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8 de agosto de 2021

Demonstrado interesse jurídico e justificada a finalidade, é cabível a extração de cópias dos autos da apuração de ato infracional, não se podendo utilizar os documentos obtidos para fins diversos do que motivou o deferimento de acesso

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/07/info-699-stj.pdf


PROTEÇÃO CÍVEL - Demonstrado interesse jurídico e justificada a finalidade, é cabível a extração de cópias dos autos da apuração de ato infracional, não se podendo utilizar os documentos obtidos para fins diversos do que motivou o deferimento de acesso 

O art. 143 do ECA estabelece, como regra geral, a vedação à divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito à apuração de atos infracionais. Esta disposição, em primeiro juízo, obsta o acesso de terceiros aos referidos autos. Todavia, a vedação contida no art. 143 não é absoluta, sendo mitigada, conforme se extrai do art. 144 do ECA. Assim, presentes interesse e finalidade justificadas, deverá a autoridade judiciária deferir a extração de cópias ou certidões dos atos do processo infracional. No caso, a requerente comprovou seu interesse jurídico, pois é mãe da adolescente apontada como infratora e foi vítima do ato infracional imputado à filha. Ademais, a requerente apresentou finalidade justificada ao pleitear o seu acesso aos autos do processo de apuração do ato infracional, consignando a utilidade dos documentos nele produzidos para servirem como provas em ação de deserdação. STJ. 6ª Turma. RMS 65.046-MS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 01/06/2021 (Info 699). 

Imagine a seguinte situação hipotética:

 Regina foi vítima de ato infracional praticado por Beatriz (adolescente de 17 anos), que é sua filha. O Ministério Público ajuizou ação socioeducativa (apuração de ato infracional) em face de Beatriz no Juízo da Infância e Juventude. Regina, assistida por advogado, pediu para extrair cópia integral dos autos do processo de apuração de ato infracional. A requerente justificou seu pedido afirmando que irá ajuizar ação cível de deserdação contra Beatriz e, para tanto, necessita dos documentos do processo para embasar o seu pedido. O Juízo da Infância e Juventude negou o pedido afirmando que o art. 143 do ECA proíbe a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional. 

Agiu corretamente o magistrado? NÃO. Vamos entender com calma. 

Inicialmente, é importante ressaltar que, de fato, é vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a quem se atribui autoria de ato infracional. É o que prevê o art. 143 do ECA: 

Art. 143. É vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional. Parágrafo único. Qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco, residência e, inclusive, iniciais do nome e sobrenome. 

Essa vedação se encerra se o adolescente atingir a maioridade permanecendo em cumprimento de medida socioeducativa? 

NÃO. A vedação continua com seus efeitos em face do adolescente que atinge a maioridade e permanece cumprindo medida socioeducativa, pois lhe é estendido o princípio da proteção integral. Nesse sentido: 

“Essa vedação não se encerra se o adolescente atingir a maioridade e permanecer em cumprimento de medida socioeducativa, pois lhe é estendida a prescrição legal em virtude do Metaprincípio da Proteção Integral, mantendo-se, assim, hígida a tutela estatutária dos seus direitos fundamentais, tal como o direito ao respeito” (SEABRA, Gustavo Cives. Manual de Direito da Criança e do Adolescente. Belo Horizonte: CEI, 2021, p. 344). 

A violação do art. 143 do ECA caracteriza dano moral? SIM. Confira os seguintes julgados do STJ: 

Tratando-se de matéria veiculada pela imprensa, a responsabilidade civil por danos morais exsurge quando o texto publicado extrapola os limites da informação, evidenciando a intenção de injuriar, difamar e caluniar terceiro (REsp 1390560/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/10/2013, DJe 14/10/2013). 

Caracterização automática do abuso do direito de informar na hipótese de publicação do nome e da imagem de menor morto, atribuindo-lhe autoria de ato infracional, violando o princípio da proteção integral da criança e adolescente, positivado nos artigos 143 e 247 do ECA. STJ. 3ª Turma. AgRg no REsp 1354696/PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 23/10/2014. 

A preservação da imagem e da intimidade dos menores, em tenra idade ou prestes a alcançar a maturidade, é reflexo do comando constitucional da sua proteção integral, com absoluta prioridade em assegurar seus direitos fundamentais (arts. 227, da CF/88, 4º do ECA). Independente do grau da reprovabilidade da conduta do menor, o Ordenamento Jurídico veda a divulgação de imagem de adolescentes a quem se atribua a autoria de ato infracional, de modo a preservar a sensível e peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. STJ. 3ª Turma. REsp 1442083/ES, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 21/09/2017. 

Existe alguma infração administrativa, caso não seja observado o art. 143 do ECA? 

SIM. É a infração administrativa tipificada no art. 247 do ECA: 

Art. 247. Divulgar, total ou parcialmente, sem autorização devida, por qualquer meio de comunicação, nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional: Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência. § 1º Incorre na mesma pena quem exibe, total ou parcialmente, fotografia de criança ou adolescente envolvido em ato infracional, ou qualquer ilustração que lhe diga respeito ou se refira a atos que lhe sejam atribuídos, de forma a permitir sua identificação, direta ou indiretamente. § 2º Se o fato for praticado por órgão de imprensa ou emissora de rádio ou televisão, além da pena prevista neste artigo, a autoridade judiciária poderá determinar a apreensão da publicação ou a suspensão da programação da emissora até por dois dias, bem como da publicação do periódico até por dois números. (Expressão declarada inconstitucional pela ADIN 869). 

A vedação contida no art. 143 do ECA é relativa ou absoluta? 

É relativa. O art. 144 do ECA mitiga a vedação contida no art. 143: 

Art. 144. A expedição de cópia ou certidão de atos a que se refere o artigo anterior somente será deferida pela autoridade judiciária competente, se demonstrado o interesse e justificada a finalidade. 

Assim, demonstrado interesse jurídico e justificada a finalidade, é cabível a extração de cópias dos autos de apuração de ato infracional. No caso, a vítima do ato infracional comprovou seu interesse jurídico e apresentou finalidade justificada ao pleitear o seu acesso aos autos do processo de apuração do ato infracional, consignando a utilidade dos documentos nele produzidos para servirem como provas em ação de deserdação. 

Em suma: Demonstrado interesse jurídico e justificada a finalidade, é cabível a extração de cópias dos autos da apuração de ato infracional, não se podendo, no entanto, utilizar os documentos obtidos para fins diversos do que motivou o deferimento de acesso aos autos. STJ. 6ª Turma. RMS 65.046-MS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 01/06/2021 (Info 699).