL 911/69 contém disposição expressa que faculta ao credor fiduciário, na hipótese de inadimplemento ou mora no cumprimento das obrigações contratuais pelo devedor, optar por recorrer diretamente à ação de execução, caso não prefira retomar a posse do bem e vendê-lo a terceiros. 

11. Nesse sentido é o contido no art. 5º do DL 911/69, in verbis: 

Art. 5º. Se o credor preferir recorrer à ação executiva, direta ou a convertida na forma do art. 4º, ou, se for o caso ao executivo fiscal, serão penhorados, a critério do autor da ação, bens do devedor quantos bastem para assegurar a execução” (grifou-se). 

12. Logo, já se constata que não prospera o argumento do recorrente quanto à obrigatoriedade de o credor proceder à excussão da garantia na hipótese de inadimplemento do contrato garantido por alienação fiduciária. 

IV. DO EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO PELO CREDOR 

13. Não obstante, cabe salientar que, independentemente de optar o credor pela venda do bem alienado fiduciariamente a terceiros ou pela execução direta, a inscrição do nome dos devedores solidários em bancos de dados de proteção ao crédito, na hipótese de inadimplemento, não se reveste de qualquer ilegalidade, tratando-se de exercício regular de direito do credor. 

14. Com efeito, a partir do inadimplemento das obrigações pactuadas pelo devedor, nasce para o credor uma série de prerrogativas, não apenas atreladas à satisfação do seu crédito em particular – do que é exemplo a excussão da garantia ou a cobrança da dívida –, mas também à proteção do crédito em geral no mercado de consumo. 

15. Inclusive, destaca a doutrina, o próprio CDC, ao invés de proibir, aceita e disciplina as atividades desenvolvidas pelos bancos de dados de proteção ao crédito, sinalizando, ademais, a sua relevância para a atividade econômica no país, tão dependente do crédito. 

16. Nesse sentido, veja-se a precisa lição de Leonardo ROSCOE BESSA: 

“Como evidenciado nos itens anteriores, coletar, armazenar e divulgar informações pessoais são atos, em tese, ofensivos à privacidade. Do mesmo modo, difundir, por qualquer meio, a notícia de que alguém não cumpre pontualmente com suas obrigações caracteriza ofensa à honra. Admite-se, excepcionalmente, que os bancos de dados de proteção ao crédito, considerando a presença de outros valores em jogo – em síntese, a importância do crédito para o indivíduo e para a economia nacional, bem como o direito à informação –, realizem, observados determinados requisitos legais, o tratamento de informações pessoais negativas. Desde que atendidos rigorosamente os limites impostos pelo ordenamento jurídico, há exercício regular de direito. O direito brasileiro aceita – e controla – a existência dos bancos de dados de proteção ao crédito. Desse modo, os atos praticados pelas entidades que os administram, desde que atendidos, rigorosamente, os limites impostos pelo ordenamento jurídico, são lícitos, não configurando ofensa à dignidade do consumidor (direito à privacidade e à honra)” (Manual de Direito do Consumidor, 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 320). 

17. Assim, em conclusão, independentemente da via eleita pelo credor para a satisfação de seu crédito, não há ilicitude na inscrição do nome do devedor e seu avalista nos órgãos de proteção ao crédito, ante o incontroverso inadimplemento da obrigação. 

Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial e NEGO-LHE PROVIMENTO. 

Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/15, considerando o trabalho adicional imposto ao advogado da parte recorrida em virtude da interposição deste recurso, majoro os honorários advocatícios fixados anteriormente em R$ 2.000,00 (e-STJ fl. 95) para R$ 3.000,00.

Filigrana doutrinária: Sistema de Informações de Crédito - Leonardo Roscoe Bessa

“Como evidenciado nos itens anteriores, coletar, armazenar e divulgar informações pessoais são atos, em tese, ofensivos à privacidade. Do mesmo modo, difundir, por qualquer meio, a notícia de que alguém não cumpre pontualmente com suas obrigações caracteriza ofensa à honra. Admite-se, excepcionalmente, que os bancos de dados de proteção ao crédito, considerando a presença de outros valores em jogo – em síntese, a importância do crédito para o indivíduo e para a economia nacional, bem como o direito à informação –, realizem, observados determinados requisitos legais, o tratamento de informações pessoais negativas. Desde que atendidos rigorosamente os limites impostos pelo ordenamento jurídico, há exercício regular de direito. O direito brasileiro aceita – e controla – a existência dos bancos de dados de proteção ao crédito. Desse modo, os atos praticados pelas entidades que os administram, desde que atendidos, rigorosamente, os limites impostos pelo ordenamento jurídico, são lícitos, não configurando ofensa à dignidade do consumidor (direito à privacidade e à honra)” 


ROSCOE BESSA, Leonardo. Manual de Direito do Consumidor, 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 320. 

20 de abril de 2021

Filigrana Doutrinária: Informações / Dados pessoais; Bancos de dados de proteção ao crédito

“Como evidenciado nos itens anteriores, coletar, armazenar e divulgar informações pessoais são atos, em tese, ofensivos à privacidade. Do mesmo modo, difundir, por qualquer meio, a notícia de que alguém não cumpre pontualmente com suas obrigações caracteriza ofensa à honra. Admite-se, excepcionalmente, que os bancos de dados de proteção ao crédito, considerando a presença de outros valores em jogo – em síntese, a importância do crédito para o indivíduo e para a economia nacional, bem como o direito à informação –, realizem, observados determinados requisitos legais, o tratamento de informações pessoais negativas. Desde que atendidos rigorosamente os limites impostos pelo ordenamento jurídico, há exercício regular de direito. O direito brasileiro aceita – e controla – a existência dos bancos de dados de proteção ao crédito. Desse modo, os atos praticados pelas entidades que os administram, desde que atendidos, rigorosamente, os limites impostos pelo ordenamento jurídico, são lícitos, não configurando ofensa à dignidade do consumidor (direito à privacidade e à honra)” 

BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor, 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 320. 

16 de abril de 2021

BC não pode ser responsabilizado por inscrição indevida no Sistema de Informações de Crédito

 A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso especial do Banco Central (BC) e reconheceu a sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da ação de indenização ajuizada por um cliente de banco que teve o CPF incluído no Sistema de Informações de Crédito (SCR) sem notificação prévia.

Integrante do Sisbacen, o SCR é um instrumento de registro gerido pelo BC e alimentado mensalmente pelas instituições financeiras com informações que permitem avaliar o nível de risco das operações de crédito.

A decisão da Primeira Turma reformou acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que condenou a autarquia federal, solidariamente com o banco, a pagar indenização de R$ 3 mil ao cliente. O TRF4 equiparou o Sisbacen e suas ramificações aos cadastros de proteção ao crédito, aplicando ao caso a Súmula 3​​59 do STJ, segundo a qual "cabe ao órgão mantenedor do cadastro de proteção ao crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição".

Efeito secundário

A relatora, ministra Regina Helena Costa, explicou que o BC é responsável pela regulação, fiscalização e manutenção dos diversos sistemas e recursos tecnológicos que compõem o Sisbacen.

Segundo a magistrada, há inúmeros julgados nos quais o STJ considerou que as informações fornecidas pelas instituições financeiras ao Sisbacen são restritivas de crédito, uma vez que esse sistema permite avaliar a capacidade de pagamento do consumidor de serviços bancários.

Os cadastros integrantes do Sisbacen – esclareceu –, destinados à atividade fiscalizadora exercida pela autarquia, eventualmente podem ser usados para o controle da inadimplência em relação aos clientes de instituições financeiras, gerando restrições ao crédito.

"Todavia, esse efeito secundário, decorrente da operacionalização da política regulatória do sistema financeiro, não é bastante para impor à autarquia a sua responsabilização por ausência de prévia notificação do devedor, como demanda o parágrafo 2º do artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor (CDC)", afirmou a ministra. Para ela, não há fornecimento de produto ou serviço pelo BC para ser consumido, mediante pagamento, pelo cliente da instituição financeira.

Natureza pública

Na avaliação da relatora, é inviável que a autarquia cumpra o dever de notificar previamente o cliente do banco acerca da inclusão de seus dados no Sisbacen, uma vez que essa inclusão é promovida individualmente pelas instituições financeiras credoras, e o BC nem mesmo tem acesso prévio à informação a fim de promover a notificação.

Regina Helena Costa ressaltou que o papel do BC como gestor do Sisbacen é de natureza pública, distinto dos cadastros privados como a Serasa e o SPC, que obtêm lucro com o cadastramento dos inadimplentes.

A ministra considerou aplicável ao caso, por analogia, a Súmula 572 do STJ, que dispõe que "o Banco do Brasil, na condição de gestor do Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos (CCF), não tem a responsabilidade de notificar previamente o devedor acerca da sua inscrição no aludido cadastro, tampouco legitimidade passiva para as ações de reparação de danos diante da ausência de prévia comunicação".

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1626547