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24 de março de 2022

Sob a égide do CPC/1973, inexiste incompatibilidade lógica entre o acordo efetuado quanto à pretensão principal de separação conjugal e o prosseguimento do feito quanto às pretensões conexas

Processo

Processo sob segredo judicial, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 15/03/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Ação de separação judicial cumulada com pedido condenatório. CPC/1973. Autocomposição parcial em audiência de conciliação. Renúncia. Inocorrência. Interpretação restritiva.

 

DESTAQUE

Sob a égide do CPC/1973, inexiste incompatibilidade lógica entre o acordo efetuado quanto à pretensão principal de separação conjugal e o prosseguimento do feito quanto às pretensões conexas.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia à configuração nos casos de separação judicial cumulada com pedido condenatório de renúncia tácita a direito de ação ou à perda superveniente do interesse de agir, a obstar o prosseguimento do feito quanto ao pedido condenatório (indenizatório), diante da autocomposição, mesmo sendo parcial, celebrada por ocasião da audiência de conciliação.

Em atenção ao sistema normativo vigente por ocasião da sentença e do acórdão recorrido (Código de Processo Civil de 1973), observa-se que a renúncia ao direito consubstanciaria a própria resolução de mérito do pedido e não o reconhecimento da ausência de interesse de agir.

Destaca-se que, enquanto instrumento de declaração ou renúncia a direitos, a transação deve ser interpretada de forma restritiva, o que vai ao encontro, aliás, do vetor hermenêutico consubstanciado no artigo 114 do Código Civil, in verbis: os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente.

No particular, assinala-se que a demanda subjacente ao recurso especial, assim como a autocomposição celebrada, deu-se em momento anterior à Emenda Constitucional n. 66/2010, a qual introduziu o divórcio direto e, de forma elogiável, mitigou a necessidade de interferência estatal na esfera familiar, possibilitado a concretização, pelos cônjuges, de sua autonomia privada.

Conforme dispunha o vigente artigo 1.123 do CPC/1973, é lícito às partes, a qualquer tempo, no curso da separação judicial, requererem a conversão em separação consensual [...], sem que isso implique renúncia ou perda de interesse de agir em relação a pretensões conexas, decorrentes do descumprimento de obrigações inerentes à sociedade conjugal, mormente nas hipóteses em que igualmente consubstanciam grave lesão a direito de personalidade.

No caso, nada obstante tenha a parte autora, ao entabular acordo, transmudado a natureza da demanda, no que se refere à separação - de litigiosa para consensual -, com o acertamento dos demais pedidos decorrentes (guarda, visitas), em nenhum momento declarou expressamente desistência ou renúncia ao direito em que fundamentado o pedido condenatório.

Adotar a interpretação ampliativa implica um cerceamento ao exercício do direito de ação titularizado pela parte autora, ao subtrair sua autonomia, exercida por ocasião da celebração da autocomposição. De fato, legitimar-se-ia, indevidamente, o condicionamento entre a pronta separação judicial à própria renúncia ao direito de ação pertinente aos danos morais e patrimoniais, decorrentes da conduta imputada ao requerido, cônjuge varão.

Ademais, a manutenção desse entendimento, com a ampliação dos termos da transação, entendendo-se pela renúncia de direito não indicado, poderia implicar um desestímulo à autocomposição, na medida em que causaria certa insegurança jurídica no que concerne aos limites daquilo que fora acordado e as interpretações judiciais decorrentes.

Assim, a circunstância de ter sido celebrado acordo no que tange à separação, aos alimentos, visitas e guarda da prole comum (resultado da transformação consensual do pedido original de separação judicial), não impede a apreciação judicial das demais pretensões inicialmente deduzidas, neste caso, de cunho condenatório.

30 de abril de 2021

MEDIDA CAUTELAR PREPARATÓRIA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. CONEXÃO COM ANTERIOR MEDIDA CAUTELAR DE MESMA FINALIDADE. INEXISTÊNCIA. DÉBITOS REFERENTES A AUTUAÇÕES FISCAIS DISTINTAS. DISTRIBUIÇÃO POR DEPENDÊNCIA. CANCELAMENTO.

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 832.354 - SP 

RELATOR : MINISTRO GURGEL DE FARIA 

PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR PREPARATÓRIA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. CONEXÃO COM ANTERIOR MEDIDA CAUTELAR DE MESMA FINALIDADE. INEXISTÊNCIA. DÉBITOS REFERENTES A AUTUAÇÕES FISCAIS DISTINTAS. DISTRIBUIÇÃO POR DEPENDÊNCIA. CANCELAMENTO. 

1. O Plenário do STJ decidiu que “aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça” (Enunciado Administrativo n. 2, sessão de 09/03/2016). 

2. O vínculo de conexão a justificar a reunião de medidas cautelares preparatórias está vinculado com a identidade de objeto e/ou de causa de pedir existente entre ações principais a serem propostas. Inteligência dos arts. 103 e 800 do CPC/1973. 

3. Hipótese em que as medidas cautelares manejadas com o objetivo de suspender a exigibilidade do crédito tributário mediante depósito judicial não guardam entre si vínculo jurídico apto a configurar a hipótese de conexão e a distribuição por dependência, visto que tais medidas são preparatórias de ações antiexacionais (anulatórias) independentes, voltadas contra autuações fiscais distintas e respaldadas em fundamentos legais também diferentes. 

4. Agravo conhecido para dar provimento ao recurso especial. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do Agravo para dar provimento ao recurso especial nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina e Regina Helena Costa (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília, 21 de fevereiro de 2019 

RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO GURGEL DE FARIA (Relator): Trata-se de agravo interposto por EQUANT BRASIL LTDA., pretendendo a admissão de recurso especial que desafia acórdão assim ementado (e-STJ fl. 131): 

AGRAVO DE INSTRUMENTO – ICMS – AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA DE ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL – DECISÃO QUE PROCLAMOU CONEXÃO ENTRE CAUTELARES AJUIZADAS PELA MESMA AGRAVANTE COM IDÊNTICOS OBJETIVOS, APESAR DA DIVERSIDADE DE AIIM'S (OBTENÇÃO DE CND MEDIANTE DEPÓSITO DO VALOR DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO) – MANUTENÇÃO – RETIFICAÇÃO "EX OFFICIO" DO VALOR DA CAUSA PARA ADEQUÁ-LO AO VALOR DO TRIBUTO DISCUTIDO – DETERMINAÇÃO PARA RECOLHIMENTO DE CUSTAS – NÃO CABIMENTO – DECISÃO REFORMADA EM PARTE. As regras de conexão devem ser interpretadas com elasticidade focada no escopo de evitar decisões conflitantes. Conexão e prevenção reconhecidas. Ausência de prejuízo à parte demandante. Privilégio à economia e celeridades processuais O valor da causa na ação cautelar não corresponde necessariamente ao valor da ação principal. O objeto buscado com a medida de urgência tem natureza eminentemente processual, sem a amplitude da ação principal. Prevalência do valor da causa atribuído pela parte. RECURSO PROVIDO EM PARTE. 

No apelo nobre (e-STJ fls. 141/152), a recorrente apontou violação do art. 103 do CPC/1973. Sustentou, em resumo, que as quatro medidas cautelares preparatórias por ela ajuizadas para o fim de suspender a exigibilidade do crédito tributário e obter CPD-EN, mediante depósito integral (art. 151, II, do CTN), não guardam vínculo de conexão a justificar a distribuição por dependência da primeira livremente distribuída e a reunião dos processos, visto que se referem a quatro autuações fiscais distintas. 

Aduziu que "admitir a conexão para todos os casos de ICMS de um determinado contribuinte equivale a eleger um único magistrado para julgar todas as suas demandas sobre uma determinada matéria. E isto fere justamente um dos pilares do princípio do devido processo legal: o juiz natural". 

Pediu, também, pela atribuição de efeito suspensivo, "visando garantir o direito estabelecido pelo principio do juiz natural (...), com a consequente determinação de redistribuição da medida cautelar nº 0022667-98.2012.8.26.0053". 

Sem contrarrazões (e-STJ fl. 159). 

O Tribunal de origem obstou o recurso especial com base na Súmula 7 do STJ (e-STJ fl. 161), não concordando a agravante com essa fundamentação (e-STJ fls. 164/175). 

Sem contraminuta (e-STJ fl. 177). 

É o relatório. 

VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO GURGEL DE FARIA (Relator): Inicialmente, por entender estarem preenchidos os pressupostos legais para o conhecimento do agravo e do próprio recurso especial, submeto o presente feito diretamente ao Colegiado, conforme faculta o art. 1.042, § 5º, do CPC/2015, dispositivo de ordem procedimental que, por representar importante instrumento que prestigia os princípios da economia e da celeridade processuais, também pode ser aplicado aos agravos ainda interpostos sob a égide do "Código Buzaid", conforme entendimento majoritário desta Primeira Turma assentado no julgamento AREsp 851.938/RS, de minha relatoria, publicado no DJe de 09/08/2016. 

Consigno, ainda, que o imediato enfrentamento do mérito do recurso especial nessa assentada prejudica a análise o pedido de atribuição de efeito suspensivo. 

Pois bem. 

Segundo o Enunciado Administrativo n. 2, do Plenário do STJ, “aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça”.

 Destaco, desde logo, que, diversamente do assentado pela decisão a quo, o conhecimento do apelo nobre não esbarra no óbice da Súmula 7 do STJ, uma vez que a análise da questão jurídica nele aventada dispensa o reexame do contexto fático delineado pela Corte estadual. 

Conforme relatado, discute-se neste apelo especial se a anterior distribuição de medida cautelar preparatória de suspensão da exigibilidade de crédito tributário mediante depósito integral (art. 151, II, do CTN) gera vínculo de conexão com outra medida cautelar distribuída com a mesma finalidade, mas que se refere a autuação fiscal diversa, na qual se imputaria a infringência de diferentes normas da legislação de regência do ICMS. 

O acórdão recorrido decidiu pela existência de conexão, a justificar a distribuição da medida cautelar subsequente por dependência da primeira, com a seguinte motivação: 

Analiso, primeiramente, por questão de lógica e coerência a alegação de que não haveria a prevenção entre as demandas cautelares ajuizadas, refutando-se a prevenção, por ausência de dependência com o objeto da medida cautelar 0022665-31.2012.8.26.0053. Neste aspecto agiu corretamente o Juiz de Direito ao proclamar a conexão entre as causas e determinar a reunião dos processos. Não há como se negar que as cautelares, no total de quatro, foram todas propostas com o mesmo fundamento e objetivo, a despeito dos AIIM's serem diversos, ou seja, com imputação de infringência a diferentes dispositivos da legislação do ICMS, sendo certo, no entanto, que todos redundam do mesmo resultado apurado, que é falta de pagamento do ICMS. (Grifos adicionados) Ao contrário do imaginado pela parte a medida não lhe causa prejuízo e pode, inclusive, promover a economia processual e agilidade na prestação da atividade jurisdicional, sem qualquer vulneração ao juiz natural. Sem comprovação de prejuízo não há como se invalidar a medida, amparada na jurisprudência majoritária, que faz a leitura do artigo 103 do CPC, para autorizar a reunião dos processos, como neste caso. [...] Aliás, é claro que ao optar o CPC por definir conexão, a ela ligando a possibilidade de reunião de processos, fez com que se deixasse de não se neutralizar muitas situações que impõe o julgamento conjunto, sob pena do risco de decisões contraditórias, sendo, portanto, lícito ao intérprete dar elasticidade à norma, pois a reunião de processos deve ocorrer não somente no caso de conexão ou continência, mas sempre que houver possibilidade de decisões conflitantes, incoerentes, como já se afirmou, de fato, por trata-se de ações propostas perante juízos com a mesma competência territorial. Fica, pois, prevento, o juiz que despachou em primeiro lugar, estando absolutamente correta a medida adotada pelo Juiz de Direito, mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, ao menos neste aspecto da r. decisão impugnada, sem qualquer violação do juiz natural. Tenho, todavia, data vênia, outra compreensão sobre o tema. 

É bem verdade que, tal como assentado pelo julgado estadual, a conexão entre ações deve ser analisada de maneira flexível, devendo ser reconhecida sempre que exista o risco de decisões judiciais conflitantes, ainda que os feitos não guardem perfeita identidade entre objeto e/ou causa de pedir. A esse respeito, já decidiu esta Corte Superior: 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CONEXÃO. APLICAÇÃO DO ART. 103 DO CPC. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. "Precedente da Colenda 2ª Seção desta Corte (CC nº 17.588/GO, Relator o Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO, DJU de 23.06.1997) firmou orientação no sentido de que não se exige perfeita identidade entre os requisitos fixados nos arts. 103 e 105 do CPC, para que se dê a conexão de ações, sendo essencial que o julgador, em seu prudente arbítrio, reconheça a pertinência da medida, a fim de possibilitar a uniformidade das decisões, em proveito das partes e da eficácia da prestação jurisdicional em face do contexto fático-jurídico que se apresenta" (REsp 248.312/RS, Relator o Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, DJ de 5/3/2001). [...] (AgRg no AREsp 565.190/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 23/10/2014) 

Todavia, ao meu sentir, esse entendimento não se aplica ao presente caso, em que se controverte sobre a conexão entre medidas cautelares preparatórias. 

Digo isso porque a pretensão cautelar de suspender a exigibilidade do crédito tributário mediante depósito integral não caracteriza o objeto ou a causa de pedir de que tratava o art. 103 do CPC/1973. 

Com efeito, dispunha o art. 800 do CPC/1973 que as medidas cautelares preparatórias deviam ser requeridas ao juiz competente para conhecer da ação principal.

 Em face dessa previsão normativa, tenho que o juízo a respeito da conexão entre ações cautelares preparatórias deve levar em conta a eventual identidade de objeto e/ou de causa de pedir das ações principais a serem propostas e não do processo cautelar em si. 

E nem poderia ser diferente já que o processo cautelar, porquanto acessório, guarda vínculo de dependência com o processo principal e, por isso, o seu juízo natural deve seguir as regras de competência jurisdicional, dentre elas às relativas à conexão, aplicável ao feito matriz. 

Ponderadas essas considerações, fica claro que, no presente caso, as medidas cautelares manejadas com o objetivo de suspender a exigibilidade do crédito tributário mediante depósito judicial não guardam entre si vínculo jurídico apto a configurar a hipótese de conexão e a distribuição por dependência, visto que tais medidas são preparatórias de ações antiexacionais (anulatórias) independentes, voltadas contra autuações fiscais distintas e respaldadas em fundamentos legais também diferentes. 

Não há, pois, identidade de objeto e/ou de causa de pedir entre as futuras ações principais a justificar a conexão e a reunião dos processos cautelares. 

A propósito, a situação das ações comparadas neste feito bem ilustra a desnecessidade dos processos serem reunidos. 

Consoante informações do andamento processual disponibilizadas no sítio do tribunal local na internet (www.tjsp.jus.br), os autos da presente medida cautelar, de nº. 0022667-98.2012.8.26.0053, foram distribuídos por dependência da Medida Cautelar n. 0022665-31.2012.8.26.0053. 

Entretanto, a tramitação desses feitos não possui qualquer tipo de relação. 

A esta medida cautelar (0022667-98) foi apensado o feito principal, de n. 0030893-92.2012.8.26.0053, encontrando-se em fase de produção de prova (pericial). Em relação a outra medida cautelar (0022665-31), também houve o apensamento do respectiva ação principal, de n. 0030892-10.2012.8.26.0053, a qual foi sentenciado em conjunto com a medida cautelar (DJe 18/10/2018). 

Ante o exposto, CONHEÇO do agravo para DAR PROVIMENTO ao recurso especial a fim de, afastando o motivo da conexão: (a) determinar o cancelamento da distribuição por dependência desta ação cautelar (Processo n. 0022667-98.2012.8.26.0053) e, por conseguinte, da respectiva ação principal (Processo n. 0030893-92.2012.8.26.0053), com a anulação de todos os atos de cunho decisório eventualmente proferidos; e (b) determinar que esta ação cautelar seja distribuída livremente (Processo n. 0022667-98.2012.8.26.0053), seguindo a correspondente ação principal (Processo n. 0030893-92.2012.8.26.0053) o mesmo destino. 

É como voto. 

Filigrana Doutrinária: Conexão e unidade funcional - Cândido Rangel Dinamarco

 "(...) A interligação funcional entre processos constitui manifestação de uma realidade metaprocessual consistente na unidade de certos conflitos que vêm a ser deduzidos em mais de um deles. Um grupo de processos assim interligados decorre de certas situações em que, por razões técnico-processuais, o legislador optou por equacionar em dois ou mais processos as atividades preparatórios de uma só tutela jurisicional, quando poderia ter preferido estruturá-las todas em um só. Se tivesse preferido assim, não haveria processos interligados ou subsequentes. Abrindo caminho para a dualidade ou pluralidade de processos, criou também o problema de determinar a competência para ambos ou todos eles. (...) Tais competências devem ser estabelecidas por regras no mínimo harmoniosas, sempre a critério do legislador e precisamente em razão da unidade funcional entre esses processos. É indesejável a fixação de competências independentes e não-coordenadas, para dois ou mais processos destinados à preparação de uma só tutela jurisdicional. O legislador brasileiro optou por determinar a regra segundo a qual o órgão processual perante o qual se processou ou se processa originariamente uma das causas interligadas é automaticamente competente para o outro ou outros, que situem nesse contexto litigioso." 

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Malheiros: São Paulo. 5ª ed. p. 439/440. 

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE PARTILHA POSTERIOR AO DIVÓRCIO. INCAPACIDADE SUPERVENIENTE DE UMA DAS PARTES. PREVENÇÃO ORIUNDA DE CONEXÃO SUBSTANCIAL COM A AÇÃO DO DIVÓRCIO. COMPETÊNCIA FUNCIONAL DE NATUREZA ABSOLUTA. FORO DE DOMICÍLIO DO INCAPAZ. COMPETÊNCIA TERRITORIAL ESPECIAL DE NATUREZA RELATIVA.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 160.329 - MG (2018/0210068-1) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE PARTILHA POSTERIOR AO DIVÓRCIO. INCAPACIDADE SUPERVENIENTE DE UMA DAS PARTES. PREVENÇÃO ORIUNDA DE CONEXÃO SUBSTANCIAL COM A AÇÃO DO DIVÓRCIO. COMPETÊNCIA FUNCIONAL DE NATUREZA ABSOLUTA. FORO DE DOMICÍLIO DO INCAPAZ. COMPETÊNCIA TERRITORIAL ESPECIAL DE NATUREZA RELATIVA. 

1. Há entre as duas demandas (ação de divórcio e ação de partilha posterior) uma relação de conexão substancial, a qual, inevitalmente, gera a prevenção do Juízo que julgou a ação de divórcio. 

2. A prevenção decorrente da conexão substancial se reveste de natureza absoluta por constituir uma competência funcional. 

3. A competência prevista no art. 50 do CPC/15 constitui regra especial de competência territorial, a qual protege o incapaz, por considerá-lo parte mais frágil na relação jurídica, e possui natureza relativa. 

4. A ulterior incapacidade de uma das partes (regra especial de competência relativa) não altera o Juízo prevento, sobretudo quando o próprio incapaz opta por não utilizar a prerrogativa do art. 50 do CPC/15. 

5. Conflito de competência conhecido para declarar como competente o Juízo de Direito da Vara Cível de Barbacena - MG. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do conflito de competência e declarar competente o Juízo Suscitante, o Juízo de Direito da Vara Cível de Barbacena/MG, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão e Marco Aurélio Bellizze. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. 

Brasília (DF), 27 de fevereiro de 2019(Data do Julgamento). 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Cuida-se de conflito negativo de competência entre o JUÍZO DE DIREITO DA VARA CÍVEL DE BARBACENA - MG, suscitante, e os JUÍZO DE DIREITO DA 4ª VARA DE FAMÍLIA DO RIO DE JANEIRO - RJ e JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL DE LEOPOLDINA - MG, suscitados. 

Ação: de partilha de bens posterior ao divórcio com dissolução de condomínio e alienação judicial proposta por Elvécio Nunes Fernandes em face de Dione Sena Guimarães Fernandes distribuída por dependência ao processo nº 0026464-17.2015.8.13.0384 ao Juízo da 1ª Vara Cível de Leopoldina - MG. 

Ação: de sobrepartilha de bens decorrente de dissolução de sociedade conjugal proposta por Dione Senna Guimarães Fernandes em face de Elvécio Nunes Fernandes distribuída perante o Juízo de Direito da 4ª Vara de Família do Rio de Janeiro - RJ. 

Manifestação do Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de Leopoldina - MG, suscitado: declinou de sua competência tendo em vista que a ação de divórcio tramitou na Vara de Família e Cível da Infância e da Juventude da comarca de Barbacena. Argumentou que o cumprimento de sentença é do Juízo em que foi decretado o divórcio e determinada a partilha de bens do casal nos termos do art. 516, II, do CPC/15. 

Manifestação do Juízo de Direito da 4ª Vara de Família do Rio de Janeiro - RJ, suscitado: declinou de sua competência para a Comarca de Barbacena, tendo em vista que a partilha e a sobrepartilha de bens decorrentes de divórcio deve ser proposta no Juízo onde tramitou a ação de divórcio. 

Manifestação do Juízo de Direito da Vara Cível de Barbacena, suscitante: suscitou o presente conflito negativo de competência, pois, em se tratando de ações envolvendo interesse de incapaz, a competência para julgamento da demanda é do Juízo do foro de domicílio do seu representante ou assistente, nos termos do art. 50 do CPC/15, qual seja a cidade do Rio de Janeiro. 

Parecer do MPF: da lavra do i. Subprocurador-Geral da República, Dr. Sady d'Assumpção Torres Filho, opinou pela reunião dos processos e pela competência do Juízo da 4ª Vara de Família do Rio de Janeiro - RJ. 

É O RELATÓRIO. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): O propósito do incidente é definir a competência para o julgamento da ação de partilha de bens posterior ao divórcio, quando há incapacidade superveniente de uma das partes. 

Preliminarmente, por se tratarem de duas ações idênticas com as mesmas partes e mesma causa de pedir, em que alterada apenas a posição de autor e réu nas demandas, inevitável o reconhecimento da conexão e a necessidade de reunião dos processos para julgamento simultâneo pelo mesmo Juízo. 

A ação de partilha posterior ao divórcio está prevista no art. 731, parágrafo único, c/c 647 a 658 do CPC/15. 

"Art. 731. Parágrafo único: Se os cônjuges não acordarem sobre a partilha de bens, far-se-á esta depois de homologado o divórcio, na forma estabelecida nos arts. 647 a 658." 

Por sua vez, os artigos 647 a 658 do CPC/15 remetem à partilha de bens no inventário, a qual é feita nos próprios autos do inventário, conforme artigo 2.015 do CC/02. 

Assim, sob uma interpretação sistemática, havendo partilha posterior ao divórcio, surge um critério de competência funcional do juízo que decretou a dissolução da sociedade conjugal, em razão da acessoriedade entre as duas ações (art. 61 do CPC/15). Ou seja, entre as duas demandas há uma interligação decorrente da unidade do conflito de interesses, pois a partilha é decorrência lógica do divórcio. Se o legislador permitiu a partilha posterior, não quer dizer que a ação autônoma de partilha não deva ser julgada pelo mesmo Juízo. Nesse sentido, vale citar a valiosa lição de Cândido Rangel Dinamarco: 

"(...) A interligação funcional entre processos constitui manifestação de uma realidade metaprocessual consistente na unidade de certos conflitos que vêm a ser deduzidos em mais de um deles. Um grupo de processos assim interligados decorre de certas situações em que, por razões técnico-processuais, o legislador optou por equacionar em dois ou mais processos as atividades preparatórios de uma só tutela jurisicional, quando poderia ter preferido estruturá-las todas em um só. Se tivesse preferido assim, não haveria processos interligados ou subsequentes. Abrindo caminho para a dualidade ou pluralidade de processos, criou também o problema de determinar a competência para ambos ou todos eles. (...) Tais competências devem ser estabelecidas por regras no mínimo harmoniosas, sempre a critério do legislador e precisamente em razão da unidade funcional entre esses processos. É indesejável a fixação de competências independentes e não-coordenadas, para dois ou mais processos destinados à preparação de uma só tutela jurisdicional. O legislador brasileiro optou por determinar a regra segundo a qual o órgão processual perante o qual se processou ou se processa originariamente uma das causas interligadas é automaticamente competente para o outro ou outros, que situem nesse contexto litigioso." (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Malheiros: São Paulo. 5ª ed. p. 439/440) 

Nota-se, portanto, que entre as duas demandas (divórcio e partilha posterior) há uma relação de conexão substancial, a qual, inevitalmente, gera a prevenção do Juízo que julgou a ação de divórcio. 

Didier, ao analisar a conexão discorre que "Haverá conexão, se a mesma relação jurídica estiver sendo examinada em ambos os processos, ou se diversas relações jurídicas, mas entre elas houver vínculo de prejudicialidade ou preliminariedade." (Jr. Didier, Fredie. Curso de Direito Processual Civil - Vol 1. 18ª ed. Salvador: Juspodvum, 2016. p. 232) 

Convém analisar, contudo, se a incapacidade superveniente de um dos cônjuges, após a decretação do divórcio, tem o condão de alterar a competência funcional do juiz prevento. 

O art. 50 do CPC/15 dispõe que, nas ações em que o incapaz for réu, o juízo competente é o do local do domicílio do seu representante. Trata-se de regra especial de competência territorial que protege o incapaz, por considerá-lo parte mais frágil na relação jurídica. Confira-se o seguinte julgado desta Corte: 

"RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DIVÓRCIO DIRETO LITIGIOSO. AUTOR CÔNJUGE VARÃO INTERDITADO. REPRESENTAÇÃO POR CURADOR. RÉ DOMICILIADA EM COMARCA DIVERSA. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. DOMICÍLIO DA MULHER EM CONTRAPOSIÇÃO AO DO INCAPAZ (CPC, ARTS. 98 E 100, I). NORMAS DE CARÁTER PROTETIVO. PREVALÊNCIA, NO CASO, DA REGRA QUE PRIVILEGIA OS INTERESSES DO INCAPAZ, INDEPENDENTEMENTE DA POSIÇÃO QUE OCUPE NOS POLOS DA RELAÇÃO PROCESSUAL. RECURSO PROVIDO. 1. Neste recurso, tirado de exceção de incompetência deduzida em ação de divórcio direto litigioso, estão em confronto os interesses da ré, cônjuge feminino, que objetiva, com espeque no art. 100, I, do CPC, a prevalência do foro especial de sua residência, e os do cônjuge varão incapaz, representado por curador, de que prepondere o do domicílio deste, com fundamento no art. 98 do CPC. 2. A regra processual do art. 98 protege pessoa absoluta ou relativamente incapaz, por considerá-la mais frágil na relação jurídica processual, quando litiga em qualquer ação. Assim, na melhor compreensão a ser extraída dessa norma, não há razão para diferenciar-se a posição processual do incapaz. Figure o incapaz como autor ou réu em qualquer ação, deve-se possibilitar ao seu representante litigar no foro de seu domicílio, pois, normalmente, sempre necessitará de proteção, de amparo, de facilitação da defesa dos seus interesses, mormente em ações de estado. 3. No confronto entre as normas protetivas invocadas pelas partes, entre o foro da residência da mulher e o do domicílio do representante do incapaz, deve preponderar a regra que privilegia o incapaz, pela maior fragilidade de quem atua representado, necessitando de facilitação de meios, especialmente numa relação processual formada em ação de divórcio, em que o delicado direito material a ser discutido pode envolver íntimos sentimentos e relevantes aspectos patrimoniais. 4. Recurso especial provido para julgar improcedente a exceção de incompetência do juízo oposta pela recorrida." (REsp 875.612/MG, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 04/09/2014, DJe 17/11/2014) 

O conflito, então, se dá entre uma regra de competência funcional (prevenção por acessoriedade) e outra de competência territorial especial (domicílio do incapaz). 

Esclareça-se que a competência territorial especial, apesar de ter como efeito o afastamento das normas gerais previstas no diploma processual, possui natureza relativa; enquanto que a competência funcional, decorrente da acessoriedade entre as ações de divórcio e partilha, possui natureza absoluta. 

Também acerca da natureza relativa da competência do foro de domicílio do incapaz, confira-se o seguinte julgado da 3ª Turma: 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL. FORO. INCAPAZ. COMPETÊNCIA RELATIVA. CONEXÃO ENTRE AÇÃO DECLARATÓRIA DE EXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL E O INVENTÁRIO DO FALECIDO. NÃO OCORRÊNCIA. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA Nº 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. 1. O foro privilegiado do incapaz, nos termos do art. 98 do CPC/1973, é de competência relativa. 2. Não há conexão entre a ação declaratória de existência de união estável e o inventário do de cujus, pois inexiste identidade parcial objetiva (objeto ou causa de pedir) entre as demandas. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que eventuais reflexos indiretos da declaração não são aptos a justificar o deslocamento da competência. 3. Quando as conclusões da Corte de origem resultam da estrita análise das provas carreadas aos autos e das circunstâncias fáticas que permearam a demanda, não há como rever o posicionamento em virtude da aplicação da Súmula nº 7/STJ. 4. A divergência jurisprudencial, nos termos do art. 541, parágrafo único, do CPC/1973 e do art. 255, § 1º, do RISTJ, exige comprovação e demonstração, esta, em qualquer caso, com a transcrição dos julgados que configurem o dissídio, a evidenciar a similitude fática entre os casos apontados e a divergência de interpretações, o que não restou evidenciado na espécie. 5. Ocorre impossibilidade jurídica do pedido quando há vedação expressa no ordenamento legal ao seu deferimento, ou, ainda, quando não haja previsão de um tipo de providência. 6. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 332.957/GO, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/08/2016, DJe 08/08/2016 - sem grifos no original) 

Definidos os parâmetros do conflito, evidencia-se que já está consolidado o entendimento de que as regras de competência absoluta preponderam em face das de competência relativa, porque submetidas a um regime jurídico cogente, respaldado no interesse público; enquanto que a competência relativa segue um regime dispositivo, em que o defeito somente pode ser argüido pela própria parte e está sujeito à preclusão. 

Ponto primordial para o deslinde da controvérsia é que, na hipótese dos autos, o domicílio do representante do incapaz é a cidade do Rio de Janeiro - RJ, todavia a ação de partilha posterior ao divórcio foi proposta perante foro diverso, ou seja, não houve, por opção da própria parte, utilização do foro especial do art. 50 do CC/02. 

Nesse sentido, o Juízo de Direito da Vara Cível de Barbacena - MG, que possui foro de competência funcional, não poderia, de ofício, suscitar o conflito de competência em obediência ao comando da Súmula 33 do STJ: "a incompetência relativa não pode ser declarada de ofício". 

A competência absoluta não admite, em regra, derrogação, prorrogação ou modificação, sendo que a ulterior incapacidade de uma das partes (regra especial de competência relativa) não altera o Juízo prevento, sobretudo quando o próprio incapaz opta por não utilizar a prerrogativa do art. 50 do CPC/15. 

Forte nessas razões, conheço do conflito de competência e determino como competente o Juízo de Direito da Vara Cível de Barbacena - MG, ora suscitante. 

Filigrana Doutrinária: Conexão - Fredie Didier

"Haverá conexão, se a mesma relação jurídica estiver sendo examinada em ambos os processos, ou se diversas relações jurídicas, mas entre elas houver vínculo de prejudicialidade ou preliminariedade." 

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil - Vol 1. 18ª ed. Salvador: Juspodvum, 2016. p. 232