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15 de novembro de 2021

As decisões interlocutórias sobre a instrução probatória não são impugnáveis por agravo de instrumento ou pela via mandamental, sendo cabível a sua impugnação diferida pela via da apelação

Processo

RMS 65.943-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 26/10/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Decisão sobre instrução probatória. Matéria excluída do sistema de preclusão. Impugnação por agravo de instrumento e por mandado de segurança. Impossibilidade. Impugnação diferida pela via da apelação.

 

DESTAQUE

As decisões interlocutórias sobre a instrução probatória não são impugnáveis por agravo de instrumento ou pela via mandamental, sendo cabível a sua impugnação diferida pela via da apelação.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Trata-se de ação de mandado de segurança impetrada contra ato judicial em que a questão principal é sobre a necessidade de instrução adicional.

Sobre o tema, cabe referir que o ato judicial que decide não avançar sobre a fase decisória do procedimento finda por alongar a instrutória, justamente por vislumbrar a necessidade de esclarecimento de questões adicionais.

Tratando-se inegavelmente de uma questão probatória, o que, de fato, não desafia o recurso de agravo de instrumento, mas isso, no entanto, não autoriza a propositura da ação mandamental.

Isso porque é salutar atinar para a compreensão firmada com o julgamento do REsp 1.704.520/MT, rel. Min. Nancy Andrighi, quando este Tribunal Superior fixou a tese de que a interpretação do rol das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, conforme a previsão do art. 1.015 do CPC/2015, é taxativa, mas sujeita à mitigação diante de situação concreta em que ocorra urgência na pronta resolução da controvérsia, sob pena de o aguardo do julgamento da apelação, em que se incluem as matérias não sujeitas à preclusão e não impugnáveis pela via do agravo de instrumento, poder ensejar a inutilidade do provimento vindouro da pretensão.

O que está pontuado no precedente evidencia que haverá, de fato, dois tipos de decisões interlocutórias classificáveis segundo a forma de impugnação, de maneira que aquelas que versarem conteúdo inserto no rol do art. 1.015 do CPC/2015 estão sujeitas à preclusão e desafiam imediata impugnação pela via do agravo de instrumento, todas as demais, no entanto, não se sujeitando a isso porque plenamente refutáveis pela via da apelação.

A "taxatividade mitigada", segundo apreendo, incide nessa segunda espécie, de maneira que apesar de uma determinada controvérsia não estar "prima facie" sujeita à inquinação pela via do agravo de instrumento, o uso deste dependerá quando presentes (a) a urgência da medida e (b) o risco de inutilidade do proveio judicial decorrente do julgamento da questão apenas por ocasião da apelação.

Assim, o exame do presente caso demanda que se examine primeiramente se era, de fato, caso de agravo de instrumento, mas não parece haver subsunção à tese firmada no precedente.

O caso concreto retrata uma hipótese que versa o direito à instrução probatória especificamente na ação de desapropriação por utilidade pública, a decisão de esclarecimentos adicionais partindo do próprio magistrado, destinatário dessas provas, entendendo ser necessário precaver-se para que não houvesse a liberação indevida de verba pública depositada em juízo.

Decerto que tal matéria não está expressamente sujeita ao agravo de instrumento tanto por ausência do rol referido no art. 1.015 do CPC/2015, quanto porque não se está diante de uma situação de urgência na medida em que as questões de direito probatório, uma vez excluídas do sistema de preclusões, podem ser debatidas por ocasião do julgamento da apelação.

Assim, em linha de princípio as questões referentes ao direito probatório parecem excluídas das matérias sujeitas a impugnação pela via do agravo de instrumento. Isso, contudo, por si não legitima a impetração da ação de mandado de segurança.

Não há, como visto, decisão interlocutória irrecorrível no caso concreto: o CPC/2015 não tornou as matérias não previstas no art. 1.015 infensas a recurso, mas apenas indicou que não seriam impugnáveis pela via do agravo de instrumento, mas sim da apelação, vez que não mais sujeitas ao regime de preclusão processual.

Em se admitindo a impetração da ação de mandado de segurança, além de não se observar essa prescrição, se admitiria por via oblíqua um procedimento que o legislador do CPC/2015 quis justamente evitar, que é a massificação de recursos - embora se trate aqui de ação - em prejuízo à razoável duração do processo.

Com isso, verifica-se que as decisões sobre a instrução probatória, e, portanto, sobre o exercício do direito à ampla defesa, estão em tese imunes ao sistema de preclusão processual, e tampouco se inserem nas hipóteses do art. 1.015 do CPC/2015, daí por que cabível a sua impugnação diferida pela via da apelação, não se aviando a ação mandamental tanto por isso quanto porque a sua impetração implicaria indireta ofensa a essa sistemática de impugnação.

19 de junho de 2021

Cabe agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias proferidas nas ações de improbidade administrativa

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-695-stj.pdf


IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - Cabe agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias proferidas nas ações de improbidade administrativa 

Aplica-se à ação de improbidade administrativa o previsto no art. 19, § 1º, da Lei da Ação Popular, segundo o qual das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento. A decisão interlocutória proferida no bojo de uma ação de improbidade administrativa pode ser impugnada por agravo de instrumento, com base no art. 19, §1º, da Lei nº 4.717/65, ainda que a hipótese não esteja prevista no rol do art. 1.015 do CPC. Nas ações de improbidade administrativa, o CPC aplica-se apenas subsidiariamente, privilegiando-se as normas do Microssistema Processual Coletivo, para assegurar a efetividade da jurisdição no trato dos direitos coletivos. STJ. 2ª Turma. REsp 1.925.492-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 04/05/2021 (Info 695). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

O Ministério Público ingressou com Ação de Improbidade Administrativa contra João, servidor público. Durante a fase de instrução processual, o Ministério Público requereu o depoimento pessoal de João. O depoimento pessoal, previsto no art. 385 do CPC, deve ser requerido pela parte contrária. Trata-se de meio de prova pelo qual uma parte busca a confissão da outra: 

Art. 385. Cabe à parte requerer o depoimento pessoal da outra parte, a fim de que esta seja interrogada na audiência de instrução e julgamento, sem prejuízo do poder do juiz de ordená-lo de ofício. 

O juiz, contudo, indeferiu o requerimento do Ministério Público. Diante disso, o Promotor de Justiça interpôs agravo de instrumento impugnando a decisão interlocutória proferida pelo magistrado. Ocorre que o Tribunal de Justiça não conheceu o agravo de instrumento, sob o argumento de que a decisão recorrida não se enquadra no rol taxativo do art. 1.015 do CPC. 

O STJ concordou com a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça? NÃO. O STJ entendeu que seria, sim, possível a interposição de agravo de instrumento em face da decisão do juiz que indeferiu o pedido de depoimento pessoal do réu. Vamos entender as razões para essa conclusão. 

Proteção constitucional dos interesses difusos e coletivos 

A Constituição Federal de 1988 ampliou a proteção aos interesses difusos e coletivos, não somente constitucionalizando-os, mas também prevendo importantes instrumentos para garantir sua efetividade. Como exemplos disso, podemos citar a previsão do mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX), da ação popular (art. 5º, LXXII) e a constitucionalização da ação civil pública (art. 129, III). No âmbito infraconstitucional, o sistema protetivo dos interesses difusos e coletivos nasceu com a edição da Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/65) e foi ampliado com a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85). O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) foi mais uma evolução legislativa, trazendo maior efetividade à proteção dos interesses difusos e coletivos. O art. 90 do CDC, somado ao art. 21 da LACP, estabeleceu um verdadeiro microssistema processual coletivo, com destaque para a eficácia erga omnes da sentença proferida na ação civil pública: 

Art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições. 

Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor. 

Esse microssistema significa que as normas desses diplomas deverão ser aplicadas mutuamente a fim de se garantir uma proteção mais efetiva dos interesses difusos e coletivos. A aplicação do microssistema é importante, pois não existe um diploma que englobe normas comuns a todas as ações que tutelam direitos coletivos. Assim, o intercâmbio das normas existentes nas leis sobre a tutela coletiva é essencial para a maior proteção dos direitos difusos e coletivos na atualidade. O microssistema processual coletivo já foi reconhecido pelo STJ. Confira: 

Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, no qual se comunicam outras normas, como o Estatuto do Idoso e o da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados com o escopo de 'propiciar sua adequada e efetiva tutela (art. 83 do CDC). STJ. 1ª Turma. REsp 695.396/RS, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe 27/4/2011. 

CPC deve ser aplicado apenas subsidiariamente 

O STJ possui posição consolidada no sentido de que “o Código de Processo Civil deve ser aplicado somente de forma subsidiária à Lei de Improbidade Administrativa” (STJ. 2ª Turma. REsp 1.217.554/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 22/8/2013). Assim, somente se buscará o CPC se não houver regra específica no microssistema de tutela coletiva. 

Não se aplica a regra do CPC, mas sim o art. 19, § 1º da Lei de Ação Popular 

O STJ considerou que, no caso, não deveria ser aplicado o art. 1.015 do CPC ao agravo de instrumento na ação de improbidade administrativa. Deve-se dar preferência à aplicação das normas das leis que tutelam igualmente interesses coletivos, em observância do Microssistema de Tutela Coletiva. Assim, no caso apresentado, é mais adequada a aplicação do art. 19, §1º, da Lei nº 4.717/65 (Lei da Ação Popular), a respeito do cabimento do agravo de instrumento. 

E o que diz a Lei de Ação Popular sobre o agravo de instrumento? 

O art. 19, §1º, da Lei de Ação Popular prevê o amplo cabimento do agravo de instrumento para impugnar as decisões interlocutórias: 

Art. 19 (...) § 1º Das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento. 

Observa-se que o dispositivo acima não contém qualquer tipo de rol sobre hipóteses de cabimento do agravo de instrumento. Isso confere maior amplitude ao recurso. 

Esse art. 19, § 1º, da Lei de Ação Popular foi afetado com a edição do CPC/2015 e, em especial, pela regra do art. 1.015? 

NÃO. A jurisprudência do STJ considera que a norma da Lei de Ação Popular que prevê a impugnação de decisões interlocutórias por agravo de instrumento não é afastada pelo rol taxativo do CPC. Assim, o amplo cabimento do art. 19, § 1º da Lei de Ação Popular permaneceu em vigor mesmo após o advento do CPC/2015. Vale ressaltar, inclusive, que o inciso XIII do art. 1.015 do CPC/2015 contempla o cabimento do agravo de instrumento em “outros casos expressamente referidos em lei”. Assim, a previsão de cabimento do agravo de instrumento na Lei de Ação Popular não confronta com a regra do art. 1.015 do CPC. 

STJ já havia determinado a aplicação do art. 19 da LAP para a ação de improbidade no caso do reexame necessário invertido 

Em sentido semelhante, o STJ possui julgado aplicando o reexame necessário invertido, previsto no art. 19 da Lei nº 4.717/65, às ações de improbidade administrativa. O entendimento é o mesmo, ou seja, que as disposições da lei sobre tutela coletiva, qual seja, a Lei da Ação Popular, devem ser aplicadas às ações de improbidade administrativa. Relembre: 

A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência de ação de improbidade administrativa está sujeita ao reexame necessário, com base na aplicação subsidiária do CPC e por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65. STJ. 1ª Seção. EREsp 1220667-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 24/5/2017 (Info 607). 

Em suma: Aplica-se à ação de improbidade administrativa o previsto no art. 19, § 1º, da Lei da Ação Popular, segundo o qual das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento. A decisão interlocutória proferida no bojo de uma ação de improbidade administrativa pode ser impugnada por agravo de instrumento, com base no art. 19, §1º, da Lei nº 4.717/65, ainda que a hipótese não esteja prevista no rol do art. 1.015 do CPC. Nas ações de improbidade administrativa, o CPC aplica-se apenas subsidiariamente, privilegiando-se as normas do Microssistema Processual Coletivo, para assegurar a efetividade da jurisdição no trato dos direitos coletivos. STJ. 2ª Turma. REsp 1.925.492-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 04/05/2021 (Info 695).

9 de maio de 2021

RMS 63.202-MG: DO CABIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA PARA IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA.

DO CABIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA PARA IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. 

01) Inicialmente, é preciso reconhecer desde logo o acerto da premissa contida no voto do e. Relator, no sentido de que será mesmo inócuo e inútil impugnar, apenas em apelação ou em contrarrazões, a decisão interlocutória que indefere a designação da audiência de conciliação pretendida pelas partes. 

02) De fato, de nada adiantará, do ponto de vista prático, uma eventual impugnação diferida sobre um ato processual que se pretende seja praticado no início do processo, especialmente porque diante da irreversibilidade dos efeitos que serão produzidos com a referida decisão e dos danos alegadamente sofridos pelas partes. 

03) A despeito de concordar integralmente com o e. Relator acerca da necessidade de impugnação imediata de decisão interlocutória desse teor, dele divirjo, respeitosamente, acerca da via impugnativa adequada para essa finalidade. 

04) Com efeito, embora reconheça que a tese firmada por ocasião do julgamento do tema repetitivo 988, segundo a qual "o rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação", tenha sido fixada justamente para situações como a versada neste recurso, e que a tese jurídica da taxatividade mitigada seria aplicável apenas às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do acórdão (ocorrida no DJe de 19/12/2018), apresenta o e. Relator dois fundamentos para justificar a admissibilidade do mandado de segurança na hipótese. 

05) O primeiro fundamento apresentado pelo e. Relator está no fato de que, na hipótese, houve uma primeira decisão, proferida em 15/10/2018 (previamente à tese fixada pela Corte Especial), por meio da qual o magistrado, ao admitir a petição inicial, deixou de designar a audiência de conciliação e determinou fosse o réu citado para contestar (fls. 84/85, e-STJ) e uma segunda decisão, proferida em 07/02/2019 (posteriormente à tese fixada pela Corte Especial), por meio da qual o magistrado, instado a se pronunciar sobre a questão mediante requerimento do réu-recorrente, indeferiu o pedido de designação da audiência. 

06) Diante desse cenário, entende S. Exa. que "a decisão que subverteu o procedimento legal estabelecido no CPC/2015 deu-se em momento anterior à publicação do aludido acórdão repetitivo, enquanto que a decisão que indeferiu o pedido de designação da audiência de conciliação e mediação deu-se em momento posterior", razão pela qual "essa situação limítrofe já seria suficiente, em minha compreensão, para se admitir a impetração do mandado de segurança, tal como aqui manejado". 

07) Ocorre que, data maxima venia, não se está diante de alguma espécie de decisão temporalmente complexa, no sentido de que a segunda seria apenas uma complementação ou integração da primeira, caso em que se poderia, em tese, admitir a existência de ilegalidade ou teratologia contínua. 

08) Em verdade, houve, na hipótese, duas decisões bem definidas e distintas no aspecto temporal. A primeira, recebeu a petição inicial do autor e modificou o procedimento; a segunda, recebeu o requerimento formulado pelo réu, que inclusive é quem se insurge contra ela, e indeferiu o pedido de designação. 

09) Além disso, não se pode olvidar que o conteúdo das decisões é igualmente distinto, na medida em que a questão relacionada à impossibilidade de designação da audiência sob o fundamento de dificuldade de pauta (inviabilidade estrutural) somente surgiu com a segunda decisão, eis que, na primeira, o único fundamento adotado para deixar de designá-la foi a existência de especificidades da causa que justificariam a necessidade de adequação procedimental (inviabilidade processual). 

10) Assim, conclui-se que é objeto autônomo da impetração a decisão judicial que, a requerimento do réu-recorrente, indeferiu o pedido de designação da audiência prevista no art. 334, caput, do CPC, ao fundamento de dificuldade de pauta, proferida em 07/02/2019, após a publicação do acórdão que fixou a tese da taxatividade mitigada (ocorrida em 19/12/2018), por meio do qual ficou expressamente definido que a excepcional impugnação das interlocutórias não textualmente contidas no rol do art. 1.015 do CPC se dá pela via do agravo de instrumento. 

11) Com efeito, o segundo fundamento adotado pelo e. Relator é de que a tese da taxatividade mitigada "não cuidou e, portanto, não alterou o posicionamento há muito adotado por esta Corte de Justiça, bem como pelo Supremo Tribunal Federal, quanto à possibilidade, absolutamente excepcional, de utilizar o mandado de segurança contra ato judicial, estritamente nas hipóteses em que o decisum guarde, em si, teratologia, manifesta ilegalidade ou abuso flagrante, com o condão de violar direito líquido e certo do impetrante". 

12) A esse respeito, é importante destacar, à luz da ratio decidendi o precedente vinculante, que a impugnação das interlocutórias pela via mandamental era a tese defendida por quem sustentava ser o rol do art. 1.015 de taxatividade irrestrita ou absoluta e, sublinhe-se, essa tese foi vencida por ocasião daquele julgamento. 

13) Embora esse fato, por si só, indique o descabimento da via mandamental para impugnar as decisões interlocutórias após a fixação da tese, não se pode olvidar que esse tema - via impugnativa apropriada - foi objeto de específico e exauriente enfrentamento em capítulo próprio do voto, intitulado "descabimento do mandado de segurança como sucedâneo recursal". A esse respeito, confira-se a transcrição do fundamento determinante desta conclusão: Isso porque o legislador brasileiro, ao enunciar as hipóteses de cabimento do agravo no CPC/15, propositalmente quis ou involuntariamente conseguiu reacender, vivamente, as polêmicas e as discussões acerca do cabimento do mandado de segurança contra ato judicial como sucedâneo do recurso de agravo, tendo se posicionado acerca da viabilidade da impetração, apenas nos últimos anos, juristas de grande gabarito, como Eduardo Talamini, Clayton Maranhão, Rodrigo Frantz Becker, Heitor Vitor Mendonça Sica, Fernando da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque, Zulmar Oliveira Jr., Teresa Arruda Alvim, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres Ribeiro, Rogério Licastro Torres de Mello e José Henrique Mouta Araújo, dentre tantos outros. Contudo, é preciso, uma vez mais, tentar abater definitivamente a Fênix que insiste em pousar no processo civil de tempos em tempos e que mais traz malefícios do que benefícios. Como se sabe, o mandado de segurança contra ato judicial é uma verdadeira anomalia no sistema processual, pois, dentre seus diversos aspectos negativos: (i) implica na inauguração de uma nova relação jurídico processual e em notificação à autoridade coatora para prestação de informações; (ii) usualmente possui regras de competência próprias nos Tribunais, de modo que, em regra, não será julgado pelo mesmo órgão fracionário a quem competirá julgar os recursos tirados do mesmo processo; (iii) admite sustentação oral por ocasião da sessão de julgamento; (iv) possui prazo para impetração substancialmente dilatado; (v) se porventura for denegada a segurança, a decisão será impugnável por espécie recursal de efeito devolutivo amplo. Trata-se, a toda evidência, de técnica de correção da decisão judicial extremamente contraproducente e que não se coaduna com as normas fundamentais do processo civil, especialmente quando se verifica que há, no sistema processual, meio disponível e mais eficiente para que se promova o reexame e a eventual correção da decisão judicial nessas excepcionais situações: o próprio agravo de instrumento. 

14) Diante desse cenário, é correto concluir que a tese jurídica firmada no julgamento do tema repetitivo 988, respeitosamente, não apenas tratou, como também estabeleceu uma exceção ao posicionamento há muito adotado nesta Corte, especificamente no que tange à impugnabilidade das interlocutórias, de modo a vedar, em absoluto, a impugnação dessa espécie de decisão pelas partes mediante ação autônoma (mandado de segurança), porque há via impugnativa recursal apropriada (agravo de instrumento). 

15) Dito de outra maneira: conquanto seja excepcionalmente admissível a impugnação de decisões judiciais (em sentido lato) por mandado de segurança (como, por exemplo, pelo terceiro, na forma da Súmula 202/STJ), não é admissível, nem mesmo excepcionalmente, a impugnação de decisões interlocutórias por mandado de segurança após 19/12/2018, sob pena de ofensa e desrespeito à tese firmada no tema repetitivo 988.

8 de maio de 2021

Filigrana doutrinária: Recurso em face de decisão interlocutória e Agravo de instrumento - Nelson Nery Jr.

 " (...) crescente litigiosidade e cultura demandista existente no Brasil fez com que a recorribilidade pelo agravo, no sistema do CPC/1973, atingisse proporções numéricas bastante significativas, quase que paralisando a atividade jurisdicional nos tribunais. Essa é a razão pela qual o CPC prevê, agora, agravo de instrumento apenas em algumas hipóteses, taxativamente enumeradas no CPC 1015." 


NERY Jr., Nelson. Código de Processo Civil Comentado, Ed. RT, 2018, comentário ao art. 1.015, item 5.

7 de maio de 2021

AÇÃO DE EXIGIR CONTAS (CPC/2015, ART. 550, § 5º). DECISÃO QUE, NA PRIMEIRA FASE, JULGA PROCEDENTE A EXIGÊNCIA DE CONTAS. RECURSO CABÍVEL. MANEJO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO (CPC, ART. 1.015, II). DÚVIDA FUNDADA. FUNGIBILIDADE RECURSAL

RECURSO ESPECIAL Nº 1.680.168 - SP (2017/0147426-8) 

RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZI 

R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO RAUL ARAÚJO 

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE EXIGIR CONTAS (CPC/2015, ART. 550, § 5º). DECISÃO QUE, NA PRIMEIRA FASE, JULGA PROCEDENTE A EXIGÊNCIA DE CONTAS. RECURSO CABÍVEL. MANEJO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO (CPC, ART. 1.015, II). DÚVIDA FUNDADA. FUNGIBILIDADE RECURSAL. APLICAÇÃO. RECURSO PROVIDO. 

1. Havendo dúvida fundada e objetiva acerca do recurso cabível e inexistindo ainda pronunciamento judicial definitivo acerca do tema, deve ser aplicado o princípio da fungibilidade recursal. 

2. Na hipótese, a matéria é ainda bastante controvertida tanto na doutrina como na jurisprudência, pois trata-se de definir, à luz do Código de Processo Civil de 2015, qual o recurso cabível contra a decisão que julga procedente, na primeira fase, a ação de exigir contas (arts. 550 e 551), condenando o réu a prestar as contas exigidas. 

3. Não acarretando a decisão o encerramento do processo, o recurso cabível será o agravo de instrumento (CPC/2015, arts. 550, § 5º, e 1.015, II). No caso contrário, ou seja, se a decisão produz a extinção do processo, sem ou com resolução de mérito (arts. 485 e 487), aí sim haverá sentença e o recurso cabível será a apelação. 

4. Recurso especial provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos da fundamentação do voto do Ministro Raul Araújo. Vencidos na fundamentação o relator e o Ministro Luis Felipe Salomão. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator, quanto ao mérito. Votaram com o Sr. Ministro Raul Araújo, quanto à fundamentação, a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti e o Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira (Presidente). Sustentou oralmente o Dr. Matheus Rezende Sampaio, pela parte recorrente. 

Brasília, 09 de abril de 2019 (Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

O SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator): 

Cuida-se de recurso especial interposto por ITAÚ UNIBANCO S/A em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que em sede de agravo regimental manteve a deliberação monocrática que não conheceu do agravo de instrumento (art. 1.015 do NCPC) interposto contra o decisum que julgou procedente a ação de prestação de contas (atual ação de exigir contas), em sua primeira fase. 

Na origem, a autora REDENTOR - COMÉRCIO DE DERIVADOS DE PETRÓLEO LTDA ajuizou ação (fls. 34-44) pretendendo compelir a casa bancária à prestação de contas do cartão de crédito vinculado à sua conta corrente, em razão de operações creditícias contraídas. 

Em fevereiro de 2011, o magistrado a quo proferiu sentença indeferindo a inicial com suporte no art. 284, parágrafo único, do CPC/73 e julgando extinto o processo em razão da requerente não ter procedido à emenda da inicial determinada. Contra referida deliberação, a autora interpôs apelação que foi provida pelo Tribunal paulista (acórdão de fls. 47-49) para, anulando a sentença por entender inexistente a alegada genericidade da peça e pedido, determinar o processamento da demanda. 

Na data de 21 de março de 2016, portanto quando já em vigor o novo diploma processual civil, o juízo de piso proferiu nova sentença (fls. 64-65), desta feita julgando procedente a ação e condenando a financeira a prestar as contas pleiteadas na inicial, no prazo de quinze dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que a autora apresentar, de acordo com o artigo 550, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil. Referido decisum foi baixado ao cartório em 28 de março de 2016 conforme certidão de fls. 67 com a classe ação de exigir contas, tendo sido publicado em 06/04/2016. 

Opostos aclaratórios, foram rejeitados pela deliberação de fls. 66 proferida em maio de 2016 e publicada em 01/06/2016, conforme certidão de fls. 70. 

Irresignada, a financeira interpôs agravo de instrumento (fls. 1-15), com amparo no art. 1.015 e seguintes do NCPC, aduzindo, além das questões meritórias, os motivos pelos quais manejou o referido recurso: 

Com a entrada em vigor do CPC/2015, o legislador não deixou clara a natureza dessa decisão de primeira fase, que anteriormente era tida como sentença, sendo impugnável por Apelação e dotada de duplo efeito. No entanto, o CPC/2015 parece ter alterado esse entendimento, a começar pelo aspecto formal, por ter prevalecido no § 5º do artigo 550 a palavra “decisão” ao invés de “sentença”. (...) Assim, temos que a decisão de primeira fase que encerra a cognição, extinguindo o processo, tem natureza de sentença e deve ser atacada através de recurso de Apelação, enquanto que a decisão que reconhece o dever de o réu prestar contas, conduzindo o procedimento para fase seguinte, possui natureza interlocutória de mérito, devendo ser impugnada por meio de Agravo na modalidade de Instrumento. (...) No caso da decisão de primeira fase da Ação de Exigir Contas, que reconhece o dever de o Réu prestar contas, por ser uma decisão interlocutória de mérito, conforme abordado acima, o Agravo de Instrumento possui cabimento, com fundamento no artigo 1.015, II, CPC/2015. Inclusive, esse foi o entendimento explanado no Fórum Permanente de Processualistas Civis, no Enunciado n. 177 – (arts. 550, § 5º e 1.015, inc. II): “A decisão interlocutória que julga procedente o pedido para condenar o réu a prestar contas, por ser de mérito, é recorrível por Agravo de Instrumento”. 

Asseverou, ainda, que caso não se entendesse cabível o agravo de instrumento, que a Corte local recebesse o reclamo como apelação, em seu duplo efeito, em homenagem ao princípio da fungibilidade recursal, nos termos do Enunciado 104 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: "O princípio da fungibilidade recursal é compatível com o NCPC e alcança todos os recursos, sendo aplicável de ofício". 

O Desembargador relator do feito junto ao Tribunal paulista não conheceu do recurso conforme deliberação de fls. 147-148, tendo na oportunidade afirmado: 

A primeira fase da ação de prestação de contas (agora, conforme o Novo Código de Processo Civil, ação de exigir contas) continua a ser decidida por sentença; logo, impugnável por apelação. Nada justifica atribuir-se ao ato judicial previsto no § 5º, do artigo 550, do Novo Código de Processo Civil a natureza de decisão interlocutória de mérito. Sempre fora e continua a ser sentença, já que, para dizer o mínimo, esgota o exame da controvérsia (se há ou não o dever de prestar contas, com ou sem o julgamento do mérito) até então instaurada. A tão só designação do ato que julga procedente o pedido da ação de exigir contas como decisão não a desnatura como sentença e não a transforma em decisão interlocutória de mérito. Até porque, não se subsumi (sic) a hipótese do artigo 356 do Novo Código de Processo Civil a desafiar o agravo de instrumento (NCPC, art. 1015, II c.c. art. 356, § 5º). Até porque, criaria para a solução da primeira fase da ação de exigir contas atos judiciais de naturezas distintas. O Novo Código de Processo Civil não revolucionou o sistema processual civil até então em vigor. Na medida do possível tentou aperfeiçoá-lo e atualizá-lo, o que, na ação de exigir contas, não importou em modificação da natureza da decisão que julga a primeira fase. Acrescente-se, ainda, não ser o caso de aplicação do princípio da fungibilidade recursal, até porque inexistente dúvida objetiva e escusável a respeito da questão. 

Em sede de agravo interno/regimental, a Corte a quo manteve a deliberação, conforme revela a ementa do acórdão impugnado (fl. 179): 

Agravo interno – Agravo de instrumento não conhecido por decisão monocrática do Relator, pois interposto contra sentença que julgou procedente a primeira fase da ação de prestação de contas – Sentença que põe fim à primeira fase da ação – Recurso cabível é apelação – Ausência de justificativa a autorizar a aplicação do princípio da fungibilidade recursal – Agravo interno desprovido. 

A parte, então, interpôs recurso especial (fls. 184-191), apontando, além de dissídio jurisprudencial, ofensa aos arts. 550, § 5º, 1.015, inciso II, e 277 do Novo Código de Processo Civil - NCPC. 

Sustenta, em síntese: a decisão que encerra a primeira fase da ação de exigir contas é interlocutória de mérito, impugnável, portanto, por meio do agravo de instrumento, e não por apelação, conforme concluído pelo Tribunal de origem. 

Requer, de forma subsidiária, a aplicação do princípio da fungibilidade recursal, pois a definição do recurso cabível, na hipótese, ainda estaria controversa, em razão da vigência do NCPC. 

Contrarrazões às fls. 225-236, pugnado pelo desprovimento do reclamo.

 Admitido o recurso, os autos subiram ao exame do STJ. 

É o relatório. 

VOTO VENCIDO 

O SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator): O recurso especial merece acolhida. 1. Cinge-se a controvérsia em definir, à luz do NCPC, qual é o recurso cabível em face da "decisão" - expressão empregada pelo art. 550, § 5º, do Código de 2015 - que encerra a primeira fase do procedimento da ação de exigir contas (antiga ação de prestação de contas), e se é possível, na hipótese de interposição de um recurso por outro, a aplicação, no caso, do princípio da fungibilidade. 

Ressalta-se que, nessa etapa processual, a única questão submetida ao crivo desta Corte Superior está limitada à averiguação do recurso apto à impugnação da deliberação que condena o réu a prestar as contas, não estando em discussão a matéria de fundo acerca do interesse de agir. 

2. Pois bem, sob a égide do CPC/1973, não havia controvérsia quanto ao cabimento do recurso de apelação, em face da "sentença" - termo utilizado no art. 915, § 2º, do Código revogado - que condenava o réu à obrigação de fazer, consistente no esclarecimento de débitos, lançamentos ou operações de interesse do autor. 

Confira-se a disposição do regramento anterior: 

Art. 915. Aquele que pretender exigir a prestação de contas requererá a citação do réu para, no prazo de 5 (cinco) dias, as apresentar ou contestar a ação. § 1º Prestadas as contas, terá o autor 5 (cinco) dias para dizer sobre elas; havendo necessidade de produzir provas, o juiz designará audiência de instrução e julgamento; em caso contrário, proferirá desde logo a sentença. § 2º Se o réu não contestar a ação ou não negar a obrigação de prestar contas, observar-se-á o disposto no art. 330; a sentença, que julgar procedente a ação, condenará o réu a prestar as contas no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de não Ihe ser lícito impugnar as que o autor apresentar. 

O CPC/73 era expresso ao dispor, no art. 513, caber apelação em face de sentença, motivo pelo qual eventual interposição de agravo de instrumento, era considerado erro grosseiro, dada a disposição autoevidente empregada pela lei processual. 

Esse, inclusive é o entendimento desta Corte Superior: 

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO (ART. 544, DO CPC/73) - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - EXTINÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO - FALÊNCIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DA AGRAVANTE. (...) 3.2. Havendo expressa disposição de lei, a interposição de recurso diverso do estabelecido configura erro grosseiro, insuscetível de se aplicar o princípio da fungibilidade recursal.Precedentes. 4. Agravo interno desprovido. (AgInt nos EDcl no AREsp 945.612/PR, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 12/06/2018) 

Na espécie, a "decisão" que encerrou a primeira fase do procedimento foi publicada em 6 de abril de 2016 (fl. 68). Assim, como o NCPC entrou em vigência dia 18 de março de 2016, o recurso apresentado pela instituição financeira deve obedecer aos requisitos de admissibilidade da lei nova, conforme inclusive precursiona o Enunciado Administrativo n. 2/STJ ("Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 - relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016 - devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça."), razão por que necessário perquirir, diante dos arts. 550, § 5º, 1.009 e 1.015 do NCPC, se o agravo de instrumento interposto por ITAÚ UNIBANCO S.A pode ser admitido. 

Inicialmente, cabe anotar que o debate acerca da natureza do rol do art. 1.015 do NCPC - hipóteses de cabimento do agravo de instrumento - afetado a julgamento da Corte Especial do STJ no ProAfR no REsp 1.704.520/MT, já foi amplamente realizado no âmbito daquele colegiado, que estabeleceu: "O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação." Na oportunidade, ficou definido, ainda, que a tese jurídica somente seria aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do acórdão, a fim de não prejudicar as partes que confiaram na absoluta taxatividade do artigo e a interpretação restritiva daquelas hipóteses legais. 

Confira-se, por oportuno, a ementa do mencionado julgado: 

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015. IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL. POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA. EXCEPCIONALIDADE DA IMPUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. REQUISITOS. 1- O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal. 2- Ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu o legislador salvaguardar apenas as "situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação". 3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo. 4- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se igualmente ineficaz para a conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos. 5- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria meramente exemplificativo, por sua vez, resultaria na repristinação do regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/73 e que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC, de modo que estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a vontade expressamente externada pelo Poder Legislativo. 6- Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. 7- Embora não haja risco de as partes que confiaram na absoluta taxatividade com interpretação restritiva serem surpreendidas pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, eis que somente se cogitará de preclusão nas hipóteses em que o recurso eventualmente interposto pela parte tenha sido admitido pelo Tribunal, estabelece-se neste ato um regime de transição que modula os efeitos da presente decisão, a fim de que a tese jurídica somente seja aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão. 8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial para determinar ao TJ/MT que, observados os demais pressupostos de admissibilidade, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento no que tange à competência. 9- Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1704520/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 05/12/2018, DJe 19/12/2018) - grifos nossos

 Assim, esta Corte Superior já assentou entendimento acerca da taxatividade mitigada do rol do art. 1.015 do NCPC, haja vista a possibilidade de haver a interposição de agravo de instrumento quando se verificar a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. 

Feito esse intróito, e com base única e exclusiva no quanto deliberado pela Corte Especial, seria possível, à primeira vista, notadamente em razão de o assunto não possuir tratamento unânime no âmbito doutrinário, cogitar a viabilidade da interposição do agravo de instrumento contra a decisão que encerra a primeira fase da ação de exigir contas quando se verificasse a urgência face a eventual inutilidade do pronunciamento, se tomado quando da apreciação do recurso de apelação. 

Humberto Theodoro Júnior, por exemplo, entende que, uma vez empregada pelo NCPC a expressão "decisão" (art. 515, § 5º), para nomear o último ato jurisdicional da primeira fase da demanda, dando continuidade ao rito, o recurso adequado seria o agravo de instrumento, com base no art. 1.015, inciso II, do NCPC, conforme se observa do livro Curso de Direito Processual Civil: 

Quando se acolhe o pedido de contas, o juiz não mais profere uma sentença, mas uma decisão interlocutória como se deduz do art. 550, § 5º, o qual textualmente dispõe: “A decisão que julgar procedente o pedido condenará o réu a prestar contas no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar”. A preocupação do legislador ao preferir, na espécie, falar em decisão em vez de sentença não se deveu a uma mera opção léxica, pois a diferença entre esses dois atos judiciais dentro do próprio Código produz efeitos relevantes, no tocante ao regime recursal. Se fosse mantida a sistemática de encerrar a primeira fase da ação por meio de sentença, como queria o Código velho, o recurso interponível seria a apelação, remédio que paralisaria a marcha do processo em primeiro grau, subindo necessariamente os autos ao Tribunal de Justiça. Somente depois de julgado definitivamente o apelo é que se retomaria a movimentação do feito, iniciando a segunda fase. Tendo, porém, a nova lei adotado o encerramento da primeira fase por meio de decisão, o recurso contra esta será o agravo de instrumento, já que embora não encerrando a atividade cognitiva do processo, teria sido julgado parte do mérito da causa, qual seja, a relativa ao direito de exigir contas (art. 1.015, II). O recurso manejável, porém, não acarretará paralisação do processo em primeiro grau, nem sequer será processado nos autos da causa, mas em autuação apartada, formada diretamente no tribunal ad quem (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 2017, págs. 134/135). grifo nosso 

No mesmo norte jurídico segue Elpídio Donizetti ao afirmar: 

Deve-se ressaltar que no procedimento previsto no CPC/1973, tanto a primeira quanto a segunda fase eram decididas por sentença. (...) No novo CPC, embora ainda haja possibilidade de o procedimento se desdobrar em duas fases, a primeira é decidia por meio de decisão interlocutória, que desafia agravo de instrumento (art. 1.015, II). (...) O procedimento continua de duas fases, mas, diferentemente do que ocorre com a ação demarcatória, a sentença será uma só, reservada ao julgamento das contas em si. (...) A primeira fase é encerrada por decisão interlocutória (art. 550, § 5º) e a segunda por sentença (art. 552). (...) A primeira fase da ação de exigir contas encerra-se com um pronunciamento judicial (decisão interlocutória, porquanto não pôs fim à fase cognitiva do processo) acerca da existência ou não do direito de exigir contas. É possível contudo, o julgamento meramente terminativo, com o reconhecimento de alguma das hipóteses do art. 485 do CPC. Nesse caso, o ato judicial terá natureza de sentença, exatamente porque pôs fim a toda a fase cognitiva do processo. Há ainda a possibilidade de o mérito ser decidido com a declaração no sentido da inexistência do direito material de exigir contas, alegado pelo autor. Aqui também haverá sentença e, no caso, sentença que implica resolução do mérito, uma vez que declara a inexistência do dever de prestar contas por parte do réu. Assim se reconhece o dever de prestar contas, a decisão será interlocutória, uma vez que a fase cognitiva do processo terá prosseguimento. Ao revés, se prosseguimento não houver, estaremos diante de sentença. A sentença que julga improcedente a pretensão de exigir contas terá natureza declaratória. A decisão de procedência é de conteúdo condenatório, impondo ao réu a obrigação de fazer (prestar as contas em 15 dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar. Já disse, mas repito, porque este livro se destina a estudantes de Direito, não a "cientistas" do Direito: de sentença cabe apelação; de decisão interlocutória, cabe agravo. Simples assim. (DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 19. ed. São paulo: Atlas, 2016, p. 841-844) 

Contudo, em análise aprofundada do tema, mediante o cotejo da lei e a averiguação do instrumento processual bifásico da ação de exigir/prestar contas, verifica-se que o recurso cabível é mesmo a apelação. 

Tal assertiva encontra guarida nos ensinamentos de Teresa Arruda Alvim Wambier, que, nos comentários ao art. 550, do Novo Código de Processo Civil, defende o cabimento do recurso de apelação ante a decisão terminativa da primeira fase da demanda (Wambier, Teresa Arruda Alvim et al, Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil, 2016, pág. 1003). 

No mesmo sentido Daniel Amorim Assumpção Neves: 

A grande especialidade procedimental da ação de exigir contas é a existências de duas fases procedimentais sucessivas, sendo a primeira para se discutir o dever de prestação das contas e a segunda para a discussão do valor do saldo devedor. Cada fase será decidida por uma sentença, o que torna essa demanda de conhecimento singular, pois o mérito será necessariamente decidido em dois momentos distintos. São duas as sentenças, mas a petição inicial é uma só, daí a necessidade de se fazer a cumulação de pedidos já referida (cumulação sucessiva) (...) Prestadas as contas voluntariamente pelo réu após a sua citação, o autor será intimado para se manifestar sobre elas no prazo de 15 dias, sendo certo que nesse caso já se terá passado para a segunda fase do processo. Estará, portanto, superada a primeira fase procedimental sem a necessidade de prolação de sentença.(...) Após o momento procedimental de reação do réu, o procedimento sofrerá variação conforme a espécie de reação adotada no caso concreto. Proferida a sentença, extinguindo o processo sem resolução do mérito ou rejeitando o pedido do autor, caberá recurso de apelação, e sendo definitiva a decisão, naturalmente não haverá segunda fase procedimental. Na hipótese de acolhimento do pedido do autor, o juiz condenará o réu a prestar as contas no prazo de 15 dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar (art. 550, § 5º, do Novo CPC). Dessa sentença cabe apelação, que será recebida no duplo efeito, de forma que o prazo de 15 dias só passará a ser contado a partir do julgamento desse recurso. (NEVES, Daniel Amorim Assumpção - Novoc Código de Processo Civil Comentado - Salvador, JusPodivm, 2016, p. 973-975) - grifos nossos 

Para Nelson Nery Junior, "contra a sentença proferida em qualquer fase da ação de prestação de contas cabe apelação (RT 512/238)". (NERY JUNIOR, Nelson. Código de processo Civil comentado. 17. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 1554). 

Inegavelmente, o procedimento da demanda de exigir contas não foi alterado na sua essência pelo NCPC, continuando com natureza condenatória e dividido em duas fases - uma para definir se há o dever de o réu prestar contas e outra para averiguar se há saldo devedor/credor na relação jurídica. Não encerrada a primeira etapa, não se prossegue na fase seguinte, visto ser essa inteiramente dependente daquela, ou seja, não concordando o réu com a obrigação de fazer imposta na deliberação no tocante ao dever de prestar contas, é crucial impugnar o ato judicial por meio de apelação, que inclusive, por expressa disposição legal, terá efeito suspensivo (art. 1.012 do NCPC). 

A suspensividade atribuída à apelação retira o eventual caráter de urgência que se poderia cogitar para admitir a interposição de agravo de instrumento na ação de exigir contas, notadamente quando o interesse da parte ré, tal como no presente caso no qual expressamente requereu a atribuição de efeito suspensivo ao reclamo, é o de obstar o prosseguimento da demanda para a fase seguinte (prestação das contas propriamente dita com a apuração do saldo). 

Ademais, tal como referido pelo Tribunal a quo, não se justifica atribuir ao ato judicial previsto no art. 550, § 5º do NCPC a natureza de decisão interlocutória de mérito como pretende a financeira, tão somente, em virtude da designação genérica conferida pelo legislador ao ato judicial impugnado (decisão), porquanto, além de não ter havido mudança quanto ao procedimento bifásico da ação de exigir/prestar contas, o recurso cabível contra a deliberação que encerra a primeira fase já é, por expressa disposição legal, munido de efeito suspensivo, ou seja, obsta o prosseguimento do feito para a segunda fase, uma vez que imprescindível primeiramente estabelecer a obrigação/dever de prestar as contas. 

E ainda, a fixação da admissibilidade/cabimento do recurso de apelação em face da decisão terminativa da primeira fase da ação de exigir contas confere maior organização tanto ao procedimento bifásico quanto ao sistema recursal, isso porque, diferenciar a natureza de uma decisão - e, consequentemente, o recurso cabível em face dela - a depender apenas da apresentação ou não de contestação pela parte ré e do resultado do julgamento, se procedente ou se improcedente, contraria a lógica processual. 

Explico. 

No procedimento de exigir contas, estabeleceu o legislador no § 4º do art. 550 que se o réu não contestar o pedido, observar-se-á o disposto no art. 355 do NCPC, o qual prevê: "o juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito". Nada justifica que, caso o réu apresente a contestação, o ato judicial que delibera acerca do pedido seja considerado mera decisão interlocutória, afinal, a natureza do ato judicial (havendo ou não contestação da parte ré) será sempre o mesmo (seja com ou sem resolução de mérito) nos termos dos arts. 485 e 487 do NCPC. 

Relativamente ao resultado do julgamento, a deliberação judicial que encerra a primeira fase do procedimento de exigir contas pode ser no sentido de condenar ou isentar o demandado a prestá-las, distribuindo, em ambos os casos, a sucumbência. Ora, por óbvio, se na hipótese de o magistrado isentar o réu de prestar as contas, ou seja, julgar improcedente a demanda, não há dúvida sobre a prolação de uma sentença, tanto que necessário o arbitramento de verba honorária, também não deve haver controvérsia quanto ao cabimento da sentença para dar continuidade à marcha processual, assim como ocorria no CPC/73, porém, em segunda fase. 

Assim, a definição do recurso cabível, na situação dos autos, deve passar pelo exame do conjunto do NCPC e, em especial, das características próprias da ação de exigir contas, bem como dos efeitos jurídicos emanados do ato processual em questão, e não por mero apego à literalidade da expressão empregada pelo legislador, ao nomear o último ato jurisdicional da primeira fase de "decisão", em vez de "sentença". 

A propósito, neste caso, o método de interpretação gramatical não conduz, por si só, a uma conclusão segura a respeito da natureza do pronunciamento judicial em questão, uma vez que, em contraste com a técnica utilizada no caput do art. 1.015 do NCPC, no qual o legislador utilizou a expressão "decisão interlocutória", o § 5º do artigo 550 refere-se apenas ao termo "decisão" que, a rigor, em sentido amplo, pode designar tanto uma sentença quanto uma decisão interlocutória. 

Portanto, a definição do cabimento do recurso de apelação contra a deliberação judicial acerca do dever de prestar as contas, na primeira fase da demanda, prescinde de exame quanto ao sentido do comando jurisdicional, visto que não pode depender da existência ou não de contestação, tampouco do acolhimento ou não do pedido inicial. 

Ressalta-se, inclusive, que no ordenamento jurídico brasileiro existem outras demandas, tal como a de exigir contas, as quais também são subdivididas em duas fases. Como exemplo, cita-se a ação de divisão e de demarcação de terras particulares, cujo regramento está estabelecido nos artigos 569 a 598 do NCPC. Nessas demandas, o procedimento meritório possui duas etapas distintas e o pronunciamento judicial que encerra cada etapa, seja ele procedente ou improcedente se dá por meio de sentença, não tendo o legislador efetuado qualquer modificação terminológica ou redacional referente à deliberação. 

Por oportuno, confiram-se os seguintes artigos referentes a essas demandas: 

Art. 579. Antes de proferir a sentença, o juiz nomeará um ou mais peritos para levantar o traçado da linha demarcanda. 

Art. 581. A sentença que julgar procedente o pedido determinará o traçado da linha demarcanda. Parágrafo único: A sentença proferida na ação demarcatória determinará a restituição da área invadida, se houver, declarando o domínio ou a posse do prejudicado, ou ambos. 

Art. 582. Transitada em julgado a sentença, o perito efetuará a demarcação e colocará os marcos necessários. 

Conclui-se, portanto que, em face da decisão - para não modificar a palavra usada pelo legislador - terminativa da primeira fase da ação de exigir contas cabe apelação, não importando se o juiz declara ausente ou presente o direito do autor de ter acesso às informações postuladas ou se o réu contesta o feito. 

Assim, seja levando em conta o produto da análise da lógica implementada pela praxis forense, seja a contar do exame do regramento jurídico pertinente, destacadamente ante o evidente procedimento bifásico peculiar e típico da modalidade de demanda ora em evidência, não há como compreender que o ato judicial em comento se trate de decisão interlocutória de mérito, posto o exame exauriente do único pedido concernente à primeira fase da ação de exigir contas. 

3. Passa-se ao exame da questão referente à possibilidade de aplicação, no caso, do princípio da fungibilidade recursal. 

Por lealdade intelectual é importante mencionar que no âmbito do tratamento definitivamente dado pela instituição ao caso concreto, seja interna corporis (cartórios, serventuários, certificações e atos de publicação), seja pelo magistrado em seus despachos e deliberação final, a designação dada ao ato sempre fora de categoria nominal designada por "sentença". 

Em análise à deliberação de fls. 64-65, verifica-se que o ato judicial foi denominado "sentença", o magistrado a quo julgou "procedente a ação" para condenar o réu a prestar as contas e, inclusive, fixou a sucumbência na primeira fase, determinando-lhe que arcasse com o pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios. 

No decisum de fls. 66, que julgou os embargos de declaração, o juiz de piso afirmou "não há na sentença contradição, obscuridade ou omissão a ser sanada em embargos de declaração", pois "a adoção de determinado entendimento e não de outro que, segundo a embargante, poderia alterar o conteúdo da sentença, não é fundamento" para o acolhimento do recurso integrativo. 

As certidões cartorárias constantes dos autos expressamente certificaram que o processo foi baixado em cartório com a "r. sentença devidamente registrada" (fls. 67 e 69) e as informações disponibilizadas no sítio eletrônico do Tribunal de Justiça paulista, notadamente aquelas relacionadas ao dia 28/03/2016 de forma cristalina trazem não apenas a natureza do ato judicial a ser impugnado como o recurso cabível, inclusive com o valor do preparo. 

Confira-se: 

28/03/2016 Certidão de Cartório Expedida CERTIFICO E DOU FÉ, em cumprimento à Lei 11.608, de 29/12/2003, que o valor do preparo, para o caso de recurso, é de R$ 800,00 (Valor singelo) e de R$ 1.187,59 (Valor corrigido) - Código 230-6 (Guia GARE). Certifico ainda, que o valor a ser recolhido para porte de remessa e retorno do recurso de apelação é de R$ 32,70 por volume - Código 110-4 (Guia FEDTJ). Nada mais. 28/03/2016 Sentença Registrada 

A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que a adoção do princípio da fungibilidade recursal está autorizada quando não houver erro grosseiro, existindo dúvida objetiva do recurso cabível e desde que interposto o reclamo dentro do correto prazo legal. Nesse sentido: AgRg no AREsp 769.304/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, DJe de 10/11/2015. 

Theotônio Negrão, ao questionar o cabimento do agravo de instrumento frente ao art. 550 do NCPC, preleciona que, até que haja definição com maior firmeza acerca da natureza da decisão que julga o pedido de exigir contas e consequentemente o recurso dela cabível, deve haver um recrudescimento da fungibilidade entre o agravo de instrumento e a apelação: 

No CPC/1973 rev., a decisão que julgava o dever de prestar contas era rotulada como sentença (CPC rev. 915, § 2º). Agora, esse pronunciamento é tratado simplesmente como decisão, a indicar que se trataria de decisão interlocutória, agravável, por se tratar de ato que examina o mérito (v. art. 1.015-II). Todavia, o legislador não é suficientemente claro a respeito. No § 4º deste art. 550, manda observar o art. 355 quando o réu não contestar a ação de exigir contas. E o art. 355 determina que o juiz julgue antecipadamente o pedido nessas circunstâncias, 'proferindo sentença com resolução de mérito'. Assim, não se estaria diante de ato impugnável por apelação, nos termos do art. 1.009-caput? Mas não é só. Num processo em que se pede apenas a prestação de contas, a decisão que julga esse pedido esgota, por ora, o exame da pretensão formulada, de modo semelhante ao ato que 'põe fim à fase cognitiva do procedimento comum' (art. 203, § 1º). Nesse contexto, até que se defina com maior firmeza a natureza da decisão que julga o pedido de exigir contas e consequentemente o recurso contra ela cabível, deve haver um recrudescimento da fungibilidade entre apelação (art. 1.009-caput) e agravo (art. 1.015-II) (Negrão, Theotonio et al, Novo Código de Processo Civil, 2017, pág. 604). 

Daniel Assupção Neves, diante da controvérsia, defende a aplicação do princípio da fungibilidade, até a definição do tema pela jurisprudência. 

Eis trecho do seu Manual de Processo Civil: 

Registre-se que nesse tocante há séria divergência a respeito da natureza da decisão prevista no § 2º do art. 550 do Novo CPC, havendo aqueles que defendem sua natureza de sentença, recorrível por apelação, e outros que a entendem como decisão interlocutória de mérito, sendo, portanto, recorrível por agravo de instrumento e não por apelação. Compreendo que à luz dos critérios de sentença e de decisão interlocutória previstos nos §§ 1º e 2º do art. 203 do Novo CPC/1973 e a admissão expressa da decisão interlocutória de mérito em nosso sistema, essa conclusão parece ser a mais racional. Ocorre, entretanto, que é o próprio art. 203, § 1º, do Novo CPC/1973 que prevê não ser o conceito legal aplicável aos procedimentos especiais, o que somente se justifica se aceitarmos que em alguns procedimentos a decisão que seria interlocutória é na realidade uma sentença. De qualquer forma, entendo que nesse caso deve ser aplicado o princípio da fungibilidade recursal até que o tema seja pacificado jurisprudencialmente (NEVES, Daniel Amorim Assumpção, Manual de Direito Processual Civil, 2018, pág. 931). 

Como se pode ver, o tema afeto ao recurso cabível da deliberação que encerra a primeira fase da ação de exigir contas (novo CPC) é inegavelmente controvertido na doutrina e a tese sustentada pela parte insurgente possui amparo, inclusive, no Enunciado 177 do Fórum Permanente dos Processualistas Civis (A decisão interlocutória que julga procedente o pedido para condenar o réu a prestar contas, por ser de mérito, é recorrível por agravo de instrumento - arts. 550, § 5º e 1.015, inc. II), sede na qual são reunidos célebres nomes da Ciência Jurídica, motivo pelo qual, seria de rigor exacerbado afastar nessa hipótese a aplicação do princípio da fungibilidade recursal. 

Por todas essas circunstâncias, embora seja cabível, como exposto, o recurso de apelação contra a decisão que encerra a primeira fase da ação de exigir contas, todavia, no caso ora em foco, em razão da controvérsia doutrinária existente quanto ao tema, e de o emprego pelo legislador da palavra "decisão" no art. 550, § 5º, do NCPC, na situação dos autos, considera-se aplicável o princípio da fungibilidade, tornando necessário o retorno dos autos ao Tribunal de origem para o processamento da irresignação. 

4. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, determinando o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que, segundo sua livre convicção, julgue o recurso interposto. 

É como voto. 

VOTO VENCEDOR 

EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO: Senhor Presidente, A questão aqui controversa consiste em definir, à luz do Código de Processo Civil de 2015, o recurso cabível da decisão que julga procedente a ação de exigir contas (prestação de contas) na primeira fase, condenando o réu a prestar as contas exigidas pelo autor. 

O eminente relator do recurso especial, Ministro MARCO BUZZI, realizando um estudo aprofundado do tema, concluiu seu judicioso voto no sentido de que, da decisão que encerra a primeira fase da ação de exigir contas, o recurso cabível é a apelação. 

No entanto, como admite e bem demonstrou o eminente relator, a matéria é bastante controvertida tanto na doutrina como na jurisprudência, pois ainda se dividem a respeito do recurso cabível na hipótese: se seria o agravo de instrumento ou a apelação. 

Na vigência do Código de Processo Civil de 1973, a dúvida não existia. A redação do art. 915, § 2º, definindo como sentença o provimento jurisdicional que punha fim à primeira fase da ação de prestação de contas, não deixava dúvidas acerca do recurso cabível, qual seja, apelação. Efetivamente, a norma revogada assim dispunha: 

Art. 915. Aquele que pretender exigir a prestação de contas requererá a citação do réu para, no prazo de 5 (cinco) dias, as apresentar ou contestar a ação. § 1º Prestadas as contas, terá o autor 5 (cinco) dias para dizer sobre elas; havendo necessidade de produzir provas, o juiz designará audiência de instrução e julgamento; em caso contrário, proferirá desde logo a sentença. § 2º Se o réu não contestar a ação ou não negar a obrigação de prestar contas, observar-se-á o disposto no art. 330; a sentença, que julgar procedente a ação, condenará o réu a prestar as contas no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de não Ihe ser lícito impugnar as que o autor apresentar. [...] 

Por sua vez, o art. 513 do vetusto Código era também bastante claro ao afirmar que "da sentença caberá apelação". 

Com a entrada em vigor do novo Código, contudo, a questão tornou-se mais nebulosa, em vista da redação adotada pela nova norma processual. 

Com efeito, o Código de Processo Civil de 2015, ao disciplinar a ação de exigir contas, dispôs nos seguintes termos: 

Art. 550. Aquele que afirmar ser titular do direito de exigir contas requererá a citação do réu para que as preste ou ofereça contestação no prazo de 15 (quinze) dias. § 1º Na petição inicial, o autor especificará, detalhadamente, as razões pelas quais exige as contas, instruindo-a com documentos comprobatórios dessa necessidade, se existirem. § 2º Prestadas as contas, o autor terá 15 (quinze) dias para se manifestar, prosseguindo-se o processo na forma do Capítulo X do Título I deste Livro. § 3º A impugnação das contas apresentadas pelo réu deverá ser fundamentada e específica, com referência expressa ao lançamento questionado. § 4º Se o réu não contestar o pedido, observar-se-á o disposto no art. 355 . § 5º A decisão que julgar procedente o pedido condenará o réu a prestar as contas no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar. § 6º Se o réu apresentar as contas no prazo previsto no § 5º, seguir-se-á o procedimento do § 2º, caso contrário, o autor apresentá-las-á no prazo de 15 (quinze) dias, podendo o juiz determinar a realização de exame pericial, se necessário. 

Art. 551. As contas do réu serão apresentadas na forma adequada, especificando-se as receitas, a aplicação das despesas e os investimentos, se houver. § 1º Havendo impugnação específica e fundamentada pelo autor, o juiz estabelecerá prazo razoável para que o réu apresente os documentos justificativos dos lançamentos individualmente impugnados. § 2º As contas do autor, para os fins do art. 550, § 5º , serão apresentadas na forma adequada, já instruídas com os documentos justificativos, especificando-se as receitas, a aplicação das despesas e os investimentos, se houver, bem como o respectivo saldo. 

Art. 552. A sentença apurará o saldo e constituirá título executivo judicial. 

O art. 1.015 do CPC/2015, por sua vez, dispõe que: 

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I - tutelas provisórias; II - mérito do processo; III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem; IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica; V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI - exibição ou posse de documento ou coisa; VII - exclusão de litisconsorte; VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º ; XII - (VETADO); XIII - outros casos expressamente referidos em lei. Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário. 

A eg. Terceira Turma, em julgamento hoje proferido (REsp 1.746.337/RS) - e ao qual se referiu, da tribuna, o il. advogado do recorrente -, decidiu que: se na primeira fase a decisão é de improcedência da ação, ela está concluindo a demanda, pois não haverá a segunda fase; então, o recurso será de apelação. Mas, se na primeira fase a decisão for de procedência da ação, esta não estará sendo extinta, e o recurso cabível, então, será o agravo de instrumento, entendimento que também se mostra bem razoável. 

Nesse contexto, e considerando que o entendimento acerca do tema ainda se encontra em formação, ouso divergir do ilustre relator. 

Entendo que, não havendo a extinção do processo, não poderá haver uma condenação nos ônus sucumbenciais, daí o novo Código, aprimorando a técnica do anterior, referir-se a uma decisão, deixando mais claro que poderá não haver sentença, como sucede quando a ação é julgada procedente na primeira fase, para ter prosseguimento ainda. Na hipótese contrária, ou seja, se a decisão der pela improcedência da ação de exigir contas, aí sim teremos uma sentença pondo fim ao processo, inclusive com aplicação de ônus sucumbenciais. 

Então, na primeira hipótese, ter-se-á uma decisão que desafia agravo de instrumento; na segunda hipótese é que a decisão atrairia apelação. 

Em qualquer caso, neste momento em que a jurisprudência e a doutrina ainda estão debatendo o assunto, acho que temos obrigação, não só neste recurso, mas em qualquer outro como este, de aplicar o princípio da fungibilidade. 

Com efeito, havendo dúvida fundada e objetiva acerca do recurso cabível e inexistindo ainda pronunciamento judicial definitivo acerca do tema, deve ser admitida a aplicação da fungibilidade recursal, a fim de determinar ao eg. Tribunal de origem que conheça do agravo de instrumento interposto pelo recorrente. 

Nesses termos, rogando vênia ao eminente Relator, dou provimento ao recurso especial para reformar o acórdão recorrido e determinar o retorno dos autos ao eg. Tribunal de origem, para que conheça do agravo de instrumento interposto pelo recorrente, julgando-o como entender de direito. 

É como voto. 

VOTO 

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Senhor Presidente, peço a máxima vênia ao eminente Relator, para acompanhar a divergência. 

No meu entendimento, trata-se de decisão interlocutória que versa sobre questão de mérito do processo. É interlocutória, na medida em que prosseguirá o processo para que sejam prestadas as contas, uma vez decidido que há obrigação de prestar contas. Nesse caso, penso eu, cabível o agravo de instrumento, diversamente do que ocorreria se houvesse sentença extinguindo o processo por ausência do dever de prestar contas. 

Assim como o Ministro Raul Araújo, antecipo que qualquer que seja a solução prevalente no presente julgamento a respeito do recurso cabível, como há dúvida objetiva atualmente sobre o cabimento desse recurso, é de se aplicar a fungibilidade pelo menos até que a Corte Especial decida a questão e não se possa mais alegar dúvida plausível. 

VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA: Rogando vênia ao em. Ministro Relator, entendo que o ato decisório proferido na forma prevista pelo art. 550, § 5º, do CPC/2015 qualifica decisão interlocutória que versa sobre o mérito, e nessa condição deve ser impugnada por meio de agravo de instrumento, conforme preceito contido no art. 1.015, II, da lei processual: 

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: (...) II - mérito do processo; (...) 

De fato, na primeira fase do procedimento previsto para a agora denominada "ação de exigir contas", limita-se o juiz a definir se o réu tem ou não a obrigação de prestá-las, de modo que a solução dessa questão controvertida envolve, sem dúvida, o mérito stricto sensu da pretensão inicial, porém coloca fim ao processo de conhecimento (art. 203, §§ 1º e 2º), na medida em que, em continuidade, são praticados os atos judiciais visando à apresentação e o julgamento das contas oferecidas (art. 550, §§ 2º e 3º, 551, §§ 1º e 2º, e 552). 

Além disso, não posso deixar de observar a precisão técnica do legislador ao tratar como "decisão" o ato que julga procedente o pedido (art. 550, § 5º), condenando o réu na obrigação de prestar contas – e com isso exclui a hipótese de improcedência, na qual sem dúvida há um comando sentencial, com a consequente extinção do processo – e, logo em seguida (art. 552), designa como "sentença" a decisão que julga, na segunda fase do procedimento, as contas apresentadas. 

Ante o exposto, renovadas as vênias, adiro à divergência para DAR PROVIMENTO ao recurso especial, determinando o retorno dos autos à origem para o julgamento do agravo de instrumento como entender de direito. 

É como voto. D

6 de maio de 2021

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE ADMITE A INTERVENÇÃO DE TERCEIRO E DECLINA DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA FEDERAL. RECORRIBILIDADE IMEDIATA. ART. 1.015, IX, DO CPC/15. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL DE DUPLO CONTEÚDO. CRITÉRIOS DE EXAME. INTERVENÇÃO DE TERCEIRO QUE É O ELEMENTO PREPONDERANTE DA DECISÃO JUDICIAL. ESTABELECIMENTO DE RELAÇÃO DE ANTECEDENTE-CONSEQUENTE. IMPUGNAÇÃO ADEQUADA DA PARTE, QUE SE VOLTA ESSENCIALMENTE AOS MOTIVOS PELOS QUAIS A INTERVENÇÃO É NECESSÁRIA EM RELAÇÃO A TODAS AS PARTES. DELIBERAÇÃO SOBRE O DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA QUE É DECORRÊNCIA LÓGICA, EVIDENTE E AUTOMÁTICA DO EXAME DA QUESTÃO PREPONDERANTE.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.797.991 - PR (2019/0044742-7) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE OBRIGACIONAL SECURITÁRIA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE ADMITE A INTERVENÇÃO DE TERCEIRO E DECLINA DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA FEDERAL. RECORRIBILIDADE IMEDIATA. ART. 1.015, IX, DO CPC/15. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL DE DUPLO CONTEÚDO. CRITÉRIOS DE EXAME. INTERVENÇÃO DE TERCEIRO QUE É O ELEMENTO PREPONDERANTE DA DECISÃO JUDICIAL. ESTABELECIMENTO DE RELAÇÃO DE ANTECEDENTE-CONSEQUENTE. IMPUGNAÇÃO ADEQUADA DA PARTE, QUE SE VOLTA ESSENCIALMENTE AOS MOTIVOS PELOS QUAIS A INTERVENÇÃO É NECESSÁRIA EM RELAÇÃO A TODAS AS PARTES. DELIBERAÇÃO SOBRE O DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA QUE É DECORRÊNCIA LÓGICA, EVIDENTE E AUTOMÁTICA DO EXAME DA QUESTÃO PREPONDERANTE. 

1- Ação proposta em 14/08/2009. Recurso especial interposto em 21/08/2018 e atribuído à Relatora em 12/03/2019. 

2- O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que versa, a um só tempo, sobre a intervenção de um terceiro com o consequente deslocamento da competência para justiça distinta é impugnável desde logo por agravo de instrumento fundado na regra do art. 1.015, IX, do CPC/15. 

3- O pronunciamento jurisdicional que admite ou inadmite a intervenção de terceiro e que, em virtude disso, modifica ou não a competência, possui natureza complexa, pois reúne, na mesma decisão judicial, dois conteúdos que, a despeito de sua conexão, são ontologicamente distintos e suscetíveis de inserção em compartimentos estanques. 

4- Em se tratando de decisão interlocutória com duplo conteúdo – intervenção de terceiro e competência – é possível estabelecer, como critérios para a identificação do cabimento do recurso com base no art. 1.015, IX, do CPC/15: 

(i) o exame do elemento que prepondera na decisão; 

(ii) o emprego da lógica do antecedente-consequente e da ideia de questões prejudiciais e de questões prejudicadas; 

(iii) o exame do conteúdo das razões recursais apresentadas pela parte irresignada. 

5- Aplicando-se tais critérios à hipótese em exame, verifica-se que: 

(i) a intervenção de terceiro exerce relação de dominância sobre a competência, porque somente se cogita a alteração de competência do órgão julgador se houver a admissão ou inadmissão do terceiro apto a provocar essa modificação; 

(ii) a intervenção de terceiro é o antecedente que leva, consequentemente, ao exame da competência, induzindo a um determinado resultado – se deferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, haverá alteração da competência para a Justiça Federal e, se indeferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, haverá a manutenção da competência na Justiça Estadual; 

(iii) a irresignação da parte recorrente está no fato de que o interesse jurídico que justificaria a intervenção da Caixa Econômica Federal existiria em relação a todas as partes e não em relação a somente algumas, tendo sido declinados os fundamentos de fato e de direito correspondentes a essa pretensão e apontado que a remessa do processo para a Justiça Federal teria como consequência uma série de prejuízos de índole processual. 

6- Recurso especial conhecido e provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e dar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. 

Brasília (DF), 18 de junho de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Cuida-se de recurso especial interposto por SUL AMÉRICA COMPANHIA NACIONAL DE SEGUROS, com base nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, em face de acórdão do TJ/PR que, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno interposto em face da decisão unipessoal que não conheceu do agravo de instrumento interposto pelo recorrente. 

Recurso especial interposto em: 21/08/2018. Atribuído ao gabinete em: 12/03/2019. 

Ação: de responsabilidade obrigacional securitária ajuizada pelos recorridos em face da recorrente. 

Decisão interlocutória: pronunciou no sentido de que “a Caixa Econômica Federal manifestou interesse em integrar a presente demanda em relação aos autores José Maria, Juracy Medeiros Leal e Lea Aparecida dos Santos”, motivo pelo qual “reconheço a incompetência desta Juízo Estadual para processar e julgar a demanda, declinando-a em favor da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inc. I, da Constituição Federal”, determinando-se, ainda, “o desmembramento destes autos em relação aos autores acima citados” e a remessa dos autos à Vara Federal da Subseção Judiciária de Telêmaco Borba após o prazo legal e desde que ausente recurso (fls. 854/855, e-STJ). 

Acórdão: por unanimidade, negou provimento ao agravo interno interposto em face da decisão unipessoal que não conheceu do agravo de instrumento interposto pelo recorrente, nos termos da seguinte ementa: 

AGRAVO INTERNO – AÇÃO DE COBRANÇA – RESPONSABILIDADE SECURITÁRIA – SEGURO HABITACIONAL – INTERVENÇÃO DE TERCEIRO – DISCUSSÃO QUE TRATA, EM VERDADE, DA COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DO FEITO – NÃO CONHECIMENTO DA REFERIDA MATÉRIA – HIPÓTESE NÃO PREVISTA NO ROL TAXATIVO DO ART. 1.015 DO NCPC – DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. O art. 1.015 do NCPC trouxe rol taxativo das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento. Considerando que nenhuma delas abrange decisão que versa sobre competência absoluta da matéria, o tema não comporta conhecimento. (fls. 924/931, e-STJ). 

Embargos de declaração: opostos pela recorrente, foram rejeitados, por unanimidade (fls. 945/952, e-STJ). 

Recurso especial: alega-se violação ao art. 1.015, IX, do CPC/15, bem como dissídio jurisprudencial, ao fundamento de que o objeto de sua irresignação não é a competência para processar e julgar a ação em 1º grau, mas, sim, os motivos pelos quais foi reconhecida a existência de interesse da Caixa Econômica Federal em relação a apenas uma parcela dos autores e não em relação aos demais (fls. 955/966, e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que versa, a um só tempo, sobre a intervenção de um terceiro com o consequente deslocamento da competência para justiça distinta é impugnável desde logo por agravo de instrumento fundado na regra do art. 1.015, IX, do CPC/15. 

1. DA IRRECORRIBILIDADE DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE DEFERE OU INDEFERE INGRESSO DE TERCEIRO E, CONSEQUENTEMENTE, DESLOCA OU NÃO A COMPETÊNCIA. ART. 1.015, IX, DO CPC/15. 

Em primeiro lugar, sublinhe-se que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento dos recursos especiais representativos da controvérsia nº 1.696.396/MT e 1.704.520/MT, ambos com acórdãos publicados no DJe de 19/12/2018, pronunciou-se expressamente pela impossibilidade de uso da interpretação extensiva e da analogia para alargar as hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento. 

Anote-se, aliás, que houve unanimidade da Corte Especial nesse particular, na medida em que os e. Ministros que foram contrários à tese vencedora se filiaram ao entendimento de que o rol do art. 1.015 do CPC/15 era taxatividade irrestrita, negando, por consequência, a possibilidade de interpretação extensiva ou de analogia. 

A tese veiculada no recurso especial, contudo, não está fundada na extensão ou na analogia, mas, sim, no próprio conteúdo e na incidência, na hipótese, da regra contida no art. 1.015, IX, do CPC/15, que assim dispõe, in verbis: 

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; 

De um lado, não há dúvida acerca da recorribilidade imediata, por agravo de instrumento, da decisão interlocutória que versa exclusivamente sobre a admissão e inadmissão da intervenção do terceiro – art. 1.015, IX, do CPC/15, hipótese que se justifica, como bem destacam Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, no fato de que os limites subjetivos da coisa julgada necessariamente precisam estar definidos na época da prolação da sentença de mérito. (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 16ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 2.240). 

De outro lado, também não há dúvida de que a decisão interlocutória publicada após 19/12/2018 e que versa exclusivamente sobre competência será, igualmente, recorrível de imediato por agravo de instrumento com base na tese jurídica da taxatividade mitigada (tema 988), especialmente quando se verifica que o precedente vinculante se formou a partir de recursos especiais que envolviam, justamente, competência. 

A questão controvertida está na hipótese de um pronunciamento judicial de natureza complexa, que, acolhendo ou rejeitando a intervenção do terceiro, também se pronuncia sobre a necessidade, ou não, de modificação da competência em virtude da referida intervenção. 

Dada a ausência de doutrina que tenha tratado especificamente desse tema, é preciso construir e estabelecer critérios decisórios para a solução da questão, tendo como fundamento, sobretudo, o conteúdo de cada pronunciamento judicial. 

Nesse particular, anote-se que, embora exista uma profunda imbricação entre os conteúdos de cada parcela do pronunciamento jurisdicional em exame – intervenção de terceiro e competência – é possível inseri-los em compartimentos estanques e perfeitamente definidos para, a partir daí, estabelecer a natureza da conexão havida entre eles. 

O primeiro critério que se pode fixar diz respeito a preponderância de carga decisória, ou seja, qual dos elementos que compõem o pronunciamento judicial é mais relevante, critério que se pode importar, por analogia, da classificação das ações delineada por Pontes de Miranda. 

A partir desse critério, conclui-se que a intervenção de terceiro exerce relação de dominância sobre a competência, sobretudo porque, na hipótese, somente se pode cogitar de uma alteração de competência do órgão julgador se – e apenas se – houver a admissão ou inadmissão do terceiro apto a provocar essa modificação. 

Daí decorre, inclusive, o segundo critério que se pode estabelecer para solver a controvérsia, calcado na lógica do antecedente-consequente e na ideia das questões prejudiciais e das questões prejudicadas que se pode emprestar da própria ciência processual, em que se verifica se a primeira matéria – intervenção de terceiro – influencia o modo de se decidir a segunda matéria – competência. 

No ponto, conclui-se que a intervenção de terceiro é o antecedente que leva, consequentemente, ao exame da competência, induzindo a um determinado resultado – se deferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, haverá alteração da competência para a Justiça Federal; se indeferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, haverá manutenção da competência na Justiça Estadual. 

É também relevante examinar, nesse contexto, o foco da irresignação da parte agravante em suas razões recursais para que se conclua pela incidência do art. 1.015, IX, do CPC/15, ou seja, se a impugnação se dirige precipuamente para a questão da intervenção de terceiro ou para a questão da competência. 3

Na hipótese em exame, verifica-se que a decisão interlocutória, a despeito da nítida ausência de fundamentação exauriente, afirma que “a Caixa Econômica Federal manifestou interesse em integrar a presente demanda em relação aos autores José Maria, Juracy Medeiros Leal e Lea Aparecida dos Santos” e que esse é o motivo pelo qual se conclui pela incompetência do Juízo Estadual somente em relação especificamente a esses autores-recorridos. 

Nas razões recursais de fls. 4/30 (e-STJ), verifica-se que, diferentemente do que se consignou no acórdão recorrido, o foco da irresignação é o fato de que o interesse jurídico que justificaria a intervenção da Caixa Econômica Federal existiria em relação a todos os autores-recorridos e não somente àqueles acima nominadas, declinando o recorrente os fundamentos de fato e de direito correspondentes a essa pretensão e apontando – sucintamente, a propósito – que a remessa do processo para a Justiça Federal teria como consequência uma série de prejuízos de índole processual. 

Finalmente, registre-se que não há óbice ao enfrentamento da questão controvertida em virtude do reconhecimento de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal no RE 827.996/PR (tema 1011, definido como “controvérsia relativa à existência de interesse jurídico da Caixa Econômica Federal para ingressar como parte ou terceira interessada nas ações envolvendo seguros de mútuo habitacional no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação e, consequentemente, à competência da Justiça Federal para o processamento e o julgamento das ações dessa natureza”). 

A uma, porque não houve determinação de suspensão de todos os processos pendentes que envolvam a mesma questão de direito e, a duas, porque até que se defina a questão no âmbito do Supremo Tribunal Federal, vigora o entendimento de que a intervenção da Caixa Econômica Federal, quando cabível, se dá na modalidade de assistência simples, que é espécie do gênero “intervenção de terceiro” (EDcl nos EDcl no REsp 1.091.393/SC, 2ª Seção, DJe 14/12/2012). 

Em síntese, por qualquer ângulo que se examine a controvérsia, conclui-se que a decisão que versa sobre a admissão ou inadmissão de terceiro é recorrível de imediato por agravo de instrumento fundado no art. 1.015, IX, do CPC/15, ainda que da intervenção resulte modificação ou não da competência, que, nesse contexto, é uma decorrência lógica, evidente e automática do exame da questão principal. 

2. CONCLUSÃO 

Forte nessas razões, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso especial, determinando o retorno do processo ao TJ/PR para que, afastado o óbice do cabimento, examine a presença dos demais pressupostos de admissibilidade e, se admissível o agravo de instrumento, examine a alegação de que deveria a Caixa Econômica Federal intervir também em relação aos demais recorridos. 

5 de maio de 2021

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA EM SEGUNDA FASE DE AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. CONTEÚDO NÃO ABRANGIDO PELO ART. 1.015, INCISOS, DO CPC/15. ATIVIDADES JURISDICIONAIS DESENVOLVIDAS NAS DUAS FASES DA AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. NATUREZA JURÍDICA COGNITIVA. FASE DE LIQUIDAÇÃO OU DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA QUE SOMENTE SE INICIA APÓS A PROLAÇÃO DA SENTENÇA PROFERIDA NA SEGUNDA FASE DA AÇÃO. INAPLICABILIDADE DO REGIME RECURSAL PREVISTO NO ART. 1.015, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/15. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL PARA RECORRIBILIDADE DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA IMPUGNADA. INAPLICABILIDADE DA TESE DA TAXATIVIDADE MITIGADA.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.821.793 - RJ (2019/0177609-4) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA EM SEGUNDA FASE DE AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. CONTEÚDO NÃO ABRANGIDO PELO ART. 1.015, INCISOS, DO CPC/15. ATIVIDADES JURISDICIONAIS DESENVOLVIDAS NAS DUAS FASES DA AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. NATUREZA JURÍDICA COGNITIVA. FASE DE LIQUIDAÇÃO OU DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA QUE SOMENTE SE INICIA APÓS A PROLAÇÃO DA SENTENÇA PROFERIDA NA SEGUNDA FASE DA AÇÃO. NECESSIDADE DE PRÉVIO ACERTAMENTO DA RELAÇÃO JURÍDICA DE DIREITO MATERIAL, SEJA QUANTO AO DEVER DE PRESTAR OU DE EXIGIR CONTAS, SEJA QUANTO A APURAÇÃO DE CRÉDITO, DÉBITO E EXISTÊNCIA DE SALDO. INAPLICABILIDADE DO REGIME RECURSAL PREVISTO NO ART. 1.015, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/15. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL PARA RECORRIBILIDADE DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA IMPUGNADA. INAPLICABILIDADE DA TESE DA TAXATIVIDADE MITIGADA. 

1- Recurso especial interposto em 05/09/2018 e atribuído à Relatora em 18/07/2019. 

2- O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que, na segunda fase da ação de prestação de contas, defere a produção de prova pericial contábil, nomeia perito e defere prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, é imediatamente recorrível por agravo de instrumento com fundamento no art. 1.015, parágrafo único, do CPC/15. 

3- A ação de prestação de contas é de rito especial e possui estrutura procedimental diferenciada, em que a primeira fase visa discutir a existência ou não do direito de exigir ou de prestar contas e a segunda fase julga a própria prestação das contas a partir das receitas, despesas e eventual saldo, de modo que a atividade jurisdicional desenvolvida em ambas as fases possui natureza jurídica cognitiva própria da fase de conhecimento, tendo em vista a necessidade de acertamento da relação jurídica de direito material que vincula as partes. 

4- A fase de cumprimento da sentença e, eventualmente, de liquidação da sentença na ação de prestação de contas apenas pode ser deflagrada após a prolação da sentença proferida na segunda fase dessa ação, oportunidade em que a cognição acerca do dever de prestar ou de exigir e a apuração de créditos, débitos e existência de saldo estarão definitivamente julgadas, viabilizando, se necessário, a liquidação da sentença condenatória e a cobrança do valor apurado sob a forma de cumprimento da sentença. 

5- Na hipótese, a decisão interlocutória que, na segunda fase da ação de prestação contas, defere a produção de prova pericial contábil, nomeia perito e defere prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, não se submete ao regime recursal estabelecido para as fases de liquidação e cumprimento da sentença (art. 1.015, parágrafo único, do CPC/15), mas, sim, aplica-se o regime recursal aplicável à fase de conhecimento (art. 1.015, caput e incisos, CPC/15), que não admite a recorribilidade imediata da decisão interlocutória com o referido conteúdo, não se aplicando, ademais, a tese da taxatividade mitigada por se tratar de decisão interlocutória publicada anteriormente a publicação do acórdão que fixou a tese e modulou os seus efeitos. 

6- Recurso especial conhecido e desprovido. 

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 20 de agosto de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): 

Cuida-se de recurso especial interposto por FURNAS CENTRAIS ELÉTRICAS S.A., com base na alínea “a” do permissivo constitucional, em face de acórdão do TJ/RJ que, por unanimidade, não conheceu do agravo de instrumento por ela interposto. 

Recurso especial interposto e m: 05/09/2018. 

Atribuído ao gabinete e m: 18/07/2019. 

Ação: de exigir contas, ajuizada por INNOVA COMÉRCIO IMPORTAÇÃO EXPORTAÇÃO E SERVIÇOS DE ENGENHARIA LTDA. em face da recorrente. 

Decisão interlocutória: na segunda fase da ação de exigir contas, deferiu a produção de prova pericial contábil para a apuração do valor devido, nomeou perito e deferiu prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes técnicos. 

Acórdão: por unanimidade, não conheceu do agravo de instrumento interposto pela recorrente, nos termos da seguinte ementa: 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ação de exigir contas. Decisão que deferiu a produção de prova pericial contábil. Hipótese não enquadrada no rol taxativo do artigo 1.015 do NCPC. RECURSO QUE NÃO SE CONHECE. (fls. 45/51, e-STJ). 

Embargos de declaração: opostos pelo recorrente, foram rejeitados por unanimidade (fls. 58/61, e-STJ). 

Recurso especial: alega-se violação ao art. 1.015, parágrafo único, do CPC/15, ao fundamento de que as atividades jurisdicionais desenvolvidas na segunda fase da ação de exigir contas são de liquidação e de cumprimento da sentença proferida na primeira fase, razão pela qual haveria ampla recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas nessas fases. 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que, na segunda fase da ação de prestação de contas, defere a produção de prova pericial contábil, nomeia perito e defere prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, é imediatamente recorrível por agravo de instrumento com fundamento no art. 1.015, parágrafo único, do CPC/15. 

1. NATUREZA DA ATIVIDADE JUDICIAL DESENVOLVIDA NA SEGUNDA FASE DA AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 1.015, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/15. 

Preliminarmente, destaque-se que a matéria se encontra devidamente prequestionada, pois, ao julgar os aclaratórios opostos pela recorrente, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a despeito de rejeitá-los, complementou a fundamentação do acórdão recorrido para declinar os motivos pelos quais a decisão interlocutória em exame seria irrecorrível de imediato. 

Superada a questão, verifica-se que a tese deduzida no recurso especial é de que, superada a primeira fase da ação de prestação de contas, todas as atividades desenvolvidas subsequentemente possuiriam natureza de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, razão pela qual a decisão interlocutória que, na segunda fase da referida ação, deferiu a produção de prova pericial contábil, nomeou perito e deferiu prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, seria imediatamente recorrível por agravo de instrumento em razão do art. 1.015, parágrafo único, do CPC/15. 

De início, anote-se que, na esteira da jurisprudência desta Corte, “a ação de prestação de contas é de rito especial e possui estrutura procedimental diferenciada que, a depender das condutas das partes, pode se desdobrar em um procedimento bifásico, em que: (i) a primeira fase visa discutir essencialmente a existência ou não do direito de exigir ou de prestar contas; (ii) a segunda fase busca a efetiva prestação das contas, levando-se em consideração as receitas, as despesas e o saldo”. (REsp 1.480.810/ES, 3ª Turma, DJe 26/03/2018). 

Estabelecidas essas premissas, verifica-se, a partir do exame do conjunto de regras que disciplinam a ação de prestação de contas, no CPC/73 e no CPC/15, que a atividade jurisdicional que se desenvolve na segunda fase dessa ação de procedimento especial não é de liquidação ou de cumprimento de sentença, mas, sim, de cognição própria da fase de conhecimento, em que há o acertamento da relação jurídica de direito material que vincula as partes. 

Com efeito, ainda na vigência do CPC/73, dispunha o art. 918, fazendo referência à sentença proferida na segunda fase da ação, que “o saldo credor declarado na sentença poderá ser cobrado em execução forçada”, o que demonstra que o início da fase de cumprimento ou a execução somente ocorrerá após a efetiva prestação das contas, apurando-se as receitas, as despesas e o saldo. 

Examinando a questão sob a ótica do CPC/73, lecionam Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero: 

5. Fases. O procedimento da ação da prestação de contas apresenta fases distintas: na primeira, declara-se a existência ou inexistência do dever de prestar contas; na segunda, prestam-se as contas devidas (art. 917, CPC) e, na terceira, executa-se (art. 918, CPC), mediante cumprimento de sentença (art. 475-J, CPC) o saldo eventualmente apurado, servindo a decisão judicial como título executivo. (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado artigo por artigo. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 837). 

Se a atividade jurisdicional desenvolvida da segunda fase da ação de prestação de contas já era bastante clara na vigência da legislação revogada, fato é que a natureza jurídica cognitiva dessa atividade fica ainda mais evidente na vigência do CPC/15. 

Com efeito, anote-se inicialmente que o art. 550, §2º, afirma que “prestadas as contas, o autor terá 15 (quinze) dias para se manifestar, prosseguindo-se o processo na forma do Capítulo X do Título I deste Livro”. Para melhor referência, relembre-se que o Título I do Livro I trata justamente de procedimento comum no processo de conhecimento e o capítulo X, por sua vez, trata justamente do julgamento conforme o estado do processo na fase de conhecimento do procedimento comum. 

Daí porque, de igual modo, diz o art. 550, §4º, que “se o réu não contestar o pedido, observar-se-á o disposto no art. 355”, que versa sobre o julgamento antecipado de mérito na fase de conhecimento do procedimento comum. 

Corrobora a natureza cognitiva da primeira e da segunda fase da ação de exigir contas, ademais, o conteúdo do art. 552, que aprimorando a redação do art. 918 do CPC/73, dispõe que “a sentença apurará o saldo e constituirá título executivo judicial”. 

Em comentário ao referido dispositivo legal, Teresa Arruda Alvim, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello ensinam: 

Ação de caráter dúplice. A ação de exigir contas ostenta caráter dúplice, vale dizer, ambas as partes, independentemente de se encontrarem no polo ativo ou no polo passivo da ação, poderão obter em seu favor pronunciamento jurisdicional condenatório que lhe permita promover a cobrança do saldo credor que eventualmente seja apurado nas contas prestadas. 1.1. Com efeito, é certo que não necessariamente o saldo apurado quando da prestação de contas será favorável ao credor de contas: é plenamente factível que o prestador de contas (o réu) seja credor de quantias em face do autor, do que decorre que o réu será, ao cabo da demanda, credor do autor. 1.2. Tal circunstância (tanto autor quanto réu da ação de exigir contas poderão ser beneficiários de provimento condenatório ao pagamento de quantias) permite que a sentença que julgar as contas apresentadas consista em título executivo representativo de crédito do autor ou o do réu. 1.3. Em caso de apuração do saldo favorável a uma das partes, a parte beneficiária deverá promover a respectiva cobrança, que se dará sob a forma de cumprimento de sentença. (ARRUDA ALVIM, Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 1.005/1.006). 

Exatamente no mesmo sentido são as lições de Fernando da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcellos Roque e Zulmar Duarte de Oliveira Jr.: 

A sentença que, ao julgar as contas, apurar saldo (credor ou devedor) – independentemente de pedido do réu/administrador –, declarará o montante devido e valerá como título executivo judicial, facultado ao réu/credor (ou mesmo ao autor/credor) promover-lhe o cumprimento nos próprios autos. Evidentemente, caso as contas sejam exatas, isto é, as despesas coincidam integralmente com as receitas, o juiz julgará boas as contas e não declarará saldo algum em favor de quem quer que seja. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016. p. 916). 

Conclui-se, portanto, que a fase de cumprimento da sentença na ação de prestação de contas apenas se iniciará após a prolação da sentença condenatória que porventura vier a ser proferida na segunda fase do referido procedimento especial. 

De outro lado, embora seja possível, em tese, a existência subsequente de uma fase de liquidação da sentença proferida na ação de exigir contas, fato é que, além de se tratar de uma circunstância rara (na medida em que a segunda fase dessa ação se destina, justamente, a apurar e a quantificar as receitas, as despesas e o eventual saldo), a fase de liquidação a que se referem os arts. 509 a 512 do CPC/15 não prescinde da pré-existência de uma sentença condenatória ilíquida que somente é proferida, na ação de exigir contas, no momento em que se encerra a segunda fase. 

Na hipótese, pois, a decisão interlocutória que, na segunda fase da referida ação, deferiu a produção de prova pericial contábil, nomeou perito e deferiu prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, não se submete ao regime recursal diferenciado que o legislador estabeleceu para as fases de liquidação e cumprimento da sentença (art. 1.015, parágrafo único, do CPC/15), mas, ao revés, ao regime recursal aplicável à fase de conhecimento (art. 1.015, caput e incisos, CPC/15). 

Assim, inexiste previsão legal para a recorribilidade imediata da referida decisão interlocutória a partir das hipóteses de cabimento arroladas nos incisos do art. 1.015 do CPC/15 e, ademais, não se trata de hipótese em que se possa aplicar a aplicação da tese da taxatividade mitigada, pois a decisão interlocutória impugnada foi publicada em 11/06/2018, ou seja, anteriormente a publicação do acórdão que fixou a tese e modulou os seus efeitos. 

2. CONCLUSÕES. 

Forte nessas razões, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.