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7 de maio de 2021

USO INDEVIDO DE MARCA. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. CONJUNTO-IMAGEM (TRADE DRESS). COMPARAÇÃO NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA TÉCNICA.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.778.910 - SP (2016/0185736-0) 

RELATORA : MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI 

RECURSO ESPECIAL. USO INDEVIDO DE MARCA. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. CONJUNTO-IMAGEM (TRADE DRESS). COMPARAÇÃO NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA TÉCNICA. ACÓRDÃO RECORRIDO FUNDAMENTADO EM SIMPLES OBSERVAÇÃO DAS EMBALAGENS DOS PRODUTOS EM CONFRONTO. DIREITO À PRODUÇÃO DE PROVA. 

1. A fim de se concluir pela existência de concorrência desleal decorrente da utilização indevida do conjunto-imagem de produto da concorrente é necessária a produção de prova técnica (CPC/73, art. 145). O indeferimento de perícia oportunamente requerida para tal fim caracteriza cerceamento de defesa 

2. Recurso especial provido. 

ACÓRDÃO 

A Quarta Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Marco Buzzi e Raul Araújo votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão e Antonio Carlos Ferreira (Presidente). Dr. RICARDO ZAMARIOLA JUNIOR, pela parte RECORRENTE: RITTER ALIMENTOS S/A 

Brasília (DF), 06 de dezembro de 2018(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Trata-se de recurso especial interposto por Ritter Alimentos S.A. contra acórdão assim ementado: 

CONCORRÊNCIA DESLEAL - Utilização do trade dress de embalagens de vidro que são usadas para acondicionar as geleias Queensberry. Marca tridimensional devidamente registrada e em plena vigência. Requerida que passou a usar potes absolutamente semelhantes aos da autora. Produtos que são vendidos Iado a Iado nos supermercados. Demonstração da possibilidade de confusão e concorrência desleal. Pote de geleia utilizado pela autora há quase trinta anos, caracterizando o conjunto de imagens distintivo - Violação de direitos da propriedade industrial e usurpação que tem finalidade de aproveitamento - Sentença de procedência. Apelo para reforma. Não provimento. 

Nas razões de recurso especial, alega a recorrente violação dos artigos 130, 131, 145, 293, 330, 345 e 460 do Código de Processo Civil (1973). Sustenta, além de negativa de prestação jurisdicional, que o acórdão recorrido é nulo, por ser extra petita. Indica, também, contrariedade aos arts. 122, 124, XIX, 189, I, e 210 da Lei 9.279/96; 492 e 1.275 do Código Civil e 472 do Código de Processo Civil (1973). Afirma cerceamento de defesa decorrente do indeferimento de prova pericial. Em seu entender, houve exame superficial dos potes de geleia cotejados, sem que fosse considerada a impressão do conjunto a fim de aferir que não houve concorrência desleal. 

Procura demonstrar dissídio jurisprudencial. 

Em contrarrazões, Kiviks Marknad Indústrias Alimentícias Ltda. afirma que sem sua autorização a recorrente utilizou sua marca registrada, não apenas o "trade dress" de produtos. Alega a desnecessidade de realização de perícia e afirma a incidência da Súmula 7. 

É o relatório. 

VOTO 

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI(Relatora): Em decisão singular, neguei provimento ao recurso especial, entendendo ser o caso de incidência da Súmula 7 desta Corte. Reanalisando os autos e levando em consideração os precedentes da Terceira Turma citados nas razões do agravo interno, determinei a conversão dos autos em recurso especial. 

Kiviks Marknad Indústrias Alimentícias Ltda, ora recorrida, ajuizou ação indenizatória cumulada com pedido de cessação de uso em face de Ritter Alimentos S.A, alegando concorrência desleal causada pelo pote que a ré passou a adotar para vender o mesmo tipo de produto (geléias), o qual entende ser bastante similar a embalagem por si utilizada (trade dress), ensejando confusão da clientela em prejuízo do seu público consumidor. 

A ora recorrente sustenta que o trade dress de seu produto não se confunde com aquele dos produtos comercializados pela recorrida. Requereu, em primeiro grau, a produção de prova pericial, o que foi indeferido pela sentença, que procedeu ao julgamento antecipado da lide. 

O Tribunal de origem rejeitou a preliminar de cerceamento de defesa, com as seguintes ponderações (e-STJ fls. 611-613): 

"Os integrantes da Turma não ignoram os termos de recente Acórdão assinado pela eminente Ministra NANCY ANDRIGHI (Resp. 1418171 CE, DJ de 10.4.2014) determinando realização de perícia para apurar "suposta utilização indevida da marca Ypióca pela recorrente, ao envasar sua cachaça nas garrafas litografadas" e não seguem a diretriz porque estão convictos da desigualdade dos fatos. Portanto e como primeira premissa do veredicto colegiado, rejeita-se a preliminar de nulidade por falta de perícia, sem risco de ofender o disposto no art. 5º, LV da Constituição Federal. A prova, segundo um dos mais ilustres processualistas (SANTIAGO SENTIS MELENDO) se produz e se encaminha ao juiz como pressuposto persuasivo e de convicção e a sua finalidade é produzir a certeza de um fato (La preuba, Buenos Aires, EJEA, 1979, 9. 49). Respeitada a posição daqueles que consideram maiores esclarecimentos sobre a possibilidade de confusão entre os produtos que são apresentados em potes quase idênticos, deve ser aplicado o art. 131, do CPC, com referência da dispensa desse exame inútil. Evidente que nunca se obterá a unanimidade sobre a interpretação que se realiza comparando os potes e rótulos das geleias, o que não significa existir dúvida. Há, sim, maneira diversa de sentir a igualdade ou a diferença e até de avaliar o perigo da confusão e isso é normal ou de acordo com os sentidos e ângulos da cena analisada. Porém, não há como o jurista exigir que um publicitário ou um técnico em marketing forneça dados para subsidiar o que é possível aferir pelo conhecimento comum ou instinto natural. A perícia é uma perda de tempo que prejudica o processo e encarece os custos da demanda. Ainda sobre as preliminares arguidas pela apelante, é de se consignar que seria igualmente desnecessária ao deslinde da cauda a demonstração de que o novo pote utilizado para acondicionar as geleias comercializadas pela requerida foi adotado como forma de minimizar perdas orgânicas. Ainda que tal fato estivesse comprovado, não se pode deixar de considerar que a requerida tinha o dever de respeitar os direitos marcários precedentes e pertencentes à autora, não servido tal fundamento para justificar a infração às normas de propriedade industrial." 

Afastada a preliminar de nulidade de sentença em decorrência do indeferimento da perícia, a respeito do mérito o Tribunal de origem considerou o seguinte (e-STJ, fl. 614-18): 

Conforme demonstram as fotografias de fls. 125/131; 135/141, as características inseridas na nova embalagem que passou a ser usada pela requerida são suficientes para causar prejuízos à autora, bem como causar confusão na massa consumidora, já que a similitude das formas de produtos que são vendidos lado a lado nas gôndolas dos supermercados poderia facilmente atrair o comprador para a aquisição das geleias da requerida pensando tratar-se daquelas fornecidas pela autora, dada a imitação levada a efeito. Essa situação não ocorre quando os produtos estão próximos, mas, sim, quando há desabastecimento temporário, o que é normal pela rotatividade dos estoques, o que poderá conduzir o freguês desavisado a comprar uma geleia pensando adquirir a outra que era sua verdadeira intenção. Não somente deve o Judiciário efetivar a proteção do trade dress, como um todo (apesar de não haver sistema de registro de tal conjunto-imagem, em sua totalidade), como é certo que a marca tridimensional materializada pelo pote/embalagem de geleias produzidas pela requerente encontra-se devidamente registrada (fls. 107), de modo que a proteção almejada deveria mesmo ser deferida (art. 129 da LPI). (...) A requerente é um sujeito de direito que dispensa apresentação quanto à sua atuação no mercado de geleias, sendo identificada pelo público consumidor pela embalagem diferenciada que utiliza há quase 30 anos, de forma tridimensional quadrangular, fundo redondo e bocal circular amplo, características que contribuíram para consolidação da imagem-retrato que, no contexto da propriedade industrial, recebe a sugestiva denominação de Trade Dress, como esposado. Não importa que o interior da embalagem da requerida ou alguns detalhes sejam diferentes, porque o ideal da LPI é coibir semelhanças que possam dar margem à confusão ou ao aproveitamento parasitário, o que fica patente no caso concreto. (...) É importante enfatizar que a forma visual do vidro utilizado por empresas que comercializam esse gênero alimentício não é mais um elemento neutro no marketing próprio da mercadoria, constituindo, sim, um diferenciador, e, embora não se vá ao ponto de dizer que a moldura diferencia um quadro a óleo, nos potes de geleia o formato distingue o produto, integrando um todo (trade drass), como na embalagem da autora e de outras fabricantes de geleias conceituadas, a exemplo do caso da St, Dalfour, uma geleia de preferência do consumidor e de invólucro bem diferenciado. Imitação da embalagem é deslealdade e busca tirar proveito da notoriedade, com clara intenção de desviar o cliente desatento e que compra um pote supondo estar adquirido o outro cuja imagem penetrou no consciente." (...) Não se nega que a requerida também ocupa lugar de destaque na venda de produtos de qualidade, mas o uso das novas embalagens, absolutamente semelhantes às usadas pela autora, gera uma incerteza e instabilidade no mercado, como provam as imagens encartadas às fls. 347/348, dentre outras." 

O cotejo de fotografias dos produtos comercializados pela recorrente e pela recorrida levou, portanto, o Tribunal de origem a concluir que o uso de novas embalagens pela agravante leva a “incerteza e instabilidade no mercado”, dada a semelhança com as embalagens do produto da recorrida. Segundo aquela Corte, houve imitação que poderia levar o consumidor ao erro. 

Tal a razão pela qual, em um primeiro momento, entendi pela aplicação da Súmula 7 deste Tribunal Superior ao caso concreto. 

A questão, porém, não é de prova, mas jurídica. É de se reconhecer que o recurso especial não busca o reexame de prova, ou seja, a recorrente não pretende que este Tribunal Superior faça análise das fotografias consideradas pelo Tribunal de origem e a respeito delas exponha nova conclusão. Pede-se, isso sim, pronunciamento a respeito da admissibilidade do meio de prova de que se valeu a Corte a quo, mera comparação visual de fotografias das embalagens. A errônea valoração da prova sindicável na via do recurso especial é aquela que ocorre quando há má aplicação de norma ou princípio no campo probatório, o que ocorre no caso. 

Trata-se, portanto, de exame de alegação de ofensa a regra de técnica probatória. 

A controvérsia apresentada no recurso especial consiste em definir se a mera comparação de fotografias pelo julgador é suficiente para a verificação de imitação de trade dress capaz de configurar concorrência desleal, ou se, ao contrário, há necessidade de perícia técnica a fim de apurar se o conjunto-imagem de um estabelecimento, produto ou serviço conflita com a propriedade industrial de outra titularidade. 

Revendo a questão, penso ser necessária a perícia, pelos motivos a seguir expostos. 

O conjunto-imagem é complexo e formado por diversos elementos. Dados a ausência de tipificação legal e o fato de não ser passível de registro, a ocorrência de imitação e a conclusão pela concorrência desleal deve ser feita caso a caso. Imprescindível, para tanto, o auxílio de perito que possa avaliar aspectos de mercado, hábitos de consumo, técnicas de propaganda e marketing, o grau de atenção do consumidor comum ou típico do produto em questão, a época em que o produto foi lançado no mercado, bem como outros elementos que confiram identidade à apresentação do produto ou serviço. 

Em precedente sobre o assunto, no REsp 1591294/PR, DJe 13/03/2018 , o relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, observando as sutilezas que podem separar a concorrência desleal da legítima prática competitiva, fez a seguinte observação no voto condutor: 

(...) para se caracterizar uma atitude anticompetitiva e desleal é imprescindível que a situação concreta demonstre um comportamento imprevisível aos olhos do mercado, o que não se pode reconhecer quando se utiliza elementos comuns, partilhados por uma multiplicidade de concorrentes no mesmo nicho do mercado. Daí esta Terceira Turma ter sublinhado que, nos casos de alegação de concorrência desleal pela utilização de conjunto-imagem assemelhado apta, em tese, a causar confusão nos consumidores, é imprescindível uma análise técnica que tome em consideração o mercado existente, o grau de distintividade entre os produtos concorrentes no meio em que seu consumo é habitual e ainda o grau de atenção do consumidor comum. 

No caso concreto, ao decidir com base em comparação de embalagens, na verdade com base em fotografias dessas embalagens, o Tribunal manteve indeferimento de prova técnica oportunamente requerida e, assim, dispensou os subsídios que a perícia poderia trazer quanto àqueles elementos. 

Pela clareza na análise dessa questão, transcrevo trecho do voto condutor do acórdão proferido no Recurso Especial 1.353.451, também relatado pelo Ministro Marco Aurélio Bellizze: 

Nesses casos, todavia, não é possível ao julgador consultar única e exclusivamente o seu íntimo para concluir pela existência de confusão de forma ampla e genérica, quando não há sequer o registro de embalagem em favor de alguma das partes. Em síntese, a exclusiva violação da concorrência não é fato dado a presunções atécnicas, mesmo porque sua tipificação legal não é objetiva e taxativa, dependendo do resultado concreto dessas ações, o qual depende, antes de mais nada, de uma análise técnica de propaganda e marketing. Nota-se que, em situações como a dos autos, quando inexiste perícia técnica, as conclusões alcançadas são comumente extraídas de máximas da experiência – ou quiçá da inexperiência. Embora disciplinadas as presunções judiciais, entre as quais se disciplinou expressamente a utilização das regras de experiência comum ou técnicas, nos termos do art. 335 do CPC/1973, não se pode olvidar que essas regras não são meios de prova nem se realizam mediante a participação dos litigantes em contraditório. Nesse sentido, vale ainda o alerta de que "o fato que requer conhecimento técnico não interessa apenas ao juiz, mas fundamentalmente às partes, que têm o direito de discuti-lo de forma adequada, mediante, se for o caso, a indicação de assistentes técnicos" (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova e convicção: de acordo com o CPC de 2015. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 850). 

Seguindo o voto do Relator, a Terceira Turma reconheceu o cerceamento de defesa, configurado em razão do indeferimento da prova técnica, substituída naquele caso, como no presente, pela experiência dos julgadores, tendo o acórdão a seguinte ementa: 

PROPRIEDADE INDUSTRIAL. RECURSO ESPECIAL. CONJUNTO-IMAGEM (TRADE DRESS). COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTO AFIM. EMBALAGENS ASSEMELHADAS. CONCORRÊNCIA DESLEAL. ART. 209 DA LEI N. 9.279/1996 (LPI). PERÍCIA TÉCNICA REQUERIDA. DISPENSA INJUSTIFICADA. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. O conjunto-imagem (trade dress) é a soma de elementos visuais e sensitivos que traduzem uma forma peculiar e suficientemente distintiva, vinculando-se à sua identidade visual, de apresentação do bem no mercado consumidor. 2. Não se confunde com a patente, o desenho industrial ou a marca, apesar de poder ser constituído por elementos passíveis de registro, a exemplo da composição de embalagens por marca e desenho industrial. 3. Embora não disciplinado na Lei n. 9.279/1996, o conjunto-imagem de bens e produtos é passível de proteção judicial quando a utilização de conjunto similar resulte em ato de concorrência desleal, em razão de confusão ou associação com bens e produtos concorrentes (art. 209 da LPI). 4. No entanto, por não ser sujeito a registro – ato atributivo do direito de exploração exclusiva – sua proteção não pode servir para ampliar direito que seria devido mediante registro, de modo que não será suficiente o confronto de marca a marca para caracterizar a similaridade notória e presumir o risco de confusão. 5. A confusão que caracteriza concorrência desleal é questão fática, sujeita a exame técnico, a fim de averiguar o mercado em que inserido o bem e serviço e o resultado da entrada de novo produto na competição, de modo a se alcançar a imprevisibilidade da conduta anticompetitiva aos olhos do mercado. 6. O indeferimento de prova técnica, para utilizar-se de máximas da experiência como substitutivo de prova, é conduta que cerceia o direito de ampla defesa das partes. 7. Recurso especial conhecido e provido. 

Nesse contexto, o indeferimento da prova pericial constituiu cerceamento de defesa, pois impossibilitou que a recorrente apresentasse ao Juízo elementos técnicos imprescindíveis para a formação de seu convencimento. 

Para tal fim não era suficiente a mera comparação de imagens, pois se trata de prova de fato que depende de conhecimento técnico, conforme reconhecido nos precedentes da Terceira Turma acima mencionados, a cujas razões adiro. Violados, portanto, os arts. 130, 131, 145, 330 e 335 do CPC/73. 

Em face do exposto, dou provimento ao recurso especial, a fim de anular o processo desde a sentença e deferir o pedido de produção de prova técnica, determinando o retorno dos autos à origem. 

É como voto. 

30 de abril de 2021

DIREITO PROCESSUAL PENAL / PROVAS: Descumprimento do art. 212 do CPP e eventual nulidade processual

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-1012-stf.pdf


DIREITO PROCESSUAL PENAL / PROVAS: Descumprimento do art. 212 do CPP e eventual nulidade processual 

Não cabe ao juiz, na audiência de instrução e julgamento de processo penal, iniciar a inquirição de testemunha, cabendo-lhe, apenas, complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos. STF. 1ª Turma. HC 187035/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 6/4/2021 (Info 1012). 

Art. 212 do CPP e Lei nº 11.690/2008 

O art. 212 do Código de Processo Penal dispõe sobre a forma de inquirição das testemunhas na audiência. Este dispositivo foi alterado no ano de 2008 e atualmente prevê: 

Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição. (Redação dada pela Lei nº 11.690/2008) 

Com a reforma do CPP, operada pela Lei nº 11.690/2008, a participação do juiz na inquirição das testemunhas foi reduzida ao mínimo possível. Desse modo, as perguntas agora são formuladas diretamente pelas partes (MP e defesa) às testemunhas (sistema de inquirição direta ou cross examination). 

Quem começa perguntando: quem arrolou 

Outra inovação trazida é pela Lei nº 11.690/2008: quem começa perguntando à testemunha é a parte que teve a iniciativa de arrolá-la. Ex: na denúncia, o MP arrolou duas testemunhas (Carlos e Fernando). A defesa, na resposta escrita, também arrolou uma testemunha (André). No momento da audiência de instrução, inicia-se ouvindo as testemunhas arroladas pelo MP (Carlos e Fernando). 

Quem primeiro fará perguntas a essas testemunhas? 

O Ministério Público. Quando o MP acabar de perguntar, a defesa terá direito de formular seus questionamentos e, por fim, o juiz poderá complementar a inquirição, se houver pontos não esclarecidos. 

Depois de serem ouvidas todas as testemunhas de acusação, serão inquiridas as testemunhas de defesa (no exemplo dado, apenas André). Quem primeiro fará as perguntas a André? 

A defesa. Quando a defesa acabar de perguntar, o Ministério Público terá direito de formular questionamentos e, por fim, o juiz poderá complementar a inquirição, se houver pontos não esclarecidos. 

Como funciona(va) na prática a inquirição? 

Redação original do CPP 

As perguntas elaboradas pelas partes (MP e defesa) eram feitas à testemunha por intermédio do juiz. Era o chamado sistema presidencialista. Assim, pelo sistema antigo, o Promotor de Justiça falava: “Excelência, eu queria saber da testemunha se ela viu o réu matar a vítima”. O juiz então falava: “testemunha, você viu o réu matar a vítima?” Só quando o juiz reperguntava é que a testemunha podia responder o questionamento. Era um excesso de formalismo que em nada contribuía para a celeridade e simplicidade da instrução. 

Depois da Lei nº 11.690/2008 (atualmente) 

As perguntas são formuladas pelas partes diretamente à testemunha. É o chamado sistema da inquirição direta. O sistema de inquirição direta divide-se em: 

a) direct examination (quando a parte que arrolou a testemunha faz as perguntas) e 

b) cross examination (quando a parte contrária é quem formula as perguntas). Em provas, contudo, é comum vir a expressão cross examination como sinônima de inquirição direta. 

Ex: o Juiz passa a palavra ao promotor: “Dr., o senhor pode formular as perguntas diretamente à testemunha arrolada pela acusação.” Daí, então, o Promotor inicia as perguntas, dirigindo-se diretamente à testemunha: “Você viu o réu matar a vítima? O réu segurava um revólver? Qual era a cor de sua camisa?” 

O que o juiz fará? 

Em regra, o juiz deverá apenas ficar calado, ouvindo e valorando, em seu íntimo, as perguntas e as respostas. O juiz deverá, contudo, intervir e indeferir a pergunta formulada pela parte caso se verifique uma das seguintes situações: 

a) Quando a pergunta feita pela parte puder induzir a resposta da testemunha; 

b) Quando a pergunta não tiver relação com a causa; 

c) Quando a pergunta for a repetição de outra já respondida. 

Se ocorrer alguma dessas três situações, o juiz deverá indeferir a pergunta antes que a testemunha responda. 

Como funciona(va) na prática a ordem das perguntas? 

Redação original do CPP 

O juiz era quem começava perguntando para as testemunhas. A ordem de perguntas era a seguinte: 

1º) O juiz fazia todas as perguntas que queria; 

2º) A parte que arrolou a testemunha fazia outras perguntas; 

3º) A parte contrária àquela que arrolou a testemunha fazia outras perguntas. 

Ex: Ivo foi arrolado como testemunha pela defesa. O juiz começava perguntando. Quando acabava, a defesa fazia perguntas. Por fim, o MP formulava seus questionamentos. 


Depois da Lei nº 11.690/2008 (atualmente) 

As partes formulam as perguntas à testemunha antes do juiz, que é o último a inquirir. A ordem de perguntas é atualmente a seguinte: 

1º) A parte que arrolou a testemunha faz as perguntas que entender necessárias; 

2º) A parte contrária àquela que arrolou a testemunha faz outras perguntas; 

3º) O juiz, ao final, poderá complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos. 

Ex: Ivo foi arrolado como testemunha pela defesa. A defesa do réu começa perguntando. Quando acabar, o juiz passa a palavra ao MP, que irá formular as perguntas que entender necessárias. Por fim, o juiz poderá perguntar sobre algum ponto que não foi esclarecido. Vimos que o juiz é, portanto, o último a perguntar, fazendo-o apenas para complementar pontos não esclarecidos. 

O que acontece se o juiz não obedecer a esta regra? O que ocorre se o juiz iniciar as perguntas, inquirindo a testemunha antes das partes? 

Existem duas correntes sobre o tema: 

1ª corrente: se o juiz inicia as perguntas há inobservância do art. 212 do CPP, o que gera a nulidade do ato. É como se fosse uma nulidade absoluta: 

Não cabe ao juiz, na audiência de instrução e julgamento de processo penal, iniciar a inquirição de testemunha, cabendo-lhe, apenas, complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos. STF. 1ª Turma. HC 161658/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 2/6/2020 (Info 980). STF. 1ª Turma. HC 187035/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 6/4/2021 (Info 1012). 

No caso concreto, a defesa alegou nulidade processual por desrespeito ao art. 212 do CPP, por ter o juízo inquerido diretamente as testemunhas. A magistrada que presidia a audiência reputou observados o contraditório e a ampla defesa, porque depois de perguntar, ela permitiu que os defensores e o MP fizessem questionamentos. A 1ª Turma do STF, por maioria (3x2), entendeu que houve nulidade. A alteração promovida pela Lei nº 11.690/2008 modificou substancialmente a sistemática procedimental da inquirição de testemunhas. As partes, em modelo mais consentâneo com o sistema acusatório, têm o protagonismo na audiência. Cabe-lhes a formulação de perguntas diretamente às testemunhas. Ao juiz, como presidente da audiência, cabe o controle do ato processual para que a prova seja produzida nos moldes legais e pertinentes ao caso. Ele não atua como mero espectador, mas exerce, no tocante à produção da prova testemunhal, especificamente quanto à formulação de perguntas às testemunhas, papel subsidiário, secundário, de modo que somente é legítima sua atividade instrutória após o prévio exercício do direito à prova pelas partes e para saneamento de dúvida quanto a aspectos não esclarecidos e relevantes. Não pode o magistrado, em substituição à atuação das partes, ser o protagonista do ato de inquirição e tomar para si o papel de primeiro questionador das testemunhas, mesmo porque compete às partes a comprovação do quanto alegado. 

2ª corrente: o fato de o juiz iniciar a inquirição das testemunhas pode gerar, quando muito, nulidade relativa, cujo reconhecimento depende da demonstração do prejuízo para a parte que a suscita. 

A inobservância do procedimento previsto no art. 212 do CPP pode gerar, quando muito, nulidade relativa, cujo reconhecimento depende da demonstração do prejuízo para a parte que a suscita. A defesa trouxe argumentação genérica, sem demonstrar qualquer prejuízo concretamente sofrido, capaz de nulificar o julgado. Nesse contexto, incide a regra segundo a qual não haverá declaração de nulidade quando não demonstrado o efetivo prejuízo causado à parte (pas de nullité sans grief). STF. 1ª Turma. HC 177530 AgR, Rel. Alexandre de Moraes, julgado em 20/12/2019. 

Jurisprudência em Teses (Ed. 69) Tese 12: A inquirição das testemunhas pelo Juiz antes que seja oportunizada às partes a formulação das perguntas, com a inversão da ordem prevista no art. 212 do Código de Processo Penal, constitui nulidade relativa. 

Não é possível anular o processo, por ofensa ao art. 212 do Código de Processo Penal, quando não verificado prejuízo concreto advindo da forma como foi realizada a inquirição das testemunhas, sendo certo que, segundo entendimento consolidado neste Superior Tribunal, o simples advento de sentença condenatória não tem o condão, por si só, de cristalizar o prejuízo indispensável para o reconhecimento da nulidade. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1493757/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 28/04/2020. 

A inquirição das testemunhas pelo juiz antes que seja oportunizada a formulação das perguntas às partes, com a inversão da ordem prevista no art. 212 do Código de Processo Penal, constitui nulidade relativa. Não havendo demonstração do prejuízo, nos termos exigidos pelo art. 563 do mesmo estatuto processual, não se procede à anulação do ato. STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 578.934/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 02/06/2020. 

Assim, não deve ser acolhida a alegação de nulidade em razão da não observância da ordem de formulação de perguntas às testemunhas, estabelecida pelo art. 212 do CPP, se a parte não se desincumbiu do ônus de demonstrar o prejuízo decorrente da inversão da ordem de inquirição das testemunhas. A demonstração de prejuízo, a teor do art. 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade. 

Essa segunda corrente parece ser majoritária, tendo sido adotada em provas de concurso: 

 (Juiz TJ/BA 2019 CEBRASPE) A formulação de perguntas pelo juiz com a inversão do rito previsto no art. 212 do CPP é causa de nulidade que independe da demonstração de prejuízo. (errado) 

 (Promotor MP/MS 2018) Na audiência de instrução e julgamento, porque iniciada a inquirição pelo próprio magistrado, em desobediência a ordem disposta no Código de Processo Penal, há nulidade relativa, devendo a parte interessada arguir a nulidade no próprio ato, sob pena de preclusão. (certo) 

 (Juiz de Direito TJ/RS 2012) Conforme determina o art. 212 do Código de Processo Penal, as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha. Não observado esse sistema, impõe-se a declaração de nulidade, desde que demonstrado o prejuízo. (certo) 

 (Delegado PC/MA 2012 FGV) Desde a reforma do Código de Processo Penal realizada pela Lei 11.690 de 2008, as perguntas às testemunhas devem ser formuladas diretamente pelas partes. Contudo, de acordo com a jurisprudência majoritária dos Tribunais Superiores, se o magistrado iniciar as perguntas haverá apenas nulidade relativa. (certo)

5 de abril de 2021

Justiça do Trabalho reconhece áudios de WhatsApp como um meio de prova

 A utilização de gravação ou registro de conversa por meio telefônico por um dos participantes, ainda que sem o conhecimento do outro, é meio lícito de prova. Esse entendimento relativo às conversas por telefone aplica-se igualmente às novas ferramentas de comunicação, tais como as mensagens e áudios enviados por aplicativos, como o WhatsApp, de forma que não há vedação ao uso do conteúdo por um dos interlocutores como prova em processo judicial.

Com essa explicação, julgadores da Sexta Turma do TRT de Minas consideraram válidas como provas as mensagens trocadas por meio do aplicativo WhatsApp, apresentadas por um trabalhador em ação ajuizada na Justiça do Trabalho contra a ex-empregadora, uma grande empresa do ramo de alimentos.

A utilização dos áudios trocados entre empregados foi contestada pela empresa, ao argumento de se tratar de prova ilícita, em face da proteção ao sigilo da correspondência, das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, prevista no artigo 5º, inciso XII, da Constituição. No entanto, o desembargador César Machado, atuando como relator do caso, negou provimento ao recurso da empresa no aspecto.

Para o magistrado, o artigo 5º, inciso XII, da CF, não se aplica ao caso, uma vez que o preceito constitucional se dirige à inadmissibilidade da violação do sigilo das comunicações por terceiros, estranhos ao diálogo, o que não é o caso dos autos, já que o reclamante era um dos interlocutores da conversa. Nesse sentido, destacou jurisprudência do TST.

O reclamante havia apresentado os áudios para provar a existência de assédio moral, pleiteando indenização, determinada pelo juízo de primeiro grau. No entanto, quanto ao conteúdo dos áudios, o relator entendeu que as conversas nada revelaram que pudesse ensejar a condenação da empresa por danos morais.

O relator reconheceu que, entre os áudios apresentados, houve o emprego de termos de baixo calão durante a troca de mensagens entre os empregados. Porém, o magistrado entendeu que não continham ofensas ou agressão ao reclamante nem evidenciavam constrangimento. “Note-se que em nenhum momento se pediu ao reclamante que prestasse declarações falsas em favor da reclamada, apenas se sugeriu que seria conveniente que participasse de audiência”, ponderou.

Uma das gravações mostrou um descontentamento com o desempenho de vendedores, que foi expresso com uso de algumas expressões vulgares.

No entanto, ao ouvir o áudio, o relator enfatizou: “percebe-se que a entonação de quem fala não denota tom manifestamente agressivo nem indica ofensa direcionada e deliberada”.

O pressuposto da indenização por danos morais é o ato ilícito capaz de ensejar violação dos direitos da personalidade, como a honra ou a imagem, conforme frisou o relator.

No caso dos autos, ainda que a pessoa apontada como empregado da reclamada tenha enviado áudio com algumas palavras chulas, o contexto não indica insulto ou humilhação nem agressividade, e sim expressão de descontentamento com uma situação no trabalho. Para o desembargador, apesar de “certa falta de cortesia” identificada na fala não ser a mais apropriada para o ambiente profissional, provoca, no máximo, mero aborrecimento pelo empregado, e não efetiva violação aos direitos da personalidade.

Nesse contexto, o relator deu provimento ao recurso da empresa para excluir da condenação o pagamento de indenização por danos morais. A decisão foi unânime.

TRT-MG