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8 de maio de 2021

EXECUÇÃO. EMPRÉSTIMO. PENHORA DO IMÓVEL. BEM DE FAMÍLIA. EXCEÇÃO À REGRA DA IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.823.159 - SP (2019/0185854-8) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. EMPRÉSTIMO. PENHORA DO IMÓVEL. BEM DE FAMÍLIA. EXCEÇÃO À REGRA DA IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. AUSÊNCIA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. PRESUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 

1. Agravo de instrumento interposto em 03/08/2018, recurso especial interposto em 16/04/2019 e atribuído a este gabinete em 24/09/2019. 

2. O propósito recursal consiste em determinar pela legalidade da aplicação na hipótese da exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista no art. 3º, VI, da Lei n. 8.009/1990, considerando a ausência de condenação penal em definitivo. 

3. A lei estabelece, de forma expressa, as hipóteses de exceção à regra da impenhorabilidade do bem de família. 

4. O art. 3º, VI, da Lei n. 8.009/1990 expressamente afastou a impenhorabilidade quando o bem imóvel é adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. 

5. Na hipótese, não há sentença penal condenatória e, mesmo que seja em função da prescrição, é impossível presumir sua existência para fins de aplicação da exceção contida no art. 3º, VI, da Lei 8.009/90. 

6. Recurso especial provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 13 de outubro de 2020(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Cuida-se de recurso especial interposto por JOÃO BATISTA HORAGUTI, com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão do TJ/SP. 

Ação: indenizatória ajuizada por SOCIEDADE ESPORTIVA E RECREATIVA ÍTALO-BRASILEIRA em face do recorrente, por meio da qual a recorrida pleiteia a reparação dos prejuízos causados pelo recorrente à sociedade durante o período de sua gestão. O juízo de 1º grau de jurisdição condenou o recorrente ao pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais), concernente ao valor da venda de veículo que era de propriedade da recorrida, bem como de R$ 21.112,72 (vinte e um mil, cento e doze reais e setenta e dois centavos), mais honorários advocatícios. A condenação foi mantida pelo Tribunal de origem, em julgamento de recurso de apelação interposto pelo recorrente. 

Decisão: na fase de cumprimento de sentença, o Juízo de 1º grau de jurisdicional deferiu a penhora sobre um bem imóvel do recorrente, localizado no Município de Peruíbe/SP. O recorrente apresentou impugnação, sob o argumento de que o imóvel em discussão é seu único bem e, ainda, é utilizado para sua residência, apontando ainda um pequeno excesso de execução. No julgamento da impugnação, o Juízo de 1º grau de jurisdição manteve o ato de constrição, reconhecendo que o imóvel era utilizado como residência, mas, por ter sido dado em alienação fiduciária e em razão da penhora ter recaído sobre os direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária, afastou a proteção conferida pela Lei n°. 8009/90, e acolheu parcialmente a impugnação somente apenas para retificar o valor do crédito executado. 

Acórdão: o Tribunal de origem negou provimento ao agravo de instrumento interposto pelo recorrente, mantendo a penhora pelo fundamento anteriormente apresentado e acrescentando que, na hipótese, seria aplicável a exceção do art. 3º, VI, da Lei 8.009/90, in verbis: 

EMENTA: BEM DE FAMÍLIA - RESPONSABILIDADE CIVIL - PESSOA JURÍDICA QUE BUSCA SER RESSARCIDA DE PREJUÍZOS DECORRENTES DE ATOS ILÍCITOS PRATICADOS PELO ORA AGRAVANTE DURANTE SUA GESTÃO NA PRESIDÊNCIA DA ENTIDADE – PROCEDÊNCIA DO PEDIDO – INICIADO O CUMPRIMENTO DE SENTENÇA, FOI DEFERIDA A PENHORA DOS DIREITOS DECORRENTES DO CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DO IMÓVEL UTILIZADO COMO RESIDÊNCIA DO EXECUTADO – DECISÃO QUE ACOLHEU EM PARTE A IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA PARA O FIM DE AFASTAR O PEDIDO DE IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA E FIXAR O VALOR DO DÉBITO EM R$ 382.252,59, ATUALIZADO ATÉ SETEMBRO DE 2017 – A IMPENHORABILIDADE NÃO É OPONÍVEL EM RELAÇÃO A EXECUÇÃO DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA E RESSARCIMENTO, INDENIZAÇÃO OU PERDIMENTO DE BENS (LEI 8.009/90, ART. 3º, INCISO VI) - IDÊNTICOS ILÍCITOS TRATADOS NAS ESFERAS CÍVEL E CRIMINAL, SENDO QUE NA ÚLTIMA OPEROU-SE TÃO-SOMENTE A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA, PERMANECENDO HÍGIDOS OS ELEMENTOS DO CRIME - DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO 

Embargos de declaração: opostos pelo recorrente, foram rejeitados pelo Tribunal de origem. 

Recurso especial: alega violação aos arts. 1º e 3º, VI, da Lei 8.009/90 e sustenta a existência de dissídio jurisprudencial. Requer, ao final, provimento do recurso especial para afastar a penhora sobre o bem imóvel mencionado anteriormente. 

Trâmite: o recurso foi admitido na origem. A Presidência do STJ, no entanto, considerou que o recurso era intempestivo. Após a interposição de agravo interno, este gabinete reconsiderou a decisão anterior, reconhecendo sua tempestividade. 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): 

1. O propósito recursal consiste em determinar pela legalidade da aplicação na hipótese da exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista no art. 3º, VI, da Lei n. 8.009/1990, considerando a ausência de condenação penal em definitivo. 

2. Para o início da discussão, a Lei 8.009/90 institui a impenhorabilidade do bem de família como instrumento de tutela do direito fundamental à moradia da família e, portanto, indispensável à composição de um mínimo existencial para uma vida digna. Nesse sentido, veja-se o que dispõe o art. 1º da referida lei dispõe: 

Art. 1º. O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei. 

3. A impenhorabilidade do bem de família, de fato, reflete o princípio da dignidade da pessoa humana o qual constitui um dos principais fundamentos da Constituição Federal de 1988 e que também possui diversas outras emanações e desdobramentos. De fato, a doutrina enfatiza o assento constitucional do instituto em discussão, conforme o trecho abaixo: 

Inicialmente destinado à proteção da família, a evolução do instituto, no direito brasileiro, e a respectiva inserção no ambiente econômico contemporâneo acarretaram mudança significativa no âmbito da sua aplicação. A proteção se estendeu ao obrigado, tout court, haja ou não constituído família, amplitude revelada pela tutela dos bens domésticos (art. 2º, parágrafo único, da Lei 8.009/1990) da família sem imóvel residencial próprio. Por sua vez, essa proteção ao obrigado, mediante a técnica da impenhorabilidade, assegura-lhe o chamado patrimônio mínimo. A garantia dos meios mínimos de sobrevivência, que é a morada e seu conteúdo, observa um princípio maior, porque "orienta-se pelo interesse social de assegurar uma sobrevivência digna aos membros da família, realizando, em última instância, a dignidade humana". É o princípio da dignidade da pessoa humana, portanto, também o responsável pela humanização da execução, recortando do patrimônio o mínimo indispensável à sobrevivência digna do obrigado, sem embargo do dever de prestar que caracterizou o homestead. A norma jurídica (princípio e valor) fundamental, na feliz síntese de Ingo Wolfgang Sarlet, inserida no art. 1º, III, da CF/1988, fornece o fundamento constitucional do instituto. (ASSIS, Araken de. Manual da Execução. São Paulo: RT, 2010, p. 275-276). 

4. No entanto, mesmo esse importantíssimo instituto possui limites de aplicações. A depender das circunstâncias, a própria Lei 8.009/90 prevê exceções à regra da impenhorabilidade. Assim, o art. 3º, VI, da mencionada lei dispõe que não é possível opor a impenhorabilidade quando o bem em questão for adquirido como produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória: 

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (...) VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. 

5. Nessas hipóteses, no cotejo entre os bens jurídicos envolvidos, o legislador preferiu defender o ofendido por conduta criminosa ao autor da ofensa, conforme nota a doutrina: “essas exceções significam que a Lei do Bem de Família teve a intenção de balancear valores, privilegiando o valor moradia, mas ressalvando que o bem de família será penhorável em benefício dos credores por alimentos, ou por verbas devidas aos trabalhadores da própria residência, ou por garantia real constituída pelo devedor residente no imóvel etc" (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. 4. 2. ed. São Paulo: Malheiros, p. 358). 

6. Dessa forma, a exceção à impenhorabilidade em discussão neste julgamento envolve a relação estre as esferas cível e penal da aplicação do direito. É fato notório, a esse respeito, que certas condutas ensejam consequências tanto pela aplicação do direito civil quanto do direito penal. Novamente, como leciona a doutrina: 

Assim, certos fatos põem em ação somente o mecanismo recuperatório da responsabilidade civil; outros movimentam tão-somente o sistema repressivo ou preventivo da responsabilidade penal; outros enfim, acarretam a um tempo, a responsabilidade civil e a penal, pelo fato de apresentarem, em relação a ambos os campos, incidência equivalente, conforme os diferentes critérios sob que entram em função os órgãos encarregados de fazer valer a norma respectiva que é quase o mesmo fundamento da responsabilidade civil e da responsabilidade penal. As condições em que surgem é que são diferentes, porque uma é mais exigente do que a outra, quanto ao aperfeiçoamento dos requisitos que devem coincidir para se efetivar. (AGUIAR DIAS, José de. Da Responsabilidade Civil, 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 8) 

7. Sobre efeitos da condenação penal sobre o âmbito cível, é fato que a sentença penal condenatória produz também efeitos extrapenais, tanto genéricos quanto específicos. Os efeitos genéricos são decorrem automaticamente da sentença, sem necessidade de abordagem direta pelo juiz. Entre esses efeitos genérica, encontra-se a obrigação de reparar o dano causado, tal como previsto no art. 91, I, do Código Penal. 

8. O art. 935 do CC/2002 reafirma essas consequências ao dispor que “a responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência de fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”. Novamente, sobre esse ponto, ressalte-se o que leciona a doutrina: 

O ato ilícito, por força de expressa disposição legal, gera a obrigação de reparar o dano. Existem atos ilícitos que se limitam a produzir efeitos no âmbito civil e outros que, pela sua gravidade, ofendem a incolumidade pública, acarretando ofensa no âmbito penal, nada impedindo, entretanto, que um único ato ilícito atinja as duas esferas de responsabilidade, tanto civil quanto penal. É dessa hipótese que trata a presente exceção. A sentença penal condenatória tem como efeito tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime. Por esse efeito, que Celso Delmanto nomina de 'extrapenal genérico', uma vez transitada em julgado a sentença penal, torna certa a responsabilidade de indenizar o dano no cível, gerando um título executivo judicial, conforme previsto no art. 584, II, do Código de Processo Civil. [...] Nesses casos, não interessará para a exclusão da impenhorabilidade do bem de família legal que a sua aquisição tenha sido com origem criminosa, ou que o crime praticado tenha expressão econômica, tal qual exigido na hipótese anterior, mas bastará que o devedor tenha sido condenado penalmente ao ressarcimento ou indenização dos danos causados pelo crime. (SANTOS, Marcione Pereira. Bem de Família: Voluntário e Legal. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 251-252) 

9. Por se tratar de regra que excepciona a impenhorabilidade do bem de família e decorrer automaticamente de sentença penal condenatória, a jurisprudência do STJ já se posicionou sobre a impossibilidade de interpretação extensiva de outros incisos contidos no art. 3º da Lei 8.009/90, como é possível perceber nos julgamentos abaixo transcritos: 

PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. IMÓVEL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. PROVA DE QUE O8 IMÓVEL PENHORADO É O ÚNICO DE PROPRIEDADE DO DEVEDOR. DESNECESSIDADE. EXCEÇÃO DO ART. 3º, V, DA LEI 8.009/90. INAPLICABILIDADE. DÍVIDA DE TERCEIRO. PESSOA JURÍDICA. IMPOSSIBILIDADE DE PRESUNÇÃO DE QUE A DÍVIDA FORA CONTRAÍDA EM FAVOR DA ENTIDADE FAMILIAR. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO. 1. Para que seja reconhecida a impenhorabilidade do bem de família, não é necessária a prova de que o imóvel em que reside a família do devedor é o único de sua propriedade. 2. Não se pode presumir que a garantia tenha sido dada em benefício da família, para, assim, afastar a impenhorabilidade do bem com base no art. 3º, V, da Lei 8.009/90. 3. Somente é admissível a penhora do bem de família hipotecado quando a garantia foi prestada em benefício da própria entidade familiar, e não para assegurar empréstimo obtido por terceiro. 4. Na hipótese dos autos, a hipoteca foi dada em garantia de dívida de terceiro, sociedade empresária, a qual celebrou contrato de mútuo com o banco. Desse modo, a garantia da hipoteca, cujo objeto era o imóvel residencial dos ora recorrentes, foi feita em favor da pessoa jurídica, e não em benefício próprio dos titulares ou de sua família, ainda que únicos sócios da empresa, o que afasta a exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no inciso V do art. 3º da Lei 8.009/90. 5. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 988.915/SP, QUARTA TURMA, julgado em 15/05/2012, DJe 08/06/2012) 

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. EXECUÇÃO. EMPRÉSTIMO. BEM DE EMPRESA OFERECIDO LIVREMENTE POR ELA, EM GARANTIA REAL HIPOTECÁRIA DE OUTRA PESSOA JURÍDICA. PENHORA DO IMÓVEL. VALIDADE DA HIPOTECA. EXCEÇÃO À REGRA DA IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. IMÓVEL DE PROPRIEDADE DE PESSOA JURÍDICA QUE NUNCA FOI SEDE DE EMPRESA FAMILIAR. PENHORABILIDADE DO BEM. VALIDADE DA HIPOTECA OFERECIDA LIVREMENTE POR EMPRESA PARA GARANTIR MÚTUO DE OUTRA PESSOA JURÍDICA. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. A proteção legal conferida ao bem de família pela Lei nº 8.009/1990, ao instituir a sua impenhorabilidade, objetiva a proteção da própria família ou da entidade familiar, de modo a tutelar o direito constitucional fundamental da moradia e assegurar um mínimo para uma vida com dignidade dos seus componentes. 2. A lei estabelece, de forma expressa, as hipóteses de exceção à regra da impenhorabilidade do bem de família, o que reflete o seu caráter excepcional, evidenciando que ela é insuscetível de interpretação extensiva. 3. A jurisprudência desta egrégia Corte Superior, em caráter excepcional, confere o benefício da impenhorabilidade legal, prevista na Lei nº 8.009/1990, a bem imóvel de propriedade de pessoa jurídica, na hipótese de pequeno empreendimento familiar, cujos sócios são seus integrantes e a sua sede se confunde com a moradia deles. Precedentes. Hipótese não configurada. 4. É consolidado o entendimento de que a impenhorabilidade só não será oponível nos casos em que o empréstimo contraído foi revestido em proveito da entidade familiar, o que se verificou no caso. 5. É válida a hipoteca prestada por empresa que livremente ofereceu imóvel de sua propriedade para garantir empréstimo de outra pessoa jurídica. 6. Recurso especial não provido. (REsp 1422466/DF, TERCEIRA TURMA, DJe 23/05/2016) 10. 

Dessa maneira, é inegável que, para a incidência da exceção prevista no art. 3º, VI, da Lei 8.009/90, faz-se necessária a presença de sentença penal condenatória transitada em julgado, por não ser possível a interpretação extensiva nessas hipóteses. De fato, a Quarta Turma do STJ julgou de forma idêntica sobre esse assunto específico, como se verifica na ementa abaixo: 

PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL CIVIL DECORRENTE DA PRÁTICA DE ATO ILÍCITO. COEXISTÊNCIA COM SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA COM O MESMO FUNDAMENTO DE FATO. PENHORA DE BEM DE FAMÍLIA. APLICAÇÃO DA LEI n. 8.009/1990. EXCEÇÕES PREVISTAS NO ART. 3º. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DE VIOLAÇÃO AO DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. COMPETÊNCIA DO STF. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. 1. É defeso a esta Corte apreciar alegação de violação a dispositivos constitucionais, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. 2. Não ocorre violação ao art. 535 do Código de Processo Civil quando o juízo, embora de forma sucinta, aprecia fundamentadamente todas as questões relevantes ao deslinde do feito, apenas adotando fundamentos divergentes da pretensão do recorrente. Precedentes. 3. O art. 3º, VI, da Lei n. 8.009/1990 expressamente afastou a impenhorabilidade quando o bem imóvel é adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens, sendo certo que, por ostentar a legislação atinente ao bem de família natureza excepcional, é insuscetível de interpretação extensiva. 4. De fato, o caráter protetivo da Lei n. 8.009/1990 impõe sejam as exceções nela previstas interpretadas estritamente. Nesse sentido, a ressalva contida no inciso VI do seu artigo 3º encarta a execução de sentença penal condenatória - ação civil ex delicto -; não alcançando a sentença cível de indenização, salvo se, verificada a coexistência dos dois tipos, for-lhes comum o fundamento de fato, exatamente o que ocorre nestes autos. Precedente. 5. Recurso especial não provido. (REsp 1021440/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/05/2013, DJe 20/05/2013) 

11. Especificamente, sobre a necessidade da interpretação restritiva sobre a exceção à impenhorabilidade do bem de família, a Quarta Turma manifestou-se da seguinte forma: 

5. Dessarte, interpretando-se a norma em tela de forma estrita, é forçoso concluir que o legislador optou pela prevalência do dever de o infrator indenizar à vítima de ato ilícito que tenha atingido bem jurídico tutelado pelo direito penal e nesta esfera tenha sido apurado, sendo objeto, portanto, de sentença penal condenatória transitada em julgado. Isso porque a apuração do delito penal obedece a critérios mais rigorosos, uma vez que o valor em jogo é a liberdade de locomoção - direito indisponível -, de modo que o processo penal é orientado pelo princípio da verdade processual, em que o juiz tem o dever de investigar, tanto quanto possível, a realidade fática dos autos, razão pela qual seus poderes instrutórios são mais amplos (art. 156, 196 e 234, CPP). Diversamente, no processo civil, os direitos são, em regra, disponíveis para as partes, o que tem o condão de mitigar a imperiosidade da investigação da verdade processual e, por conseguinte, limitar os poderes de instrução do magistrado na busca da verdade material. Esta, portanto, resta enfraquecida pela admissibilidade de presunções, ficções e transações, entre as quais menciona-se, à guisa de exemplo, a presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor como efeito da revelia (art. 319 do CPC). Dessa forma, a impenhorabilidade do bem de família, dada a sua importância social, somente pode ser superada quando houver transgressão à norma penal com concomitante ofensa à norma civil, rendendo ensejo, portanto, após o trânsito em julgado d sentença que a reconhecer, ao dever de ressarcimento do prejuízo causado pela prática do delito, ou seja, à ação civil ex delicto. Confira-se a lição de Fernando da Costa Tourinho Filho: De modo geral, quando alguém transgride a norma penal, produz, com simultaneidade, ofensa a 'duas ordens distintas de interesses: o social, sob a égide das leis sociais, e o particular, que as leis civis protegem' [...] Atendendo a tais circunstâncias, muitos juristas afirmam que a infração penal dá nascimento a duas ações: à ação penal, visando à aplicação da pena, e à ação civil, objetivando a reparação dos prejuízos ocasionados pelo crime. [...] No entanto, infrações penais há que originam tão somente a pretensão punitiva, como ocorre em certas contravenções penais, como a prevista no art. 62 da LCP, no crime do art. 28 da Lei n. 11.343/2006 e em alguns crimes contra a administração da justiça, por exemplo. [...] Tais infrações não produzem dano patrimonial ou moral ressarcíveis e, por isso, não dão lugar à actio civilis ex delicto. [...] 

12. Especificamente na hipótese em julgamento, aplicou-se a exceção prevista no art. 3º, VI, da Lei 8.009/90, mesmo sem a existência de sentença penal condenatória. Isso porque o Tribunal de origem afirmou que a inexistência da condenação penal ocorreu somente em razão do decurso do prazo da prescrição condenatória e, afastados os efeitos prescricionais, haveria certamente uma condenação penal. 

13. Verifica-se, assim, que o Tribunal de origem, para a aplicação da exceção à impenhorabilidade ao bem de família, presumiu uma condenação penal, a qual – de fato – não existe. Fez isso a partir dos elementos contidos nos autos, que seriam fortemente inclinados a demonstrar o cometimento de ato ilícito pelo recorrente. No entanto, não há como afastar que sobre ele não existe nenhuma sentença penal condenatória e, portanto, a aplicação da exceção mencionada foi fundamentada em simples presunção. 

14. Dessa forma, por todo o exposto anteriormente, apesar dos elementos probatórios em desfavor do recorrente, a exceção à impenhorabilidade não pode ser presumida, pois impossível a interpretação extensiva do dispositivo em comento. 

15. Forte nessas razões, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para afastar, na hipótese, a aplicação da exceção contida no art. 3º, VI, da Lei 8.009/90. 

16. Por fim, deixa-se de aplicar o disposto no art. 85, § 11, do CPC/2015 ante a ausência de prévia fixação ao pagamento de honorários sucumbenciais. 

Filigrana doutrinária: Impenhorabilidade do Bem de Família e sentença penal condenatória - Cândido Rangel Dinamarco

“essas exceções significam que a Lei do Bem de Família teve a intenção de balancear valores, privilegiando o valor moradia, mas ressalvando que o bem de família será penhorável em benefício dos credores por alimentos, ou por verbas devidas aos trabalhadores da própria residência, ou por garantia real constituída pelo devedor residente no imóvel etc" 

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. 4. 2. ed. São Paulo: Malheiros, p. 358.