CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 160.329 - MG (2018/0210068-1)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE PARTILHA POSTERIOR AO DIVÓRCIO.
INCAPACIDADE SUPERVENIENTE DE UMA DAS PARTES. PREVENÇÃO ORIUNDA DE
CONEXÃO SUBSTANCIAL COM A AÇÃO DO DIVÓRCIO. COMPETÊNCIA FUNCIONAL
DE NATUREZA ABSOLUTA. FORO DE DOMICÍLIO DO INCAPAZ. COMPETÊNCIA
TERRITORIAL ESPECIAL DE NATUREZA RELATIVA.
1. Há entre as duas demandas (ação de divórcio e ação de partilha posterior) uma
relação de conexão substancial, a qual, inevitalmente, gera a prevenção do Juízo
que julgou a ação de divórcio.
2. A prevenção decorrente da conexão substancial se reveste de natureza absoluta
por constituir uma competência funcional.
3. A competência prevista no art. 50 do CPC/15 constitui regra especial de
competência territorial, a qual protege o incapaz, por considerá-lo parte mais frágil
na relação jurídica, e possui natureza relativa.
4. A ulterior incapacidade de uma das partes (regra especial de competência
relativa) não altera o Juízo prevento, sobretudo quando o próprio incapaz opta por
não utilizar a prerrogativa do art. 50 do CPC/15.
5. Conflito de competência conhecido para declarar como competente o Juízo de
Direito da Vara Cível de Barbacena - MG.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Superior
Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos
autos, por unanimidade, conhecer do conflito de competência e declarar competente o
Juízo Suscitante, o Juízo de Direito da Vara Cível de Barbacena/MG, nos termos do voto da
Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos
Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi e Moura Ribeiro votaram com a Sra.
Ministra Relatora. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão e
Marco Aurélio Bellizze. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
Brasília (DF), 27 de fevereiro de 2019(Data do Julgamento).
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Cuida-se de conflito negativo de competência entre o JUÍZO DE
DIREITO DA VARA CÍVEL DE BARBACENA - MG, suscitante, e os JUÍZO DE DIREITO
DA 4ª VARA DE FAMÍLIA DO RIO DE JANEIRO - RJ e JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA
CÍVEL DE LEOPOLDINA - MG, suscitados.
Ação: de partilha de bens posterior ao divórcio com dissolução de
condomínio e alienação judicial proposta por Elvécio Nunes Fernandes em face de
Dione Sena Guimarães Fernandes distribuída por dependência ao processo nº
0026464-17.2015.8.13.0384 ao Juízo da 1ª Vara Cível de Leopoldina - MG.
Ação: de sobrepartilha de bens decorrente de dissolução de
sociedade conjugal proposta por Dione Senna Guimarães Fernandes em face de
Elvécio Nunes Fernandes distribuída perante o Juízo de Direito da 4ª Vara de
Família do Rio de Janeiro - RJ.
Manifestação do Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de
Leopoldina - MG, suscitado: declinou de sua competência tendo em vista que a
ação de divórcio tramitou na Vara de Família e Cível da Infância e da Juventude da
comarca de Barbacena. Argumentou que o cumprimento de sentença é do Juízo em que foi decretado o divórcio e determinada a partilha de bens do casal nos
termos do art. 516, II, do CPC/15.
Manifestação do Juízo de Direito da 4ª Vara de Família do Rio
de Janeiro - RJ, suscitado: declinou de sua competência para a Comarca de
Barbacena, tendo em vista que a partilha e a sobrepartilha de bens decorrentes de
divórcio deve ser proposta no Juízo onde tramitou a ação de divórcio.
Manifestação do Juízo de Direito da Vara Cível de Barbacena,
suscitante: suscitou o presente conflito negativo de competência, pois, em se
tratando de ações envolvendo interesse de incapaz, a competência para
julgamento da demanda é do Juízo do foro de domicílio do seu representante ou
assistente, nos termos do art. 50 do CPC/15, qual seja a cidade do Rio de Janeiro.
Parecer do MPF: da lavra do i. Subprocurador-Geral da República,
Dr. Sady d'Assumpção Torres Filho, opinou pela reunião dos processos e pela
competência do Juízo da 4ª Vara de Família do Rio de Janeiro - RJ.
É O RELATÓRIO.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
O propósito do incidente é definir a competência para o julgamento
da ação de partilha de bens posterior ao divórcio, quando há incapacidade
superveniente de uma das partes.
Preliminarmente, por se tratarem de duas ações idênticas com as
mesmas partes e mesma causa de pedir, em que alterada apenas a posição de
autor e réu nas demandas, inevitável o reconhecimento da conexão e a
necessidade de reunião dos processos para julgamento simultâneo pelo mesmo
Juízo.
A ação de partilha posterior ao divórcio está prevista no art. 731,
parágrafo único, c/c 647 a 658 do CPC/15.
"Art. 731.
Parágrafo único: Se os cônjuges não acordarem sobre a partilha
de bens, far-se-á esta depois de homologado o divórcio, na forma estabelecida
nos arts. 647 a 658."
Por sua vez, os artigos 647 a 658 do CPC/15 remetem à partilha de
bens no inventário, a qual é feita nos próprios autos do inventário, conforme artigo
2.015 do CC/02.
Assim, sob uma interpretação sistemática, havendo partilha posterior
ao divórcio, surge um critério de competência funcional do juízo que decretou a dissolução da sociedade conjugal, em razão da acessoriedade entre as duas ações
(art. 61 do CPC/15). Ou seja, entre as duas demandas há uma interligação
decorrente da unidade do conflito de interesses, pois a partilha é decorrência
lógica do divórcio. Se o legislador permitiu a partilha posterior, não quer dizer que
a ação autônoma de partilha não deva ser julgada pelo mesmo Juízo. Nesse
sentido, vale citar a valiosa lição de Cândido Rangel Dinamarco:
"(...) A interligação funcional entre processos constitui
manifestação de uma realidade metaprocessual consistente na unidade de
certos conflitos que vêm a ser deduzidos em mais de um deles. Um grupo de
processos assim interligados decorre de certas situações em que, por razões
técnico-processuais, o legislador optou por equacionar em dois ou mais
processos as atividades preparatórios de uma só tutela jurisicional, quando
poderia ter preferido estruturá-las todas em um só. Se tivesse preferido assim,
não haveria processos interligados ou subsequentes. Abrindo caminho para a
dualidade ou pluralidade de processos, criou também o problema de determinar
a competência para ambos ou todos eles.
(...)
Tais competências devem ser estabelecidas por regras no mínimo
harmoniosas, sempre a critério do legislador e precisamente em razão da
unidade funcional entre esses processos. É indesejável a fixação de competências
independentes e não-coordenadas, para dois ou mais processos destinados à
preparação de uma só tutela jurisdicional. O legislador brasileiro optou por
determinar a regra segundo a qual o órgão processual perante o qual se
processou ou se processa originariamente uma das causas interligadas é
automaticamente competente para o outro ou outros, que situem nesse
contexto litigioso." (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito
Processual Civil. Malheiros: São Paulo. 5ª ed. p. 439/440)
Nota-se, portanto, que entre as duas demandas (divórcio e partilha
posterior) há uma relação de conexão substancial, a qual, inevitalmente, gera a
prevenção do Juízo que julgou a ação de divórcio.
Didier, ao analisar a conexão discorre que "Haverá conexão, se a
mesma relação jurídica estiver sendo examinada em ambos os processos, ou se
diversas relações jurídicas, mas entre elas houver vínculo de prejudicialidade ou
preliminariedade." (Jr. Didier, Fredie. Curso de Direito Processual Civil - Vol 1. 18ª
ed. Salvador: Juspodvum, 2016. p. 232)
Convém analisar, contudo, se a incapacidade superveniente de um
dos cônjuges, após a decretação do divórcio, tem o condão de alterar a
competência funcional do juiz prevento.
O art. 50 do CPC/15 dispõe que, nas ações em que o incapaz for réu,
o juízo competente é o do local do domicílio do seu representante. Trata-se de
regra especial de competência territorial que protege o incapaz, por considerá-lo
parte mais frágil na relação jurídica. Confira-se o seguinte julgado desta Corte:
"RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DIVÓRCIO
DIRETO LITIGIOSO. AUTOR CÔNJUGE VARÃO INTERDITADO. REPRESENTAÇÃO
POR CURADOR. RÉ DOMICILIADA EM COMARCA DIVERSA. EXCEÇÃO DE
INCOMPETÊNCIA. DOMICÍLIO DA MULHER EM CONTRAPOSIÇÃO AO DO
INCAPAZ (CPC, ARTS. 98 E 100, I). NORMAS DE CARÁTER PROTETIVO.
PREVALÊNCIA, NO CASO, DA REGRA QUE PRIVILEGIA OS INTERESSES DO
INCAPAZ, INDEPENDENTEMENTE DA POSIÇÃO QUE OCUPE NOS POLOS DA
RELAÇÃO PROCESSUAL. RECURSO PROVIDO.
1. Neste recurso, tirado de exceção de incompetência deduzida
em ação de divórcio direto litigioso, estão em confronto os interesses da ré,
cônjuge feminino, que objetiva, com espeque no art. 100, I, do CPC, a
prevalência do foro especial de sua residência, e os do cônjuge varão incapaz,
representado por curador, de que prepondere o do domicílio deste, com
fundamento no art. 98 do CPC.
2. A regra processual do art. 98 protege pessoa absoluta ou
relativamente incapaz, por considerá-la mais frágil na relação jurídica processual,
quando litiga em qualquer ação. Assim, na melhor compreensão a ser extraída
dessa norma, não há razão para diferenciar-se a posição processual do incapaz.
Figure o incapaz como autor ou réu em qualquer ação, deve-se possibilitar ao
seu representante litigar no foro de seu domicílio, pois, normalmente, sempre
necessitará de proteção, de amparo, de facilitação da defesa dos seus interesses,
mormente em ações de estado.
3. No confronto entre as normas protetivas invocadas pelas
partes, entre o foro da residência da mulher e o do domicílio do representante
do incapaz, deve preponderar a regra que privilegia o incapaz, pela maior
fragilidade de quem atua representado, necessitando de facilitação de meios,
especialmente numa relação processual formada em ação de divórcio, em que o
delicado direito material a ser discutido pode envolver íntimos sentimentos e
relevantes aspectos patrimoniais.
4. Recurso especial provido para julgar improcedente a exceção
de incompetência do juízo oposta pela recorrida." (REsp 875.612/MG, Rel.
Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 04/09/2014, DJe
17/11/2014)
O conflito, então, se dá entre uma regra de competência funcional
(prevenção por acessoriedade) e outra de competência territorial especial
(domicílio do incapaz).
Esclareça-se que a competência territorial especial, apesar de ter
como efeito o afastamento das normas gerais previstas no diploma processual,
possui natureza relativa; enquanto que a competência funcional, decorrente da
acessoriedade entre as ações de divórcio e partilha, possui natureza absoluta.
Também acerca da natureza relativa da competência do foro de
domicílio do incapaz, confira-se o seguinte julgado da 3ª Turma:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO
DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL. FORO. INCAPAZ. COMPETÊNCIA RELATIVA.
CONEXÃO ENTRE AÇÃO DECLARATÓRIA DE EXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL E O
INVENTÁRIO DO FALECIDO. NÃO OCORRÊNCIA. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA
Nº 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO. POSSIBILIDADE
JURÍDICA DO PEDIDO.
1. O foro privilegiado do incapaz, nos termos do art. 98
do CPC/1973, é de competência relativa.
2. Não há conexão entre a ação declaratória de existência de
união estável e o inventário do de cujus, pois inexiste identidade parcial objetiva
(objeto ou causa de pedir) entre as demandas. A jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça entende que eventuais reflexos indiretos da declaração não
são aptos a justificar o deslocamento da competência.
3. Quando as conclusões da Corte de origem resultam da estrita
análise das provas carreadas aos autos e das circunstâncias fáticas que
permearam a demanda, não há como rever o posicionamento em virtude da
aplicação da Súmula nº 7/STJ.
4. A divergência jurisprudencial, nos termos do art. 541,
parágrafo único, do CPC/1973 e do art. 255, § 1º, do RISTJ, exige comprovação e
demonstração, esta, em qualquer caso, com a transcrição dos julgados que
configurem o dissídio, a evidenciar a similitude fática entre os casos apontados e
a divergência de interpretações, o que não restou evidenciado na espécie.
5. Ocorre impossibilidade jurídica do pedido quando há vedação
expressa no ordenamento legal ao seu deferimento, ou, ainda, quando não haja
previsão de um tipo de providência.
6. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 332.957/GO,
TERCEIRA TURMA, julgado em 02/08/2016, DJe 08/08/2016 - sem grifos no
original)
Definidos os parâmetros do conflito, evidencia-se que já está
consolidado o entendimento de que as regras de competência absoluta
preponderam em face das de competência relativa, porque submetidas a um
regime jurídico cogente, respaldado no interesse público; enquanto que a
competência relativa segue um regime dispositivo, em que o defeito somente
pode ser argüido pela própria parte e está sujeito à preclusão.
Ponto primordial para o deslinde da controvérsia é que, na hipótese
dos autos, o domicílio do representante do incapaz é a cidade do Rio de Janeiro - RJ, todavia a ação de partilha posterior ao divórcio foi proposta perante foro
diverso, ou seja, não houve, por opção da própria parte, utilização do foro especial
do art. 50 do CC/02.
Nesse sentido, o Juízo de Direito da Vara Cível de Barbacena - MG,
que possui foro de competência funcional, não poderia, de ofício, suscitar o
conflito de competência em obediência ao comando da Súmula 33 do STJ: "a
incompetência relativa não pode ser declarada de ofício".
A competência absoluta não admite, em regra, derrogação,
prorrogação ou modificação, sendo que a ulterior incapacidade de uma das partes
(regra especial de competência relativa) não altera o Juízo prevento, sobretudo
quando o próprio incapaz opta por não utilizar a prerrogativa do art. 50 do CPC/15.
Forte nessas razões, conheço do conflito de competência e determino
como competente o Juízo de Direito da Vara Cível de Barbacena - MG, ora
suscitante.